Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 3.ª SECÇÃO | ||
Relator: | LOPES DA MOTA | ||
Descritores: | RECURSO PARA FIXAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA PRESSUPOSTOS RECURSO DE ACÓRDÃO DA RELAÇÃO PROCESSO DE CONTRAORDENAÇÃO QUESTÃO FUNDAMENTAL DE DIREITO OPOSIÇÃO DE JULGADOS QUESTÃO PREJUDICIAL QUESTÃO PRÉVIA REJEIÇÃO DE RECURSO | ||
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Data do Acordão: | 12/06/2023 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | RECURSO DE FIXAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA (PENAL) | ||
Decisão: | NEGADO PROVIMENTO | ||
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Sumário : | I. O recurso de fixação de jurisprudência é um recurso extraordinário que tem por finalidade o estabelecimento de interpretação uniforme de normas jurídicas aplicadas de forma divergente e contraditória em acórdãos dos tribunais da Relação ou do Supremo Tribunal de Justiça, com a eficácia prevista no artigo 445.º do CPP, contribuindo para a realização de objetivos de segurança jurídica e de igualdade perante a lei, que constituem exigências do princípio de Estado de direito (artigo 2.º da Constituição). II. Por aplicação subsidiária das normas do processo penal ao processo de contraordenação, determinada pelo artigo 41.º, n.º 1, do RGCO (Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de outubro), aplicável aos processos por infração ao disposto nos artigos 9.º, 11.º e 12.º do novo regime jurídico da concorrência aprovado pela Lei n.º 19/2012, de 8 de maio, é admissível a fixação de jurisprudência em matéria de contraordenações pelo Supremo Tribunal de Justiça, para resolução de conflitos entre acórdãos dos tribunais da relação, os quais, atento o disposto no artigo 75.º, n.º 1, do mesmo diploma, não admitem recurso ordinário. III. A oposição entre o acórdão recorrido e o acórdão fundamento – oposição de julgados – é a que resulta de ambos os acórdãos se terem pronunciado e terem resolvido a mesma questão de direito controvertida, no domínio da mesma legislação, adotando soluções opostas na interpretação e aplicação das mesmas normas, decidindo em termos contraditórios em idênticas das situações de facto. IV. A questão de direito, que vem identificada no recurso e alegadamente decidida em sentidos opostos, traduz-se, segundo a recorrente, em saber se o juiz de instrução tem competência para apreciar a validade da diligência de busca e apreensão de correio eletrónico levada a cabo pela Autoridade da Concorrência em processo de contraordenação da concorrência e autorizada por despacho e mandado do Ministério Público. V. Embora diga que o juiz de instrução não tem competência para apreciar da validade da apreensão do correio eletrónico, o acórdão recorrido não retira essa conclusão de uma apreciação e interpretação dos preceitos legais em presença, como pretendia a recorrente, mas porque, em conhecimento oficioso de «questão prévia», entende que essa questão já se encontra decidida no processo por outros acórdãos transitados em julgado. VI. Em momento algum o acórdão recorrido convoca, interpreta e aplica as normas legais invocadas pelo recorrente, que estruturam normativamente o objeto e o âmbito do recurso tal como os define o recorrente – e que delimitam os poderes de cognição do tribunal ad quem, sem prejuízo dos seus poderes de conhecimento oficioso –, nem sobre elas, ausentes da ratio decidendi, constrói a sua própria decisão. VII. Não havendo pronúncia no acórdão recorrido sobre as questões de direito suscitadas no recurso, interpretando e aplicando as normas legais convocadas para o efeito e que agora vêm invocadas nos fundamentos do presente recurso para fixação de jurisprudência, não há julgado que se oponha ao decidido no acórdão fundamento, que interpretou e aplicou essas normas, impondo-se, assim, concluir pela não oposição de julgados (artigo 441.º, n.º 1, do CPP). | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam em conferência na 3.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça: I. Relatório 1. MEO – SERVIÇOS DE COMUNICAÇÕES E MULTIMÉDIA, S.A. («MEO»), interpôs, em 23.01.2023, recurso extraordinário para fixação de jurisprudência do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 27.09.2022, transitado em julgado em 09.12.2022, o qual declarou nulo e de nenhum efeito o despacho do juiz de instrução de 30.05.2019 que indeferiu o pedido de declaração de nulidade das buscas e apreensão de correio eletrónico determinadas pelo Ministério Público nos termos do artigo 18.º, n.º 1, al. c), e n.º 2 do Regime Jurídico da Concorrência, realizadas nas suas instalações em novembro e dezembro de 2018, no âmbito do processo de contraordenação n.º PRC/2018/5 da Autoridade da Concorrência («AdC») tendo por objeto práticas restritivas da concorrência em infração do disposto nas alíneas a), b) e c) do n.º 1 do artigo 9.º da Lei n.º 19/2012, de 8 de maio, envolvendo empresas do setor das comunicações. Alega que este acórdão se encontra em oposição com o decidido no acórdão de 19.02.2020 do mesmo Tribunal da Relação de Lisboa, proferido no processo n.º 28999/18.3T8LSB-A.L1, transitado em julgado em 05.03.2020, no domínio da mesma legislação e quanto à mesma questão de direito, que indica como acórdão fundamento. 2. Apresenta motivação de recurso com as seguintes conclusões: «1. No âmbito do processo de contraordenação n.º PRC/2018/5, no qual é visada a ora recorrente, foram realizadas pela Autoridade [da Concorrência] diligências de busca e apreensão nas respetivas sedes, tendo sido examinada e apreendida correspondência eletrónica, com base num despacho e mandado emitidos pelo MP. 2. A Recorrente arguiu a nulidade das diligências de apreensão de correspondência eletrónica realizada pela AdC, sem despacho judicial prévio, sendo que o Tribunal de Instrução Criminal de Lisboa proferiu Despacho julgando improcedentes os diversos vícios invocados, 3. decisão da qual a MEO recorreu para o Tribunal da Relação de Lisboa. 4. O presente recurso de fixação de jurisprudência vem interposto do Acórdão do TRL proferido nesse seguimento, o qual revogou o Despacho do Tribunal de Instrução Criminal de Lisboa, com fundamento na sua incompetência para conhecer a questão da validade da diligência de busca e apreensão de correspondência eletrónica realizada pela Autoridade da Concorrência em processo de contraordenação da concorrência, sem despacho judicial prévio (“Acórdão Recorrido”), por se encontrar o mesmo em contradição com o Acórdão da Relação de Lisboa de 20.02.2020, proferido no âmbito do processo n.º 28999/18.3T8LSB-A.L1 (“Acórdão Fundamento”). 5. O Acórdão Recorrido considera ser o JIC incompetente para apreciar as nulidades suscitadas pela visada em processo contraordenacional da concorrência, relativas a diligências de busca e apreensão de correspondência eletrónica executadas pela AdC, sob mandado do Ministério Público. 6. O Acórdão Fundamento decidiu que ao Tribunal de Instrução Criminal, independentemente de não haver previsão legal expressa, cabe decidir sobre nulidades dos atos de busca e apreensão levados a cabo pela AdC, sob mandado emitido pelo MP, no âmbito LdC, porquanto tais atos se prendem com o núcleo essencial de garantias fundamentais passíveis de invocação pelas pessoas coletivas no domínio contraordenacional, por práticas restritivas da concorrência. 7. O Acórdão Recorrido não admite recurso ordinário, por força do disposto no artigo 75.º do RGCO e, em qualquer caso, por força do disposto no artigo 400.º, n.º 1, alínea c) do CPP, tendo já sido esgotadas as vias de reação existentes, em virtude da arguição da respetiva nulidade junto do Tribunal da Relação de Lisboa, a qual veio a ser indeferida por Acórdão proferido em 22.11.2022. 8. Quer o Acórdão Recorrido quer o Acórdão Fundamento foram proferidos no domínio da mesma legislação, porquanto em causa está a aplicação das normas referentes à diligência de busca e apreensão de correio eletrónico no âmbito de processo de contraordenação da AdC, com base em despacho e mandado emitidos pelo MP, as quais se mostram expendidas por vários diplomas e constituem o quadro legislativo aplicável. São essas as normas previstas na LdC (em particular os artigos 17.º a 21.º da LdC), no CPP (em particular, os artigos 174.º, 179.º, 268.º e 269.º do CPP), na Lei do Cibercrime (o respetivo artigo 17.º), no RGCO (os artigos 41.º e 42.º) e na CRP (os artigos 26.º, 32.º, 34.º e 202.º), as quais são referidas, com maior ou menor, exaustividade quer no Acórdão Recorrido quer no Acórdão Fundamento. 9. Quer o Acórdão Recorrido quer o Acórdão Fundamento conhecem da mesma questão de direito: a questão da competência do juiz de instrução criminal para apreciar a validade da diligência de busca e apreensão de correspondência eletrónica levada a cabo em processo de contraordenação da concorrência e autorizada por despacho e mandado do MP. 10. Os acórdãos encontram-se em manifesta oposição e contradição, quanto à referida questão, tendo sido confrontados com situações de facto similares. 11. Efetivamente, as situações de facto nos casos em apreço no Acórdão Recorrido e no Acórdão Fundamento são absolutamente coincidentes, porquanto, em ambas as situações: i. estamos no âmbito de processos de contraordenação instaurados pela AdC por suspeitas de práticas restritivas da concorrência; ii. no âmbito desses processos, foram conduzidas pela Autoridade diligências de busca e apreensão, ao abrigo de mandado emitido pelo MP; iii. num e noutro caso foi apreendida pela AdC correspondência eletrónica no âmbito dessas diligências e sem despacho judicial prévio; iv. em ambos os casos as visadas insurgiram-se contra a referida diligência de busca e apreensão, em particular contra a apreensão de correspondência eletrónica e arguiram a respetiva nulidade, com os mesmos fundamentos, perante o juiz de instrução criminal. 12. Assim, perante a mesma factualidade e perante a mesma questão de direito: i. no Acórdão Recorrido, o TRL decidiu declarar a nulidade do despacho proferido pelo Juiz de Instrução Criminal que apreciou o requerimento da visada que arguia a nulidade da diligência de busca e apreensão de correspondência eletrónica com base na falta de despacho judicial para o efeito, com fundamento na incompetência do juiz de instrução criminal, assente no entendimento de que a lei não prevê a competência do juiz de instrução criminal em processos de contraordenação de concorrência para apreciar a validade de diligência de busca e apreensão de correspondência eletrónica realizadas ao abrigo de despacho e mandado emitidos pelo MP; ii. no Acórdão Fundamento, o TRL decidiu revogar o despacho proferido pelo Juiz de Instrução Criminal que se declarou incompetente para conhecer da validade da diligência de busca e apreensão de correspondência eletrónica com base na falta de despacho judicial para o efeito, com fundamento na competência do juiz de instrução criminal, assente no entendimento de que a questão da validade diligência de busca e apreensão de correspondência eletrónica realizada em processos de contraordenação de concorrência coloca em causa direitos fundamentais, em particular, o sigilo da correspondência eletrónica, previsto no artigo 34.