Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1450/06.4TBALM-A.S1
Nº Convencional: 7ª SECÇÃO
Relator: MARIA DOS PRAZERES PIZARRO BELEZA
Descritores: COMPETÊNCIA EM RAZÃO DA MATÉRIA
TRIBUNAL ADMINISTRATIVO
TRIBUNAL COMUM
CONCESSIONÁRIO
PRESCRIÇÃO
RESPONSABILIDADE CIVIL CONEXA COM A CRIMINAL
Data do Acordão: 01/14/2010
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Legislação Nacional: CÓDIGO CIVIL, ARTIGOS 70º, 323º, 483º, 484º, 498º
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL, ARTIGOS 66º, 722º, 751º
LEI Nº 3/99, DE 13 DE JANEIRO
LEI Nº 13/2002, DE 19 DE FEVEREIRO
CÓDIGO PENAL, ARTIGO 148º
CÓDIGO DE PROCESSO PENAL, ARTIGOS 71º, 72º
Jurisprudência Nacional: SUPREMO TRIBUNAL DA JUSTIÇA, 26 DE JUNHO DE 2007, 07A1523, 25 DE MARÇO DE 2009, 08B2415; 13 DE OUTUBRO DE 2009, 206/09.7YFLSB
TRIBUNAL DOS CONFLITOS, 4 DE NOVEMBRO DE 2009, PROC. Nº 6/09
Sumário : 1. No recurso de revista, só podem apreciar-se a alegada violação de lei de processo se estiverem verificadas as condições definidas pelo nº 2 do artigo 754º do Código de Processo Civil;

2. Na falta de lei especial que atribua competência aos tribunais administrativos, são competentes os tribunais judiciais para julgar uma acção destinada a efectivar a responsabilidade civil extra-contratual de uma sociedade anónima concessionária de um serviço público.

3. Quando o facto ilícito constituir crime, a apresentação de queixa, em processo crime, interrompe o prazo de prescrição do direito de indemnização, que só recomeça a correr com a notificação do despacho de arquivamento.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça

1. AA instaurou, no Tribunal Judicial de Almada, em 6 de Março de 2006, uma acção contra BB, Transportes, S.A., CC – Serviços de Limpeza, Lda., posteriormente denominada ..., Gestão e Manutenção de Edifícios, Lda. e DD – Companhia de Seguros, S.A. pedindo que fossem condenadas, solidariamente, a pagarem-lhe a quantia de 51.591,07 €.
Para tanto, alegou que, em 9 de Novembro de 2002, quando subia as escadas da estação de comboios do Pragal, escorregou e caiu. A queda ocorreu quando procediam a limpezas, e devido a esse facto, sem sinalização. Com a queda e apesar de ter sofrido lesões físicas, não foi por aquelas socorrida.
Citadas, as RR. contestaram, tendo a Ré BB invocado a excepção de incompetência material do Tribunal por serem competentes os Tribunais Administrativos, a sua ilegitimidade e a prescrição do direito de indemnização.
No saneador, foram aquelas excepções julgadas improcedentes.
Inconformada, a Ré BB interpôs recurso para Relação de Lisboa, sem sucesso.

2. Veio agora recorrer para o Supremo Tribunal da Justiça; o recurso foi admitido como revista, com efeito meramente devolutivo.
Nas alegações que apresentou, formulou as seguintes conclusões:

I. Andaram mal os Venerandos Desembargadores do Tribunal da Relação de Lisboa ao julgar improcedente a excepção dilatória da incompetência material do Tribunal de Almada.
II. O litígio submetido à apreciação do Tribunal não é uma questão de direito privado e, portanto, não pode ser submetida à apreciação dos Tribunais Judiciais Comuns, mas sim dos Tribunais Administrativos.
III. Mas mesmo que assim não fosse, sendo a recorrente concessionária do serviço público de exploração do serviço de transportes ferroviário de passageiros do Eixo Norte-Sul, os litígios em que esta seja parte integram-se, necessariamente, no âmbito de jurisdição dos tribunais administrativos.
(…) VI. No caso sub judice, atento o alegado na petição da recorrida, esta defende que o seu alegado direito de indemnização resulta do facto de a recorrente não ter supostamente cumprido o seu dever de zelar pela segurança de pessoas na mencionada estação de comboios sobre a qual tem jurisdição.
VII. Do que resulta, que a demanda se estrutura na base da responsabilidade civil extracontratual das RR., entre elas a ora recorrente.
VIII. Dispõe o art. 4º, n.º 1, alínea g) do ETAF que compete aos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal a apreciação de litígios que tenham por objecto: “Questões em que, nos termos da lei, haja lugar a responsabilidade civil extracontratual das pessoas colectivas de direito público, incluindo a resultante do exercício da função jurisdicional e da função legislativa”.
IX. O legislador, após reforma de 2004, alargou a área de intervenção dos tribunais administrativos, através de um critério de ordem subjectiva.
X. Passando a jurisdição administrativa a ser competente para a apreciação de todas as questões de responsabilidade civil que envolvam pessoas colectivas de direito público, bem como de sujeitos privados, aos quais seja aplicável o regime específico da responsabilidade do Estado e demais pessoas colectivas de direito público.
XI. O que vale para a recorrente enquanto concessionária do serviço público de exploração do serviço de transporte ferroviário de passageiros do eixo Norte -Sul da Região de Lisboa e da exploração de estações, interfaces, parques e silos de estacionamento automóvel das estações da margem sul do referido eixo ferroviário.
(…) XIII. Acresce que, o legislador não fez qualquer distinção quanto às matérias que deveriam ou não ser tratadas, no campo da responsabilidade extracontratual, pelos tribunais administrativos.
(…) XV. Pelo exposto, a partir da entrada em vigor do novo ETAF, a matéria da responsabilidade civil extracontratual das pessoas colectivas de direito público ou entidades equiparadas encontra-se obrigatoriamente submetida à jurisdição dos Tribunais Administrativos.
XVI. A recorrente BB, enquanto concessionária da exploração do serviço público de transporte suburbano ferroviário de passageiros, no Eixo Ferroviário Norte-Sul da Região de Lisboa e da exploração de estações, interfaces, parques e silos de estacionamento automóvel das estações da margem sul do referido Eixo Ferroviário, age sobre o domínio público e desenvolve actividade regida pelo direito administrativo.
XVII. Forçoso é, pois, concluir que a relação estabelecida inter-partes assume natureza administrativa.
XVIII. Os tribunais materialmente competentes para resolver o caso sub judice são os administrativos.
XIX. O despacho recorrido viola, nomeadamente, o disposto nos art. 209º, n.º 1, al. d) e 212º, n.º 3 da Constituição, bem como os art. 66º, 493º, n.º 2, 494º, al. a), todos do C.P.C., art. 1º, n.º 1 e 4º, n.º 1, al. g) e n.º 2 e 3 do ETAF e n.º 1 do art. 26º da Lei n.º 52/2008, de 28 de Agosto (actual LOFT J).
XX. Entendeu, ainda, o Tribunal a quo, mal, no entendimento da recorrente, que improcede a excepção de ilegitimidade por si invocada.
(…) XXII. A relação material controvertida, tal como foi configurada pela agravada, funda-se na responsabilidade civil extracontratual, com base no preceituado no art. 483º do C.C..
