Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JSTJ000 | ||
Relator: | VASQUES DINIS | ||
Descritores: | NULIDADE DE SENTENÇA ERRO DE JULGAMENTO JUSTA CAUSA DE DESPEDIMENTO DEVER DE ASSIDUIDADE FALTAS INJUSTIFICADAS PRISÃO PREVENTIVA ÓNUS DA PROVA DANOS NÃO PATRIMONIAIS | ||
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Nº do Documento: | SJ2008100107184 | ||
Data do Acordão: | 10/01/2008 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | REVISTA | ||
Decisão: | NEGADA | ||
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Sumário : | I - As questões a que se reportam os artigos 660.º, n.º 2, 1.ª parte, e 660.º, n.º 1, alínea c), do Código de Processo Civil (CPC), e que o tribunal deve conhecer, devem ser definidas, não em função dos argumentos ou razões jurídicas invocadas pelas partes em defesa da sua posição, mas sim perante a configuração que as partes deram ao litígio, tendo em conta o pedido, a causa de pedir e, eventualmente, as excepções invocadas pelo réu. II - Não se verifica a nulidade de sentença, por omissão de pronúncia, se, tendo o Autor pedido a declaração de nulidade do despedimento (com as consequências daí decorrentes), com fundamento em ter sido trabalhador do Réu, e ter sido por este despedido ilicitamente, por inexistência de faltas injustificadas, o tribunal, considerando que o Autor deu faltas injustificadas embora sem precisar o número de faltas relevantes, decide que as mesmas constituíram justa causa de despedimento. III - A eventual inexistência de faltas injustificadas suficientes para a justa causa de despedimento, ou a não assunção das faltas de gravidade que possa pôr em causa a subsistência da relação laboral, configura erro de julgamento e não nulidade de sentença. IV - Os posicionamentos entre a formulação de um juízo de censura pelo cometimento de factos que configuram ilícitos criminais e aqueloutro juízo de censura pela violação do dever de assiduidade do trabalhador devem ser diversos: neste último, podem relevar outros factores e intenções que, devendo ser tomadas em linha de conta para a sua formulação, podem não suportar o juízo de censura criminal. V - O que releva, para aferir da gravidade das faltas injustificadas, motivadas pelo facto de o trabalhador se encontrar sujeito à medida de coação de prisão preventiva, é saber se ele, ao prosseguir uma dada conduta, que, eventualmente, foi motivadora daquela medida, «desconsiderou» a circunstância da plausibilidade de uma das consequências da sua actuação ser a da privação da sua liberdade, com a inevitável impossibilidade de prestar o seu serviço à entidade patronal. VI - Por isso, e uma vez que da mera «materialidade» da não comparência do trabalhador ao serviço durante o tempo que a lei exemplificativamente aponta no sentido de constituir justa causa de despedimento, não decorre, desde logo, e sem mais, a sanção disciplinar mais grave, o trabalhador poderá, quer na resposta à nota de culpa, quer na acção de impugnação do despedimento, aduzir razões e factualidade que sejam demonstrativas, quer que, ao prosseguir determinado comportamento, não houve a mínima «desconsideração» da previsibilidade de não poder vir a prestar trabalho à entidade patronal, quer que não efectuou tal prossecução, quer, ainda, que o assumido comportamento, em face das circunstâncias em que ocorreu, não era de molde a poder acarretar as faltas dadas ao serviço, designadamente as resultantes do cumprimento da medida de coacção de prisão preventiva a que foi sujeito, e isso sem que tal possa minimamente implicar a aceitação da possibilidade de se pretender, naquelas sedes de resposta ou de impugnação, infirmar, por si, o juízo judicial que levou ao decretamento da prisão preventiva. VII - Não tendo o trabalhador, nem na resposta à nota de culpa, nem na impugnação do despedimento, alegado e provado qualquer facto ou circunstância com idoneidade para convencer de que não podia e/ou não estava obrigado a prever que lhe fossem imputados comportamentos de gravidade tal que, sendo passíveis de fundamentar a aplicação da medida de prisão preventiva, determinariam a impossibilidade de comparecer ao serviço, a mera invocação da presunção da inocência não tem a virtualidade para impedir a formulação de um juízo de culpa reportado, não directamente a comportamentos criminalmente censuráveis, mas, sim, à “desconsideração” da previsibilidade da imputação dos mesmos. VIII - O princípio da presunção de inocência, consagrado no n.º 2 do artigo 32.º da Constituição da República Portuguesa, tendo a sua projecção plena no âmbito do apuramento da responsabilidade criminal, a efectuar em procedimento que se caracteriza por não ser um processo de partes e do qual está afastada a imposição ao arguido de qualquer ónus probatório, não vigora, com o mesmo alcance, em processos sancionatórios emergentes do incumprimento de deveres inseridos em relações jurídicas de carácter obrigacional, relativamente aos quais, a lei fundamental (n.º 10 do referido artigo 32.º) apenas exige que sejam assegurados ao arguido os direitos de audiência e de defesa. IX - Assim, verificadas as ausências ao serviço, sobre o trabalhador, demandante na acção de impugnação de despedimento, recai o ónus de alegar e provar que tais ausências não procederam de culpa sua. X - Não tendo assim procedido, face ao referido nas proposições anteriores, devem considerar-se não justificadas as faltas do Autor ao trabalho, no período de 11 de Dezembro de 2002 a 9 de Janeiro de 2003, por motivo de, nesse período, se encontrar sujeito à medida de coacção de prisão preventiva. XI - As referidas faltas, face ao elevado número, e considerando que o Autor desempenhava as funções de subgerente numa agência do Banco Réu, e que, por isso, assumiram reflexos na organização e funcionamento do Banco, constituem justa causa de despedimento. XII - Tendo o despedimento ocorrido com justa causa, não sendo, por isso, ilícita, a conduta do Banco Réu, não se verifica um pressuposto fundamental da obrigação de indemnizar o Autor por danos não patrimoniais: o facto ilícito, consubstanciado na violação culposa de um dever contratual (art. 798.º do CC). | ||
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Decisão Texto Integral: | I 1. AA intentou, em 19 de Maio de 2004, no Tribunal do Trabalho de Lisboa, a presente acção declarativa de condenação, sob a forma comum, emergente de contrato individual de trabalho, contra Banco BB, SA, pedindo que seja declarada a nulidade do seu despedimento e, em consequência, o Réu condenado: i) a reintegrá-lo no seu posto de trabalho, com a categoria, antiguidade e retribuição que teria se não tivesse sido despedido; ii) a pagar-lhe as retribuições já vencidas desde a data do despedimento, no valor de € 7.009,08, acrescidas de juros de mora à taxa legal, até integral pagamento e que perfazem € 35,05; iii) a pagar-lhe as prestações pecuniárias vincendas, relativas às retribuições que deixou de auferir desde a data do despedimento até à sentença, acrescidas de juros à taxa legal desde o vencimento de cada uma dessas importâncias; iv) a pagar-lhe o correspondente valor compensatório, relativo às contribuições para a segurança social, a apurar em liquidação de sentença, v) e a pagar-lhe, a título de danos não patrimoniais, a quantia de € 10.000,00, acrescida de juros vincendos à taxa legal. Alegou, em síntese, que: – É trabalhador do Banco Réu, desempenhando ultimamente – até 10 de Dezembro de 2002 –, as funções de subgerente, na agência de Solum, em Coimbra; Contestou o Réu, por excepção e por impugnação: por excepção, alegando a existência de litispendência quanto ao pedido de indemnização por danos não patrimoniais, uma vez que corria termos no 3.º Juízo, 3.ª Secção, do Tribunal do Trabalho de Lisboa, um processo (n.º 0000000) em que o Autor formulava, com a mesma causa de pedir, idêntico pedido; por impugnação, sustentando que o Autor não lhe comunicou a ausência ao trabalho, donde a existência de faltas injustificadas por parte do mesmo, que, por sua vez, justificaram a aplicação da sanção de despedimento com justa causa, ficando, todavia, a sua eficácia dependente da decisão, com trânsito em julgado, que vier a ser proferida no processo-crime em curso contra o Autor, motivo por que a presunção de inocência não foi afectada. Acrescenta que a conduta do Autor é grave, uma vez que a vítima dos actos por ele praticados era cliente do Banco, e, daí, a impossibilidade de manutenção da relação laboral. Conclui, por isso, pela improcedência da acção. Houve resposta do Autor, a pugnar pela improcedência da excepção dilatória de litispendência. Proferido despacho a decretar a suspensão da instância até ao trânsito em julgado da decisão a ser proferida no aludido Processo n.