º da CRP, pelo que o juiz de instrução criminal tem competência para a conhecer, verificando-se, desta forma, uma evidente oposição entre o julgado no Acórdão Recorrido e o julgado no Acórdão Fundamento, sobre a mesma questão de direito no domínio da mesma legislação. 13. O presente recurso está em tempo, uma vez que deve ser interposto no prazo de 30 dias a contar do trânsito em julgado do acórdão proferido em último lugar, que ocorreu em 14.12.2022, uma vez que a Recorrente foi notificada do Acórdão Recorrido no dia 03.10.2022, tendo, em seguida, a MEO arguido a respetiva nulidade junto do próprio Tribunal da Relação de Lisboa, a qual foi decidida por acórdão proferido em 22.11.2022, notificado à MEO no dia 28.11.2022, sendo que, após a notificação dessa decisão, não foi lançada mão de qualquer outro meio de reação ordinário. 14. Pelo exposto, verifica-se que que estão cumpridos os requisitos impostos pelo artigo 437.º do CPP para que o presente recurso extraordinário para fixação de jurisprudência seja admitido, devendo a Recorrente ser notificada para apresentar as suas alegações, com fundamentação do sentido em que entende que deve ser fixada jurisprudência. Termos em que deve ser admitido e dado provimento ao presente recurso extraordinário de fixação jurisprudência, por estarem verificados os pressupostos dos quais o mesmo depende, nos termos do artigo 437.º, n. 2, 3 e 4 do CPP, devendo ser fixada jurisprudência no sentido que, oportunamente, se avançará em sede de alegações.» 4. Estão juntas certidões do acórdão recorrido e do acórdão fundamento, com as indicações de que transitaram em julgado em 09.12.2022 e em 05.03.2020, respetivamente. 5. Respondeu o Ministério Público, pelo Senhor Procurador-Geral Adjunto no tribunal recorrido, dizendo: «Ambos os acórdãos são oriundos do Tribunal da Relação de Lisboa (TRL). Incide o thema decidendum de ambos sobre um mesmo assunto, no quadro de legislação inalterada: os poderes do Juiz de Instrução Criminal (JIC) no seio da instrução do processo de contraordenação, na fase administrativa do mesmo. O pano de fundo processual é uniforme: realização de buscas e apreensão de documentos e correspondência pela entidade supervisora, por ordem do Ministério Público, nas instalações de uma mesma operadora de mercado, a MEO, S.A, Num caso (acórdão recorrido), foi decidido que "o JIC não se configura como instância recursiva dos actos praticados pelo MP, inexistindo suporte de disposição processual atributiva de tal competência" pelo que se declara nulo e sem efeito o despacho do JIC que conheceu da matéria. Noutro caso (acórdão fundamento), defendeu-se que "o JIC tem poderes para conhecimento das invalidades dos actos praticados pelo MP...entendimento que [é] extensível ao processo contraordenacional", revogando-se o despacho do JIC que recusara tomar conhecimento do tema, em benefício de outro que deles conhecesse. A oposição de julgados aparenta existir. A recorrente tem legitimidade, tendo evidente ganho de causa com uma das soluções em oposição. Nestes termos, Crê o signatário estarem reunidos os pressupostos do recurso extraordinário para fixação de jurisprudência, devendo os autos subir ao Supremo Tribunal de Justiça.» 6. Recebido, foi o processo com vista ao Ministério Público, em conformidade com o disposto no artigo 440.º do CPP. O Senhor Procurador-Geral-Adjunto considera que estão verificados todos os pressupostos de natureza formal e substancial de que depende a fixação de jurisprudência, pronunciando-se no sentido de que deve ser reconhecida a oposição. O que faz nos seguintes termos (transcrição parcial): «(…) 10. Vem a MEO, SA, ao abrigo da disposição do art. 437.º/1 e 2 do Código de Processo Penal, interpor recurso extraordinário de fixação de jurisprudência, alegando, em síntese: 12. Assim, perante a mesma factualidade e perante a mesma questão de direito: i. no Acórdão Recorrido, o TRL decidiu declarar a nulidade do despacho proferido pelo Juiz de Instrução Criminal que apreciou o requerimento da visada que arguia a nulidade da diligência de busca e apreensão de correspondência eletrónica com base na falta de despacho judicial para o efeito, com fundamento na incompetência do juiz de instrução criminal, assente no entendimento de que a lei não prevê a competência do juiz de instrução criminal em processos de contraordenação de concorrência para apreciar a validade de diligência de busca e apreensão de correspondência eletrónica realizadas ao abrigo de despacho e mandado emitidos pelo MP; ii. no Acórdão Fundamento, o TRL decidiu revogar o despacho proferido pelo Juiz de Instrução Criminal que se declarou incompetente para conhecer da validade da diligência de busca e apreensão de correspondência eletrónica com base na falta de despacho judicial para o efeito, com fundamento na competência do juiz de instrução criminal, assente no entendimento de que a questão da validade diligência de busca e apreensão de correspondência eletrónica realizada em processos de contraordenação de concorrência coloca em causa direitos fundamentais, em particular, o sigilo da correspondência eletrónica, previsto no artigo 34.º da CRP, pelo que o juiz de instrução criminal tem competência para a conhecer, verificando-se, desta forma, uma evidente oposição entre o julgado no Acórdão Recorrido e o julgado no Acórdão Fundamento, sobre a mesma questão de direito no domínio da mesma legislação. 11. Tem, pois, razão a recorrente quando entende que aqueles Acórdãos foram proferidos na vigência da mesma legislação: 39. São essas as normas previstas na LdC (em particular os artigos 17.º a 21.º da LdC), no CPP (em particular, os artigos 174.º, 179.º, 268.º e 269.º do CPP), na Lei do Cibercrime (o respetivo artigo 17.º), no RGCO (os artigos 41.º e 42.º) e na CRP (os artigos 26.º, 32.º, 34.º e 202.º), as quais são referidas, com maior ou menor, exaustividade quer no Acórdão Recorrido quer no Acórdão Fundamento. 12. ⌠Sendo, aliás, também relevantes, em especial, a Directiva (UE) 1/2019, conhecida como ECN+, e as disposições dos arts. 83ºss da L-19/2012, de 08/05 – Lei da Concorrência, LdC), sem alterações relevantes entre a prolação de ambos – a alteração operada pela L-17/2022, de 17/08, mormente pelo aditamento do art. 86º-A, não é aplicável aos processos pendentes à data da sua entrada em vigor (cfr, o respectivo art. 9º/1)⌡. 13. E decidiram de forma oposta em termos concisos, se traduz: Em saber se o Juiz de Instrução Criminal, no âmbito de processos contraordenacionais por violação de regras de concorrência, tem competência para conhecer da validade do acto de apreensão de correio eletrónico realizado pela AdC a coberto de um mandado de busca e apreensão emitido pelo Ministério Público. 14. No respeito do modelo etiológico e processual-penal do recurso de fixação de jurisprudência – que pressupõe, pois, naturalmente, a oposição de julgados – é viável afirmar que num mesmo silogismo judiciário (sempre na dialéctica do Facto/Direito), foram seguidas duas vias divergentes de raciocínio, viabilizando que de duas séries de premissas iguais se tivessem alcançado conclusões (decisões) diversas. 15 Isto é: A motivação da questão-de-direito que induziu as duas decisões em conflito é tratada em ambos os acórdãos no seio de uma idêntica discursividade lógico-dialéctica, sendo tal a mesmidade das hipóteses fáctico-normativas, que implicam estabelecer um cotejo comparativo que leva a concluir que, num mesmo caso, apenas por razões de juízos jurídico-valorativos diversos, foram adoptadas, expressamente, soluções opostas relativamente à aplicação do Direito. 16 Ou seja: Os factos são os mesmos; Assim como essa mesmidade ocorre quanto ao Direito aplicado. As soluções jurídicas são opostas. 17. Do que se extrai que há oposição de julgados, como pressuposto essencial (material) da previsão do recurso de fixação de jurisprudência, sendo que não se revela que o Supremo Tribunal de Justiça tenha já fixado Jurisprudência sobre a concreta questão-de-direito 18. Uma vez reconhecida a oposição de julgados, impõe-se, ao abrigo da disposição do art. 441º/2 do Código de Processo Penal, que seja determinada a suspensão dos termos do presente recurso extraordinário até ao julgamento de um dos recursos dos processos conexo (pela identidade das questões-controvertidas): 3039/19.9...-A.L1-F.S1. 3039/19.9...-A.L1-G.S1. 3039/19.9...-A.L1-I.S1; Caso nalgum deles se venha a concluir em primeiro lugar pela oposição de julgados. III. Em síntese: Verificam-se, no entanto, os restantes pressupostos formais e materiais da dedução do recurso extraordinário para fixação de jurisprudência, em especial a oposição de julgados, pelo que o mesmo poderia prosseguir (cfr, os arts. 437º/1 e 2 e 441º/1, in fine, do Código de Processo Penal); Quando reconhecida a oposição de julgados, deverá, ao abrigo da disposição do art. 441º/2 do Código de Processo Penal, ser determinada a suspensão dos termos do presente recurso extraordinário até ao julgamento do recurso do processo – da listagem acima expressa – onde primeiro se venha a concluir pela oposição de julgados. IV. Em conclusão: Motivo por que o Ministério Público dá Parecer que: - Deverá prosseguir o recurso extraordinário para fixação de jurisprudência; - Deverá ser determinada a suspensão dos presentes autos até ao julgamento do recurso do processo conexo onde primeiro se venha a concluir pela oposição de julgados.» 7. Efetuado o exame preliminar, o processo foi à conferência, nos termos dos n.ºs 3 e 4 do artigo 440.º do CPP. II. Fundamentação 8. Sobre o fundamento do recurso extraordinário de fixação de jurisprudência dispõe o artigo 437.º nos seguintes termos: «1 – Quando, no domínio da mesma legislação, o Supremo Tribunal de Justiça proferir dois acórdãos que, relativamente à mesma questão de direito, assentem em soluções opostas, cabe recurso, para o pleno das secções criminais, do acórdão proferido em último lugar. 2 – É também admissível recurso, nos termos do número anterior, quando um tribunal de relação proferir acórdão que esteja em oposição com outro, da mesma ou de diferente relação, ou do Supremo Tribunal de Justiça, e dele não for admissível recurso ordinário, salvo se a orientação perfilhada naquele acórdão estiver de acordo com a jurisprudência já anteriormente fixada pelo Supremo Tribunal de Justiça. 3 – Os acórdãos consideram-se proferidos no domínio da mesma legislação quando, durante o intervalo da sua prolação, não tiver ocorrido modificação legislativa que interfira, directa ou indirectamente, na resolução da questão de direito controvertida. 4 – Como fundamento do recurso só pode invocar-se acórdão anterior transitado em julgado. 5 – O recurso previsto nos n.