Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
2670/20.4T8MAI-A.P1.S1
Nº Convencional: 2.ª SECÇÃO
Relator: CATARINA SERRA
Descritores: PRESTAÇÃO DE CONTAS
INVENTÁRIO
NULIDADE DE ACÓRDÃO
ARGUIÇÃO DE NULIDADES
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
ANULAÇÃO DE ACÓRDÃO
BAIXA DO PROCESSO AO TRIBUNAL RECORRIDO
Data do Acordão: 02/08/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: ANULADO O ACÓRDÃO RECORRIDO
Sumário :
Sempre que o Supremo Tribunal de Justiça julgue procedente a arguição de nulidade por omissão de pronúncia (ou, em geral, alguma das nulidades não previstas no artigo 615.º, n.º 1, als. c), d), 2.ª parte, e e), do CPC), deve anular o Acórdão e mandar baixar o processo à Relação, para que aí se proceda à reforma do Acórdão, se possível, com a intervenção dos mesmos juízes (cfr. artigo 684.º, n.º 2, do CPC).
Decisão Texto Integral:

ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA


I. RELATÓRIO

Recorrente: AA

Recorrida: BB

1. Por apenso aos autos de inventário que correm termos para partilha da herança de CC, veio DD intentar a presente acção especial requerendo a prestação de contas pelo cabeça de casal AA da administração do respectivo acervo hereditário que levou a cabo no período compreendido entre 20 de janeiro de 2015 e 30 de dezembro de 2020.

2. Regularmente citado, o réu não contestou a obrigação de prestação de contas, apresentando contas sob a forma de conta corrente com especificação das receitas recebidas e da aplicação das despesas.

3. Respondeu a autora, acusando a falta de relacionação de receitas e impugnando parte das despesas apresentadas.

4. Por despacho de 16.11.2021 foi admitida a intervenção principal provocada dos herdeiros EE e FF.

5. Citados, os chamados vieram aderir ao articulado apresentado pelo réu.

6. Teve lugar audiência prévia, no âmbito da qual se fixou o objeto do litígio e se enunciaram os temas da prova.

7. Realizou-se audiência final, vindo a ser proferida sentença na qual se decidiu:

Pelo exposto, julgo a presente acção procedente e em consequência julgo parcialmente justificadas as contas apresentadas pelo Réu relativas ao período compreendido entre 21.01.2015 e 31.05.2021 e condeno o Réu a proceder à distribuição do saldo de 34.847,74 € pelos interessados nos autos de inventário, na proporção da sua quota, qual seja 33,33% a favor da Autora e do Réu e 16,66 % a favor dos chamados.

Condeno Autora e Réu no pagamento das custas da acção, na proporção de metade”.

8. Não se conformando com o assim decidido, veio o réu interpor o recurso de apelação.

9. O Tribunal da Relação do Porto proferiu Acórdão em cujo dispositivo pode ler-se:

Pelos fundamentos acima expostos, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar a apelação parcialmente procedente, julgando parcialmente justificadas as apresentadas pelo réu relativamente ao período compreendido entre 21 de janeiro de 2015 a 31 de dezembro de 2020, condenando-o a proceder à distribuição do saldo de € 26.705,56 (vinte e seis mil setecentos e cinco euros e cinquenta e seis cêntimos) pelos interessados nos autos de inventário, na proporção da sua quota, ou seja, 33,3333% a favor da autora, 33,3333% a favor do réu e 16,6666% a favor de cada um dos chamados.

Em conformidade com o disposto no art. 443º, nº 1 do Código de Processo Civil e no art. 27º do Regulamento das Custas Processuais, determina-se o desentranhamento e a devolução ao apelante dos documentos que ofereceu com as suas alegações, condenando-o na multa de duas UCs pelo incidente a que deu.

Custas, em ambas as instâncias, a cargo da Autora e Réu na proporção de metade para cada um deles”.