º 0000000, 3.º Juízo, 3.ª Secção do Tribunal do Trabalho de Lisboa, dele interpôs o Autor recurso, admitido como agravo, com subida imediata e efeito suspensivo, ao qual o Tribunal da Relação de Lisboa veio a conceder provimento, ordenando, em consequência, o prosseguimento dos autos. No despacho saneador, foi julgada improcedente a excepção (dilatória) de litispendência, tendo sido elaborada a condensação, com a fixação dos factos assentes e a organização da base instrutória, sem reclamação das partes. Realizada a audiência de discussão e julgamento, no decurso da qual o Autor optou pela indemnização de antiguidade em substituição da reintegração, veio a ser proferida sentença que, julgando improcedente a acção, absolveu o Banco Réu dos pedidos. 2. O Autor apelou e, tendo o Tribunal da Relação de Lisboa confirmado a decisão da 1.ª instância, interpôs do respectivo acórdão o presente recurso de revista, que veio a motivar, mediante peça alegatória que rematou com as conclusões assim redigidas: 1 - A douta sentença da 1.ª Instância é nula, nos termos do primeiro segmento da alínea d) do n.º 1 do art. 668.º do CPC, por omissão de pronúncia, porquanto não apreciou, nem se pronunciou, sobre o número concreto de faltas que sustentam a apreciação da licitude do despedimento. 2 - Pelo Tribunal da 1.ª Instância nada foi decidido sobre esta matéria, apenas se limitando a considerar a violação do dever de assiduidade. 3 - Ao decidir não dando provimento à requerida nulidade o douto acórdão recorrido violou, por errada interpretação o primeiro segmento da alínea d) do n.º 1 do art. 668.º do CPC. 4 - O Recorrido decidiu proceder ao despedimento por considerar existirem 115 faltas injustificadas do Recorrente, no período de 11 de Dezembro de 2002 a 30 de Maio de 2003. 5 - Decorre dos autos que existiram apenas as 38 faltas ocorridas antes da suspensão preventiva decretada pelo Banco Recorrido, sendo que apenas essas ausências podem ser consideradas como faltas. 6 - Mesmo que assim não se entenda, então, verificava-se uma situação de suspensão do contrato de trabalho por impedimento respeitante ao trabalhador, prevista no Dec. Lei n.º 874/76, de 28/12; 7 - A determinação do número de faltas é relevante para a apreciação da justa causa de despedimento; 8 - Na decisão de despedimento proferida pelo Banco Recorrido este considerou que as faltas dadas ao serviço pelo Recorrente estão directamente relacionadas com o facto de se encontrar preso preventivamente à ordem do processo-crime em que era arguido. 9 - Assim, os efeitos da decisão de despedimento não podiam de deixar de estar dependentes da decisão final, com trânsito em julgado, que vier a ser proferida no processo-crime. 10 - O despedimento foi comunicado por carta de 3/02/2004 e relatório final, de 9/12/2003, anexo à mesma, e recebida pelo Recorrente em 10/02/2004. 11 - Nessa data em que o Recorrido tomou conhecimento do despedimento não existia trânsito em julgado do acórdão condenatório, nem sequer julgamento na 1.ª Instância, no processo-crime à ordem do qual o Recorrente se encontrava detido preventivamente, 11[-A] (1) – O despedimento é um acto unilateral e receptício, produzindo o seu efeito próprio – a extinção da relação laboral – a partir do momento em que chega ao conhecimento do trabalhador, seu destinatário; 12 - As faltas ao trabalho motivadas por prisão preventiva são justificadas se à data do despedimento ainda não existir decisão condenatória com trânsito em julgado no processo-crime. 13 - Não se pode considerar o trabalhador culpado em sede do processo disciplinar (quanto às faltas) sem que a sua culpa (mormente no processo-crime) se encontre provada e decretada por sentença que não seja passível de recurso. 14 - A sentença condenatória proferida no processo-crime, em data posterior ao despedimento, não releva para efeitos de não justificação daquelas faltas. 15 - A justa causa tem de ser apreciada com referência à data da decisão de despedimento, pois só os factos contidos naquela decisão podem ser invocados em tribunal (artigo 12.º n.º 4 do DL 64-A/89, de 27/02). 16 - Nesta medida, o trânsito em julgado da condenação em sede de processo-crime tornou-se irrelevante, face à conduta do Recorrente e à decisão por este [sic] proferida, no seu conteúdo e no tempo em que foi proferida. 17 - No caso vertente, estamos perante um despedimento sujeito a uma condição uma vez que o Recorrido condiciona a um acontecimento futuro e incerto a produção de efeitos da sua declaração de despedimento. 18 - Sendo que as normas do Dec. Lei n.º 64-A/89, de 27/02, são de natureza imperativa, nos termos do respectivo do art. 2.º. 19 - Porém, verificando-se que o despedimento nasce logo que a respectiva declaração chega ao conhecimento do destinatário não pode ser admissível a aposição de condição suspensiva – ou de qualquer outra. 20 - O Recorrido instaurou um processo disciplinar ao Recorrente [o] que fez no prazo legal, pelo que a caducidade do procedimento disciplinar não está em causa, nem é questionada nos presentes autos. 21 - Nos termos do n.º 11 do art. 10.º do DL 64-A/89, de 27/02, a comunicação da nota de culpa suspende o decurso do prazo estabelecido no n.º 1 do art. 31.º do RJCIT, aprovado pelo DL n.º 49 408, de 24/11/1969. 22 - A lei aplicável ao autos determina uma suspensão do prazo (nos termos do n.º 11 do art. 10.º do Dec. Lei 64-A/89, de 27/02) ou seja o prazo deixa de correr, 23 - Contrariamente ao que determina actualmente a norma do Código de Trabalho, correspondente ao citado artigo, ou seja o n.º 4 do art. 411.º, que prevê a interrupção do prazo, ou seja o prazo recomeça o seu decurso a partir da interrupção. 24 - Sublinhe-se novamente que, nos termos do n.º 11 do art. 10.º do DL 64-A/89, de 27/02, a comunicação da nota de culpa suspende o decurso do prazo estabelecido no n.º 1 do art. 31.º do RJCIT, aprovado pelo DL n.º 49.408, de 24/11/1969. 25 - A lei não prevê expressamente a suspensão do processo disciplinar, todavia não a veda. 26 - Aliás, decorre da lei tal suspensão, conjugado o disposto nos n.os 7 e 8 e do art. 10.º do DL 64-A/89, de 27/02, normas que determinam que a decisão disciplinar deve [ser] proferida após concluídas as diligências probatórias. 27 - Ora, num processo disciplinar que imputa ao trabalhador faltas injustificadas em virtude da existência de prisão preventiva, é diligência probatória imprescindível a determinação e comprovação da existência de trânsito em julgado de sentença penal condenatória. 28 - O n.º 9 do DL 64-A/89, de 27/02, determina que na decisão disciplinar devem ser ponderadas as circunstâncias do caso e a adequação do despedimento à culpabilidade do trabalhador. 29 - Assim no caso vertente, a prisão preventiva por crime de que o trabalhador vem a ser condenado, é um dos elementos a ter em conta na justificação das faltas dadas em consequência dessa prisão, bem como no enquadramento e preenchimento dos requisitos do despedimento por justa causa. 30 - A partir do momento [em] que, durante a instrução do processo disciplinar, este fica suspenso pendente da realização de uma diligência imprescindível e fundamental (a junção do acórdão condenatório em sede de processo-crime) não se inicia o prazo previsto no n.º 7 do art. 10.º do DL 64-A/89, de 27/02 e, por inerência, não se inicia também o prazo previsto no n.º 8 desse artigo. 31 - Não se verificando assim a caducidade do direito de aplicar a sanção disciplinar, ou sequer a violação do prazo para execução da sanção disciplinar. 32 - O factor essencial para determinar se as faltas por motivo de prisão preventiva são injustificadas é a condenação, transitada em julgado, no processo-crime do qual resultou a aplicação dessa medida de coacção. 33 - No caso vertente, a decisão de despedimento tal como foi proferida pelo Recorrido violou o previsto nos arts. 9.º, 10.º, n.os 8 a 11 e 12.º, n.º 4, do Dec. Lei 64-A/89, de 27/02 e no art. 23.º, n.º 2, al. e) do DL n.º 874/76 de 28/12. 34 - Inexistia justa causa para o despedimento à data em que este foi proferido pelo Recorrido. 35 - Mesmo que se entendesse que existiam faltas injustificadas à data do despedimento (o que não se concede) a mera ocorrência de faltas injustificadas não integra automática verificação de justa causa de despedimento. 36 - Entre a al. g) do n.º 2 do art. 9.º do Dec.-Lei n.º 64-A/89, de 27/2, e o n.º 1 do mesmo artigo existe uma relação de pressuposição, ou seja a verificação dos elementos referidos no n.º 1 é um pressuposto da aplicação de cada uma das normas do n.º 2 do mesmo artigo. 