Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 5ª SECÇÃO | ||
Relator: | SANTOS CARVALHO | ||
Descritores: | MANDADO DE DETENÇÃO EUROPEU RECUSA FACULTATIVA DE EXECUÇÃO TRANSFERÊNCIA TEMPORÁRIA DA PESSOA PROCURADA | ||
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Nº do Documento: | SJ | ||
Data do Acordão: | 11/26/2009 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | PROVIDO PARCIALMENTE | ||
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Sumário : | I - Nos termos da al. g) do n.º 1 do art.º 12.º da Lei n.º 65/2003, é motivo de recusa facultativa da execução do mandado de detenção europeu (MDE) quando «a pessoa procurada se encontrar em território nacional, tiver nacionalidade portuguesa ou residir em Portugal, desde que o mandado de detenção tenha sido emitido para cumprimento de uma pena ou medida de segurança e o Estado Português se comprometa a executar aquela pena ou medida de segurança, de acordo com a lei portuguesa». II - O requerido, sendo português e estando a residir em Portugal, poderia beneficiar do disposto nesta norma, relativamente ao MDE para cumprimento de um remanescente de 9 anos de prisão aplicada num Tribunal francês, mas poder-se-ia contrapor, como alguns fazem, que a sentença condenatória ainda não foi sujeita ao processo de revisão em Portugal. III - Não é assim pois, como se disse no Ac. do STJ de 23-11-2006, proc. 4352/06-5: «O MDE (…) é um instrumento específico que substituiu integralmente o processo de extradição dentro da União Europeia. A Lei nº 65/2003, que o introduziu no nosso ordenamento jurídico, não prevê nenhum processo de revisão da sentença estrangeira, pois tal seria absolutamente contraditório com a razão de ser e função do MDE. O Título IV da Lei nº 144/99, de 31-8, não tem aplicação ao MDE, pois constitui a “lei geral” de cooperação judiciária penal, ao passo que a Lei nº 65/2003 constitui “lei especial”. Mas a que “lei portuguesa” se refere a parte final da al. g) do nº 1 da Lei nº 65/2003? Obviamente à lei de execução das penas ou medidas de segurança! Ou seja, o Estado da execução deve aceitar a condenação nos seus precisos termos, mas tem o direito de executar a pena ou a medida de segurança de acordo com a lei nacional. É uma reserva de soberania quanto à execução. É isso e apenas isso que estabelece a parte final do preceito». IV - A decisão recorrida, porém, apresenta um outro óbice que, alegadamente, impossibilitaria o cumprimento daquela pena em Portugal, que é a circunstância de o requerido, para além do MDE para cumprimento de pena, ter contra si um outro MDE emitido pelo Tribunal de Grande Instance de Bobigny a fim de se submeter a procedimento criminal pelos factos que terá praticado em 16.01.2009. V - Esse não é, também, um verdadeiro obstáculo, pois o art.º 6º da Lei n.º 65/2003, permite a transferência temporária e audição da pessoa procurada na pendência do processo de execução do mandado de detenção europeu, as vezes que sejam necessárias, para que o extraditando seja julgado, pelo crime que o espera, na Grande Instance de Bobigny, cumprindo depois em Portugal – em caso de condenação - a pena aí aplicada. VI - Para além da verificação dos requisitos formais do motivo de recusa facultativa de execução do MDE, a que se reporta o art.º 12.º, n.º 1, al. g), da Lei n.º 65/2003, há que reconhecer que, no caso em apreço, tal se justifica também por prementes razões de saúde do requerido, isto é, por razões humanitárias. VII - Em suma, é de decidir o seguinte: | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam no Supremo Tribunal de Justiça 1. Por Acórdão de 21 de Outubro de 2009, o Tribunal da Relação do Porto determinou a execução definitiva dos dois mandados de detenção europeus emitidos contra o arguido A, ordenando-se o seu cumprimento em dez dias, com entrega após trânsito em julgado, às autoridades francesas, primeiro, ao Tribunal de Aplicação dos Castigos de Metz para cumprimento do remanescente da pena aplicada (MDE com a referência n.º ...) e, após esse cumprimento, ao Tribunal de Grand Instance de Bobigny para procedimento criminal (MDE com a referência n.