10. Vem agora o réu AA recorrer deste Acórdão para o Supremo Tribunal de Justiça, concluindo as suas alegações assim:

1. Recorre-se de Revista do douto Acórdão, datado de 23.10.2023, com a referência 17358656, notificado via CITIUS, com data certificada pelo sistema em 24.10.2023, que que julgou a apelação apenas parcialmente procedente, decidindo pela inadmissibilidade da junção de documentos, ordenando o seu desentranhamento com a condenação da Apelante na multa de duas UCs e, nesta decorrência, julgou apenas parcialmente justificadas as contas prestadas pelo apelante relativamente ao período de 20.01.2015 a 31.12.2020, condenando este na distribuição do saldo de € 26.705,56 pelos interessados nos autos do inventário, nas proporções das respectivas quotas, decidindo ainda quanto a custas serem as mesmas a suportar em ambas as instâncias na proporção de metade a cargo de apelante e apelada.

2. Constitui objecto do presente recurso a rectificação de erro de cálculo ou escrita e a revogação da decisão de mérito, com fundamento na violação ou errada aplicação da lei substantiva e processual e na nulidade dos artigos 615º, nº 1, al. d), 666º, nº1 (artigo 674º, nº 1, als. a) a c) do CPC.

3. Impetra-se a rectificação de erro de cálculo ou escrita, à luz do disposto nos artigos 614º, nºs 1 e 2 e 666º, nºs 1 e 2 do CPC, patente no item 4.1., alínea a), da decisão recorrida, onde, no provimento da apelação, doutamente se consignou que o período normal e legal de prestação de contas pelo cabeça de casal se reporta ao ano civil, o que importou a redução dos valores das receitas e das despesas ao período de 20 de Janeiro de 2015 a 31 de Dezembro de 2020.

4. Sendo que, no que toca às despesas incorridas na administração da herança, no final do penúltimo parágrafo de tal alínea se escreveu que as mesmas se cifraram em 78.914,19, quando o somatório das despesas restritas ao período em evidência, como emerge da tabela que integra o nº 4 do elenco dos factos provados é de € 79.914,19, o que se imputa a erro de cálculo ou de escrita, que se pretende ver corrigido, com reflexo no valor fixado para o saldo positivo a distribuir pelos interessados, que é de € 25.705,56 e não de € 26.705,56, como erradamente se consigna no último parágrafo do segmento decisório em evidência, bem como no Dispositivo do douto Acórdão em recurso.

5. Pretende ver-se declarada a nulidade do douto Acórdão em crise, com fundamento na alínea d), do nº 1 do artigo 615º do CPC ex vi do disposto no artigo 666º do mesmo código, pela omissão de pronúncia sobre questão essencial, enquadrada no disposto no artigo 2093º, nº 3 do CC, que deveria ter sido objecto de apreciação e decisão, patente na página 19 do corpo e nas conclusões XXXV e XXXVI da alegação recursiva, reproduzidas no contexto das presentes,.

6. Trata-se da questão de decisiva importância, com reflexo no valor do saldo a distribuir pelos interessados, atinente à necessidade de deduzir um montante provisional ao saldo a distribuir, com vista à satisfação dos encargos com a administração da herança no ano de 2021, que se peticionou no valor mínimo de € 10.000,00 e se louvou na natureza incerta das receitas, patentes na sua única fonte–as rendas, atentos os inúmeros casos de mora e incumprimento -por contraponto com as despesas, que só em cinco meses do ano de 2021,até 31de Maio de 2021, atingiram o montante de cerca de € 7.500,00.

7. Tal questão não se pode nem deve considerar prejudicada pela desconsideração do período posterior a 31 de Dezembro de 2020, na medida em que tal provisão sempre teria que recar sobre o período de 1 a 31 de Dezembro de 2020.

8. Quanto à decisão de facto e de mérito, merece convicta divergência o decidido acerca da inadmissibilidade da junção de documentos, autonomizada em 2 do douto Acórdão em crise, com decisivo reflexo na decisão proferida sobre a impugnação da matéria de facto, no que tange ao somatório das despesas e bem assim quanto ao saldo a distribuir pelos interessados.