37 - Das notas de culpa e da decisão final disciplinar consta apenas a materialidade da infracção, sem qualquer referência às consequências da ausência no que toca a prejuízos para o serviço e organização da empresa, pelo que não constam nos autos elementos de onde se pudesse concluir ser impossível ao Recorrido a manutenção do contrato de trabalho, designadamente à data em que decidiu proceder ao despedimento. 38 - Assim, não foi demonstrada a existência dos pressupostos e requisitos legais de justa causa de despedimento. 39 - Além disto, ao preceder a condenação em sede do processo-crime, o despedimento proferido pelo Recorrido violou o princípio da presunção da inocência previsto no o n.º 2 do art. 32.º da CRP, o qual é plenamente aplicável ao caso em apreço, pois trata-se de preceito constitucional respeitante aos direitos liberdades e garantias e, por isso, com aplicação directa a todos os ramos do direito. 40 - A antecipação da decisão de despedimento, considerando a existência de faltas injustificadas previamente à prolação de sentença condenatória com trânsito em julgado no processo-crime constitui a antecipação de pressuposto fundamental – in casu não verificado – para a legítima decisão de despedimento. 41 - Da conduta do Recorrido e do despedimento ilícito que determinou resultaram também danos não patrimoniais para o Recorrente, conforme resulta dos números 5, 7, 9 e 10, 29 [sic] dos factos provados no acórdão sob recurso. 42 - Além, disso, um despedimento ilícito como é o caso do que é sindicado nos presentes autos, é, enquanto facto ilícito, gerador de danos, designadamente os danos não patrimoniais. 43 - Assim, ao violar a lei, como violou, nos termos acima expostos, despedindo ilegalmente o Recorrido, verificam-se os pressupostos legais para indemnização por danos não patrimoniais. 44 - Pelo que [o] Banco Recorrido deve ser condenado no pagamento de uma indemnização ao Recorrente para o ressarcir dos danos não patrimoniais que sofreu, conforme peticionado. 45 - Por todo o exposto, o douto acórdão recorrido, ao decidir como decidiu, violou, por errada interpretação e aplicação, o disposto no art. 23.º, n.º 2, al. e) do DL 874/76 de 28/12, [o] art. 20.º, n.º 1, al. b), [o] art. 27.º, n.º 3, o art. 31.º, n.º 1 do RJCIT, aprovado pelo DL n.º 49 408, de 24/11/1969, [os] arts. 9.º, 10.º, n.os 8 a 11, 12.º, n.º 4, do Dec. Lei 64-A/89, de 27/02, o n.º 2 do art. 32.º da CRP, (ao interpretar e a aplicar o art. 9.º, n.º 2, al. g) do DL n.º 64-A/89, de 27/02 no sentido em que o fez) e, bem assim, o disposto no art. 483.º e 562.º do Código Civil. 46 - Em conclusão e com o douto suprimento de V. Exas. deve o douto acórdão recorrido ser revogado, devendo ser decretada a inexistência de justa [causa] e a decorrente ilicitude do despedimento, sendo o Banco Recorrido condenado em conformidade, no pagamento das retribuições devidas, ao pagamento da indemnização pela qual o Recorrente optou em substituição da reintegração, bem como ao pagamento de uma indemnização para o ressarcir dos danos não patrimoniais que sofreu, conforme peticionado. O recorrido contra-alegou a pugnar pela improcedência do recurso e, neste Supremo Tribunal, a Exma. Magistrada do Ministério Público, em parecer a que as partes não reagiram, pronunciou-se no sentido da concessão parcial da revista. Corridos os vistos, cumpre decidir. II 1. Nas conclusões do recurso – como o próprio recorrente acentua no intróito da sua alegação – vêm suscitadas, fundamentalmente, as seguintes questões: – Nulidade da sentença por omissão de pronúncia – artigo 668.º, n.º 1, alínea d), do Código de Processo Civil (CPC); – Existência, ou não, de justa causa de despedimento; – Indemnização por danos não patrimoniais. 2. Os factos materiais da causa foram fixados pelas instâncias, sem crítica das partes, nos seguintes termos (correspondendo ao teor das alíneas em que figuram como Factos Assentes, no despacho de condensação, e à numeração dos quesitos da Base Instrutória, que obtiveram respostas afirmativas ou restritivas): A) O autor é o empregado n.º 5000000 do R., tendo-se mantido ao serviço até 10 de Dezembro de 2002, data em que desempenhava as funções de sub-gerente da agência da Solum, em Coimbra, do Banco BB. B) No dia 10 de Dezembro de 2002, cerca das 20 horas, o requerente [Autor] foi detido, tendo-lhe sido aplicada a medida de coacção de prisão preventiva por suspeita de homicídio de António ...., de 73 anos de idade, não mais tendo comparecido ao serviço. C) Após 11 de Dezembro de 2002, o A. não mais compareceu ao serviço. D) Por acórdão de 27 de Fevereiro de 2004 dos jurados e juízes que constituem o tribunal do júri, no processo comum colectivo n.º 1267/02.5TACBR da 1.ª Secção da Vara Mista de Coimbra, o requerente foi condenado como autor material de um crime de homicídio qualificado p.p. pelos artigos 131.º, 132.º, n.º 1 e 2, alíneas b), d) e f), do Cód. Penal, na pena de 16 anos de prisão, como autor material de um crime de abuso de confiança p.p. pelo artigo 205.º, n.º 1, alínea b) do Cód. Penal, na pena de 3 anos e 6 meses de prisão, e como autor material de um crime de simulação de crime p.p. pelo artigo 366.º, n.º 1, do Cód. Penal, na pena de 7 meses de prisão e, em cúmulo jurídico, na pena única de 18 anos de prisão. Para tanto, foi dada como provada nomeadamente a seguinte matéria de facto: Há cerca de 25 anos, quando trabalhava ainda na agência da Rua ...., do Banco BB, o requerente conheceu o Sr. António ...., que já era então cliente do banco. Quando o requerente foi nomeado gerente da agência da Solum, do Banco BB, há cerca de 6 anos, começou a privar mais assiduamente com o Sr. AM. O Sr. AM tinha contas na agência da Solum e os contactos com o banco passaram a ser feitos frequentemente através do requerente, que pessoalmente tratava das tarefas burocráticas respeitantes às operações que aquele tinha necessidade de realizar. Assim, quando o Sr. AM tinha necessidade de resolver algum problema no Banco BB, era o requerente que pessoalmente o atendia, na maior parte das vezes, tendo-se criado entre ambos, com o decorrer do tempo, uma forte relação de confiança. O Sr. AM havia-se separado de sua esposa e, desde então, vivia sozinho, não tendo também boas relações com qualquer dos seus quatro filhos. O Sr. AM era um homem de personalidade forte, trato difícil e pouco sociável; vivia isolado, sem contactos regulares com qualquer dos seus familiares. O Sr. AM tinha sofrido um acidente vascular cerebral que lhe causou a paralisia da parte direita do corpo, designadamente o braço e a mão direita, pelo que tinha grandes dificuldades na realização de algumas tarefas, como escrever ou conduzir automóvel. Dada a situação de isolamento do Sr. AM e [a] sua incapacidade motora, o requerente, fruto da relação de confiança que entretanto se estabelecera entre ambos, passou a prestar-lhe pequenos favores, nomeadamente redigindo-lhes cartas e outros documentos e acompanhando-o numa viagem a Torres Novas. O requerente tornou-se, assim, seu confidente e passou a ser visita de sua casa. Como mantinha más relações com os seus familiares, e se encontrava a decorrer o processo de partilha de bens subsequente ao divórcio, o Sr. AM utilizava vários estratagemas para ocultar os seus bens pessoais. Uma das formas de ocultação, por si utilizada, consistiu em abrir uma conta no Banco BB, agência da Gomes Freire – Coimbra, em nome da sua tia G...... da Conceição Ferreira Ovelheira Teixeira, que movimentava com cheques onde figurava o nome de G...... Teixeira. Através desta conta, com o n.º 0269 0020 001194.9, o Sr. AM movimentava grande quantidade de dinheiro proveniente dos investimentos e negócios que ia realizando e que pretendia não ser do conhecimento dos seus familiares. A determinada altura, em meados do ano de 2002, o Sr. AM contactou o gerente daquela dependência do Banco BB, o Sr. Luís ......, e solicitou-lhe a entrega de determinada quantia em dinheiro, proveniente de uma das suas contas, dizendo-lhe que necessitava dessa quantia para realizar um negócio. Acedendo à pretensão do Sr. AM, o Sr. Luís ......, em finais de Julho de 2002, deslocou-se à residência daquele e ali procedeu à entrega da quantia de € 216.000,00 em notas, conforme solicitado. Posteriormente, o Sr. AM entregou essa quantia em dinheiro ao requerente, para que este procedesse à sua aplicação, em negócios cujos contornos não foi possível esclarecer, mas que tinha sido previamente combinado entre ambos. Por razões não esclarecidas, esse negócio não chegou a concretizar-se, pelo que o Sr. AM solicitou ao requerente que depositasse o dinheiro que lhe havia entregue na conta do Banco BB, titulada pela sua tia G......, fornecendo-lhe mesmo, para o efeito, o NIB dessa conta. Porém, o requerente decidiu apropriar-se daquela quantia, o que fez, recusando-se a devolvê-la ao seu dono. De início, e para ocultar que se tinha apropriado do dinheiro, o requerente foi dizendo ao Sr. AM que estava a tratar de arranjar notas grandes, para evitar levar um grande volume para o banco. Mas, como este continuasse a insistir na imediata devolução do dinheiro, o requerente decidiu provocar-lhe a morte. Assim, na manhã de 6 de Setembro de 2002, cerca das 7.30 horas, o requerente dirigiu-se no seu automóvel à residência do Sr. AM, sita na Rua Visconde Monte-São, n.