ºs 1 e 2 pode ser interposto pelo arguido, pelo assistente ou pelas partes civis e é obrigatório para o Ministério Público». O recurso para a fixação de jurisprudência é interposto no prazo de 30 dias a contar do trânsito em julgado do acórdão proferido em último lugar, devendo o recorrente, no requerimento de interposição do recurso, identificar o acórdão com o qual o acórdão recorrido se encontre em oposição e, se este estiver publicado, o lugar da publicação, bem como justificar a oposição que origina o conflito de jurisprudência (n.ºs 1 e 2 do artigo 438.º do CPP). 9. Por aplicação subsidiária das normas do processo penal ao processo contraordenacional, determinada pelo artigo 41.º, n.º 1, do RGCO (Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de outubro), aplicável aos processos por infração ao disposto nos artigos 9.º, 11.º e 12.º do novo regime jurídico da concorrência aprovado pela Lei n.º 19/2012, de 8 de maio, é admissível a fixação de jurisprudência em matéria de contraordenações pelo Supremo Tribunal de Justiça, para resolução de conflitos entre acórdãos dos tribunais da relação, os quais, atento o disposto no artigo 75.º, n.º 1, do mesmo diploma, não admitem recurso ordinário. Irrecorribilidade que, como requisito específico relativo aos acórdãos da relação, é imposta, como se vê, pelo artigo 437.º, n.º 2, do CPP. Com efeito, como se notou no recente acórdão de 08.11.2023, Proc. 204/22.5YUSTR-L1.A-S1, não obstante o anteriormente decidido em sentido contrário nos acórdãos de 28.01.2015, Proc. 44/14.5TBORQ.E1-A.S1, e de 08.03.2028, Proc. 41/12.5YUSTR.L1-D.S1 (do mesmo relator, em www.dgsi.pt), e não havendo norma que constitua obstáculo ao recurso, justifica-se que, ao dispor que não cabe recurso das decisões da 2.ª instância, o artigo 75.º, n.º 1, do RGCO se limita aos recursos ordinários, a isso não se opondo o artigo 73.º, n.º 2, com âmbito de previsão diverso, admitindo o recurso para a relação «para melhoria da aplicação do direito» ou «promoção da uniformidade de jurisprudência» (neste sentido, entre outros, o acórdão de 08.03.2018, Proc. 102/15.9YUSTR.L1-A.S1, Leones Dantas, Direito Processual das Contraordenações, Almedina, 2022, p. 283-284, e Damião da Cunha, “Fixação de Jurisprudência e Ilícito de Mera Ordenação Social”, Revista do Ministério Público, n.º 146, pp. 179ss., notando-se que são vários os acórdãos em que o Supremo Tribunal de Justiça assumiu esta competência (podendo referir-se os acórdãos 1/2001, 11/2005, 1/2009, 4/2011, 5/2013 e 2/2014). 10. O recurso de fixação de jurisprudência é um recurso de natureza extraordinária que tem por finalidade o estabelecimento de interpretação uniforme de normas jurídicas aplicadas de forma divergente e contraditória em acórdãos dos tribunais da Relação ou do Supremo Tribunal de Justiça, com a eficácia prevista no artigo 445.º do CPP, contribuindo para a realização de objetivos de segurança jurídica e de igualdade perante a lei, que constituem exigências do princípio de Estado de direito (artigo 2.º da Constituição). Como se consignou no acórdão de 29.06.2023, Proc. 107/19.0GAOBR.P1-A.S1, citando jurisprudência anterior, o recurso visa a apreciação de decisões em matéria de direito, requerendo, como seu pressuposto e fundamento (artigo 437.º do CPP), que as mesmas normas, na aplicação a factos idênticos, tenham sido interpretados diversamente, com base em soluções opostas ou inconciliáveis, obtidas em resultado de interpretações diferentes quanto à mesma questão de direito, no acórdão recorrido e no acórdão fundamento Citando Alberto dos Reis, “Dá-se oposição sobre o mesmo ponto de direito quando a mesma questão foi resolvida em sentidos diferentes, isto é, quando à mesma disposição legal foram dadas interpretações ou aplicações opostas”. O que interessa saber “é se, para a resolução do caso concreto, os tribunais, em dois acórdãos diferentes, chegaram a soluções antagónicas” quanto ao sentido da mesma norma aplicada nesses dois acórdãos (apud Simas Santos / Leal Henriques, Recursos Penais, 9.ª ed., 2020, pp. 213-214). A questão de direito a resolver por via do recurso há de corresponder a uma idêntica “situação de facto” colocada perante uma idêntica “hipótese normativa”, na consideração dos seus diversos elementos relevantes, requerendo uma “decisão por um critério de interpretação” de entre “hipóteses interpretativas” divergentes (como se considerou no acórdão de 28.9.2022, Proc. n.º 503/18.0T9STR.E1-A.S1, em www.dgsi.pt, citando ainda Ulrich Schroth, Hermenêutica Filosófica e Jurídica, em «Introdução à Filosofia do Direito e à Teoria do Direito Contemporâneas», A. Kaufmann e W. Hassemer, Fundação Calouste Gulbenkian, 3.ª ed., Lisboa, 2015, p. 398). 11. Estando em causa a força do caso julgado, que prossegue idênticos objetivos de segurança jurídica, impõe a lei exigentes requisitos, prevenindo a sua utilização como mais uma forma de recurso ordinário destinado à reapreciação da decisão de um caso concreto em divergência com outras decisões de outros tribunais, os quais se evidenciam, desde logo, na sua específica regulamentação (assim, por todos, o acórdão de 3.11.2021, proc. 36/21.8GJBJA-A.E1-A.S, em www.dgsi.pt). Em jurisprudência uniforme e reiterada, vem o Supremo Tribunal de Justiça requerendo a verificação de um conjunto de pressupostos de admissibilidade do recurso de fixação de jurisprudência, uns de natureza formal e outros de natureza substancial (cfr., entre outros, os acórdãos de 29.06.2023, Proc.107/19.0GAOBR.P1-A.S1, e de 28.09.2022, Proc. n.º 503/18.0T9STR.E1-A.S1, e jurisprudência nele citada, bem como o acórdão do pleno das secções criminais de 8.7.2021, Proc. 3/16.PBGMR-A.G1.S1, todos em www.dgsi.pt). 12. Verificam-se os pressupostos de natureza formal quando: (a) a interposição do recurso tenha lugar no prazo de 30 dias a contar do trânsito em julgado do acórdão proferido em último lugar (acórdão recorrido); (b) o recorrente identifique o acórdão com o qual o acórdão recorrido se encontre em oposição (acórdão fundamento), bem como, no caso de estar publicado, o lugar da publicação; (c) se verifique o trânsito em julgado dos dois acórdãos em conflito, e (d) o recorrente apresente justificação da oposição entre o acórdão fundamento e o acórdão recorrido que motiva o conflito de jurisprudência. Mostram-se, neste caso, reunidos tais pressupostos, nomeadamente os relativos ao prazo de 30 dias de interposição do recurso, a contar da data do trânsito em julgado do acórdão recorrido. A recorrente, com a qualidade de arguida, tem legitimidade para o recurso e apresenta justificação da oposição entre o acórdão recorrido e o acórdão fundamento. 13. Verificam-se os pressupostos de natureza substancial quando: (a) os acórdãos sejam proferidos no âmbito da mesma legislação, isto é, quando, durante o intervalo de tempo da sua prolação, não tiver ocorrido modificação legislativa que interfira, direta ou indiretamente, na resolução da questão de direito controvertida; (b) as asserções antagónicas dos acórdãos invocados como opostos tenham tido como efeito consagrar soluções diferentes para a mesma questão fundamental de direito, isto é, quando entre os dois acórdãos haja “soluções opostas” na interpretação e aplicação das mesmas normas; (c) a questão (de direito) decidida em termos contraditórios tenha sido objeto de decisões expressas, e (d) haja identidade das situações de facto subjacentes aos dois acórdãos, pois que só assim é possível estabelecer uma comparação que permita concluir que relativamente à mesma questão de direito existem soluções opostas (assim, por todos, os acórdãos anteriormente citados). 14. A questão de direito, que vem identificada no recurso, traduz-se, segundo a recorrente, em saber «se o juiz de instrução criminal tem competência para apreciar a validade da diligência de busca e apreensão de correspondência eletrónica levada a cabo em processo de contraordenação da concorrência e autorizada por despacho e mandado do MP». 15. Os acórdãos foram proferidos no âmbito da mesma legislação em cuja aplicação, alegadamente contraditória, se funda a invocada questão de direito. Há, pois, que determinar se se verifica a oposição de julgados. 16. Examinado o processo, das certidões juntas extrai-se o seguinte: 16.1. Quanto aos factos e à questão decidida no acórdão recorrido Extrai-se do acórdão recorrido que (transcrições em itálico): (a) «2.2. Na sequência de solicitação da AdC no processo contraordenacional PRC/2018/5º e na sequência de despacho da Autoridade da Concorrência de 16 de novembro de 2018, por indícios de práticas restritivas da concorrência, o MPº ordenou por despacho de 19.11.2018 a efectivação de buscas a várias empresas, v.g a recorrente MEO-, nos termos seguintes: “(…) Corre termos na Autoridade da Concorrência o processo contraordenacional registado sob o n° M/20/8/5, instaurado por despacho do Conselho da Autoridade da Concorrência, de 16 de novembro de 2018, por indícios de práticas restritivas da concorrência que infringem o disposto nas alíneas a), b) e c), do n° 1, art. 9.°, da Lei n°19/2012, de 8 de maio, punível nos termos da alínea a), do n° 1, do art. 68.°, do mesmo diploma legal, em que são visadas as empresas mencionadas no requerimento ora em apreço. A referida infração prende-se com a provável existência de um acordo não escrito através do qual se limitou a liberdade comercial das empresas (ou pelo menos de uma delas) na definição da sua estratégia comercial, em particular a sua política de expansão de clientela e de definição de preços, estando os termos do acordo sujeitos a mecanismos efetivos de dissuasão em caso de incumprimento. Da informação disponível resulta que o aludido acordo terá sido implementado em janeiro de 2016, não sendo no entanto de excluir que existam elementos de prova relevantes em momento anterior, nomeadamente relacionados com as negociações entre as partes. Por outro lado, há razões para crer que o acordo se tem mantido até à presente data, sendo que aparentemente se encontra circunscrito ao território nacional, afetando o fornecimento de diversos serviços no âmbito do setor das comunicações, incluindo, no que respeita ao mercado grossista, a prestação de serviços de acesso e originação de chamadas na rede de comunicações móvel, e no que se refere ao mercado retalhista, a prestação de serviços de comunicações móveis (voz/mensagens e internet) isoladamente ou em pacote com serviços de comunicações fixas (telefonia, internet e televisão por subscrição). Os comportamentos levados a cabo pelas empresas visadas, e eventualmente outras, no contexto de um eventual acordo entre empresas tendente à limitação de fornecimento por parte de um concorrente, e consequente repartição do mercado, incluindo também práticas de fixação de preços, troca de informação sensível entre concorrentes e limitação à produção, distribuição e desenvolvimento técnico, são suscetíveis de integrar a contraordenação acima indicada. A infração, a confirmar-se, terá levado a um aumento artificial de preços, à limitação efetiva da concorrência e à eliminação de incentivos à inovação, entre outros efeitos negativos para a economia e consumidores. Neste contexto, para cabal esclarecimento dos factos denunciados à Autoridade da Concorrência, importa recolher elementos de prova que alicercem as suspeitas existentes, nomeadamente determinar com exatidão o âmbito do entendimento entre as partes envolvidas e a forma como foi implementado na prática, bem como identificar todas as empresas envolvidas e verificar se existem titulares de cargos de direção que devam ser responsabilizados. Assim e tendo em vista a aquisição e recolha de melhores elementos de prova (negrito nosso) — atenta a complexidade dos factos em apreço, os recursos tecnológicos e financeiros das partes envolvidas, e a especial dificuldade de obtenção de prova no sector das comunicações, objeto de extensa regulação e de extrema sofisticação técnica —, importa proceder à realização de buscas na sede e instalações das empresas identificadas, para exame e recolha de cópias ou extratos da escrita e demais documentação, bem como à eventual apreensão de objetos. Nesta conformidade e ao abrigo das disposições conjugadas dos arts. n.