9. Com as alegações recursivas o Apelante juntou nove documentos, cinco dos quais, referentes a receita, já constam dos autos, sendo que tal junção foi considerada impertinente pelo tribunal recorrido e enquadrada no preceituado no artigo 443º do CPC, ordenando-se o seu desentranhamento, por ser entendida como uma duplicação e condenando-se o Apelante numa multa fixada em € 2 UCs.

10. É ostensivo que tais documentos só foram juntos num contexto e expresso propósito de colaboração com o tribunal recorrido, patente na expressão “para maior facilidade de análise”, atenta a extensão do acervo documental que integra os autos, que comporta mais de 1500 documentos.

11. Donde não ser possível integrar tal acto de ostensiva boa colaboração com o tribunal numa conduta impertinente enquadrada no disposto no artigo 443º do CPC e sancionada com o desentranhamento e multa, a impor a revogação do decidido, por erro de interpretação e aplicação do preceito em evidência.

12. No que tange aos demais documentos, como se refere na douta decisão em crise, por referência ao dispostonosartigos425º e651º, nº 1do CPC, as partes só podem juntar documentos subjectiva ou objectivamente supervenientes.

13. Distingue-se a superveniência objectiva, que ocorre quando o documento foi produzido posteriormente ao encerramento da discussão, da subjectiva, quê se verifica quando a parte tiver conhecimento da existência desse documento depois de tal momento.

14. Diverge-se aqui do decidido, quando se afirma ser manifesto que todos os documentos oferecidos pela apelante não são objectivamente supervenientes, na errática consideração de que todos eles foram produzidos em momento anterior à prolação da decisão recorrida, que data de 12.04.2023, tendo sido notificada às partes via CITIUS, na mesma data, notificação que se presume recebida em 17.04.2023.

15. É mister concluir que o recorrente só recebeu o documento junto sob o número10 com as alegações da apelação -email do Apoio ao Cliente da SU ELETRICIDADE, -email apoiocliente@sueletricidade.pt e respectivos anexos em 08/05/2023, donde emerge a objectiva superveniência dos mesmos.

16. E que, mesmo que assim senão entenda e se considere tratar-se de uma superveniência subjectiva, conforme decorre do teor do documento junto, com a epígrafe ”pedidos”, foram realizados diversos contactos e pedidos junto da EDP (actual SU), ali assinalados, para emissão de 2ª via das faturas do contrato ........01, respeitante ao imóvel da referida verba, sendo a morada contratual a Rua ..., nº 266, nunca tendo sido satisfeitos e autorizados, o que só ocorreu após a notificação da douta sentença recorrida, que instruiu e fundamentou o pedido, atendido em 08.05.2023, com a disponibilização do acervo documental junto.

17. Merece evidência que as 2ªs vias das facturas se mostram emitidas em nome do falecido GG, marido da inventariada e pai do cabeça de casal e endereçadas para uma morada que não é a deste, o que comprova a impossibilidade de junção anterior, não emergente de culpa do recorrente, como se alegou e documentou.

18. Tanto quanto se conclui nos antecedentes tem directo e notório reflexo na solução sobre a impugnação da decisão de facto preconizada no acórdão em recurso quanto às despesas realizadas e pagas a este fornecedor e prestador de serviços, relativas a consumos de energia do imóvel relacionado sob a verba nº 56 da relação de bens, a impor a revogação do decidido e a consideração de todo o montante documentado, no valor de € 1.638,72, tendo presente que o assim decidido se louvou na desconsideração do evidenciado acervo documental, na errática interpretação e aplicação do disposto nos artigos 425º e 651º, nº 1do CPC, a impor revogação, à luz do disposto no artigo 674º, nº 1, al. b) do CPC.

19. Requer-se e espera-se a douta sindicância de V. Exas., ao abrigo do disposto no artigo 674º, nº 3 do CPC, relativamente ao erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa no que tange às despesas com pagamentos à Administração Tributária por dívidas fiscais da inventariada (com o NIF .......00) e dívidas da herança (com o NIF .......72), posto que ocorre ofensa de uma disposição expressa de lei que que fixa a força probatória dos documentos–certidões emitidas pela AT -juntas pelo apelante, que têm a natureza de documentos autênticos e gozam de força probatória plena – ut. artigos 369º e 371º do CC.