º 4. O requerente ligou para o telemóvel do Sr. AM anunciando a sua chegada. Este, que se encontrava ainda deitado, alertado pela presença do requerente, pelo telefonema, veio abrir-lhe a porta da rua e franqueou-lhe a porta. Já no interior da residência, no corredor que liga o hall à sala de jantar, o requerente, aproveitando-se da particular debilidade física do Sr. AM, e munido de um instrumento contundente, cujas características não foi possível apurar, desferiu com o mesmo um golpe no couro cabeludo do Sr. AM, causando-lhe fractura com afundamento na convexidade do parietal direito que foi causa directa e necessária da sua morte. Logo de seguida, abandonou o local, pondo-se em fuga. De tal acórdão foi interposto recurso em 16 de Março de 2004. Foi proferido o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11 de Maio de 2005, no recurso 1618/04, transitado em julgado em 6 de Outubro de 2005, [que condenou o Autor] na pena de 15 anos de prisão por crime de homicídio qualificado e na pena de 3 anos e 6 meses de prisão por crime de abuso de confiança e 7 meses de prisão por simulação de crime, tendo sido fixada a pena única em 17 (dezassete) anos de prisão. E) Foi instaurado contra o requerente processo disciplinar com intenção de despedimento, junto aos autos de procedimento cautelar, apensos a estes e cujo teor se tem por reproduzido, constando do mesmo designadamente: a) Participação disciplinar elaborada em 27 de Dezembro de 2002 (fls. 104); b) Nota de culpa de 5 de Fevereiro de 2003, com intenção de despedimento, imputando ao requerente 38 faltas ininterruptas e injustificadas desde 11 de Dezembro de 2002 até 5 de Fevereiro de 2003 (fls. 110/112); c) Envio da nota de culpa para a residência do requerente e para o estabelecimento prisional de Coimbra, com comunicação de suspensão preventiva (fls. 113/118); d) Envio da nota de culpa à Comissão Nacional de Trabalhadores do Banco BB (fls. 119/121); e) Resposta do requerente à nota de culpa (fls. 124 e seg.tes); f) Aditamento à nota de culpa de 3 de Julho de 2003, com manutenção da intenção de despedimento, imputando ao requerente 77 faltas ininterruptas e injustificadas desde 6 de Fevereiro de 2003 até 30 de Maio de 2003 (fls. 143/145); g) Envio de aditamento à nota de culpa para o estabelecimento prisional de Coimbra e ao mandatário do requerente (fls. 146/150); h) Envio de aditamento à nota de culpa à Comissão Nacional de Trabalhadores do Banco BB (fls. 151/153); i) Resposta do requerente ao aditamento à nota de culpa (fls. 154 e seg.tes); j) Inquirição das testemunhas arroladas pelo requerente (fls. 161 e seg.tes); l) Relatório final (fls. 184 e seg.tes); m) Decisão final (fls. 201 e seg.tes), nos termos da qual, de acordo com estatuído nas cláusulas 34.ª, alíneas a), b) e g), 115.ª e 117.ª, nº 1, alínea d), do ACT para o Sector Bancário, e alíneas b), c) e g) do nº 1 do art. 20.º do DL 49.408 de 24-11-1969 e alíneas a), d) e g) do DL 64-A/89 de 27.2, foi aplicada ao requerente a sanção disciplinar de despedimento com justa causa, ficando a eficácia de tal deliberação dependente de decisão, com trânsito em julgado, que vier a ser proferida no processo-crime em que o requerente é arguido. F) O Réu não pagou retribuições ao A. posteriormente a Novembro de 2002. G) O Autor intentou em 19/11/2003 acção judicial contra o R., a qual corre os seus termos na 3.ª Secção do 3.º Juízo do Tribunal de Trabalho de Lisboa, sob o número 0000000.0TTLSB, nos termos constante da p.i. cuja cópia está junta de fls. 68 a 81, tendo o Réu apresentado a sua contestação cuja cópia está junta de fls. 83 a 98 e cujos teores se têm por reproduzidos. O Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 2 de Maio de 2007, no recurso 358/07 da 4.ª Secção, confirmou a sentença proferida no referido processo 0000000.0TTLSB e o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, que condenaram o R. a pagar ao A. tão somente a retribuição referente ao período de 11 de Dezembro de 2002 a 9 de Janeiro de 2003, a liquidar em incidente, considerando-se, a partir de então, o contrato de trabalho suspenso por impedimento prolongado. H) Em Novembro de 2003 o A. auferia € 1.232,10 de retribuição base, € 169,85 de diuturnidades, € 300,44 de isenção de horário de trabalho. 2 - O A. ascendeu à categoria profissional de subgerente por mérito. 3 - O Autor comunicou ao Réu a sua detenção e consequente impossibilidade de comparecer ao serviço, enquanto permanecesse detido em regime de prisão preventiva. 4 - Na data da detenção do arguido, responsáveis do Banco Réu ficaram bem cientes desta situação, tendo o Autor entregue as chaves da agência de Solum que detinha na altura. 5 - O A. sofreu um profundo choque emocional. 7 - A filha do A. entregou mil contos para o advogado que defendeu o pai no processo-crime. 9 - O A. encontra-se afectado no seu sistema nervoso. 10 - O A. tem necessidade de acompanhamento médico. 11 - A esposa do A. trabalha na função pública e uma sua filha é farmacêutica adjunta. 3. Da nulidade da sentença: No recurso de apelação, o Autor arguiu a nulidade da sentença, alegando que ela não se pronunciou sobre o número de faltas injustificadas relevantes para apreciar a justa causa despedimento, que foi decidido pelo Réu com fundamento na existência de 115 faltas não justificadas, no período de 11 de Dezembro de 2002 a 30 de Maio de 2003, e, porque os autos revelam que apenas ocorreram 38, antes da suspensão preventiva decretada no processo disciplinar, sendo que estas ausências não podem considerar-se faltas, importaria apurar se as mesmas, à data do despedimento, podiam ser consideradas injustificadas, o que a sentença omitiu, limitando-se a considerar a violação do dever de assiduidade. O acórdão impugnado julgou improcedente a arguição de nulidade, tendo, para tanto, discorrido como segue: [...] “O art. 668.º, n.º 1, alínea d) deve ser conjugado com o art. 660.º, n.º 2 do Cód. Proc. Civil, nos termos do qual o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras. Quando as partes submetem à apreciação do tribunal determinada questão, é usual socorrerem-se de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; mas o que importa é que o tribunal decida a questão que lhe foi posta, não lhe incumbindo apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão. Não se devem confundir factos (fundamentos ou argumentos) com questões (a que se reportam os arts. 660.º, n.º 2 e 668.º, n.º 1, alínea d), do Cód. Proc. Civil). Uma coisa é não tomar conhecimento de determinado facto ou de qualquer argumento invocado pela parte, outra completamente distinta, é não tomar conhecimento de determinada questão submetida à apreciação do tribunal. Os factos materiais são apenas elementos para a solução da questão, mas não são a própria questão (Alberto dos Reis, “Código de Processo Civil Anotado”, vol. V, págs. 143 a 145); A omissão de pronúncia a que alude o art. 668.º, n.º 1, alínea d), do Cód. Proc. Civil diz respeito a questões e não a factos. No caso em apreço, verifica-se que, contrariamente ao afirmado pelo apelante, o juiz a quo na sua sentença começa por referir a fls. 420 que há que decidir se as faltas do A. constituem fundamento de justa causa de despedimento, designadamente se tais faltas são consideradas injustificadas por serem consequência de prisão preventiva e só em caso de resposta negativa haverá que apreciar as consequências do despedimento, em seguida aprecia esta questão escrevendo a fls. 421 que as faltas não são consequência de doença, acidente, de prestação de assistência inadiável a membros do seu agregado familiar, nem foram prévia ou posteriormente autorizadas pela entidade patronal. A prisão preventiva não constitui cumprimento de obrigação legal. O cumprimento supõe a realização voluntária de um dever e na prisão preventiva está excluído o cumprimento voluntário e conclui a fls. 422 que perante tal condenação e tendo em conta que a decisão deve corresponder à situação existente no momento de encerramento da discussão, não restam dúvidas que as faltas foram injustificadas”. [...] Subscreve-se o entendimento do Tribunal da Relação, no que à arguição da nulidade diz respeito, acrescentando-se apenas em reforço do mesmo, algumas breves considerações. O tribunal não tem que analisar e apreciar todos os argumentos, todas as razões jurídicas invocadas pelas partes em defesa da sua posição: tem é que resolver todas as questões que lhe foram colocadas pelas partes (excepto aquelas cuja decisão tenha ficado prejudicada pela solução dada a outras) no sentido da procedência ou improcedência da acção – neste sentido Antunes Varela e outros (Manual de Processo Civil, 2.