º 1, 18.º, n.ºs 1, alínea c), 2, 3, 4, alíneas a) e b), 20.º, n.º. 1, e 21.º, da Lei n.º 19/2012, de 8 de maio; 41.º, n.º 1, e 48.º-A, do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de outubro, e 174.º, n.ºs. 2 e 3, 176.º, 178.º, 183.º, 264.º, n.ºs 2 e 4, 267.º e 270.º, n.º 2, alínea d), todos do Código de Processo Penal, autorizo e determino a realização de buscas às seguintes empresas: […] — MEO — Serviços de Comunicações e Multimédia, S.A., Pessoa Coletiva com o NIPC ... ... .47, com sede na Avenida ..., 40, ..., — MEO — Serviços de Comunicações e Multimédia, S.A., Pessoa Coletiva com o NIPC ... ... .47, com instalações na Rua ... 6, ..., […] - Para exame, recolha e apreensão de cópias ou extratos da escrita e demais documentação, designadamente mensagens de correio eletrónico abertas e lidas e documentos internos de reporte de informação entre níveis hierárquicos distintos e de preparação de decisões a nível comercial das empresas, bem como atas de reuniões de direção ou de administração, quer se encontrem ou não em lugar reservado ou não livremente acessível ao público, incluindo em quaisquer suportes informáticos ou computadores, que estejam direta ou indiretamente relacionados com práticas restritivas da concorrência, e exame e cópia da informação que contiverem. A realizar por funcionários da Autoridade da Concorrência devidamente credenciados para o efeito, cfr. art. 18.º, n°4, alínea b), da Lei n°19/2012.» (b) A arguida MEO, efetuadas as buscas na sua sede, conduzidas pela Autoridade da Concorrência («AdC»), veio, «por cautela», «embora tenha apresentado idêntico requerimento perante a AdC», arguir, perante o juiz de instrução [«foram arguidas nulidades perante várias entidades, desde a AdC (pelo menos 5 requerimentos- a 29.11.2018, e a 12, 14,19 e 21 dez,) o JIC, o MPº e o TCRS», diz o acórdão recorrido], a nulidade do despacho e do mandado do Ministério Público autorizando a AdC a realizar tais diligências de busca e apreensão, por, alegadamente, a competência para o efeito ser do juiz de instrução, pedindo que fosse «declarada a nulidade das buscas e apreensões», bem como «das medidas de análise, visualização e apreensão ilegal de correio eletrónico, de análise, visualização e apreensão de elementos protegidos por sigilo profissional e de análise, visualização e apreensão de elementos fora do âmbito que a AdC foi autorizada por despacho e mandado do Ministério Público», por contenderem, «de forma inadmissível, com os direitos fundamentais da visada», e requerendo, «em consequência, que nenhum elemento obtido nessas condições seja utilizado para qualquer fim,, por constituir prova nula por violação de direitos fundamentais». (c) Por despacho de 30.05.2019, o juiz de instrução, por entender que «não se verificam os vícios referidos», indeferiu o pedido de declaração de nulidade, com fundamento em que «a competência dada ao MºPº no art.º 18 n.º 1 al. c) e n.º 2 do Regime Jurídico da Concorrência, em nada bole com a defesa de direitos constitucionalmente garantidos, sendo aliás semelhante às disposições da lei processual penal, facultando-se a apreensão de documentos, qualificação que se aplica à correspondência (em papel ou outro suporte) aberta. Logo, aquele particular do Regime Jurídico da Concorrência é conforme aos princípios constitucionais». Refere-se neste despacho que «de acordo com a informação prestada pela Autoridade da Concorrência (…) não foi apreendida qualquer correspondência fechada, nem foram pesquisados computadores ou caixas de correio de advogados. Logo, não terá qualquer violação de sigilo profissional, sigilo este que (…) beneficia de particular proteção” e que «no auto de apreensão, peça esta que documenta o decorrer da diligência (…) não consta que tenha sido invocado a existência de sigilo profissional de advogado». (d) A arguida MEO interpôs então recurso deste despacho para a Relação de Lisboa, dizendo em conclusões (transcrição): «1. O Despacho Recorrido é nulo, nos termos do disposto no artigo 119.º alínea c) do CPP, ex vi artigo 41.º n.º 1 do RGCO e 13.º da LdC, por violação do direito ao contraditório, previsto no artigo 32.º n.º 5 da CRP e decorrência do direito a um processo equitativo, constitucionalmente consagrado no artigo 20.º da CRP e no artigo 6.º § 1. da Convenção Europeia dos Direitos do Homem. 2. Com efeito, na sua decisão, o Tribunal o quo considerou expediente junto aos autos pela AdC em momento subsequente ao requerimento apresentado pela MEO, e valorou-o em sentido desfavorável à pretensão da MEO, sem que do mesmo tivesse notificado a MEO para se pronunciar, querendo. 3. O Despacho Recorrido é nulo por omissão de pronúncia, nos termos do disposto no artigo 379.º n.º 1 alínea c) e 380.º n.º 3 do CPP, ex vi artigo 41.º n.º 1 do RGCO e 13.º da LdC, por não conter qualquer decisão quanto ao requerimento probatório apresentado pela MEO no final do requerimento que decidiu. 4. Note-se que a MEO requereu expressamente a notificação e inquirição de 5 testemunhas, indicando que a sua inquirição era fundamental à prova dos factos necessários ao deferimento da sua pretensão. 5. Porém, o Tribunal a quo não ouviu as testemunhas, tomou a sua decisão e não incluiu na mesma uma única menção ou fundamento aos motivos pelos quais não ouviu as testemunhas ou considerou desnecessária a sua inquirição. 6. O Despacho Recorrido é ainda nulo, por falta de fundamentação, nos termos do disposto nos artigos 97.º n.º 5 do CPP e por aplicação do disposto no artigo 379.º n.º 1 alínea a), 374.º n.º 2 e 380.º n.º 3 do CPP, ex vi artigo 41.º n.º 1 do RGCO e 13.º da LdC. 7. Com efeito, do mesmo não consta: - o motivo pelo qual o Tribunal o quo considera que a competência legalmente atribuída ao Ministério Público para autorizar buscas não contende com os direitos constitucionalmente garantidos indicados pela MEO; - o motivo pelo qual o Tribunal a quo entende que documentos e correspondência eletrônica têm o mesmo significado e devem seguir o mesmo regime legal; - como (e em que medida) é que o Tribunal verificou a conformidade da LdC com os princípios constitucionais (e quais são estes); 8. o motivo o Tribunal o quo apenas limita a proteção do sigilo profissional a computadores e caixas de correio de advogados, mas não inclui nessa proteção, por exemplo, qualquer documento produzido por advogado contendo conselho jurídico e enviado ao seu cliente; - o motivo pelo qual o Tribunal a quo considera essencial que o sigilo profissional tenha sido invocado no auto de apreensão; e - o motivo pelo qual foi indeferida a nulidade da busca e apreensão por extravasamento do mandado do Ministério Público, dado que não é indicado um único fundamento subjacente a esta decisão. 9. À cautela, e caso se considere que o Despacho Recorrido não padece das nulidades supra invocadas, sempre se dirá que o Despacho Recorrido assenta na interpretação e aplicação incorretas de diversas normas legais. 10. Em primeira linha, o Tribunal o quo interpretou e aplicou incorretamente o artigo 18.º n.º 1 alínea c) da LdC, no sentido de que o mesmo preceito, quando autoriza a AdC a apreender "documentação", autoriza, igualmente, a AdC a apreender correspondência, desde que aberta, mesmo em processo contraordenacional. 11. Ora, os artigos 34.º n.ºs 1 e 4 e 18.º n.º 2 da CRP, o artigo 42.º n.º 1 do RGCO, e os artigos 18.º n.º 1 alínea c) e 20.º n.º 1 da LdC impõem, ao invés, uma interpretação e aplicação do 18.º n.º 1 alínea c) da LdC no sentido de que o Ministério Público nunca poderia proferir um despacho (e um mandado) a autorizar a AdC a realizar buscas e apreensões de correio eletrônico, uma vez, nos termos legais, não é admissível a utilização de correio eletrônico como meio de prova em processo contraordenacional. 12. A norma correspondente à aplicação conjugada do artigo 18.º n.º 1 alíneas a) e c) e do artigo 20.º da LdC, tal como interpretada e aplicada no sentido de que admite o exame, recolha e apreensão de mensagens de correio eletrônico em processo contraordenacional, se abertas e/ou por exemplo, qualquer documento produzido por advogado contendo conselho jurídico e enviado ao seu cliente; 13.[repete o n.º 9] 14. [repete o n.º 10] 15. [repete o n.º 11] 16. A norma correspondente à aplicação conjugada do artigo 18.º n.º 1 alíneas a) e c) e do artigo 20.º da LdC, tal como interpretada e aplicada no sentido de que admite o exame, recolha e apreensão de mensagens de correio eletrônico em processo contraordenacional, se abertas e/ou lidas, é materialmente inconstitucional por violação dos artigos 2.º, 18.º n.ºs 1 e 2, 34.º n.º 1 e 4 e 266.º da CRP, inconstitucionalidade que desde já se argui. 17. Assim, o Despacho Recorrido deveria ter declarado a inexistência ou, pelo menos, a nulidade do despacho (e do mandado) proferido pelo Ministério Público a autorizar a AdC a realizar buscas e apreensões de correio eletrônico, dado que que, nos termos legais, as mesmas não são admitidas neste tipo de processo, sob pena de violação artigo 219.º da CRP e dos artigos 34.2 n.ºs 1 e 4 e 18.º n.ºs 1 e 2 da CRP. 18. Consequentemente, deveriam os atos adotados pela AdC "ao abrigo" do mencionado despacho e mandado, correspondentes à pesquisa e cópia das inboxes dos computadores dos colaboradores da MEO, visualização de e-mails - inclusivamente abrangidos pelo sigilo profissional - ser declarados nulos, ao abrigo do disposto no artigo 122.2 do CPP, aplicável ex vi artigo 41.º n.º 1 do RGCO, e, sendo nulos, por se fundamentarem em despacho e mandado inexistentes (ou nulos), ser declarada a nulidade da prova recolhida - quer pela via da tomada de conhecimento decorrente do exame dessas mensagens de correio eletrônico (afetando todo e qualquer ato que possa advir do conhecimento desses elementos ilegalmente obtido), quer por via da apreensão - por se tratar de prova proibida no processo contraordenacional, nos termos do disposto no artigo 32.º, n.ºs 8 e 10 e 34.º, n.ºs 1 e 4 da CRP, no artigo 42.º, n.º 1 do RGCO e nos artigos 122.º e 126.º, n.º 3 do CPP (ex vi do artigo 13.º, n.º 1 da LdC e do artigo 41.