20. No segmento decisório do douto acórdão em crise, relativo à apreciação da impugnação da decisão de facto (3.3.) decidiu-se que o cabeça de casal apresentou despesas com pagamentos à Administração Tributária por dívidas fiscais da inventariada (como NIF .......00) e dívidas da herança (com o NIF .......72) em valor que se cifra em € 3 9.787,05 e que na sentença recorrida, a esse título, apenas foi considerado o valor de € 28.807,22.

21. Sendo pretensão do apelante, desatendida pelo tribunal recorrido, por alegada falta de suporte documental demonstrativo do pagamento, que o valor remanescente de € 10.979,94 seja igualmente atendido como despesa.

22. Cumpre aqui concluir, em consonância com o alegado no contexto, que em sede de Audiência Prévia, que teve lugar nestes autos em 7 de Dezembro de 2022, foi proferido douto despacho que ordenou a junção aos mesmos de certidão tributária dos processos executivos mencionados na lista anexa ao requerimento de 11.05.2022,com indicação do sujeito passivo, como emerge da respectiva acta.

24. Por requerimento de 4.01.2023, com a referência 44302209 o Recorrente, em cumprimento do doutamente ordenado, procedeu à junção de duas certidões, emitidas pela AT, uma pelo Serviço de Finanças de ... em 28.06.2022 e outra pelo Serviço de Finanças da ... em 15.07.2022, sendo que da primeira de tais certidões emergem pagamentos de dívidas fiscais da inventariada (com o NIF .......00) no valor de € 22.915,60 e da segunda decorre que o valor pago após 20.01.2015 relativo a tal contribuinte foi de € 11.098,63, pelo que o montante total pago à AT, relativo ao contribuinte .......00, no âmbito de processos executivos foi de € 34.014,23 e com o NIF .......72 (NIF da Herança) o valor pago após tal data foi de € 5.772,82, ostentando e comprovando tais certidões, de forma plena, pagamentos no valor global de € 39.787,05.

24. Pelo que, na revogação do decidido, com o invocado fundamento e enquadramento, deve considerar-se ocorrer ofensa de uma disposição expressa de lei, invocada em 19 antecedente, que fixa a força probatória dos documentos – certidões - juntas pelo apelante, em cumprimento do doutamente ordenado, quanto ao valor das despesas da proveniência em apreço, com a consideração do montante de € 10.979,94, com reflexo no saldo a distribuir pelos interessados, a que importa deduzir tal valor desconsiderado pelas instâncias.

25. Ainda, sem prejuízo do alegado e concluído de 5 a 7 antecedentes, em sede da invocada nulidade, que aqui por economia se dá por integrado, é convicção do Recorrente que a douta decisão recorrida ostenta violação, por erro de interpretação e aplicação, do disposto no artigo 2093º, nº 3 do CC, ao desconsiderar a necessidade alegada pelo Recorrente de deduzir um montante provisional ao saldo a distribuir, com vista à satisfação dos encargos da administração do ano de 2021, que pelos motivos ali apontados que se prendem com a natureza incerta das receitas–rendas- que os autos ostentam, se pretendeu ver fixado num mínimo de € 10.000,00, a descontar no saldo a distribuir pelos interessados.

26. Diverge-se da solução preconizada e autonomizada no item 4.2 do douto Acórdão em crise, que conclui pela condenação de Recorrente e Recorrida, em ambas as instâncias no pagamento das custas na proporção de metade, por se considerar ocorrer erro de interpretação e aplicação do disposto no artigo 527º, nºs 1 e 2 do CPC, a impor revogação.

27. Posto que, tendo em atenção a prevalência do princípio da causalidade no critério de distribuição da responsabilidade pelas custas e da subsidiariedade na questão da vantagem ou proveito processual e a definição de causalidade ínsita no nº 2 do sobredito preceito, é nosso entendimento que a Recorrida, que impugnou as receitas e a quase totalidade das despesas, deu causa às custas do processo por se mostrar vencida em ambas as instâncias em proporção incomensuravelmente superior à do Recorrido, numa proporção de cerca de 90% /10%.