ª Edição, Coimbra Editora, pág. 688.), observando que “a fundamentação da sentença contenta-se com a indicação das razões jurídicas que servem de apoio à solução adoptada pelo julgador”. A dificuldade centra-se, então, em determinar o que deve entender-se por “questões”, para efeitos dos artigos 660.º, n.º 2 e 668.º, n.º 1, d), do CPC: ora, estas deverão ser encontradas perante a configuração que as partes deram ao litígio, tendo em conta o pedido, a causa de pedir e, eventualmente, as excepções invocadas pelo réu. Daí que, como se afirmou no acórdão deste Supremo de 21 de Setembro de 2005 (Recurso n.º 2843/04-4.ª Secção, sumariado em www.stj.pt, Jurisprudência/Sumários de Acórdãos), as questões “[n]ão serão os argumentos, as motivações produzidas pelas partes, mas sim os pontos de facto ou de direito relevantes no quadro do litígio, ou seja, os concernentes ao pedido, à causa de pedir e às excepções”, ou, por outras palavras, “[a]s questões a que se reportam os artigos 660.º, n.º 1, 1.ª parte, e 668.º, n.º 1, alínea d), do CPC são as que se centram nos pontos fáctico-jurídicos estruturantes das posições das partes na causa, ou seja, as que se prendem com a causa de pedir, o pedido e as excepções” (Acórdão de 10 de Maio de 2006, no Processo n.º 481/05-4.ª Secção, sumariado em www.stj.pt, Jurisprudência/Sumários de Acórdãos). No caso, os pedidos do Autor traduzem-se na declaração de nulidade do despedimento, com as consequências daí decorrentes (direito a indemnização de antiguidade e por danos não patrimoniais e às retribuições vencidas até à data da sentença); a causa de pedir centra-se em ter sido trabalhador do Banco e ter sido por este despedido ilicitamente (concretamente por inexistência de faltas injustificadas). Sublinha-se que a sentença da 1.ª instância delimitou a questão a decidir nos seguintes termos (fls. 420): “Há que decidir se as faltas do A. constituem fundamento de justa causa de despedimento, designadamente se tais faltas são consideradas injustificadas por serem consequência de prisão preventiva e só em caso de resposta negativa, haverá que apreciar as consequências do despedimento”. E logo a seguir (fls. 421/422) afirma que o Autor, após 11 de Dezembro de 2002, não mais compareceu ao serviço, tendo vindo a ser condenado por acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, transitado em julgado em 11 de Maio de 2005, proferido no âmbito de um processo-crime, na pena única de 17 anos de prisão, após o que conclui que “[p]erante tal condenação e tendo em conta que a decisão deve corresponder à situação existente no momento do encerramento da discussão, não restam dúvidas de que as faltas foram injustificadas”. E, a final (fls. 423), remata: “Da matéria de facto provada sob as alíneas B), C) e D conclui-se, pois, que o A. violou o dever de assiduidade imposto pelo art. 20.º, n.º 1, alínea b), do RJCIT aprovado pelo DL 49.408 de 24-11-1969 e pela alínea a) do n.º 1 da cláusula 34.ª do ACT do Sector Bancário, constituindo tal comportamento justa causa de despedimento, nos termos da alínea g) do n.º 2 [do artigo 9.º] da LCCT aprovada pelo DL 64-A/89, de 27.2, diploma em vigor à prática dos factos”. Do que vem de ser transcrito resulta, em síntese, que o tribunal considerou injustificadas as faltas do autor, a partir de 11 de Dezembro de 2002, e decidiu que as mesmas constituíam justa causa de despedimento. É certo que o tribunal não precisou o número das faltas, que considerou injustificadas. Porém, daí não decorre a nulidade da sentença, mas sim um eventual erro de julgamento, caso se considere que o número de faltas dadas é insuficiente para o despedimento do Autor ou que as referidas faltas não são de tal modo graves que ponham em causa a subsistência da relação de trabalho. Na verdade, para que ocorra justa causa de despedimento é necessário, entre o mais, que o número de faltas injustificadas atinja, em cada ano, cinco seguidas ou dez interpoladas [n.º 2, alínea g) do artigo 9.º do Regime Jurídico da Cessação do Contrato Individual de Trabalho e da Celebração e Caducidade do Contrato de Trabalho a Termo (LCCT), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 69-A/89, de 27 de Fevereiro]. Ora, na hipótese de faltas injustificadas, se o seu número não atingiu esse limite, ou, atingindo-o e mesmo ultrapassando-o, se não assumem gravidade tal que ponham em causa a subsistência da relação laboral, o que se verifica é um erro de julgamento. Enfim, uma vez que o tribunal se pronunciou sobre a existência de justa causa fundada em faltas não justificadas – e esta era a questão submetida à sua apreciação –, não cometeu a nulidade arguida, por isso que improcede, nesta parte, o recurso. 4. Da existência, ou não, de justa causa de despedimento: 4. 1. Nas conclusões da sua alegação, sustenta o recorrente, em súmula, que comunicou ao Réu as faltas previsíveis, bem como o fundamento das mesmas e que, tendo posteriormente sido suspenso preventivamente de funções, não podia incorrer em faltas, muito menos injustificadas; mas, ainda que assim se não entendesse, teria de verificar-se uma situação de suspensão do contrato de trabalho, por impedimento respeitante ao trabalhador, sendo que apenas se verificaram 38 faltas ocorridas até à suspensão preventiva. Acrescenta que, à data do despedimento não era possível qualificar essas faltas como injustificadas, pois não existia decisão condenatória com trânsito em julgado proferida no processo-crime; ou seja, e dito de outro modo, na óptica do recorrente constitui condição para qualificar como injustificadas as faltas dadas por motivo de prisão preventiva, sem que, no processo-crime no qual foi imposta essa medida de coacção, se tenha verificado condenação, transitada em julgado. As instâncias consideraram não justificadas as faltas dadas pelo Autor e concluíram pela verificação da justa causa de despedimento. Para tanto, o acórdão recorrido afirmou que as faltas do Autor ao trabalho não se integram em qualquer das diversas alíneas do n.º 2 do artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 874/76, de 28 de Dezembro – Regime Jurídico de Férias, Feriados e Faltas (LFFF) –, que elenca as faltas justificadas, pelo que, nos termos do n.º 3 do mesmo artigo, tais faltas consideram-se injustificadas e consubstanciam um comportamento ilícito e culposo do trabalhador, violador do dever de assiduidade, que, dada a sua gravidade e consequências compromete definitivamente a subsistência da relação laboral, configurando, por isso, justa causa de despedimento. O núcleo essencial da questão está, pois, em saber se as faltas do Autor determinadas por motivo de prisão preventiva devem considerar-se justificadas ou injustificadas e, neste último caso, se assumem gravidade e consequências de modo a pôr em causa, irremediavelmente, a subsistência da relação de trabalho. Preliminarmente, importa referir que – como foi entendido pelas instâncias e não é questionado pelas partes –, atenta a temporalidade dos factos (faltas), que ocorreram antes de 1 de Dezembro de 2003 –, é aplicável ao caso a disciplina legal vigente antes da entrada em vigor do Código do Trabalho, designadamente o Regime Jurídico do Contrato Individual de Trabalho, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 49 408, de 24 de Novembro de 1969 (doravante, LCT) e as já referidas LCCT e LFFF, e o Regime Jurídico da Suspensão do Contrato de Trabalho, constante do Decreto-Lei n.º 398/83, de 2 de Novembro, uma vez que o Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.º 99/2003, de 27 de Agosto, entrou em vigor em 1 de Dezembro de 2003 e não se aplica aos efeitos de factos ou situações totalmente passados anteriormente àquele momento (artigos 3.º, n.º 1 e 8.º, n.º 1, da referida Lei). Assim, embora o despedimento do Autor tenha ocorrido por decisão de 23 de Janeiro de 2004, uma vez que as faltas que fundamentaram o mesmo se verificaram em data anterior a 1 de Dezembro de 2003, é aplicável o regime anterior ao Código do Trabalho. 4. 2. Falta é, nos termos do artigo 22.º, n.º 1, da LFFF, a ausência do trabalhador durante o período normal de trabalho a que está obrigado; as faltas podem ser justificadas ou injustificadas, enquadrando-se na primeira classificação as mencionadas no n.º 2 do artigo 23.