XXIII. De acordo com o vertido na petição inicial da recorrida – que alegou ter existido um incumprimento das regras de segurança na execução dos serviços de higiene e limpeza na estação do Pragal – o eventual lesante obrigado a reparar os danos resultantes da responsabilidade civil extracontratual, é a Ré CC e não a ora recorrente.
XXIV. Nos termos do contrato de prestação de serviços celebrado com a recorrente, a Ré CC assumiu a responsabilidade pelos serviços de higiene e limpeza na estação do Pragal, e cuja “execução dos serviços é organizada e supervisionada pelos colaboradores responsáveis da CC de quem depende exclusivamente o respectivo pessoal”, pelo que, é a entidade responsável por eventuais danos que ocorram no âmbito das suas funções.
(…) XXIX. A recorrente, atenta a posição das partes na acção e perante o pedido e causa de pedir da ora recorrida, não é efectivamente titular da relação material controvertida, não sofrendo, potencialmente, qualquer prejuízo com a acção em questão, caso esta venha a proceder, pelo que, consequentemente, não tem interesse em contradizer.
XXX. A recorrente é parte ilegítima na presente acção, nos termos do disposto no n.º 1 do art. 26º do C.P.C. a contrario sensu.
XXXI. O Tribunal a quo violou o disposto nos art. 26º, 494º, al. e) e, a contrario, o art. 493º, n.º 2, todos do C.P.C..
XXXII. Andaram, igualmente, mal os Venerandos Desembargadores, ao julgar improcedente a excepção peremptória da prescrição.
XXXIII. O art. 498º, n.º 1 do C.C. estabelece que o direito de indemnização prescreve no prazo de três anos, a contar da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete.
XXXIV. Dispõe o n.º 3 do citado artigo 498º: “Se o facto ilícito constituir crime para o qual a lei estabeleça prescrição sujeita a prazo mais longo, é este o prazo de prescrição aplicável.
XXXV. Para que o eventual lesado possa aproveitar do prazo mais longo do n.º 3 do art. 498º do C.C. carece de alegar e provar os factos integrantes do ilícito criminal que fundamenta o pedido de indemnização.
XXXVI. O que não aconteceu no caso sub judice.
XXXVII. Bem pelo contrário, se tivermos em conta o despacho de arquivamento do processo-crime intentado pela recorrida contra a recorrente e outros, pelos mesmos factos aqui em apreço, de 18.03.2005, no qual se concluiu que: “os depoimentos não secundam a versão da queixosa, já que não se confirma que as escadas estivessem molhadas ou a ser limpas quando ela transitou, nem sequer que quando tal era feito inexistia qualquer sinalização. Não há, pois, indícios seguros que tenha caído por falta de cuidado – e muito menos por conduta dolosa – das arguidas, ou de qualquer dos seus agentes”.
XXXVIII. Não tendo sido feita prova de que a situação descrita na petição enquadra a conduta da ora recorrente na prática de um crime dever-se-á aplicar a regra do n.º 1, do art. 498 do C.C., afastando o regime constante do n.º 3 do mesmo preceito legal.
XXXIX. O entendimento perfilhado pelos Venerandos Desembargadores do Tribunal da Relação de Lisboa, de que nada obsta a que “a referida prova seja levada a cabo na acção cível, salvo o devido respeito, é, no mínimo, contraproducente.
XL. Isto porque, o despacho saneador, objecto do recurso – caso seja dada razão ao entendimento dos Venerandos Desembargadores do Tribunal da Relação de Lisboa e após trânsito em julgado do presente recurso – terá valor de sentença, nos termos do disposto na 2a parte do n.º 3 do art. 510º do C.P.C., o qual após trânsito em julgado terá força obrigatória dentro do processo e fora dele, nos termos no n.º 1 do art. 671º do C.P.C..
XLI. Pelo que, se na presente acção (em sede de julgamento, entenda-se) não se fizer prova de que os factos alegados pela A. constituem crime e se chegar à conclusão de que, assim sendo, o direito de indemnização prescreveu no prazo de três anos, a recorrente já não conseguirá ultrapassar essa questão, porquanto a decisão do despacho saneador já terá transitado em julgado!!!
XLII. O Tribunal a quo ao não ter decidido pela procedência da excepção peremptória da prescrição violou o disposto nos art. 498º, n.º 1 e 3 do C.C. e 493º, n.º 3 e 496º do C.P.C.