28. Por fim, tendo presente quanto se alegou e concluiu de 8 a 24, acerca da (in)admissibilidade da prova documental, que por economia aqui se dá por integrado, é convicção do Recorrente que a junção de documentos nos termos em que foi realizada e justificada não tem enquadramento no disposto no artigo 443º, nº 1 do CPC e 27º do RCP, preceito que se considera erraticamente interpretado e aplicado, a impor revogação e absolvição do Recorrente da condenação na multa de 2 UCs. E sempre a sua redução ao mínimo legal, de 0.5 UC”.

11. O Exmo. Senhor Desembargador proferiu despacho com o seguinte teor:

Por se mostrarem verificados os pertinentes pressupostos formais, admite-se o recurso de revista interposto pelo cabeça-de-casal, a subir imediatamente nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.

Subam os autos ao S.T.J.”.


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Sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões do recorrente (cfr. artigos 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1, do CPC), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (cfr. artigos 608.º, n.º 2, ex vi do artigo 663.º, n.º 2, do CPC), as questões a decidir, in casu, são as de saber:

1.ª) se o Acórdão recorrido padece de nulidade por omissão de pronúncia relativamente à questão enunciada nas conclusões XXXV e XXXVI das alegações do recurso de apelação (cfr. conclusões 3 e 4);

2.º) se o Tribunal recorrido devia ter admitido a junção de documentos (cfr. conclusões 8 a 24) e, no caso contrário, se a decisão de condenação do réu em multa por este incidente deve ser revogada ou, em qualquer caso, a multa reduzida ao mínimo legal (cfr. conclusão 28);

3.ª) se o Tribunal recorrido cometeu erro de cálculo ou de escrita ao considerar que as despesas incorridas na administração da herança eram no montante de € 78.914, 19 em vez de € 79.914, 19 (cfr. conclusões 5 a 7);

4.º) se deve ser descontado ao saldo a distribuir o montante provisional com vista à satisfação dos encargos da administração da herança relativos ao ano de 2021 (cfr. conclusão 25);

5.ª) se a condenação em custas deve ser repartida na proporção de 90% para a autora e de 10% para o réu (cfr. conclusões 26 e 27).


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II. FUNDAMENTAÇÃO

OS FACTOS

São os seguintes os factos que vêm provados no Acórdão recorrido:

1. A autora e o réu são herdeiros da herança aberta e indivisa por óbito da sua Mãe, CC, falecida em ........2015.

2. A autora, requereu, em consequência daquele decesso, o processo de Inventário para partilha dos bens que integram o acervo hereditário da inventariada, a que os presentes correm por apenso, onde foi nomeado Cabeça de Casal o aqui réu, AA.

3. O réu exerce de facto e de direito as funções de cabeça de casal desde o falecimento da inventariada em ........2015.

4. Foram as seguintes as receitas e despesas efetuadas pelo cabeça de casal com a administração da herança:

(Por dificuldades gráficas, dá-se aqui por reproduzido o quadro constante do Acórdão recorrido com as alterações introduzidas pelo Tribunal recorrido por força da alteração da decisão sobre a matéria de facto1).

5. O réu recebeu subsídio de funeral no montante de 1.257,66 €.

E são seguintes os factos considerados não provados no Acórdão recorrido:

1. Foram efectuadas pelo cabeça de casal as seguintes despesas com a administração da herança:

(Por dificuldades gráficas, dá-se aqui por reproduzido o quadro constante do Acórdão recorrido com as alterações introduzidas pelo Tribunal recorrido por força da alteração da decisão sobre a matéria de facto).

2. Existem arrendamentos cuja renda o réu recebe em dinheiro e não declara.

O DIREITO

1. Da nulidade por omissão de pronúncia

Como se viu, o réu / ora recorrente alega, na presente revista, a omissão de pronúncia quanto à questão enunciada nas conclusões XXXV e XXXVI do recurso de apelação:

5. Pretende ver-se declarada a nulidade do douto Acórdão em crise, com fundamento na alínea d), do nº 1 do artigo 615º do CPC ex vi do disposto no artigo 666º do mesmo código, pela omissão de pronúncia sobre questão essencial, enquadrada no disposto no artigo 2093º, nº 3 do CC, que deveria ter sido objecto de apreciação e decisão, patente na página 19 do corpo e nas conclusões XXXV e XXXVI da alegação recursiva, reproduzidas no contexto das presentes,.