º, n.º 1 do RGCO), o que se requer que seja igualmente declarado. 19. Em segunda linha, o Tribunal a quo interpretou e aplicou incorretamente o artigo 18.º n.º 1 alínea c) e n.º 2 da LdC, no sentido de que o mesmo preceito prevê que o Ministério Público possa autorizar o exame e a apreensão de correspondência eletrônica. 20. Ora, os artigos 32.º n.º 4, 34, nºs 1 e 4 e n. 2 da CRP, o artigo 17.2 da Lei do Cibercrime e os artigos 179.º e 252.º, nº 2 e 3 e 268.º, n. 1, alínea d) do CPP impõem uma interpretação e aplicação do artigo 18.º n.º 1 alínea c) e n.º 2 da LdC no sentido de que o Ministério Público não pode autorizar o exame e a apreensão de mensagens de correio eletrônico, uma vez que tal é competência exclusiva do juiz de instrução criminal, para salvaguarda dos direitos à reserva da intimidade da vida privada (artigo 26.º, n.º 1 da CRP) e à inviolabilidade da correspondência (artigo 34.2 da CRP). Com efeito, a apreensão de mensagens de correio eletrônico e a apreensão de documentos não são a mesma coisa. Para a primeira é necessária (e independentemente de o correio estar aberto ou fechado), nos termos do artigo 17.º da Lei do Cibercrime, autorização judicial. Para a segunda bastará autorização do Ministério Público, nos termos do artigo 16.º da mesma lei. 21. Assim, o Despacho Recorrido deveria ter declarado a inexistência ou, pelo menos, a nulidade do despacho (e do mandado) do Ministério Público emitido em usurpação de competência exclusiva do juiz, em clara violação dos artigos 32.º n.º 4, 34.º n.ºs 1 e 4 e 18.º n.º 2 da CRP, 17º da Lei do Cibercrime e 179.º e 252.º, n.ºs 2 e 3 e 268.º, n.º 1, alínea d) do CPP, nos termos do artigo 119.º alínea b) do CPP e sob pena de violação artigo 219.º da CRP e dos artigos 34.º n.ºs 1 e 4 e 18.º n.ºs 1 e 2 da CRP. 22. Consequentemente, deveriam os atos adotados pela AdC "ao abrigo" do mencionado despacho e mandado, correspondentes à pesquisa e cópia das inboxes dos computadores dos colaboradores da MEO, visualização e-mails - inclusivamente abrangidos pelo sigilo profissional - constituem atos nulos, ao abrigo do disposto no artigo 122.º do CPP, aplicável ex vi artigo 41.º n.º 1 do RGCO, e, sendo nulos, por se fundamentarem em despacho e mandado inexistentes (ou nulos), ser declarada a nulidade da prova recolhida - quer pela via da tomada de conhecimento decorrente do exame dessas mensagens de correio eletrônico (afetando todo e qualquer ato que possa advir do conhecimento desses elementos ilegalmente obtido), quer por via da apreensão - por se tratar de prova proibida no processo contraordenacional, nos termos do disposto no artigo 32.º, n.ºs 8 e 10 e 34.º, n.ºs 1 e 4 da CRP, no artigo 42.º, n.º 1 do RGCO e nos artigos 122.º e 126.º, n.º 3 do CPP (ex vi do artigo 13.º, n.º 1 da LdC e do artigo 41.º, n.º 1 do RGCO), o que se requer que seja igualmente declarado. 23. Em terceira linha, o Tribunal a quo interpretou e aplicou incorretamente os artigos 12. e 13. da Lei n. 62/2013, de 26 de agosto, 20., 32. e 208. da CRP, artigo 72., n. 1, 76. n.º 1 e 92. n. 1 do EOA, os artigos 180. n. 2 e 182. do CPP, o artigo 20 n. 5 da LdC e o artigo 42. do RGCO, no sentido de que o sigilo profissional de advogado apenas tutela documentos e correspondência encontrados em computadores e inboxes de advogados. 24. Com efeito, e a título prévio, importa tomar nota de que a MEO não alegou que a AdC teria visualizado e apreendido mensagens em computadores e inboxes de advogados. Mas alegou - e arrolou 5 testemunhas para demonstração de tais factos - que: 25. A AdC, depois de a MEO ter disponibilizado à AdC uma lista contendo a identificação dos seus advogados internos e externos, acedeu a todo o conteúdo de mensagens de correio eletrônico armazenadas na inbox de diversos colaboradores da MEO, visualizando emails que que os nomes dos advogados constantes dessa mesma lista surgem como destinatários, remetentes ou em CC dessas comunicações; 26. A AdC sustentou que é a esta autoridade que cabe analisar, valorar e decidir se tais mensagens - indubitavelmente trocadas entre a MEO e os seus advogados - estão ou não abrangidas pelo segredo profissional de advogado; 27. A AdC não só visualizou emails que, nesses termos estavam protegidos por sigilo profissional, como visualizou os correspondentes anexos e tirou anotações, em cadernos próprios, sobre o seu conteúdo, mesmo depois de advertida pelos mandatários e representantes da MEO de que tal informação, estando abrangida por sigilo profissional, não poderia ser visualizada e muito menos apreendida; 28. A AdC, embora tenha corrido um filtro visando identificar emails trocados com advogados da lista e, se fosse o caso, emails protegidos por segredo (na ótica e segundo o juízo da AdC) não seriam apreendidos, não permitiu à MEO o acompanhamento e verificação das mensagens de correio eletrônico que foram ou não apreendidas, pelo que a MEO, no momento da apresentação do Requerimento, invocou igualmente a nulidade da apreensão na convicção (que veio a verificar-se, mais tarde) de que teriam sido (como foram) apreendidas mensagens de correio eletrônico trocadas com advogados constantes da lista disponibilizada pela MEO. 29. Destes factos resulta que a AdC visualizou e apreendeu mensagens de correio eletrônico nas quais advogados da lista disponibilizada pela MEO estavam como destinatários, remetentes e em CC, estando protegidas por sigilo profissional que não foi respeitado pela AdC e cujo âmbito da proteção legal foi indevidamente considerado no Despacho Recorrido. Ao contrário daquele que parece ser o entendimento do Tribunal o quo não só os documentos encontrados em posse do advogado (aqueles que estão armazenados no seu computador ou inbox) que estão protegidos por segredo profissional, mas, nos termos do artigo 92.º n.º 1 do EOA, todas as informações que o cliente fornece ao advogado (interno ou externo) independentemente de onde sejam encontradas assumindo particular proteção a correspondência trocada entre advogado e cliente, onde se incluem as mensagens de correio eletrônico, que, nos termos dos artigos 76.º, n.º 1 do EOA, 180.º, n.º 2, do CPP, 42.º do RGCO e 20.º nº 5 da LdC, não podem ser apreendidas, salvo se constituírem objeto da contraordenação. 30. Tal proteção abrange não só a proibição de apreensão, mas necessariamente, e por maioria de razão, a proibição de visualização, dado que o exame é instrumental à apreensão, não cabendo à AdC fazer a análise (nem tomar a decisão) quanto à legitimidade da invocação do sigilo profissional. 31. Por aplicação da disciplina constante do artigo 179.º n.º 3 do CPP, apenas o juiz que tiver decretado a realização da busca e a apreensão da correspondência pode, legitimamente, proceder a uma pesquisa prévia da correspondência encontrada no decurso da busca, dado que é a este, e não à AdC, que cabe tomar conhecimento da mesma em primeira mão. 32. Acresce que a MEO expressamente invocou por escrito, sigilo profissional, com expressa menção de que o fazia nos termos do artigo 18.º 2 do CPP, logo em requerimento apresentado em 29.11.2018, o que reiterou em 12.12.2018 e, no momento da apreensão, em requerimento apresentado em 21.12.2018, que foi anexo ao respetivo auto de apreensão (e pela sua extensão não ficou vertido no mesmo), fazendo parte integrante desse auto. 33. Face ao exposto, não se admite outra conclusão que não a absoluta proibição da visualização e apreensão dos e-mails enviados ou recebidos pelos advogados, externos ou internos, ou com CC de advogados internos ou externos da Visada pelos funcionários da AdC. 34. Deveria, assim, o Despacho Recorrido, interpretando e aplicando corretamente o disposto nos artigos 12.º e 13.º da Lei n. 62/2013, de 26 de agosto, 20.º, 32.º e 208.º da CRP, artigo 72.º n.º 1, 76.º n.º 1 e 92.º n.º 1 do EOA, 180.º n.º 2 e 182.º do CPP, 20.º n.º 5 da LdC e 42.º do RGCO, ter julgado procedente a nulidade por violação do segredo profissional invocada pela MEO, em virtude da visualização e exame de prova protegida por segredo, e a nulidade da apreensão, com a consequente nulidade de toda a prova recolhida (mediante apreensão ou mero conhecimento da AdC), devendo a mesma ser desconsiderada e não podendo ser utilizada para qualquer efeito, nos termos do disposto nos artigos 20.º n.ºs 1 e 5 da LdC, 42.º do RGCO, do 135.º e 182.º CPP, 92.º do EOA e 20.º, 32.º n.º 10, 34.º e 208.º da CRP, o que se requer. 35. Caso assim não se entenda, deverá ainda assim o Despacho Recorrido ser revogado e substituído por outro que declare a nulidade das buscas e da apreensão de correspondência trocada com advogados realizada pela AdC e, consequentemente, a nulidade da prova e da recolha de elementos obtidos no decurso da diligência de busca, por força a violação do princípio da reserva de competência judicial (JIC) para averiguar da legitimidade da recusa de entrega de documentos sujeitos ao sigilo profissional e dos direitos fundamentais de inviolabilidade do sigilo de correspondência, do desenvolvimento da personalidade, da garantia da liberdade individual e da auto determinação e da garantia da privacidade, devendo os funcionários da AdC que, indevidamente, tomaram conhecimento de factos abrangidos pelo sigilo profissional em causa ficar vinculados a guardar segredo quanto aos mesmos, sob pena de incorrerem na prática de crime. 36. Termos em que deve ser dado provimento ao presente recurso e deverá ser declarada a nulidade do Despacho Recorrido por violação do direito ao contraditório, por omissão de pronúncia e/ou por falta de fundamentação, nos termos do disposto, respetivamente, nos artigos 119.º alínea c), 379.º n. 1 alínea c) e 380. n.º 3 do CPP e 97.º ss, 379.º n. 1, alínea a), 374.º n. 2 e 380.º n. 3 do CPP. 37. Subsidiariamente, caso assim não se entenda, deverá ser revogado o Despacho Recorrido por incorrer em erros de Direito, nos termos supra expostos, devendo o mesmo ser substituído por outra decisão que declare a inexistência (ou, pelo menos, a nulidade) do despacho e do mandado do Ministério Público que autorizaram a diligência de busca e apreensão na sede da MEO, com a consequente invalidação da prova aí recolhida ou, caso assim não se entenda, pelo menos declare a nulidade da diligência de busca e apreensão por ter sido realizada em violação da proteção conferida ao segredo profissional de advogado (…)” (e) O acórdão recorrido começou por apreciar o recurso colocando a seguinte questão: «Teria o JIC competência para apreciar as questões levantadas, em processo contraordenacional, nomeadamente para avaliação da competência do MPº (implícita ou explicitamente) para a emissão desses mandados e dos actos de execução dos mesmos pela AdC?» Explicitando que «Este problema constitui desde logo uma questão prévia mas essencial a decidir neste momento pois da sua resolução poderá depender tudo o resto atinente ao modo de execução dos mandados pela AdC. Na verdade, a concluir-se que o controle daquela legalidade não lhe competia, não poderia ter decidido como decidiu nem sequer, se fosse o caso, em sentido contrário. E, a ser assim, o despacho do Mmº JIC seria nulo e sem efeito por falta de competência material para o efeito. A entender-se, porém, que a teria, teremos de analisar o seu efeito útil e jurisdicional uma vez que foram entretanto proferidas decisões noutros tribunais sobre a mesma questão da validade dos actos da AdC e da forma e oportunidade da respectiva impugnação, as quais implicarão a prejudicialidade daquele efeito declarativo (impugnado agora em recurso pela Meo,) de inexistência de nulidades.» (f) Respondendo a esta «questão prévia», o acórdão recorrido, depois de se referir «às diversas formas como a recorrente agiu, direcionadas em diversas frentes», e convocando «os elementos que foi possível recolher», levou em consideração o decidido: i. No processo n.