Em contra alegações, a recorrida pronunciou-se no sentido da confirmação do decidido, sustentando a competência dos tribunais judiciais, a legitimidade da recorrente e a não ocorrência de prescrição, sendo aplicável o disposto no nº 3 do artigo 498º do Código Civil. A propósito da prescrição, observou que a data do despacho de arquivamento é 18 de Março de 2006 e não de 2005, afirmando que o direito que invoca “prescreveria no ano de 2008, aliás como conclui o Douto Despacho Saneador proferido em 31 de Julho de 2007”.

3. Estão assim em causa neste recurso, ao qual não são aplicáveis as alterações introduzidas no Código de Processo Civil pelo Decreto-Lei nº 303/2007, de 24 de Agosto, as seguintes questões (art. 684º, n.º 3 e 690º, n.º 1 do Código de Processo Civil):
– incompetência material do tribunal judicial de Almada;
– ilegitimidade da recorrente;
– prescrição do direito invocado pela autora.

4. Cumpre, todavia, começar por excluir a apreciação da questão relativa à legitimidade. Com efeito, no recurso de revista, por força do disposto no art. 722º, n.º 1 do Código de Processo Civil, só se pode invocar a violação da lei do processo quando for admissível recurso da decisão correspondente, nos termos definidos no n.º 2 do art. 754º do mesmo Código; no presente caso, não seria admissível.

5. O despacho saneador teve como assentes os seguintes factos, para os quais remeteu o acórdão recorrido:

«A) A ré BB é concessionária da exploração do serviço de transporte suburbano ferroviário de passageiros no eixo ferroviário Norte-Sul da região de Lisboa nos termos do contrato de concessão celebrado com o Estado Português em 06 de Dezembro de 2005 junto a fls. 447 a 510.
B) A ré BB é também titular da concessão da exploração de estações, interfaces, parques e silos de estacionamento automóvel das estações da margem sul do mencionado eixo ferroviário Norte-Sul, nos termos do contrato celebrado com a rede ferroviária Nacional – Refer, EP em 14 de Abril de 2005, junto a fls. 511 a 537.
C) A réBB, Transporte Travessia do Tejo, SA celebrou com a ré CC – Serviços de Limpeza, Lda., o acordo escrito designado por "Contrato de Prestação de Serviços de Limpeza nº 1790.00" junto este e respectivos anexos a fls. 546 a 580 com o c1ausulado aí inserto.
D) Estabelece a cláusula 9 do acordo referido na alínea C) que "A responsabilidade Civil da CC perante o Cliente é regulada pela Apólice de seguros cuja cópia constitui o Anexo (2) ao presente contrato, não excedendo portanto os montantes dessa apólice, relativamente às coberturas nela previstas, devendo a CC comunicar ao Cliente qualquer alteração às condições da apólice vigente nesta data. No caso de produtos fornecidos pelo Cliente deve ser preenchido o termo de responsabilidade previsto para o efeito, sob pena de a CC declinar toda e qualquer responsabilidade (anexo com seguros)".
EE) A ré CC - Serviços de Limpeza, Lda., transferiu a sua responsabilidade civil mediante contrato de seguro titulado pela apólice n.o 7004081 para a ré DD - Companhia de Seguros, SA.
F) A autora apresentou nos Serviços do Ministério Público do Tribunal Judicial de Almada queixa contra BB - Travessia do Tejo, Transportes, SA e CC – Serviços de Limpeza, Lda., alegando que "escorregou e caiu nas instalações da primeira, quando um elemento da segunda procedia a limpezas e exactamente devido a esse facto, tanto mais que tal não estava devidamente sinalizado, tendo sofrido lesões físicas, e sem que tenha sido socorrida pelas denunciadas, pelo que conclui que incorreram na prática de crimes de ofensas à integridade física grave e omissão de auxílio".
G) A queixa referida em F) deu origem ao processo nº 357 /03.lT AALM que correu termos na 3c Secção do Ministério Público do Tribunal Judicial de Almada.
H)" Em 2005.03.18 foi proferido despacho de arquivamento no processo referido em G) ".»