6. Trata-se da questão de decisiva importância, com reflexo no valor do saldo a distribuir pelos interessados, atinente à necessidade de deduzir um montante provisional ao saldo a distribuir, com vista à satisfação dos encargos com a administração da herança no ano de 2021, que se peticionou no valor mínimo de € 10.000,00 e se louvou na natureza incerta das receitas, patentes na sua única fonte–as rendas, atentos os inúmeros casos de mora e incumprimento -por contraponto com as despesas, que só em cinco meses do ano de 2021,até 31de Maio de 2021, atingiram o montante de cerca de € 7.500,00.

7. Tal questão não se pode nem deve considerar prejudicada pela desconsideração do período posterior a 31 de Dezembro de 2020, na medida em que tal provisão sempre teria que recar sobre o período de 1 a 31 de Dezembro de 2020”.

Recorde-se que se verifica omissão de pronúncia quando o Tribunal deixe de se pronunciar sobre questões que devesse apreciar [cfr. artigo 615.º, n.º 1, al. d), 1.ª parte, do CPC].

Nas conclusões XXXV e XXXVI do recurso de apelação o réu / então apelante alude à necessidade de de dedução de um montante provisional aos saldo a distribuir, com vista à satisfação dos encargos da administração da herança relativos ao ano de 2021.

Veja-se o que de relevante para o ponto em causa se escreve no Acórdão recorrido:

O apelante rebela-se contra esse segmento decisório por considerar que, estatuindo o nº 1 do citado art. 2093º que a prestação de contas pelo cabeça-de-casal é anual, somente deveriam ser consideradas para efeitos do nº 3 do mesmo normativo as contas referentes ao período de 2015 a 31 de dezembro de 2020.

Em reforço desse seu entendimento [o apelante] sustenta que, a sufragar-se a posição acolhida no ato decisório sob censura, não se mostra acautelada a necessidade de deduzir um montante provisional ao saldo a distribuir, com vista à satisfação dos encargos da administração da totalidade do ano de 2021.

Portanto, tal como o problema se mostra equacionado, importa dilucidar se devem, ou não, ser consideradas as receitas geradas pelo acervo hereditário e as despesas incorridas pelo cabeça de casal na administração desse património em momento posterior a 31 de dezembro de 2020.

Impõe-se uma resposta negativa por uma dúplice ordem de razões2.

O Tribunal recorrido parece ter entendido que a hipótese da dedução de um montante provisional com vista à satisfação dos encargos da administração da totalidade do ano de 2021 só se poria – e, consequentemente, só seria uma questão a apreciar – se se confirmasse a decisão do Tribunal de 1.ª instância de o período relevante para a prestação de contas ser até 31 de Maio de 2021; como, ao invés, deu razão ao apelante, decidindo que somente deveriam ser consideradas as contas referentes ao período até 31 de Dezembro de 2020, entendeu que a apreciação daquela questão ficava prejudicada.

Com o devido respeito, atendendo às conclusões do recurso de apelação, não se crê que as conclusões XXXV e XXXVI pudessem ser interpretadas assim.

A passagem relevante (completa) das conclusões é a seguinte:

XXXII. no que respeita à solução de direito preconizada na sentença em recurso, temos que em D) da douta decisão recorrida diverge-se da condenação do Recorrente no pagamento aos interessados, em que o mesmo se inclui, nas respetivas proporções, do saldo positivo que se faz reportar à data de 31.05.2021, louvada no artigo 2093º, 3 do Código Civil, cujo 1 estatui que a prestação de contas pelo cabeça de casal é anual.