º, sendo consideradas injustificadas todas as outras; as faltas injustificadas determinam sempre perda de retribuição correspondente ao período de ausência (n.º 1, do artigo 27.º). De entre as faltas justificadas encontram-se “[a]s motivadas por impossibilidade de prestar trabalho devido a facto que não seja imputável ao trabalhador, nomeadamente doença, acidente ou cumprimento de obrigações legais […]” – artigo 23.º, n.º 2, alínea e). Como já se referiu, nos termos do artigo 9.º, n.os, 1 e 2, alínea g), da LCCT, as faltas não justificadas, quando o seu número atingir, num mesmo ano, 5 seguidas ou 10 interpoladas, e assumam gravidade e consequências que tornem imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho, constituem justa causa de despedimento. Por outro lado, dispõe artigo 3.º do Regime Jurídico da Suspensão do Contrato de Trabalho, que “o impedimento temporário por facto não imputável ao trabalhador que se prolongue por mais de um mês” determina a suspensão do contrato de trabalho (n.º 1); o contrato caduca no momento em que se torne certo que o impedimento é definitivo (n.º 3); e o impedimento temporário por facto imputável ao trabalhador determina a suspensão do contrato de trabalho nos casos previstos na lei (n.º 4). 4. 3. A questão de saber se as faltas dadas por motivo de prisão preventiva do trabalhador se devem considerar justificadas ou injustificadas tem sido objecto de controvérsia na doutrina e na jurisprudência. A doutrina vem-se inclinando, maioritariamente, para a solução que consiste em considerar que tais faltas devem ser consideradas justificadas, e tratadas segundo o regime destas, porque a situação de prisão preventiva, traduzindo um impedimento, temporário, objectivo de o trabalhador efectuar a sua prestação, resultante de decisões de entidades alheias à relação laboral, não permite estabelecer um juízo de imputabilidade dessas faltas ao trabalhador, subsumindo-se a situação à previsão da alínea e) do n.º 2 do artigo 23.º da LFFF. Daí que essas faltas, por não se enquadrarem na hipótese contemplada na alínea g) do n.º 2 do artigo 9.º da LCCT, não possam constituir justa causa de despedimento, podendo, no entanto, quando a situação de que decorrem se prolongue por mais de um mês determinar a suspensão do contrato de trabalho, nos termos do artigo 3.º, n.º 1, do Regime Jurídico da Suspensão do Contrato de Trabalho. Esta é, em síntese, a orientação da corrente interpretativa em que se inserem as reflexões, atinentes ao problema, de António Monteiro Fernandes (Direito do Trabalho, Décima Edição, Livraria Almedina, Coimbra, 1998, págs. 341/342), António Menezes Cordeiro (Manual de Direito do Trabalho (Reimpressão), Almedina, Coimbra, 1997, pág. 769), Maria do Rosário Palma Ramalho (Direito do Trabalho, Parte II, Almedina, pág. 507), Albino Mendes Baptista (Questões Laborais, Ano V – 1998, págs. 47/64), e Teresa Coelho Moreira (Questões Laborais, Ano VIII – 2001, págs. 187/189). Diversamente, a jurisprudência, designadamente a deste Supremo Tribunal, tem-se pronunciado, maioritariamente, no sentido de considerar injustificadas as faltas dadas pelo trabalhador por motivo de prisão preventiva, em especial quando sobrevém decisão condenatória pelos crimes que originaram a aplicação daquela medida de coacção, no entendimento de que tais faltas, porque resultantes de conduta imputável ao trabalhador, podem constituir justa causa de despedimento. Assim, v. g. os Acórdãos de 3 de Novembro de 1988 (BMJ 381,489), de 25 de Fevereiro de 1993 (CJ/STJ, 1993, I, 260) e de 14 de Maio de 1997 (BMJ 467,405) e, recentemente, o Acórdão de 4 de Junho de 2008 (Documento n.º 2008060406014, em www.dgsi.pt). Concretamente quanto às faltas dadas por um trabalhador, por motivo de prisão preventiva, o Acórdão de 3 de Novembro de 1988, observou: “[...] Como critério de ponderação de justificação das faltas deverá atender-se à «causa determinante» da ausência, em termos sociais e aos parâmetros, no âmbito da teoria de não exigibilidade da presença do trabalhador. Resta saber qual o carácter, a essa luz, das faltas dadas pelo recorrente. Que as faltas contadas nos autos, da parte do recorrente (111) constituem falta disciplinar grave, só poderá concluir-se se o facto que as determinou foi imputável ao recorrente – acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11 de Janeiro de 1985, em Acórdãos Doutrinais, n.º 279, pág. 375. E parece que não é de admitir qualquer dúvida de que os factos determinativos das faltas dadas pelo recorrente lhe são inteiramente imputáveis. Na verdade, esses factos, reconhecidamente criminosos, por acórdão transitado, de 1 de Março de 1985, do Tribunal Colectivo de Vila Nova de Famalicão, foram dolosamente praticados pelo recorrente, em plena liberdade e responsabilidade e constituem um procedimento daquele em termos de lhe ser exigível um comportamento diverso. Realmente, ele devia ter omitido tal comportamento que constitui cinco crimes de furto qualificado – dito acórdão. O facto de o indivíduo dever ser considerado inocente até ao trânsito em julgado da respectiva decisão condenatória não altera o afirmado, uma vez que não estamos perante uma responsabilidade de natureza criminal, mas sim de carácter laboral e para elas, basta a simples culpa. Na verdade, o artigo 10.º da Lei dos Despedimentos considera «justa causa» de despedimento o comportamento culposo do trabalhador que, pela sua gravidade e consequências, torne, imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho, nomeadamente «faltas injustificadas» ao trabalho que determinem directamente prejuízos ou riscos graves para a empresa, ou independentemente de qualquer prejuízo ou risco, quando o número de faltas «injustificadas» atingir, em cada ano, cinco seguidas ou dez interpoladas – alínea g) daquele artigo. No nosso caso, é manifesta a culpa do recorrente nos factos que determinaram as suas numerosas – 111 – faltas, que estão muito para além das necessárias para a lei; e do seu comportamento resulta, sem dúvida, a impossibilidade da relação de trabalho e a exigibilidade de procedimento diverso. [...]” O Acórdão de 4 de Junho de 2008 pronunciou-se sobre a qualificação das faltas dadas por um trabalhador a quem foi aplicada a medida de coacção de prisão preventiva e que veio posteriormente a ser condenado, no âmbito do respectivo processo-crime, em pena de dois anos de prisão pela prática do crime de tráfico de estupefacientes, ficando suspensa a execução pelo período de três anos, sujeita à “condição de bom comportamento”. Este Acórdão – que acompanhamos de perto, perfilhando o entendimento nele plasmado –, depois de reconhecer não estar em causa aferir do comportamento do trabalhador fora do seu local de trabalho e do seu relacionamento laboral, não deixou de sublinhar que o trabalhador, ao assumir, no caso concreto, um dado comportamento indiciador da prática de um facto qualificado pelo ordenamento jurídico como consubstanciando um crime cuja gravidade determinou a aplicação da medida de coação mais gravosa (prisão preventiva), “desconsiderou” a possibilidade de uma das consequências da sua actuação poder ser a da privação da liberdade, com a consequente impossibilidade de prestar o trabalho à entidade patronal. E observou: “[...] Obtemperar-se-á que um tal entendimento poderia servir para as situações em que em causa estivesse o cumprimento de uma pena de prisão – o que implicava, como é claro, o trânsito em julgado da decisão condenatória dela impositora –, mas já não teria idêntica repercussão quando se tratasse de um caso de prisão preventiva. E isso porque a decisão jurisdicional que a decrete somente se baseia em meros indícios, não sendo de presumir a prática dos actos indiciados. Este argumento que, há que convi-lo, não deixa de ter o seu peso, parece olvidar, contudo, que diversos devem ser os posicionamentos entre a formulação de um juízo de censura pelo cometimento de factos ilícitos e aqueloutro juízo de censura pela violação do dever de assiduidade do trabalhador. Neste último, podem relevar outros factores e intenções que, devendo ser tomados em linha de conta para a sua formulação, podem não suportar o juízo de censura criminal. Poderia, em contrário, dizer-se que, ao se basear a decisão de aplicação da mais severa medida de coacção em mera aparência quanto ao cometimento da infracção criminal (e sem esta não se torna possível a sua aplicação), isso, só por si, bastaria para levar ao entendimento de que, nesses casos, as faltas dadas pelo trabalhador não poderiam ser consideradas como repousando numa sua vontade em faltar. Para além de se não vislumbrar, neste específico particular da vontade do trabalhador em não prestar o seu labor, uma essencial diferença entre as hipóteses de privação da