Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1398/03.4TVLSB.S1
Nº Convencional: 6ª SECÇÃO
Relator: CARDOSO DE ALBUQUERQUE
Descritores: CENTRO COMERCIAL
CONTRATO DE INSTALAÇÃO DE LOJISTA
CONTRATO DE ARRENDAMENTO
CONTRATO ATÍPICO
RESOLUÇÃO DO NEGÓCIO
ACÇÃO DIRECTA
CLÁUSULA CONTRATUAL
NULIDADE
OBRIGAÇÃO DE INDEMNIZAR
Nº do Documento: SJ
Data do Acordão: 06/30/2009
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA
Sumário :
I - Pelo contrato objecto dos autos, e no âmbito da liberdade contratual das partes, ficou acordada a cedência pela A. à R. de utilização de um espaço individualizado relativamente ao restante complexo, para ali exercer uma actividade comercial previamente aprovada pela A., mediante uma contrapartida fixa e também uma variável, relativamente a vários serviços que ela no âmbito, do mesmo contrato, se comprometeu a prestar, nomeadamente limpeza, segurança e promoção do local em que se situam os espaços cuja utilização cedeu.

II - O contrato objecto dos autos não se confunde com o contrato de arrendamento, de carácter vinculístico, regulado por disposições imperativas, que afastam o princípio geral da liberdade de estipulação, resultante do princípio da autonomia privada, titulado constitucionalmente e ligado ao valor de auto determinação da pessoa, mas que deve estar em consonância com outros princípios como o da protecção das expectativas de confiança do destinatário e o princípio de protecção de segurança do tráfego jurídico.

III - A cedência do gozo de um prédio urbano ou de parte dele que decorre do contrato de arrendamento, confere ao arrendatário e ao senhorio poderes e deveres, diferentes dos do contrato acima documentado, pois a sua função económica e social é diferente do arrendamento e também do de mera prestação de serviços, como é entendimento dominante na jurisprudência e na doutrina.

IV - Não há que confundir o exercício do direito de resolução por via de regra dispensando a intervenção do tribunal, legitimado no caso pela situação de incumprimento em que a recorrente se colocou e de acordo com princípio geral dos artºs 801º e 808º do CCivil com o direito do gestor efectivar por meios próprios a desocupação do local, como seu efeito imediato, nos termos previstos no artº 289º, por remissão do artº 433º do C.Civil com dispensa da intervenção judicial que legitimasse previamente o direito e, logo, lhe conferisse título para obter tal desocupação.

V - A acção directa só é licita nos termos e mediante os requisitos previstos no artº 336º que não se mostram preenchidos no caso em apreço.

VI - A cláusula do contrato onde se estabelece que, resolvido o contrato, a entidade gestora do Centro Comercial “tem o direito de utilizar a chave, em seu poder, da porta exterior da loja, para reassumir a detenção da loja, ou, não tendo aquela chave sido entregue, usar os meios que se mostrem necessários e adequados para reassumir a detenção da mesma loja”, confere o uso de uma verdadeira acção directa, fora do âmbito próprio, estrito e tipificado em que a lei a prevê, ultrapassando os limites previstos no artº 405º do CCivil para a liberdade contratual, não importando para aqui a atipicidade do contrato, e padece de nulidade, nos termos gerais previstos no artº 294º do mesmo CCivil, afrontando uma garantia elementar do estado de direito.

VII - A perda de clientela, que no caso se poderá dificilmente entender como clientela própria que não clientela do próprio centro e as indemnizações ao pessoal necessariamente que teriam de ocorrer por motivo da resolução não questionada do contrato de instalação, a menos que se pudesse demonstrar que as circunstâncias em que foi a recorrente desapossada da loja, de que foi avisada antecipadamente, não lhe permitiram prover a tempo as diligências para o inevitável encerramento do estabelecimento, agravando tais encargos, além de que a continuação da exploração da loja, sempre a constituiria em responsabilidade perante a recorrida, por ocupação ilícita desse espaço.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça

S... M... P... – G... de C... C..., SA” em que foi integrada por fusão “C...-G... de C.... C..., SA”, com sede na Rua ..., lote..., nº ..., Quinta do Lambert, em Lisboa, intentou acção declarativa de condenação, com processo ordinário, contra “M...- S... de R..., I...., E..., Lda”, com sede na Rua dos S...., nº..., ...º, em Lisboa, pedindo a condenação da R. a pagar as quantias de € 24.941,28€, acrescida de juros de mora vencidos no montante de € 3.311,92€ e dos vincendos, contados à taxa anual de 7%, devidos desde 31.01.2003 até integral pagamento.