XXXIII. Como emerge dos autos e da decisão, as contas foram prestadas até 31 de Maio de 2021, pelo que não têm enquadramento na obrigação legal que se reporta ao ano civil, pelo que é convicção do recorrente que deveriam ter sido consideradas para efeitos do aludido preceito e emergente obrigação do cabeça de casal, as contas do ano civil completo que findou em 31 de dezembro de 2020, prestadas e disponíveis nos autos.

XXXIV. Diverge-se da aplicação do 3 do preceito ao caso dos autos, posto que convictamente se considera, que o saldo parcial, verificado em 31 de Maio de 2021, terá que subsistir e ser utilizado até ao final do mesmo ano, sob pena de se dar cobertura a uma descapitalização da herança em relação à necessidade de suportar as despesas necessárias à sua administração até ao final do ano.

XXXV. Mais se diverge da desconsideração da necessidade de deduzir um montante provisional ao saldo a distribuir, com vista à satisfação dos encargos da administração do ano de 2021.

XXXVI. É aqui relevante concluir pela natureza incerta das receitas, patentes na sua única fonte as rendas - atentos os inúmeros caos de mora e incumprimento - por contraponto com a certeza e envergadura das despesas, que em cinco meses do ano de 2021, até 31 de Maio de 2021, atingiram o montante de cerca de 7.500,00, o que sempre legitimaria a constituição de uma provisão de, pelo menos, 10.000,00, para atender às previsíveis e inerentes dos sete meses remanescentes.

XXXVII. De quanto antecede decorre que o decidido viola, por erro de interpretação e aplicação, o disposto no artigo 2093º do Código Civil, a impor revogação nos termos com os fundamentos e sentido estigmatizado no contexto e nestas conclusões3.

É certo que a questão em causa (sobre a dedução do montante provisional ao saldo a distribuir) vem enunciada na sequência daquela outra questão (sobre o período relevante para a prestação de contas), mas não pode daí concluir-se que ela configura um mero argumento dirigido a reforçar a discordância com a decisão do Tribunal de 1.ª instância ou que ela seja enunciada no pressuposto de que se manteria a decisão de considerar como período relevante para a prestação de contas o período até 31 de Maio de 2020.

Em suma: não se retira das conclusões do recurso de apelação que a questão da dedução do montante provisional ao saldo a distribuir estivesse na dependência da resposta que se desse à questão do período relevante para a prestação de contas e por isso não se vê como poderia estar prejudicada a sua apreciação.

Conclui-se, assim, não se pronunciando o Tribunal a quo sobre uma questão sujeita à sua apreciação, se verifica a nulidade prevista no artigo 615.º, n.º 1, al. d), 1.ª parte, do CPC, não restando senão anular o Acórdão recorrido, ficando, logicamente, prejudicada a apreciação de todas as outras questões suscitadas na presente revista.


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III. DECISÃO

Pelo exposto, decide-se anular o Acórdão recorrido e determinar, nos termos do artigo 684.º, n.º 2, do CPC, a remessa dos autos ao Tribunal da Relação, para que, se possível, os mesmos juízes:

a) procedam ao suprimento da omissão nos termos acima explicitados; e

b) retirem as eventuais consequências para a decisão de mérito.


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Custas a final.

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Lisboa, 8 de Fevereiro de 2024

Catarina Serra (relatora)

Afonso Henrique

Fernando Baptista

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1. As alterações foram as seguintes: (1) retirou-se do elenco dos factos provados as seguintes receitas: a renda de dezembro de 2016, no montante de €250,00 (movimento a crédito com data de 8.12.2016) relativa ao imóvel descrito sob a verba 63 R/C da relação de bens do processo de inventário e as rendas de Maio, Outubro e Novembro de 2017 (no montante total de €600,00), relativa ao imóvel relacionado sob a verba 68; (2) determinou-se a rectificação do valor mencionado no movimento a crédito com data de 3.06.2019, que deverá passar a ser de € 825,00, e a retirada do elenco dos factos provados da receita de € 825,00 lançada no movimento a crédito com data de 8.09.2019; e (3) ) determinou-se a rectificação do valor mencionado nos factos provados, no movimento a crédito com data de 8.02.2021, que deverá passar a ser de € 280,00.

2. Sublinhados nossos.

3. Sublinhados nossos.