º 18/19.0YUSTR do Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão («TCRS»), em recurso, onde se considerou que «o Mandado de Busca e Apreensão foi ordenado por quem, no caso específico, tinha legitimidade e poder para o efeito — o Ministério Público», que «caso haja a prática de actos ilegais, eles só são impugnáveis desde que extravasem o âmbito do mandado» e que «o acto impugnado é irrecorrivel à luz do artigo 85.º, n.º 1. da Lei 19/2012 de 08.05», pelo que rejeitou o recurso; ii. No acórdão do Tribunal Constitucional nº 175/21 de 6.4.2021 (proc.º 1204/19), 1ª Secção («transitado a 22/04/22»), «proferido no proc.º n.º 18/19.0YUSTR-B do TCRS (que por sua vez era decorrente do Proc contraordenacional PRC/2018/05)», em que o TCRS «tinha decidido recurso interlocutório instaurado pela MEO com arguição de nulidades dos actos da AdC praticados naquelas buscas - de 13/12/2018 - autorizadas pelo MPº e relativos a análise, exame e visualização de correio electrónico alegadamente protegido por sigilo profissional e elementos alegadamente fora do âmbito de autorização e mandado do MPº». O recurso da MEO «foi rejeitado por irrecorribilidade e não se tratar de actos decisórios da AdC mas consistirem em medidas administrativas da AdC.». Considerou-se no acórdão do TCRS que «durante a fase administrativa não existe controle jurisdicional das decisões proferidas pelo Ministério Público, já que o juiz não é o superior hierárquico do M°P°», que os «vícios existentes podem sempre posteriormente serem sujeitos a controle judicial subsequente pelo TCRS, durante a fase de impugnação judicial da decisão final proferida pela AdC», e que «não estamos perante decisões da AdC, mas sim de actos praticados por esta durante uma busca que a recorrente considerou lesivos dos seus interesses», concluindo que «não é de admitir o recurso sobre os actos de execução mencionados». Do acórdão do Tribunal da Relação houve recurso para o Tribunal Constitucional, o qual «pelo Acórdão nº 175/21, decidiu então não julgar inconstitucional a norma contida no art.º 85.º, n.º 1, da LdC (Lei 19/2012) interpretada no sentido em que, de entre os actos praticados pela AdC na fase administrativa do Proc.º de Contraordenação só são susceptíveis de recurso aqueles que tiverem natureza decisória, não havendo lugar à aplicação subsidiária da norma contida no art.º 55º do RGCC.». Considera o acórdão recorrido nestes autos que «Ficou assim decidido com trânsito em julgado no âmbito do presente processo de contraordenação que os actos da AdC praticados em execução do mandado do MPº não eram recorríveis na fase administrativa pois não eram actos decisórios da AdC.». iii. No processo n.º 18/19.0YUSTR-D do TCRS («decorrente também do Proc contraordenacional PRC/2018/05») em que «foi também decidido julgar improcedente recurso da decisão de 21.4.2010 da AdC interposto pela Meo, em que aquela indeferiu requerimentos da MEO de 29.11, 12,12, 14.12, 19,12 e 21.12 todos de 2018 arguindo nulidades de actos da AdC nas buscas e apreensões de correspondência e correio electrónico na sede da Meo.». Interposto recurso para a Relação de Lisboa, considerou este, num primeiro acórdão de reenvio, que «por regra, em matéria contraordenacional, as decisões interlocutórias na fase administrativa não são recorríveis. Assim não acontece em matéria de concorrência onde as mesmas são, de facto recorríveis. É possível, pois recorrer de todos os actos e decisões da AdC. Já não é possível recorrer da emissão, por parte do Ministério Público, de um mandado de busca. De igual forma não é possível recorrer, na fase administrativa, do âmbito, dimensão e escopo do mandado. (…) Na fase administrativa do processo de contraordenação concorrencial e nesta matéria de buscas só podem existir recursos interlocutórios dos actos de busca levados a cabo. Podem as visadas recorrer para Tribunal da forma como o mandado é executado, das desconformidades da actuação da AdC. Num paralelismo simples: o MP produziu a decisão administrativa - a ordem de buscar - e esta é inatacável nesta fase. Caso os visados com a decisão da AdC discordarem da posição assumida podem recorrer para Tribunal (para o TCRS). Em Tribunal, na fase judicial, podem já os visados, para além dos demais argumentos, colocar em crise o próprio mandado.» E num segundo acórdão (de 21.12.2020), «no tocante à questão da apreensão de correio eletrónico sem despacho judicial prévio», depois de convocar o artigo 34.º, n.º 4, da Constituição e a Diretiva (EU) 2019/1 do Parlamento Europeu e do Conselho considerou que «A Lei da Concorrência estabelece e regula o regime jurídico da concorrência, sendo que a matéria relativa aos poderes de inquirição, busca e apreensão encontra-se especialmente regulada no artigo 18.º, razão pela qual os artigos 11.º e 17.º da Lei do Cibercrime nunca poderiam aplicar-se especificamente aos processos contraordenacionais da concorrência. Com efeito, o artigo 17.º da Lei do Cibercrime apenas se aplica a processos relativos a crimes, independentemente da sua natureza ou moldura penal, excluindo, a contrario, processos de contraordenação, como salienta a AdC na sua resposta.». O que, além do mais, levou ao Relação a negar provimento ao recurso, confirmando, na totalidade, a decisão recorrida. (g) Com base nestas decisões, concluiu assim o acórdão recorrido, na apreciação da dita «questão prévia»: «Em face de todo o exposto, verificamos que o JIC não tinha que apreciar das nulidades e validade de actos praticados pela AdC nem implícita ou sequer explicitamente da legitimidade da emissão do mandado de busca e apreensões por parte do MP, sendo de nenhum efeito o despacho recorrido e, ainda que se considerasse que teria poderes para tal todo o universo das questões apreciadas estaria completamente prejudicado pelas decisões entretanto produzidas, sob pena de litispendência e contradição de julgados aqui, caso o entendimento pudesse vir a ser diferente. A própria AdC concorda que a intervenção, no caso, no despacho recorrido, exarado pelo JIC, ao decidir sobre nulidades das buscas e apreensões e a validade do mandado do MPº, ainda que lhe tenha sido favorável, aconteceu por violação das regras de competência na matéria, sendo nulo. Como se antevia já, ao apreciar a validade do despacho emitido pelo Ministério Público, o Tribunal imiscuiu-se numa esfera de competências que não era a sua e não estava atribuída por lei, escrutínio esse que só caberia em sede de reclamação hierárquica junto do próprio Ministério Público, como aliás chegou a acontecer. Esta asserção não prejudicaria nunca que oportunamente o controlo de plena jurisdição fosse efectuado pelo TCRS, já em sede e momento de apreciação de recurso de impugnação judicial de decisão final condenatória proferida no âmbito do respetivo processo contraordenacional. O JIC não se configura como instância recursiva dos atos praticados pelo Ministério Público, inexistindo suporte de disposição processual atributiva de tal competência, tudo isso em face do princípio de separação de poderes e das garantias de independência e autonomia do Ministério Público. Em suma, o juiz não é superior hierárquico do MP e não tem de se imiscuir nas competências próprias deste. A questão será sindicável na fase jurisdicional do processo onde poderá colocar-se em dúvida o valor do acervo probatório resultante das buscas e apreensões. Baseadas as buscas em mandado autorizado pelo MP (...) é o JIC incompetente para se pronunciar sobre a validade substancial do mandado e dos actos de execução pela AdC a coberto da qual as buscas são realizadas. Na fase jurisdicional do processo a competência para a apreciação das questões suscitadas pertence, conforme a responsabilidade pelos actos praticados (relativos à autorização ou execução das buscas e apreensões), à própria autoridade administrativa que titula o processo, ou ao Ministério Público e, só depois, em instância recursiva, ao TCRS. São os actos próprios da AdC que são objecto de reacção pelos visados, cabendo-lhes recorrer directamente para o TCRS, no caso, das diligências de busca e apreensão. Este é o regime que apenas se aplica aos actos de execução do mandado e não ao próprio mandado cuja validade só poderá ser discutida em sede jurisdicional, no TRCS, onde o juiz poderá retirar da sua emissão todas as consequências que tiver por necessárias. Como bem o salientou a AdC na sua resposta, “(…) a própria MEO, no decurso das diligências de busca, exames e apreensão, reclamou perante o imediato superior hierárquico do Magistrado do Ministério Público pedindo que fosse declarada a inexistência, (ou, caso assim não se entendesse, a nulidade insanável) do despacho e do mandado do Ministério Público que autorizou as diligências de busca, com a consequente suposta invalidade de todos os atos que lhe sucederam, admitindo nesse mesmo requerimento "a decisão (…) caber ao superior hierárquico do magistrado do Ministério Público que emitiu o despacho e o mandado que fundamentam a diligência de busca e apreensão na sede da MEO”. Por fim, de acordo com a Diretiva 2019/1/UE (Diretiva ECN+) atribui-se às autoridades da concorrência dos Estados-Membros competência para aplicarem a lei de forma mais eficaz e garantir o bom funcionamento do mercado interno e, no caso do juiz de instrução, a sua competência para emitir despacho de autorização da realização de diligências de busca e apreensão continua estritamente reservada aos casos de busca domiciliária, busca em escritório de advogado ou em consultório médico,apreensão em bancos ou outras instituições de crédito de documentos abrangidos por sigilo bancário. Nestes termos, consideramos que o Mmº JIC não tinha competência para apreciar do requerimento da MEO em sede de apreciação de nulidades e validade do mandado ou dos actos praticados pela AdC, sendo por isso nulo e de nenhum efeito. E, de todo o modo, em face das decisões várias que entretanto se foram produzindo, as mesmíssimas questões foram tratadas nos termos longamente expostos, sempre prejudicando o sentido do dito despacho, caso porventura este viesse a ser aceite quanto à dita competência. III- Decisão (…) 3.2 Quanto ao recurso propriamente dito do despacho do JIC de 30.5.2019, embora com argumentos bem diferentes dos da recorrente, declara-se este despacho, nos termos expostos, nulo e de nenhum efeito, por violação das regras de competência do JIC.» 16.2. Quanto aos factos e à questão decidida no acórdão fundamento: Extrai-se do acórdão fundamento que: a. Na sequência da instauração do processo PRC/2018/5 por despacho da Autoridade da Concorrência de 16 de novembro de 2018, «dada a existência de indícios de práticas restritivas da concorrência que infringem o disposto nas alíneas a), b) e c), do n.