Alegou, em síntese, que em 11.11.96 cedeu a AA e BB pelo período de 6 anos a utilização da loja nº 2.092 do “Centro Comercial C...”mediante o pagamento de uma remuneração mensal mínima (642.200$00) e comparticipação para as despesas comuns (128.880$00), que por sua vez cederam a sua posição contratual a M...- S... de R..., I..., E..., Lda.
Esta não pagou as comparticipações mensais e as despesas comuns, assim como não efectuou o reforço da garantia, face ao que a A. resolveu o contrato e reassumiu a loja.

A R. contestou, invocando a ilegitimidade da Autora, que foi julgada improcedente no despacho saneador, e impugnando os factos.
Deduziu, ainda reconvenção, pedindo a condenação da A. a pagar-lhe a quantia de 49.155,78€, acrescida do que se vier a liquidar em execução de sentença referente a lucros cessantes em resultado da privação da exploração do estabelecimento, da cessão de exploração ou da transmissão do mesmo, e, ainda, a devolver a totalidade dos bens que se encontravam no interior da loja ou a correspondente indemnização em numerário, a liquidar em execução de sentença.
Replicou a A. pugnando pela procedência da acção e improcedência da reconvenção.

Foi, no final, proferida sentença que:
a) Julgou a acção procedente, por provada e, consequentemente, condenou a Ré “M...- S... de R..., I..., E..., Lda” a pagar à Autora “S... M... P....- G... de C... C...., S.A.” as seguintes quantias:
- € 4.841,28 (970.589$00), acrescida de juros de mora vencidos e vincendos, contados à taxa anual de 12% até 30.09.2004, à taxa anual de 9,01% desde 01.10.2004 até 31.12.2004 e à taxa anual de 9,09% desde 01.01.2005, ou de outra que entretanto vigorar, devidos desde 06.01.2001 até integral pagamento;
- € 4.481, 28, (970.589$00), acrescida de juros de mora vencidos e vincendos, contados à taxa anual de 12% até 30.09.2004, à taxa anual de 9,01% desde 01.10.2004 até 31.12.2004 e à taxa anual de 9,09% desde 01.01.2005, ou de outra que entretanto vigorar, devidos desde 06.02.2001 até integral pagamento;
-€ 4.481, 29, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos, contados à taxa anual de 12% até 30.09.2004, à taxa anual de 9,01% desde 01.10.2004 até 31.12.2004 e à taxa anual de 9,09% desde 01.01.2005, ou de outra que entretanto vigorar, devidos desde 06.03.2001 até integral pagamento;
- € 264,96, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos, contados à taxa de anual de 12% até 30.09.2004, à taxa anual de 9,01% desde 01.10.2004 até 31.12.2004 e à taxa anual de 9,09% desde 01.01.2005, ou de outra que entretanto vigorar, devidos desde 31.03.2001 até integral pagamento;
- € 4.907,53, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos, contados à taxa de anual de 12% até 30.09.2004, à taxa anual de 9,01% desde 01.10.2004 até 31.12.2004 e à taxa anual de 9,09% desde 01.01.2005, ou de outra que entretanto vigorar, devidos desde 05.04.2001 até integral pagamento;
- € 4.907,53, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos, contados à taxa de anual de 12% até 30.09.2004, à taxa anual de 9,01% desde 01.10.2004 até 31.12.2004 e à taxa anual de 9,09% desde 01.01.2005, ou de outra que entretanto vigorar, devidos desde 06.05.2001 até integral pagamento;
- €93,99, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos, contados à taxa de anual de 12% até 30.09.2004, à taxa anual de 9,01% desde 01.10.2004 até 31.12.2004 e à taxa anual de 9,09% desde 01.01.2005, ou de outra que entretanto vigorar, devidos desde 17.03.2001 até integral pagamento;
- € 73,54, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos, contados à taxa de anual de 12% até 30.09.2004, à taxa anual de 9,01% desde 01.10.2004 até 31.12.2004 e à taxa anual de 9,09% desde 01.01.2005, ou de outra que entretanto vigorar, devidos desde 07.04.2001 até integral pagamento;
-€ 73,54, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos, contados à taxa de anual de 12% até 30.09.2004, à taxa anual de 9,01% desde 01.10.2004 até 31.12.2004 e à taxa anual de 9,09% desde 01.01.2005, ou de outra que entretanto vigorar, devidos desde 05.05.2001 até integral pagamento;
-€ 77,01, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos, contados à taxa de anual de 12% até 30.09.2004, à taxa anual de 9,01% desde 01.10.2004 até 31.12.2004 e à taxa anual de 9,09% desde 01.01.2005, ou de outra que entretanto vigorar, devidos desde 02.06.2001 até integral pagamento;
- € 19,05, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos, contados à taxa de anual de 12% até 30.09.2004, à taxa anual de 9,01% desde 01.10.2004 até 31.12.2004 e à taxa anual de 9,09% desde 01.01.2005, ou de outra que entretanto vigorar, devidos desde 08.08.2001 até integral pagamento.
b) julgou a reconvenção procedente e condenou a Autora S... M... P...- G... de C... C...., SA” a:
- entregar à Ré “M.... J...- S... de R..., I...., E..., Lda” todos os bens constantes do rol de fls. 109-117;
- pagar à “M...- S... de R..., I.... e E..., Lda” uma quantia a liquidar, correspondente aos danos emergentes, a qual não poderá ser superior a € 164.040,05 (32.887.078$00)