º ....). Efectivamente, em cumprimento de um Mandado de Detenção Europeu (MDE) emitido no dia 22/07/2009 pelo Juiz de Instrução junto do Tribunal de Grande Instância de Bobigny, França, foi o cidadão português A detido no dia 15 de Setembro do corrente ano, no Porto. Apresentado o detido no Tribunal da Relação, foi submetido a interrogatório e foi-lhe aplicada a medida de coacção de prisão preventiva. No dia 21 do mesmo mês deu entrada naquele tribunal o Mandado de Detenção Europeu constante de fls. 39 e seguintes dos presentes autos, contra o mesmo requerido, mandado este remetido directamente pelo Procurador da República junto do Tribunal de Grande Instância de Metz, França, pois em 20/01/2009, o Senhor Juiz da Aplicação dos Castigos de Metz, França, havia emitido um mandado de captura contra o requerido, mandado este para efeitos de cumprimento da pena remanescente de 9 anos de detenção criminal. Face ao recebimento deste novo Mandado de Detenção Europeu, o M.º P.º junto da Relação do Porto requereu a ampliação do pedido de entrega, pedindo a audição urgente do requerido sobre os novos factos constantes deste segundo MDE, o que foi efectuado. Pelo referido acórdão, decidiu o Tribunal da Relação do Porto, «...determinar a execução definitiva dos dois mandados de detenção europeus contra o arguido A…». 2. Desse Acórdão recorre agora o requerido para o Supremo Tribunal de Justiça e, da sua fundamentação, retira as seguintes conclusões: 1. O Mandado de Detenção Europeu com a referência n.º ... emitido em 07.07.2009 pelo Juiz de Instrução junto do Tribunal de Grande Instância de Bobigny visa a sujeição do requerido a julgamento por factos ocorridos em 16.01.2009. 2. Da descrição sumária dos factos referida no MDE consta que, na data supra aludida, o requerido interpelou B, companheiro da sua ex-esposa, ao qual apontou uma arma de punho, disparando na sua direcção, sem contudo o atingir. 3. Os factos descritos integram, de acordo com a lei francesa, o crime de tentativa de assassinato p. e p. nos art.ºs. 121/5, 221-3, 221-8, 221-9, 221-11 do Cód. Penal francês, infracção passível de ser punida com pena de prisão perpétua; 4. O sistema jurídico francês prevê a revisão de pena - a pedido do condenado ou, o mais tardar, decorridos 20 anos - ou a aplicação de medidas de clemência, com vista à não execução daquela pena. 5. O Mandado de Detenção Europeu com a referência n.º ... emitido em 20.01.2009 pelo Juiz de Aplicação de Castigos de Metz, visa o cumprimento da pena de 9 (nove) anos de detenção criminal, correspondente ao remanescente da pena de quinze anos de detenção criminal aplicada ao requerido A em 24 de Maio de 2006, pelo Tribunal de Júri de Paris. 6. Da descrição sumária dos factos referida no MDE consta que no dia 10 de Novembro de 2003, o requerido disparou três balas de calibre 6,35 mm sobre a sua ex-companheira, C, atingindo-a numa zona vital, não tendo porém causado a morte da vítima. 7. Os factos descritos em 6. integram, segundo a lei francesa, um crime de tentativa de homicídio p. e p. nos art.ºs 121-4, 121-5, 221-1, 221-3, 2218, 221-9, 221-9-1 e 221-11 do Código Penal. 8. Foi concedido ao requerido o benefício da suspensão do castigo por razões medicais, a contar do dia 03 de Março de 2008, com a obrigação de fixar domicílio em D. 9. Após a prática dos factos descritos sob o ponto 2., o requerido não mais voltou para D. 10. O requerido tem nacionalidade portuguesa (Bilhete de Identidade n.º 01212902 0, emitido em 10.08.2000), foi detido pela Polícia Judiciária pelas 18 horas do dia 15.09.2009, junto ao serviço de Oncologia do Hospital de S. João desta cidade do Porto e tem residência habitual na Av. E. 11. O requerido tem 70 anos de idade, sofre de hemiparesia direita sequelar há 10 anos por acidente vascular cerebral, com diagnóstico de carcinoma prostático desde 1999, tendo sido sujeito a radioterapia prostática e bloqueio hormonal total e ressecção transuretral desobstrutíva em 2006; o carcinoma prostático encontra-se em fuga hormonal desde 2008, apresentando o requerido neste momento Psa elevado (254), metastização difusa óssea e ureterohidronefrose esquerda e estenose da uretra bulbar. 12. O requerido iniciou no dia 01.10.2009 quimioterapia, estando agendados novos tratamentos no Hospital de Dia do Hospital de S. João do Porto a cada 21 dias.