º l, art 9.º, da Lei n°19/2012, de 8 de maio, punível nos termos da alínea a), do n.º l, do art 68.º, do mesmo diploma legal, envolvendo empresas do setor das comunicações», o Ministério Público autorizou a «realização de buscas nas sedes e outras instalações das empresas envolvidas, para exame, recolha e apreensão de cópias ou extratos da escrita e “demais documentação, designadamente mensagens de correio eletrônico abertas e lidas e documentos internos de reporte de informação entre níveis hierárquicos distintos e de preparação de decisões a nível comercial das empresas, bem como atas de reuniões de direção ou de administração, quer se encontrem ou não em lugar reservado ou não livremente acessível ao público, incluindo em quaisquer suportes informáticos ou computadores, que estejam direta ou indiretamente relacionados com práticas restritivas da concorrência, e exame e cópia da informação que contiverem”, A realizar por funcionários da Autoridade da Concorrência devidamente credenciados para o efeito, cfr. art. 18.°, u°4, alínea b), da Lei n° 19/2012”». a. A arguida «Vodafone Portugal – Comunicações Pessoais, S.A.» («Vodafone»), efetuadas as buscas, na sua sede e instalações, veio arguir, perante o juiz de instrução, «um conjunto de invalidades que, genericamente (...) respeitavam (i) à violação da proibição e, subsidiariamente, das regras relativas à apreensão de correio eletrónico em processos contraordenacíonais e (ii) à violação do segredo profissional». b. Por despacho de 07.05.2019, o juiz de instrução declarou a incompetência do tribunal de instrução criminal para conhecer do requerido, com os seguintes fundamentos: «À autoridade da Concorrência são-lhe atribuídas determinadas competências próprias, no âmbito de inquérito levado a cabo por aquela entidade. No que ao caso presente diz respeito, uma delas é precisamente a de proceder a buscas (art. 18.º, n.º 1, alínea c) Lei 19/2012, de 08 Maio). As mesmas devem ser autorizadas pela autoridade judiciária competente – n.º 2 do mesmo preceito legal. Aliás, neste âmbito, segue-se de perto o regime legal estabelecido para as buscas realizadas em processo penal. As buscas domiciliárias deverão, pois, ser autorizadas pelo juiz de instrução - art. 19.º n.º 1 do diploma a que aludimos. O n.º 7 daquele mesmo preceito prevê situações em que as buscas devem ser presididas pelo juiz de instrução. Não é, no entanto, ao juiz de instrução que cumpre decidir de eventuais nulidades/irregularidades ocorridas ou relacionadas com as buscas. Tais irregularidades foram, aliás, arguidas perante a AT, sendo que de tal decisão (a fls. 504), já terá sido interposto o competente recurso - cfr. arts. 83.º a 85.º da lei que vimos de mencionar. Não é ao Juiz de instrução que cabe, afigura-se-nos, decidir, em primeira linha, de eventuais nulidades. Tal competência não lhe é atribuída pela lei. O requerimento apresentado não configura recurso, nem o juiz de instrução, como resulta do que se disse, tem competência para dele conhecer. Termos em que se declara a incompetência deste tribunal para conhecer do requerido». c. A arguida Vodafone interpôs recurso deste despacho para o Tribunal da Relação de Lisboa, dizendo que: i. Diversamente do decidido, o «Juiz de Instrução Criminal pode e deve apreciar nulidades e/ou irregularidades praticadas por referência a atos da sua competência ou que invadam a esfera de direitos, liberdades e garantidas dos visados que a si cumpre tutelar processualmente, mesmo numa fase de investigação não judicial em processo sancionatório (i.e., não presidida por si, mas por magistrado do Ministério Público ou autoridade administrativa).» i. «É inadmissível a busca e apreensão, em processo contraordenacional por infrações ao direito da concorrência, de correspondência eletrónica», pelo que, «não existindo norma constitucional nem legal que admita a restrição aos direitos consagrados no artigo 34.º, n.º 1 da CRP» [Inviolabilidade do domicílio e da correspondência], não pode a AdC, «com base num preceito que lhe confere poderes para apreensão de meros documentos, apreender mensagens de correio eletrónico.» ii. Por conseguinte, «As provas obtidas violando a proteção constitucional da correspondência e das comunicações, incluindo mensagens de correio eletrónico, são nulas, nos termos do artigo 126.º, n.º 3 do CPP e 32.º, n.º 8 e 34.º da CRP, não podendo ser utilizadas, a não ser que seja obtido o consentimento do titular. iii. A apreensão de correio eletrónico em sede contraordenacional, para além de ilegal, bule diretamente com um direito fundamental da Vodafone: neste caso, a salvaguarda e integridade da sua correspondência privada, com consagração expressa no artigo 34.º da Constituição. iv. O Juiz de Instrução, enquanto juiz de direitos, liberdades e garantias, enquanto autoridade judiciária competente para ordenar a apreensão de correspondência (eletrónica ou não) e enquanto autoridade judiciária com poderes expressamente reconhecidos pela LdC, é competente para apreciar da legalidade ou não da apreensão de correspondência em processo contraordenacional por violação de regras de concorrência. v. Ao declarar-se incompetente no Despacho, o Juízo de Instrução Criminal violou o disposto nos artigos 34.º, n.º 4 da CRP, 42.º, n.ºs 1 e 2 do RGCO (aplicável ex vi artigo 13.º, n.º 1 da LdC), 18.º, n.º 1, alínea c) e 2 e 20.º, n.º 1 da LdC, devendo o Despacho ser revogado e substituído por outro que aprecie o mérito da questão suscitada nos pontos 45 a 87 do requerimento da Vodafone de 21.12.2018. vi. No caso de se admitir a legalidade de buscas e apreensão de correspondência eletrónica no âmbito de um processo de contraordenação da competência da AdC (o que apenas por cautela de patrocínio se concebe, sem conceder), o despacho e mandado do Ministério Público sempre seriam nulos porquanto tais diligências deviam ter sido autorizadas e ordenadas por mandado judicial, emitido por juiz de instrução, nos termos conjugados dos artigos 17.º da Lei do Cibercrime, 179.º, n.º 1 e 126.º, n.º 3 do CPP e 18.º, n.º 2 e 20.º, n.º 1 da LdC. vii. A circunstância de o mandado de busca e apreensão ter sido emitido pelo Ministério Público não impede que o juiz de instrução possa pronunciar-se sobre as nulidades invocadas pela Vodafone a respeito desse mandado por violação, pelo Ministério Público, da esfera de competências do juiz de instrução criminal. viii. Ao declarar-se incompetente no Despacho, o Juízo de Instrução Criminal violou o disposto nos artigos 17.º da Lei do Cibercrime, 179.º, n.º 1 e 126.º, n.º 3 do CPP (aplicáveis ex vi artigo 13º, n.º 1 da LdC e artigo 41.º, n.º 1 do RGCO), 18.°, n.º 2 e 20.º, n.º 1 da LdC e 18.º n.ºs 2 e 3 e 34.º da CRP, devendo o Despacho ser revogado e substituído por outro que aprecie o mérito da questão suscitada nos pontos 88 a 112 do requerimento da Vodafone de 21.12.2018. ix. A proteção do segredo profissional impede que os funcionários da AdC possam visualizar o conteúdo de qualquer documento a ele sujeito, devendo a AdC ser impedida de analisar documentos relacionados com o exercício das funções ou com a prestação dos serviços de advogados da visada pelas buscas. x. A mera visualização de documentação abrangida por segredo profissional permite à AdC ter conhecimento de informação protegida, podendo com base em tal informação orientar ou redirecionar a sua pesquisa. xi. Deparando a AdC com emails trocados com advogados (internos ou externos) da Vodafone, não deveria visualizá-los, nem tampouco produzir juízos autónomos sobre a sua sujeição, ou não, a segredo profissional, devendo antes selar tais emails (querendo) e apresentá-los, selados, ao Ministério Público e ao Juiz de Instrução Criminal, para que este último (i.e., o Juiz de Instrução Criminal) os abra e verifique se estão abrangidos, ou não, por sigilo profissional de advogado, sob pena de violação do disposto nos artigos 20.º n.ºs 1 e 5 da LdC, 42.º n.º 1 do RGCO, 135.º e 182.º CPP, 92.º do EOA e 34.º e 208.º da CRP. xii. O Juízo de Instrução Criminal tem competência para averiguar da violação do segredo profissional de advogado (e suas consequências, mormente ao nível da validade da prova) por autoridade administrativa, durante uma diligência de busca e apreensão, uma vez que cumpre somente ao juiz de instrução criminal avaliar da efetiva sujeição de certo documento buscado e apreendido a segredo profissional de advogado. xiii. Ao declarar-se incompetente no Despacho, o Juízo de Instrução Criminal violou o disposto nos artigos 20.º n.ºs 1 e 5 da LdC, 42.º n.º 1 do RGCO, 135.º e 182.º CPP, 92.º do EOA e 34.º e 208.º da CRP, devendo o Despacho ser revogado e substituído por outro que aprecie o mérito da questão suscitada nos pontos 128 a 182 do requerimento da Vodafone de 21.12.2018.» a. Embora mencionando que «a questão de saber a quem compete o conhecimento das nulidades processuais em fase de inquérito não tem uma solução expressa na lei tendo motivado respostas diferenciadas na doutrina e na jurisprudência», o acórdão fundamento assume que «[d]ecisivo é, pois, a questão de saber se do ponto de vista de juiz das liberdades e garantias as questões colocadas pela visada - "a salvaguarda e integridade da sua correspondência privada, com consagração expressa no artigo 34.º da Constituição" e a “violação do segredo profissional de advogado” se prendem com o núcleo essencial de garantias fundamentais passíveis de invocação pelas pessoas coletivas no domínio contraordenacional, por práticas restritivas da concorrência”, pelo que «a competência para apreciar as questões colocadas é do juiz de Instrução». Pelo que decide «conceder provimento ao recurso e revogar a decisão recorrida, a qual deve ser substituída por outra na qual o Meritíssimo Juiz de Instrução aprecie os requerimentos da recorrente nos termos sobreditos.» 