Tanto a A., como a R recorreram de apelação, vindo uma e outra a obter parcial provimento, sendo por acórdão da Relação de Lisboa de fls 841 e ss, a A absolvida do pedido reconvencional em que fora condenada e a R igualmente absolvida na parte em que foi condenada a pagar juros de mora vencidos à taxa de 12% sobre as quantias devidas.

Inconformada a R recorreu de revista e apresentou alegações que concluiu nos termos que, por transcrição, se passam a indicar :
“1ª) Ao condenar a R/ Recorrente no pagamento de juros vencidos e vincendos, calculados com base em taxas superiores àquela que tinha sido aduzida pela A, ora Recorrida em sede de causa de pedir , o V . Tribunal “a quo”, acabou por condenar em quantidade superior àquela pedida
2ª ) Pelo exposto, forçoso é concluir que o acórdão recorrido é nulo , ex-vi do aln e) do artº 668º do C:P:C.
3ª ) Pelo que deverá o mesmo ser revogado no segmento que condena a R. (….) a pagar juros de mora às taxas de 12% , 9,01% e 9,09% respectivamente, substituindo-se o mesmo por outro que encere uma condenação não superior a 7%, a título de juros moratórios vencidos e vincendos
4ª ) De jure constituto, a interpretação perfilhada pelo Tribunal da 1ª instância no que concerne ao artº 1º do C.P.C. o qual infelizmente não foi secundada pela V. Relação a quo, não é de maneira alguma fundamentalista .
5ª ) Muito pelo contrário, fundamentalista foi o comportamento adoptado pela A (…) sujeitando a recorrente de forma ligeira a uma acção directa sem estarem preenchidos os mais elementares pressupostos deste instituto jurídico! Fundamentalista é a posição da A que eleva a autonomia privada a e liberdade contratual a verdade absoluta, posição ratificada pela Relação .
Por fim, fundamentalista também foi a imposição da A no sentido de lhe ser entregue uma chave logo no momento da celebração do contrato, o qual consubstancia um contrato por adesão.
6ª) Os pontos 4º e 5º da cláusula 19ª do contrato sub judice constituem direitos na esfera jurídica da A reconduzíveis a autênticos poderes de jus imperii.
7ª) Á luz desta cláusula é ao proprietário ou Gestor do Centro Comercial que cabe decidir unilateralmente quanto à validade e eficácia de uma qualquer resolução contratual, afastando a jurisdição dos tribunais portugueses e de quaisquer outros para dirimir estas questões e constituindo um foro privativo em que o decidente é uma das partes !!!
8ª ) A autonomia privada e a liberdade contratual , os quais foram instrumentalizadas pela A e pelo Prof. Pinto Monteiro para sustentar a validade desta cláusula, são ambas insuficientes e inidóneas para sustentar a validade da dita cláusula do contrato sub jiudice isto, por duas ordens de razões
9ª ) Em primeiro lugar, é de salientar o facto do “ contrato de utilização da loja em centro comercial “ cuja celebração obedeceu à velha máxima (absoluta ) “ cést a pendre ou à laissez “.
10ª ) Pelo que a cláusula 19ª é nula na medida em que a mesma é atentatória dos mais elementares princípios da equidade e da boa fé.Mais. a cláusula (…) é equiparável àquelas elencadas nos artºs 18º e 19º do Regime das Cláusulas Contratuais Gerais .
11ª ) De todo o modo, esta cláusula seria sempre nula porquanto ofende princípios de ordem pública e os bons costumes ( nº2 do artº 280º do C. C.) fundamentando e incentivando o recurso à força e, por essa via , quebrando irremediavelmente a paz social …
12ª ) Em talho de foice, diga-se que uma cláusula inserida num contrato ( seja de adesão ou não) que confira a uma das partes o direito a recorrer à força para efectivar o seu direito estará sempre ferida de nulidade; não releva para o efeito a sua atipicidade .
13ª ) Por outro lado à luz do artº 1º do C.P.C., só é lícito recorrer à força para efectivação de direitos próprios à luz de uma previsão legal expressa e dentro dos limites da mesma . É indubitável que esta norma tem natureza imperativa.
14ª À luz do artº 294ºdo C. C. , inelutável se torna concluir pela nulidade da cláusula 19ª do contrato sub judice com base na violação da norma imperativa do artº 1º da C:P.C.
15ª ) Por fim, há que aquilatar da eventual ilicitude do comportamento da A (….) ao abrigo do instituto jurídico da acção directa prevista no artº 338º do CCibvil
16ª ) De acordo com o Acórdão do S.T. J. de 18/05/1988, impendia sobre a A alegar e provar factos idóneos susceptíveis de preencher a hipótese afirmativa do art. supra citado.
17ª ) Sucede que a A, ora recorrente não alegou, nem tão pouco provou nenhum facto conducente a demonstrar que ; a) encontrava.–se impossibilitada de recorrer em tempo útil aos meios coercivos judiciais ou policiais ; b) a acção directa era indispensável para evitar a inutilização prática do direito ; c) a mesma não excedeu o que foi necessário para evitar o prejuízo.
18ª ) Perante esta realidade tão cristalina, verifica-se que não estavam preenchidos determinados pressupostos impostergáveis para considerar o comportamento da A lícito à luz do regime da acção directa.
19ª ) Face ao exposto, o acordão recorrido violou ou interpretou erroneamente os artºs 668º nº1 aln e) do CPC, 1º da mesma codificação , 15º, 18º e 19º do Regime das Cláusulas Contratuais Gerais, nº2 do artº 280º, e 294º , 336º e 405º,nº1 do CCivil “


A A contra alegou , sustentando o inteiro acerto do acórdão.

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Colhidos os vistos, cumpre decidir.
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O âmbito do recurso é definido pelas conclusões do Recorrente (art. 684, nº3 e 690, nº1 e 3 do CPC), importando decidir as questões nela colocadas e as que forem do conhecimento oficioso, exceptuadas aquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras- art. 660, nº2, do CPCivil.
Questões que se resumem à nulidade do acórdão, por excesso de condenação, no que respeita aos juros e à nulidade da cláusula 19ª, do contrato em foco nos autos, nos pontos em que permitia ao gestor do centro, resolvido o contrato obter a imediata restituição da loja, dela despossando o seu utilizador e bem assim da ilicitude do comportamento assumido ao abrigo da mesma, enquanto causa dos danos objecto do desatendido pedido reconvencional.