6. Começando pela questão de incompetência em razão da matéria, suscitada pela recorrente, cumpre recordar que, para se poder determinar qual é o tribunal competente deste ponto de vista, há que atentar nos termos em que a acção é proposta, ou seja, na forma com vêm definidos a causa de pedir e o pedido, contra a ora recorrente.
A autora alegou que, quando subia as escadas da estação de comboios do Pragal, escorregou e caiu; que a queda ocorreu devido às limpezas, que se realizavam sem qualquer sinalização; que, apesar da queda e de ter sofrido lesões físicas, não foi socorrida pela ré. Conclui-se, pois, que a autora fundamenta o pedido de condenação da mesma ré no pagamento de uma indemnização em responsabilidade civil extracontratual emergente da omissão do dever, que lhe cabe, de zelar pela segurança das pessoas naquela estação.
Daí que se imponha decidir se esta conduta imputada à ré se integra nas disposições legais que atribuem a competência aos Tribunais Administrativos; não cabendo, a causa será da competência dos tribunais judiciais, de acordo com o artigo 66º do Código de Processo Civil e com o artigo 18º da Lei 3/99 de 13 de Janeiro (Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais), aplicável no caso, não obstante a entrada em vigor da Lei nº 52/2008, de 28 de Agosto.

7. A recorrente sustenta, como se viu, que são competentes para a acção os tribunais administrativos, invocando o disposto no artigo 1º, na alínea g) do nº 1 e nos nºs 2 e 3 do artigo 4º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, aprovado pela Lei 13/2002 de 19 de Fevereiro).
A recorrente BB não é, todavia, uma “pessoa colectiva de direito público”, mas uma sociedade anónima concessionária de um serviço público (cfr. Decreto-Lei nº 78/2005, de 13 de Abril, que regula as bases da concessão da exploração do serviço de transporte ferroviário de passageiros do eixo norte-sul da região de Lisboa); não pode pois fundamentar-se na al. g) do nº 1 do artigo 4º citado a competência dos tribunais administrativos para conhecerem da presente acção.
Também se não pode dizer que o presente litígio respeite a acto praticado pela concessionária “a coberto de poderes de autoridade” (acórdão do Tribunal dos Conflitos de 4 de Novembro de 2009, disponível em www.dgsi.pt como proc. nº 6/09), por esta via trazendo-o para o âmbito do direito administrativo e permitindo a aplicação do “regime específico da responsabilidade do Estado e demais pessoas colectivas de direito público” (al.i) do nº 1 do artigo 4º do ETAF).
Assim sendo, há que concluir pela aplicação, ao caso, do regime da responsabilidade civil extracontratual definido pela lei civil; consequentemente, que seria necessário que “lei especial atribuísse aos Tribunais Administrativos (…) a competência” (citado acórdão nº 6/09) para conhecer do presente litígio, para se ter por afastada a competência residual dos tribunais judiciais; o que não sucede.
Improcede, portanto, a alegação de incompetência oposta pela recorrente.

8. Cumpre então apreciar a questão da prescrição do direito de indemnização invocado pela autora, oportunamente oposta pela recorrente.
É inequívoco que a autora fundamenta o seu pedido de indemnização em responsabilidade civil extracontratual — na violação do seu direito à integridade física e na omissão de auxílio, devido pela recorrente (art. 70º, 483º e 484º do Código Civil).
O direito de indemnização por responsabilidade civil extracontratual, nos termos do nº 1 do artigo 498º do Código Civil, prescreve no prazo de três anos a contar da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete.
Porém, determina-se no nº 3, se o facto ilícito constituir crime para o qual a lei estabeleça prescrição sujeita a prazo mais longo, é este o prazo de prescrição aplicável.
Os factos alegados pela autora como causa de pedir poderão constituir o crime de ofensas corporais por negligência, punível com pena de prisão até um ano, a que corresponde o prazo de prescrição de cinco anos (art. 148º e 118º, n.º 1, al. c) do Código Penal).
Como se recordou no acórdão de 25 de Março de 2009, disponível em www.dgsi.pt como proc. nº 08B2415, «a razão de ser da lei, como escreve Antunes Varela (Das Obrigações em Geral, vol. I, 10ª ed., Coimbra, 2000), é de que “desde que se admite a possibilidade de o facto, para efeito de responsabilidade penal, ser apreciado em juízo para além dos três anos transcorridos sobre a data da sua verificação, nada justifica que análoga possibilidade se não ofereça à apreciação da responsabilidade civil”. Neste mesmo sentido, pode ver-se o acórdão de 26 de Junho de 2007 deste Supremo Tribunal, disponível em www.dgsi.pt como proc. nº 07A1523.»
Não procede pois o argumento da recorrente no sentido de que, se vier a resultar da prova que os factos invocados pela autora não constituem crime, o trânsito em julgado da decisão de ter como não verificada a prescrição vai contrariar (de forma inultrapassável) “a conclusão de que, assim sendo, o direito de indemnização prescreveu no prazo de três anos”.
Ora a prescrição interrompe-se com a citação dos réus, nos termos do nº 1 do artigo 323º do Código Civil; mas interrompe-se igualmente pela “notificação judicial de qualquer acto que exprima, directa ou indirectamente, a intenção de exercer o direito, seja qual for o processo a que o acto pertence e ainda que o tribunal seja incompetente” (mesmo nº 1).