liberdade decorrente do cumprimento de pena de prisão e as hipóteses de prisão preventiva, temos para nós que, como já sublinhámos, não está em crise saber qual a consequência concreta do comportamento do trabalhador para efeitos de integração de infracção criminal. Pode suceder que haja indícios suficientes da objectiva prática dessa infracção e ela não possa, em sede penal, ser punida (pense-se, por exemplo, num crime essencialmente doloso e em que, em julgamento, não veio ficar provado este elemento subjectivo) ou, inclusivamente, de perseguição penal (pense-se em casos em que, pelo decurso do tempo, veio a operar a prescrição do procedimento criminal). Aquilo a que se deve atender é, isso sim, tal como já fizemos alusão, à «desconsideração» que o trabalhador levou a efeito quanto a uma possível sequela do seu comportamento, justamente a da previsibilidade de, com ele, poder a não vir a prestar trabalho à entidade patronal. E é neste preciso ponto que se sufraga a óptica de harmonia com a qual é imputável ao trabalhador, para esses efeitos, a não comparência ao serviço. Sendo assim – e sublinhando-se que não deve da mera «materialidade» da não comparência ao serviço durante o tempo que a lei exemplificadamente aponta no sentido de constituir justa causa de despedimento, resultar, desde logo e sem mais, a imposição da sanção disciplinar mais grave – torna-se evidente que o trabalhador poderá, quer na resposta à nota de culpa, quer na impugnação do despedimento, aduzir razões e factualidade que sejam demonstrativas, quer que, ao prosseguir determinado comportamento, não houve a mínima «desconsideração» da previsibilidade acima mencionada, quer que não efectuou tal prossecução, quer, ainda, que o assumido comportamento, em face das circunstâncias em que ocorreu, não era de molde a poder acarretar as faltas dadas ao serviço resultantes do cumprimento da medida de coacção a que foi sujeito. E, quanto a estas últimas facetas, como se torna nítido, sem que isso signifique minimamente uma aceitação da possibilidade de, em sede de procedimento subsequente à nota de culpa ou em sede impugnatória do despedimento, se intentar pôr em causa ou infirmar o juízo judicial que levou ao decretamento da prisão preventiva; antes significa – numa perspectiva de separação, que se impõe, na análise comportamental do visado, entre o que releva para efeitos disciplinares e o que releva para efeitos criminais – atentar, no fundo, nas circunstâncias que existiram para efeito de verificação, ou não, da aludida «desconsideração». [...]” Tal como no caso sobre o qual se debruçou o Acórdão de que se extraíram as precedentes reflexões, também no caso que nos ocupa, o trabalhador, nem na resposta à nota de culpa, nem na impugnação do despedimento, apresentou quaisquer razões ou factos que, apreciados no quadro da relação jurídica laboral, pudessem sustentar um juízo de não imputação do desprezo ou desconsideração da previsibilidade de condutas voluntárias suas poderem, ainda que indirectamente, virem a dar causa ao incumprimento do dever de assiduidade. Com efeito, a defesa do Autor, no processo disciplinar, confinou-se à afirmação de que as faltas foram dadas por virtude da situação de prisão preventiva que lhe foi imposta, oportunamente comunicada ao Banco, e que tais faltas, “de acordo com jurisprudência pacífica, apenas serão injustificadas, isto é, imputáveis ao trabalhador”, no caso de a prisão preventiva ser seguida de decisão condenatória, transitada em julgado. Do mesmo modo, expressou, na acção de impugnação do despedimento, a razão por que as faltas não poderiam considerar-se injustificadas e integrar infracção disciplinar. Na falta de alegação e prova de qualquer facto ou circunstância com idoneidade para convencer de que o Autor não podia e/ou não estava obrigado a prever que lhe fossem imputados comportamentos de gravidade tal que, sendo passíveis de fundamentar a aplicação da medida de prisão preventiva, determinariam a impossibilidade de comparecer ao serviço, a mera invocação da presunção da inocência não tem virtualidade para impedir a formulação de um juízo de culpa reportado, não directamente a comportamentos criminalmente censuráveis, mas, sim, à “desconsideração” da previsibilidade da imputação dos mesmos, nos moldes e com as consequências referidos, sendo aquele o juízo que releva, no tocante à imputabilidade exigida para a qualificação das ausências ao serviço como faltas injustificadas. É que o princípio da presunção de inocência, consagrado no n.º 2 do artigo 32.º da Constituição da República Portuguesa, tendo a sua projecção plena no âmbito do apuramento da responsabilidade criminal, a efectuar em procedimento que se caracteriza por não ser um processo de partes e do qual está afastada a imposição ao arguido de qualquer ónus probatório, não vigora, com o mesmo alcance, em processos sancionatórios emergentes do incumprimento de deveres inseridos em relações jurídicas de carácter obrigacional, relativamente aos quais, a lei fundamental (n.º 10 do referido artigo 32.º) apenas exige que sejam assegurados ao arguido os direitos de audiência e defesa. É certo que, nos termos do artigo 12.º, n.º 4, da LCCT, com referência ao artigo 9.º, n.os 1 e 2, alínea g), e 10.º, n.os 8 a 10, do mesmo diploma, à empregadora compete provar os factos que traduzem a violação culposa do dever de assiduidade, materializado em faltas não justificadas durante cinco dias seguidos ou 10 interpoladas, no mesmo ano. Porém, verificadas as ausências ao serviço, sobre o trabalhador recai o ónus de alegar e provar que tais ausências não procederam de culpa sua, a fim de justificar as faltas, o que, no caso, exigiria a invocação de factos tendentes a demonstrar a implausibilidade de lhe serem imputados comportamentos que pudessem dar origem à situação que o impediu de comparecer ao serviço, cobrando aqui aplicação o disposto no artigo 799.º, n.º 1, do Código Civil – segundo a qual, ao devedor incumbe provar que a falta de cumprimento não procede de culpa sua –, pois a responsabilidade disciplinar laboral tem a sua fonte na violação de obrigações contratuais. Do que vem de ser dito, se conclui não poder falar-se, a propósito do juízo sobre a justificação, ou não, das faltas, de ofensa ao princípio da presunção da inocência. Não pode deixar de referir-se, ainda na perspectiva da apreciação da culpa quanto à obrigação de prever a imputação de factos passíveis de gerar a referida situação de impedimento de prestar o trabalho, e consequente dever de agir por forma a evitar essa situação, que o Autor veio a ser condenado, no processo em que foi sujeito a prisão preventiva, por sentença transitada em julgado, na pena de 17 anos de prisão. As faltas em causa devem, pois, ser consideradas não justificadas, juízo a que não obsta o facto de no processo referido na alínea G) dos Factos Assentes, se ter afirmado que, para efeito de pagamento da retribuição, não havendo ainda decisão condenatória transitada em julgado, as faltas dadas pelo Autor não podiam deixar de considerar-se justificadas. 4. 4. As faltas não justificadas, consubstanciando o incumprimento do dever de assiduidade [artigo 20.º, alínea b), da LCT], traduzem um comportamento ilícito e culposo imputável ao trabalhador, um dos requisitos da justa causa de despedimento. Mas, não basta a verificação desse pressuposto para se concluir pela existência de justa causa, sendo necessário que de um de tal comportamento, pela sua gravidade e consequências, resulte a impossibilidade prática e imediata da subsistência da relação laboral (artigo 9.º, n.º 1, da LCCT). A culpa – que deve ser apreciada, segundo o critério plasmado no artigo 487.º, n.º 2, do Código Civil, pela diligência de um bom pai de família, em face das circunstâncias de cada caso, o que, no quadro da relação jurídica laboral, significa um trabalhador normal, colocado perante o condicionalismo concreto em apreciação –, tem de assumir uma tal gravidade objectiva, em si e nos seus efeitos, que, minando irremediavelmente a confiança que deve existir entre as partes no cumprimento de um contrato com o carácter fiduciário, intenso e constante, do contrato de trabalho, torne inexigível ao empregador a manutenção da relação laboral. A inexigibilidade da manutenção da relação de trabalho verificar-se-á, sempre que, face ao comportamento do trabalhador e às circunstâncias do caso, a subsistência do vínculo fira de modo violento a sensibilidade e liberdade psicológica de uma pessoa normal, quando colocada na posição real do empregador, no circunstancialismo apurado, o que pressupõe a necessidade de um prognóstico sobre a viabilidade da relação de trabalho, ou seja, um juízo, referido ao futuro, sobre a impossibilidade das relações contratuais, do que decorre que, assentando a relação laboral na cooperação e recíproca confiança entre o trabalhador e o empregador e num clima de boa fé, a mesma não poderá manter-se se o trabalhador destruir ou abalar, de forma irreparável, a confiança na idoneidade futura da sua conduta. A gravidade do comportamento do trabalhador e a inexigibilidade da subsistência do vínculo não podem ser apreciadas em função do critério subjectivo do empregador, mas sim na perspectiva de um bom pai de família, ou seja de um empregador normal, norteado por critérios de objectividade e razoabilidade, devendo o tribunal atender, ainda, por força do disposto no n.