Começar-se-á por resolver, sem necessidade de elencarmos, já, a matéria assente e provada, a questão invocada pela R da indevida condenação em juros sobre as quantias em dívida, superiores a 7% ao ano.
Se bem entendemos da leitura da p. i., a A pede, a final, a condenação da R a pagar-lhe juros de mora vencidos à taxa de 7% sobre as quantias em dívida da remuneração mensal de utilização da loja e outras despesas a que se obrigou a suportar no contrato com ela firmado e vencidos até 30/01/2001 e os juros vincendos à taxa legal aplicável às obrigações comerciais até efectivo pagamento.
Porém na sentença da 1ª instância, a R foi condenada a pagar tais juros vencidos e vincendos às diversas e sucessivas taxas em vigor para as obrigações comerciais e que superavam a apontada de 7%
No acórdão, entendeu-se que a sentença fora para além do pedido no que respeita aos juros vencidos, visto que a A os contabilizara à taxa de 7% , pelo que revogou nessa parte a decisão, condenando a R a pagar apenas os juros vencidos à taxa de 7% e até 31/01/2001 e os demais às taxas legais determinadas para as obrigações comerciais.
Pretende a R no seu recurso padecer o mesmo de nulidade, nos termos do artº 668ºnº1 aln e) do C.P.C. ( excesso de condenação) no segmento em que aplicou taxas para os juros vincendos superiores à referida de 7%.
Tal não é exacto.
Com efeito e se bem que tenha limitado para a contabilização dos juros vencidos da dívida até à data que indicou, uma taxa de 7%, a A para os demais, remeteu para as taxas legais em vigor, sem as especificar no âmbito das obrigações comerciais, pelo que a aplicação destas pelo acórdão não envolveu excesso algum de pronuncia, havendo, por lapso manifesto sido contabilizados os vencidos até 31/01/2001, quando a data indicada na petição era de 30/01/2001.
Deste modo, improcede o recurso nesta parte.
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Porque a outra questão colocada remete para a alegada nulidade de um cláusula do contrato celebrado entre as partes, não considerada no acórdão e que deu azo à total improcedência do pedido reconvencional, vejamos, então e antes de mais, qual a matéria assente e provada:

1 -A A. “C...- G... de C... C..., SA” dedica-se à exploração, administração e gestão de centros comerciais, lojas e espaços (alínea A) dos Factos Assentes)
2 -Com data de 11.10.1996, a “E... I... C..., SA” AA e BB subscreveram o acordo constante do instrumento de fls. 27-56 denominado “contrato de utilização de loja em centro comercial”, cujo teor aqui se tem por integralmente reproduzido, do qual consta, além do mais, o seguinte:
“Entre:
1º E... I... C..., SA (…) adiante abreviadamente designada por C... ou por Primeira Contrante,
2º AA (…) e BB(…) como segundos contraentes.
(…)
Considerando que:
A) A C... está a promover, em Lisboa, no gaveto da Av. ... com a Av. do ...., a construção de um complexo multiserviços de grande importância económica e prestígio, denominado Centro C..., com uma área bruta de construção superior a 350.000m2, constituindo na sua primeira fase, por três pisos acima do solo destinados a um centro comercial e a escritórios (que ocuparão, nesta primeira fase, cerca de 7.000m2, podendo no futuro ser ampliados e vir a ocupar uma área de cerca de 53.000 m2), servidos por um parque de estacionamento subterrâneo em três pisos com uma capacidade para cerca de 6.400 veículos;
B) O Centro C...l, aqui referido como Centro C..., S... C... ou Centro C... C..., é um estabelecimento comercial, com uma área aproximada de 144.000m2, integrado por lojas e espaços destinados ao exercício de actividades comerciais a retalho e prestação de serviços, distribuídos de acordo com uma planificação técnica e espaços comuns de circulação e lazer, com todas as infraestruturas de apoio, nomeadamente, serviços de limpeza, manutenção, segurança e promoção, com o objectivo de assegurar a exploração integrada de diversas actividades comerciais de retalho e de prestação de serviços em lojas e espaços, de harmonia com uma gestão centralizada;