Os pressupostos de aplicação podem enumerar-se assim: a) A pessoa procurada encontrar-se em território nacional; Por isso, há que verificar se procede o motivo de recusa facultativa quanto ao MDE com a referência n.º ... emitido em 20.01.2009 pelo Juiz de Aplicação de Castigos de Metz, que visa o cumprimento da pena de 9 (nove) anos de detenção criminal, correspondente ao remanescente da pena de quinze anos de detenção criminal aplicada ao requerido. A verificação das três primeiras condições não é questionada pelo acórdão recorrido. Mas este considerou não verificado o motivo de recusa facultativa da execução com os seguintes fundamentos: «A propósito desta causa de recusa facultativa, não é pacífico o entendimento dos Tribunais superiores. Enquanto o Supremo Tribunal de Justiça vem sustentando que a adopção do regime do MDE envolve a consideração de uma modificação radical na verificação dos requisitos de que depende a execução das sentenças penais estrangeiras em Portugal, chegando mesmo a considerar que a decisão pela qual o tribunal português recusa a execução do MDE, com este fundamento, deve simultaneamente ordenar o cumprimento da pena aplicada no processo estrangeiro pelo tribunal nacional para o efeito competente (2), a Relação de Coimbra (3)sustenta que só após a revisão e confirmação da sentença confirmatória estrangeira é passível ao Estado Português comprometer-se a executar a pena ou medida de segurança ali imposta, o que quer dizer que, não havendo a revisão e confirmação, não poderá haver recusa de execução do mandado de detenção europeu, acrescentando que é ao condenado que cabe a iniciativa de, com base na Convenção Relativa á Transferência de Pessoas Condenadas, requerer a revisão e confirmação dessa sentença estrangeira. Como refere o Sr. Proc. da República L... S... P... (4) "Terá o legislador conduzido o aplicador do direito a um verdadeiro beco sem saída já que, neste caso, não pode recusar a execução do MDE sem oferecer um compromisso de execução da sentença condenatória e, simultaneamente não pode assumir esse compromisso porque está dependente de a sentença ser sujeita a um processo de revisão e confirmação?" Analisadas as posições em confronto, concordamos com a sugestão deste autor, quando conclui que "restará à autoridade judiciária portuguesa, enquanto autoridade judiciária de execução, depois de constatar estarem reunidos todos os outros requisitos de que depende o exercício deste motivo de recusa facultativo, averiguar da existência de uma séria probabilidade de vir a ser obtida a revisão e confirmação da sentença estrangeira subjacente à emissão do MDE (utilizando para o efeito os meios que entender adequados e que o art.º 16.º n.º 3 da Lei n.º 65/2003 lhe proporciona). Exercida essa faculdade, incumbirá de seguida ao Ministério Público, enquanto órgão garante da legalidade, de forma oficiosa e obrigatória, o despoletar deste procedimento nos termos do arte 236 do CPP, com vista a honrar o compromisso assumido por aquela em nome do Estado Português". No caso sub-judice, não obstante se verificarem reunidos os requisitos formais a que alude a al. g) do n.º 1 do art.º 12.º da Lei n.º 65/2003, desconhece-se completamente o teor da sentença condenatória a executar, bem como as condições em que terá sido concedida, e posteriormente revogada, a liberdade condicional ao arguido, bem como o tempo que, em concreto, lhe falta cumprir. Por outro lado, a circunstância de se determinar a sua entrega às autoridades francesas ao abrigo do MDE emitido pelo Tribunal de Grande Instance de Bobigny a fim de o mesmo se submeter a procedimento criminal pelos factos que terá praticado em 16.01.2009, obsta, pelo menos por ora, à possibilidade de cumprimento daquela pena em Portugal. Pelo exposto, entende-se não se verificar, em concreto, motivo de recusa facultativa de execução do MDE emitido pelo Juiz de Aplicação dos Castigos de Metz.» Como se vê, não há nulidade do acórdão recorrido por omissão de pronúncia quanto às existência da causa de recusa facultativa de execução do mandado destinado a executar uma pena já aplicada. Mas, poderá o Estado português comprometer-se a executar, de acordo com a lei portuguesa, a pena aplicada ao requerido em França, a que se reporta o MDE com a referência n.