º 5 do artigo 12.º da LCCT, no quadro da gestão da empresa, ao grau de lesão dos interesses da entidade empregadora, ao carácter das relações entre as partes ou entre os trabalhadores e os seus companheiros e às demais circunstâncias que no caso se mostrem relevantes. Estando em causa cinco ou mais faltas injustificadas seguidas, no mesmo ano, a lei dispensa, na apreciação da gravidade das consequências dos factos, a prova de quaisquer prejuízos reais ou potenciais, podendo, pois, afirmar-se que os presume, atendendo à distinção que se surpreende nos dois segmentos, separados pela disjuntiva “ou”, que apresenta o texto da alínea g) do n.º 2 do artigo 9.º da LCCT: “Faltas não justificadas ao trabalho que determinam directamente ou prejuízos graves para a empresa ou, independentemente de qualquer prejuízo ou risco, quando o número de faltas atingir, em cada ano, 5 seguidas ou 10 interpoladas”. Assinala António Monteiro Fernandes (Direito do Trabalho, obra citada, pág. 514), que se trata de “mera desvalorização do elemento prejuízo (real ou potencial) na apreciação da gravidade dos factos; mas não se exclui a relevância do grau de culpa nem o alcance de outros factores de gravidade, como os respeitantes à prevenção especial e geral”. Mais assertivo, António Menezes Cordeiro (obra citada, págs. 833/840), depois de reflectir sobre o dever de assiduidade, como elemento essencial da relação laboral, cujo incumprimento reputa de ofensa à disciplina empresarial, de quebra de lealdade e desobediência ao empregador, com graves consequências, não apenas no âmbito da empresa, mas também na economia em geral, chama a atenção para a dimensão social e pessoal que, às faltas injustificadas, dá a sua gravidade. E, aceitando que “a qualificação das faltas como «infracção disciplinar grave» não faz delas, só por isso, uma justa causa de despedimento”, considera, todavia, ser de atenuar, em caso de faltas frequentes, a exigência de demonstração de factos atinentes à impossibilidade da subsistência do vínculo laboral, tarefa que reputa de praticamente impossível. Nesse sentido, explica: “[...] Se o trabalhador duma empresa se sente autorizado a faltar sem justificação, ele está a sobrecarregar os seus colegas e a economia em geral. Tal como ele, todos teriam igual direito a faltar; nenhum processo produtivo seria possível. Por isso o absentismo é um problema público, que não pode deixar de ser disciplinarmente reprimido. Além disso, a falta injustificada faz esboroar a confiança merecida pelo trabalhador. Provadas as faltas injustificadas – logo ilícitas e culposas – no máximo legal, está praticamente preenchido o tipo da justa causa. Os seus reflexos na relação de trabalho advêm agora de juízos de experiência e de razoabilidade. Admite-se que, por essa via, se salve o contrato do trabalhador que não logrou justificar a falta em tempo útil, por mera falha documental, mas que objectivamente, possa convencer que isso nunca mais se repetirá. Mas não parece adequado, por essa via, deixar penetrar um tipo de benevolência que a lei expressamente vedou e que tem imensos custos para o País. [...]” No caso em apreciação, até à data da comunicação da nota de culpa, as faltas atingiam o número de 38 seguidas, sendo que, então, foi determinada a suspensão preventiva de funções, do que, como alega o Autor, decorre que as ausências posteriores, referidas em ulterior aditamento à peça acusatória, não podem considerar-se faltas injustificadas, não relevando, pois, para fundamentar o juízo sobre a justa causa. Há-de convir-se que esse número – que é mais de sete vezes superior ao número de faltas seguidas que permite, independentemente dos prejuízos, integrar as ausências no incumprimento do dever de assiduidade susceptível de fundar justa causa de despedimento –, atentas as funções de subgerente de uma agência do Banco Réu que o Autor desempenhava, não poderia deixar de ter reflexos na própria organização do banco, particularmente na referida agência, afectando, certamente, o funcionamento da mesma. Por isso, não era exigível ao Réu que mantivesse nos seus quadros um trabalhador que faltou injustificadamente durante largo lapso de tempo corroendo de modo intenso a confiança indispensável à subsistência da relação laboral, para mais numa situação em que não era possível formular um prognóstico favorável quanto ao futuro comportamento do Autor no que concerne ao cumprimento do dever de assiduidade. De tudo se conclui pela existência de justa causa para o despedimento. 4. 5. Uma breve referência se impõe relativamente à circunstância de a decisão disciplinar que decretou o despedimento fazer depender os seus efeitos de uma condição: a condenação definitiva em processo criminal. É certo que a lei não admite uma declaração de despedimento, fundada na impossibilidade imediata e prática de subsistência da relação do trabalho, com efeitos condicionados à posterior verificação de qualquer facto: trata-se de uma declaração receptícia, que se torna eficaz logo que chega ao conhecimento do destinatário (artigos 224.º, n.º 1, do Código Civil e 10.º, n.º 10, da LCCT). Assim, uma tal “condição” torna-se irrelevante quando da comunicação resulte para um declaratário normal que ela contém a expressão da vontade de, com aquele fundamento, fazer cessar o contrato (artigo 236.º, n.º 1, do Código Civil); caso contrário, nem sequer se poderia falar de despedimento, mas, eventualmente, da manifestação de um propósito a concretizar no futuro. Sucede que, no caso em apreciação, o Autor interpretou a comunicação no sentido de ter sido efectivamente despedido em 10 de Fevereiro de 2004, data em que a recebeu, daí que logo, em 17 de Fevereiro de 2004, tenha instaurado providência cautelar de suspensão do despedimento, e em 19 de Maio de 2004, intentado a presente acção de impugnação. Disto decorre não ter qualquer consequência, em sede de apreciação da apreciação da ilicitude, formal ou substancial, do despedimento, aquele particular aspecto da decisão disciplinar, tanto mais que a perspectiva nela expressa, segundo a qual a posterior não condenação do Autor na jurisdição penal determinaria a superveniente insubsistência de justa causa para o despedimento, não foi tida em consideração no juízo que se deixou expresso quanto à verificação da justa causa, o qual, por outro lado, assentou na premissa de que a comunicação da decisão disciplinar produziu efeitos imediatos. Nesta conformidade, só pode concluir-se pela licitude do despedimento promovido pelo Réu. 5. Do pedido de indemnização por danos não patrimoniais: O Autor formulou o pedido de indemnização de € 10.000,00, a título de danos não patrimoniais, por, em consequência do despedimento promovido pelo Réu, ter sentido um profundo choque emocional, tendo sido afectado na sua imagem, no seu sistema nervoso, dormindo mal e sofrendo com frequência dores de cabeça «insuportáveis». Os fundamentos do pedido de indemnização por danos não patrimoniais são, pois, a existência de um vínculo contratual com o Banco Réu e o despedimento, por este efectuado, sem justa causa, por isso incorrendo em responsabilidade civil no âmbito contratual. Tendo-se concluído que o despedimento promovido pelo Réu foi efectuado com justa causa e, portanto, que não foi ilícita a sua conduta, não se verifica um pressuposto fundamental da obrigação de indemnizar – o facto ilícito consubstanciado na violação culposa de um dever contratual (artigo 798.º do Código Civil). Por isso, e sem necessidade de discorrer sobre a causa do “profundo choque emocional”, “a necessidade de acompanhamento médico”, e o estado de afectação “do seu sistema nervoso” (factos n.os 5, 6 e 9), tem que forçosamente, concluir-se pela improcedência da pretensão do Autor. III Em face do exposto, decide-se negar a revista. Custas a cargo do recorrente. Lisboa, 1 de Outubro de 2008. Vasques Dinis (relator) Alves Cardoso Bravo Serra
__________________________ (1) Face à existência de duas conclusões, seguidas, sob o n.º 11, atribuiu-se à segunda conclusão o n.º 11-A. |