17. O que vem de se expor, com transcrição dos textos do acórdão recorrido e do acórdão fundamento, poderia, aparentemente, dar razão à alegação de que ambos conhecem da mesma questão de direito – que a recorrente identifica como sendo «a questão da competência do juiz de instrução criminal para apreciar a validade da diligência de busca e apreensão de correspondência eletrónica levada a cabo em processo de contraordenação da concorrência e autorizada por despacho e mandado do MP» –, de que os acórdãos se encontram «em manifesta oposição», tendo sido «confrontados com situações de facto similares» ou «absolutamente coincidentes», porquanto «em ambas as situações: i. estamos no âmbito de processos de contraordenação instaurados pela AdC por suspeitas de práticas restritivas da concorrência; ii. no âmbito desses processos, foram conduzidas pela Autoridade diligências de busca e apreensão, ao abrigo de mandado emitido pelo MP; iii. num e noutro caso foi apreendida pela AdC correspondência eletrónica no âmbito dessas diligências e sem despacho judicial prévio; iv. em ambos os casos as visadas insurgiram-se contra a referida diligência de busca e apreensão, em particular contra a apreensão de correspondência eletrónica e arguiram a respetiva nulidade, com os mesmos fundamentos, perante o juiz de instrução criminal.» (conclusões 9 a 11). A oposição resultaria do facto de, (a) no acórdão recorrido, o Tribunal da Relação ter decidido «declarar a nulidade do despacho proferido pelo Juiz de Instrução Criminal que apreciou o requerimento da visada que arguia a nulidade da diligência de busca e apreensão de correspondência eletrónica com base na falta de despacho judicial para o efeito, com fundamento na incompetência do juiz de instrução criminal, assente no entendimento de que a lei não prevê a competência do juiz de instrução criminal em processos de contraordenação de concorrência para apreciar a validade de diligência de busca e apreensão de correspondência eletrónica realizadas ao abrigo de despacho e mandado emitidos pelo MP» e de, (b) no acórdão fundamento, o Tribunal da Relação ter decidido «revogar o despacho proferido pelo Juiz de Instrução Criminal que se declarou incompetente para conhecer da validade da diligência de busca e apreensão de correspondência eletrónica com base na falta de despacho judicial para o efeito, com fundamento na competência do juiz de instrução criminal, assente no entendimento de que a questão da validade diligência de busca e apreensão de correspondência eletrónica realizada em processos de contraordenação de concorrência coloca em causa direitos fundamentais, em particular, o sigilo da correspondência eletrónica, previsto no artigo 34.º da CRP, pelo que o juiz de instrução criminal tem competência para a conhecer» (conclusão 12). 18. A argumentação da recorrente colhe, como se viu, a adesão do Ministério Público, que, quer na resposta ao recurso (supra, 5), quer no parecer emitido nos termos do artigo 440.º do CPP, em que o Senhor Procurador-Geral Adjunto conclui que há oposição de julgados, pois que «Os factos são os mesmos; Assim como essa mesmidade ocorre quanto ao Direito aplicado; As soluções jurídicas são opostas.» (supra, 6). 19. Há, todavia, um elemento que, sendo essencial da relação de oposição entre julgados, não está presente – a pronúncia sobre a mesma questão de direito em ambos os acórdãos, isto é, o próprio “julgado”. Como anteriormente se referiu, a oposição entre o acórdão recorrido e o acórdão fundamento é a que resulta de ambos os acórdãos se terem pronunciado e terem resolvido a mesma questão de direito controvertida, no domínio da mesma legislação, adotando soluções opostas na interpretação e aplicação das mesmas normas, decidindo em termos contraditórios (supra, 10 e 12). Não é o que sucede no caso presente. 20. Com efeito, como resulta do texto do acórdão recorrido [supra, 16.1.(d)], a arguida recorreu para o Tribunal da Relação pedindo: (a) Que este declarasse a nulidade do despacho do juiz de instrução «por violação do direito ao contraditório, por omissão de pronúncia e/ou por falta de fundamentação, nos termos do disposto, respetivamente, nos artigos 119.º, alínea c), 379.º, n.º 1 alínea c), e 380.º, n.º 3, do CPP e 97.º ss, 379.º, n.º 1, alínea a), 374.º, n.º 2, e 380.º, n.º 3, do CPP»; (conclusão 36) (b) Que, «subsidiariamente, caso assim não se entenda», fosse «revogado o Despacho Recorrido por incorrer em erros de Direito, nos termos supra expostos» [interpretação e aplicação «incorreta» do artigo 18.º, n.º 1, alínea c), da LdC «no sentido de que o mesmo preceito, quando autoriza a AdC a apreender "documentação", autoriza, igualmente, a AdC a apreender correspondência, desde que aberta, mesmo em processo contraordenacional» (conclusões 9 a 18), interpretação e aplicação «incorreta» do artigo 18.º, n.º 1, alínea c), da LdC « no sentido de que o mesmo preceito prevê que o Ministério Público possa autorizar o exame e a apreensão de correspondência eletrônica» (conclusões 19 a 22), e interpretação e aplicação «incorreta» «dos artigos 12.º e 13.º da Lei n.º 62/2013, de 26 de agosto, 20.º, 32.º e 208.º da CRP, artigo 72º., n.º 1, 76.º n.º 1 e 92.º, n.º 1, do EOA, os artigos 180.º, n.º 2, e 182.º do CPP, o artigo 20.º, n.º 5, da LdC e o artigo 42.º do RGCO, no sentido de que o sigilo profissional de advogado apenas tutela documentos e correspondência encontrados em computadores e inboxes de advogados» (conclusões 23 a 34)] - , devendo o mesmo ser substituído por outra decisão que declare a inexistência (ou, pelo menos, a nulidade) do despacho e do mandado do Ministério Público que autorizaram a diligência de busca e apreensão na sede da MEO, com a consequente invalidação da prova aí recolhida»; (conclusão 37), «ou» (c) Que, «caso assim não se entenda, pelo menos declar[asse] a nulidade da diligência de busca e apreensão por ter sido realizada em violação da proteção conferida ao segredo profissional de advogado (…)» (conclusão 37). 21. Ora, como se viu [supra, 16. (e)] o acórdão recorrido não se pronunciou sobre nenhuma destas questões. Começou por apreciar o recurso colocando, a título de «questão prévia», «mas essencial», o problema de saber se o juiz teria competência «para apreciar as questões levantadas, em processo contraordenacional, nomeadamente para avaliação da competência do MPº (implícita ou explicitamente) para a emissão desses mandados e dos actos de execução dos mesmos pela AdC». Seguidamente, mencionando que a recorrente reagiu por vários meios processuais, que originaram várias decisões sobre questões idênticas às colocadas no recurso, convocou o decidido no processo nº 18/19.0YUSTR do TCRS, no acórdão do Tribunal Constitucional nº 175/21 de 6.4.2021 (proc.º 1204/19), 1ª Secção, proferido no processo n.º 18/19.0YUSTR-B do TCRS, e no processo n.º 18/19.0YUSTR-D do TCRS (processos também «decorrentes», tal como o do acórdão aqui recorrido, do processo contraordenacional PRC/2018/05). É com base nas decisões proferidas nesses processos que «verifica» que «o JIC não tinha que apreciar das nulidades e validade de actos praticados pela AdC nem implícita ou sequer explicitamente da legitimidade da emissão do mandado de busca e apreensões por parte do MP, sendo de nenhum efeito o despacho recorrido e, ainda que se considerasse que teria poderes para tal todo o universo das questões apreciadas estaria completamente prejudicado pelas decisões entretanto produzidas, sob pena de litispendência e contradição de julgados aqui, caso o entendimento pudesse vir a ser diferente.» É assim que, «com argumentos bem diferentes dos da recorrente», em decisão da «questão prévia», declara o despacho recorrido «nulo e de nenhum efeito, por violação das regras de competência do JIC», deixando claro que «de todo o modo, em face das decisões várias que entretanto se foram produzindo, as mesmíssimas questões foram tratadas nos termos longamente expostos, sempre prejudicando o sentido do dito despacho, caso porventura este viesse a ser aceite quanto à dita competência». Ou seja, o acórdão recorrido limita-se a extrair o que considera deverem ser as consequências de outros acórdãos produzidos no âmbito do mesmo processo de contraordenação, em que foram apreciadas e decididas questões idênticas às colocadas no recurso que devia apreciar e, fazendo-o por iniciativa própria, com «argumentos bem diferentes dos da recorrente», no uso de poderes de conhecimento oficioso, e tratando a matéria como «questão prévia» – que, na sua procedência, por definição, obsta à apreciação do mérito da causa (neste caso, do recurso) por constituir motivo impeditivo do conhecimento do seu objeto –, declara o despacho recorrido «nulo e de nenhum efeito, por violação das regras de competência do JIC». Embora o acórdão recorrido diga que o juiz de instrução não tem competência para apreciar da validade da apreensão do correio eletrónico, não retira essa afirmação como conclusão de uma apreciação e análise dos preceitos legais em presença, como pretendia a recorrente, mas porque entende que essa questão já se encontra decidida no processo por outros acórdãos transitados em julgado. Em momento algum o acórdão recorrido convoca, interpreta e aplica as normas legais invocadas pelo recorrente, que estruturam normativamente o objeto e o âmbito do recurso tal como os define o recorrente – e que delimitam os poderes de cognição do tribunal ad quem, sem prejuízo dos seus poderes de conhecimento oficioso –, nem sobre elas, ausentes da ratio decidendi, constrói a sua própria decisão. Em síntese, o acórdão recorrido, esgotando os poderes de cognição do tribunal na apreciação da «questão prévia», não se pronunciou sobre as questões de direito suscitadas no recurso, interpretando e aplicando as normas legais convocadas para o efeito e que agora vêm invocadas nos fundamentos do presente recurso para fixação de jurisprudência. Não havendo, neste sentido, pronúncia no acórdão recorrido, não pode haver julgado que a outro se possa opor. 22. Diferentemente, o acórdão fundamento conhece das questões colocadas pela recorrente Vodafone – relacionadas com «a salvaguarda e integridade da sua correspondência privada, com consagração expressa no artigo 34.º da Constituição» e com a «violação do segredo profissional de advogado», não totalmente coincidentes com o âmbito da colocada pela recorrente MEO no presente recurso para fixação de jurisprudência – concluindo, assim, com fundamentação de direito totalmente distinta, pela competência do juiz de instrução para conhecimento das nulidades. Porém, pelas razões anteriormente expressas, não pode este acórdão considerar-se proferido em oposição ao acórdão recorrido. 23. Assim sendo, impõe-se concluir pela não oposição de julgados, devendo o recurso ser rejeitado, nos termos do artigo 441.º, n.º 1, do CPP. Quanto a custas 24. Nos termos do disposto no artigo 513.º do CPP, que estabelece o regime da responsabilidade do arguido por custas, só há lugar ao pagamento da taxa de justiça quando ocorra condenação em 1.ª instância e decaimento total em qualquer recurso. A taxa de justiça é fixada entre 1 e 5 UC, tendo em conta a complexidade do recurso, de acordo com o n.º 9 do artigo 8.º e a tabela III anexa ao Regulamento das Custas Processuais. III. Decisão 25. Pelo exposto, acorda-se na Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça em rejeitar o recurso extraordinário para fixação de jurisprudência interposto pela arguida MEO – SERVIÇOS DE COMUNICAÇÕES E MULTIMÉDIA, S.A. («MEO»), por não haver oposição de julgados. Custas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 4 UC. Supremo Tribunal de Justiça, 6 de dezembro de 2023. José Luís Lopes da Mota (Juiz Conselheiro Relator) Maria Teresa Féria de Almeida (Juíza Conselheira Adjunta) Sénio Manuel dos Reis Alves (Juiz Conselheiro Adjunto) |