º ... emitido em 20.01.2009 pelo Juiz de Aplicação de Castigos de Metz? O argumento de que a sentença do tribunal francês não é, desde já, exequível, pois a referência à “lei portuguesa”, constante da parte final da citada al. g), significa a necessidade de sujeição da sentença exequenda ao processo de revisão e confirmação de sentença estrangeira, previsto no art. 234º do CPP, não pode proceder. Como bem se disse no Ac. do STJ de 23-11-2006, proc. 4352/06-5 (relatado pelo Cons. Maia Costa): «Não é essa, porém, seguramente a única, nem certamente a melhor, interpretação da lei. Na verdade, como se viu atrás, o MDE é um instrumento especial de cooperação judiciária, restrito ao espaço da União Europeia e assente no princípio do reconhecimento mútuo. A revisão da sentença estrangeira, como o processo de extradição, baseiam-se, ao invés, precisamente na ideia de “suspeição” ou, no mínimo, de dúvida em relação ao pedido, precisamente porque proveniente de Estado relativamente ao qual não vigora o princípio do reconhecimento mútuo, e daí a necessidade de rever e confirmar a sentença estrangeira ou de avaliar com rigor o pedido de extradição. O MDE, insiste-se, é um instrumento específico que substituiu integralmente o processo de extradição dentro da União Europeia. A Lei nº 65/2003, que o introduziu no nosso ordenamento jurídico, não prevê nenhum processo de revisão da sentença estrangeira, pois tal seria absolutamente contraditório com a razão de ser e função do MDE. O Título IV da Lei nº 144/99, de 31-8, não tem aplicação ao MDE, pois constitui a “lei geral” de cooperação judiciária penal, ao passo que a Lei nº 65/2003 constitui “lei especial”. Mas a que “lei portuguesa” se refere a parte final da al. g) do nº 1 da Lei nº 65/2003? Obviamente à lei de execução das penas ou medidas de segurança! Ou seja, o Estado da execução deve aceitar a condenação nos seus precisos termos, mas tem o direito de executar a pena ou a medida de segurança de acordo com a lei nacional. É uma reserva de soberania quanto à execução. É isso e apenas isso que estabelece a parte final do preceito. Parece envolver alguma perplexidade para o recorrente o facto de o “compromisso” a que se refere o citado preceito vir a ser assumido pelo próprio Tribunal da Relação. Mas isso não pode suscitar qualquer dúvida, atenta a judicialização do procedimento a que atrás se aludiu. O Tribunal da Relação, enquanto órgão de soberania, é o órgão do Estado Português a que a lei defere a competência para comprometer (ou não) o Estado na execução da sentença em Portugal. Aliás, a “proposta” do recorrente conduziria a um verdadeiro impasse na cooperação comunitária. Propõe ele, de facto, que se mantenha a recusa de execução do MDE, “sem prejuízo de a sentença penal francesa, oportunamente, vir a ser executada em Portugal, de acordo com a lei portuguesa”, ou seja, depois de revista e confirmada. Daí resultaria uma situação de indefinição quanto ao cumprimento do MDE e da pena. No caso de a sentença não ser revista e confirmada, o MDE seria deferido? Manter-se-ia a recusa? Com que fundamento? Mesmo no caso de “oportuna” revisão, não constituiria o arrastamento da situação e consequente incerteza para o tribunal do Estado-Membro emissor do MDE um elemento de perturbação de uma cooperação judiciária fundada no princípio do reconhecimento mútuo? O MDE, insiste-se mais uma vez, foi criado como instrumento expedito e simplificado de cooperação penal entre Estados que confiam entre si. Esse carácter simplificado e expedito, próprio de uma cooperação que procura a eficácia sob pena de falhar os seus próprios objectivos, repudia a criação de incertezas e impasses quanto ao desenrolar do processo. A recusa do MDE, nos termos da citada al. g), só pode legitimar-se na vontade clara e prontamente expressa do Estado Português em, ele próprio, promover a execução da pena (ou medida de segurança). Se o tribunal português recusa a execução do MDE tem de imediatamente ordenar o cumprimento da pena pelo tribunal competente para o efeito. Foi o que fez o Tribunal recorrido. A recusa facultativa, como já decidiu este STJ (Ac. de 17-03-2005, rec. 1135/05-5, relator Cons. Pereira Madeira), «não pode ser concebida como um acto gratuito ou arbitrário do tribunal. Há-de, decerto, assentar em argumentos e elementos de