9. Como é sabido, vale em Direito Português o princípio da adesão: é no processo penal correspondente que deve ser formulado um pedido de indemnização “fundado na prática de um crime” (artigo 71º do Código de Processo Penal).
Tal pedido pode, no entanto, “ser deduzido em separado, perante o tribunal civil”, nos casos constantes do artigo 72º do mesmo diploma, entre os quais figuram as hipóteses de não ter havido acusação “dentro de oito meses a contar da notícia do crime” (al. a) do nº 1), de o procedimento criminal depender de queixa, como é o caso (nº 4 do artigo 148º do Código Penal e al. c) do nº 1 do artigo 72º citado), e de o processo penal ter sido arquivado (al. b)).
Resulta dos factos assentes que a queda ocorreu em 9 de Novembro de 2002; começou pois nessa data a correr o prazo de prescrição (nº 1 do artigo 498º do Código Civil). Igualmente resulta que em 2003 (não se sabe exactamente a data) “a autora apresentou nos Serviços do Ministério Público do Tribunal Judicial de Almada queixa contra BB – Travessia do Tejo, Transportes, SA e CC – Serviços de Limpeza, Lda.”; e que essa queixa “deu origem ao processo nº 357 /03.1T AALM que correu termos na 3c Secção do Ministério Público do Tribunal Judicial de Almada”, processo no qual, “Em 2005.03.18, foi proferido despacho de arquivamento” (a autora afirma, nas alegações, que foi em 18 de Março de 2006; é irrelevante para o efeito que agora interessa).
Tem pois de concluir-se que com a apresentação da queixa se interrompeu a prescrição; e que o prazo só (re)começou a correr, nos termos do disposto no nº 1 do artigo 326º do Código Civil, com a notificação do despacho de arquivamento. A pendência do processo penal impede a prescrição; entender, de modo diverso, que o prazo de prescrição teria recomeçado a correr a partir do momento em que a autora poderia ter instaurado, no tribunal cível, uma acção de indemnização, nomeadamente nos termos da al. a) citada, equivaleria a tornar obrigatória uma dedução que a lei expressamente apresenta como facultativa e a desvirtuar o próprio princípio da adesão (neste sentido, por exemplo, o acórdão deste Supremo Tribunal de 13 de Outubro de 2009, www.dgsi.pt, proc. nº 206/09.7YFLSB e jurisprudência nele citada).
Ora a presente acção foi proposta em 6 de Março de 2006; o prazo de prescrição, interrompido com o despacho de arquivamento e então de novo iniciado, não tinha manifestamente decorrido, nem nessa data, nem quando a ré foi citada (ou no termo dos 5 dias previstos no nº 2 do artigo 323º do Código Civil).
Não teria decorrido, note-se a terminar, quer fosse de cinco anos, quer fosse apenas de três.

10. Nestes termos, nega-se provimento ao recurso.
Custas pela recorrente.

Supremo Tribunal de Justiça, 14 de Janeiro de 2010

Maria dos Prazeres Pizarro Beleza (Relatora)
Lázaro Faria
Lopes do Rego