facto adicionais aportados ao processo susceptíveis de adequada ponderação, nomeadamente invocados pelo interessado, que, devidamente equacionados, levem o tribunal a dar justificada prevalência ao processo nacional sobre o do Estado requerente». Dir-se-á, tal como o faz a decisão recorrida, que se desconhece completamente o teor da sentença condenatória a executar, bem como as condições em que terá sido concedida, e posteriormente revogada, a liberdade condicional ao arguido, bem como o tempo que, em concreto, lhe falta cumprir. Mas isso não é completamente exacto e não há um verdadeiro óbice para a imediata execução da pena em Portugal, de acordo com a lei portuguesa de execução. Na verdade, sabe-se que o requerido tem de cumprir um remanescente de 9 anos de prisão, após ter sido revogada a liberdade condicional de que beneficiava, por pena de 15 anos de prisão aplicada em França. Tanto basta para que possa iniciar desde já, em Portugal, o cumprimento dessa pena remanescente, pois com os meios expeditos de comunicação que hoje existem, será possível ao tribunal a quem competir a execução obter, atempadamente, todos os elementos necessários para uma completa e exaustiva avaliação, tal como certidão das sentenças francesas de condenação e revogação da liberdade condicional – sem necessidade de revisão face à lei portuguesa, como se explicou – e todos os elementos para liquidação de pena, esta, em todo o caso, fixada no remanescente de 9 anos de prisão. A decisão recorrida, porém, apresenta um outro óbice que, alegadamente, impossibilitaria o cumprimento daquela pena em Portugal, que é a circunstância de também se determinar a entrega do requerido às autoridades francesas ao abrigo do MDE emitido pelo Tribunal de Grande Instance de Bobigny a fim de o mesmo se submeter a procedimento criminal pelos factos que terá praticado em 16.01.2009. Esse não é, também, um verdadeiro obstáculo, pois há uma norma no regime jurídico do mandado de detenção europeu, relativa à transferência temporária, que permite solucionar o problema. Na verdade, o art.º 6º da Lei n.º 65/2003, permite a transferência temporária e audição da pessoa procurada na pendência do processo de execução do mandado de detenção europeu, as vezes que sejam necessárias, para que o extraditando seja julgado, pelo crime que o espera, na Grande Instance de Bobigny, cumprindo depois em Portugal – em caso de condenação - a pena aí aplicada. Para além da verificação dos requisitos formais do motivo de recusa facultativa de execução do MDE, a que se reporta o art.º 12.º, n.º 1, al. g), da Lei n.º 65/2003, há que reconhecer que, no caso em apreço, tal se justifica também por prementes razões de saúde do requerido. Na verdade, está provado que o requerido tem 70 anos de idade, sofre de hemiparesia direita sequelar há 10 anos por acidente vascular cerebral, com diagnóstico de carcinoma prostático desde 1999, tendo sido sujeito a radioterapia prostática e bloqueio hormonal total e ressecção transuretral desobstrutíva em 2006; o carcinoma prostático encontra-se em fuga hormonal desde 2008, apresentando o requerido neste momento Psa elevado (254), metastização difusa óssea e ureterohidronefrose esquerda e estenose da uretra bulbar. O requerido iniciou no dia 01.10.2009 quimioterapia, estando agendados novos tratamentos no Hospital de Dia do Hospital de S. João do Porto a cada 21 dias. Não faria muito sentido que, podendo o Estado português, através dos Tribunais, garantir ao Estado francês que o mesmo irá cumprir em Portugal o remanescente da pena a que foi condenado no Tribunal de Aplicação de Castigos de Metz, fosse afinal entregue para esse fim à Justiça francesa, quando o mesmo está a realizar tratamentos regulares intensivos, para cura de uma doença grave, num Hospital português que já tem a sua história clínica e que melhor poderá seguir o seu caso. Há, pois, uma razão humanitária que favorece a escolha por esta opção. Dada a solução encontrada, perde qualquer interesse prático verificar se ocorrem motivos que pudessem determinar a suspensão temporária da entrega do requerido. Termos em que o recurso procede parcialmente. 5. Pelo exposto, acordam os Juízes da Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça em conceder provimento parcial ao recurso e, consequentemente: |