C) A Primeira Contraente usufrui de apurados estudos técnicos que envolveram a procura de locais, escolha, pesquisa de mercado, estudos de viabilidade económica, projectos e estudos de “tenant mix”, com vista à concepção, implantação e implementação do referido Centro C...;
D) As actividades e os estudos referidos na alínea C) importaram em despesas e custos avultados;
E) Os referidos estudos possibilitaram a criação de uma estrutura adequada ao funcionamento do Centro C.... C....;
F) Essa estrutura, conseguida mercê dos elementos coligidos pelos meios e processos acima indicados, é um factor decisivo na valorização do Centro C.... C...., e de toda e cada uma das l.ojas e espaços nele integrados, no âmbito do respectivo mercado;
G) A Primeira Contraente exercerá por si, ou contratará com uma empresa a realização dessa tarefa, o direito e o dever de explorar sob a forma de comércio integrado, o referido Centro C..., com excepção de determinadas áreas, mas integrando a faculdade de aparcamento no estacionamento que integra o empreendimento e de explorar em proveito próprio áreas comuns do Centro C..., inclusive as de circulação.
H) A Primeira Contraente, exercerá por si, ou contratará com uma empresa a realização dessa tarefa, a qual será designada por gestora, o direito e o dever de gerir o Centro C..., incluindo-se a gestão, a organização e administração do seu funcionamento e utilização pelos lojistas nele instalados, e de um modo geral a promoção organização, administração, direcção e fiscalização do funcionamento e utilização do Centro C... C... .
(…)
J ) Para simplificação e harmonização dos direitos e obrigações dos lojistas, enquanto utilizadores, a qualquer título, das lojas ou de quaisquer outros espaços ou dependências que integrem o Centro C..., bem como para permitir o seu bom e normal funcionamento, indispensável ao seu sucesso e, assim, também, ao interesse de todos os lojistas e utilizadores do Centro C... C..., e ainda para viabilizar aquela administração, a Primeira Contraente aprovou um Regulamento de Funcionamento e Utilização do Centro Comercial, a seguir abreviadamente designado por Regulamento, cujo texto a gestora se vinculará a respeitar e a fazer respeitar por todos os lojistas (Anexo I).
L) O Centro C.... deve funcionar como um todo harmónico, subordinado a normas técnicas de manutenção e melhoramento da sua qualidade e operacionalidade, e sujeito a um acompanhamento constante por parte do seu responsável, a Primeira Contraente ou a gestora, para o que é indispensável a prestação dos serviços a efectuar por esta e descritos no presente contrato e no Regulamento, sendo essas prestações indissociáveis da utilização a qualquer título das lojas e espaços pelos lojistas.
(…)
O) Os Segundos Contraentes são pessoas idóneas e com capacidade para serem admitidos como utilizadores de uma loja integrante do Centro C... C..., mantendo e respeitando os elevados padrões que presidem ao funcionamento e exploração deste Centro C...;
P) Os segundos Contraentes propõem-se a exercer no Centro C... C... a actividade C... de “venda ao público de comida japonesa”, de acordo com os condicionamentos inerentes e características do comércio integrado, em particular dos expressos no presente contrato e no Regulamento, usufruindo dos respectivos benefícios e sujeitando-se às correspondentes obrigações;
Q) Os contraentes reconhecem que a especificidade inerente à exploração, gestão, funcionamento e utilização do Centro C... e das lojas e espaços que o integram, designadamente as decorrentes das características próprias do comércio integrado que se desenvolve no Centro C..., e que a integral satisfação dos diversos interesses que se conjugam, estão presentes e são determinantes da vontade de contratar; não se compadecem com a disciplina própria dos contratos tipificados na lei portuguesa e só podem ser prosseguidos no âmbito das cláusulas que por comum acordo aqui se estabelecem, como manifestação pura da real vontade dos contraentes, e que dão corpo a um contrato, por natureza e essência, atípico.
É, livremente e de boa fé, celebrado o presente contrato nos termos das cláusulas seguintes:

(Indissociabilidade das prestações)
As prestações fixadas no presente contrato, independentemente da sua natureza, são indissociáveis.

(Prestações da Primeira Contraente)
A Primeira Contraente confere, nos termos do presente contrato e Regulamento de Funcionamento e Utilização do Centro Centro Coomercial que constitui o Anexo I ao presente contrato, aos Segundos Contraentes, que nos mesmos termos o aceita, os seguintes direitos:
1. O direito à utilização da loja nº 2.092 (…), daqui em diante abreviadamente referida por Loja, com a área de cerca de 67,6m2 (…), sita no piso 2 (dois) do Centro C... C.... (…);
2. Os direitos de:
a) acesso, para os fins apropriados, às áreas de uso comum, designadamente aos corredores, ou “mall”, aos corredores de serviço, às instalações sanitárias e ao cais de carga e descarga de mercadorias, bem como ao estacionamento, nas condições de operação que, em cada momento, estiverem em vigor;
b) beneficiar dos diversos serviços e estrutura de apoio ao Centro C..., nomeadamente serviços de limpeza, manutenção e conservação das partes e equipamentos de uso comum do Centro C..., segurança e promoção do mesmo;
c) beneficiar, em especial, do funcionamento de energia eléctrica e de água potável;
d) usar, em conjunto com as da sua loja, a denominação e insígnia do próprio Centro C... .

(Exercício do direito de utilização)
1. A Loja assumirá a denominação comercial (nome do estabelecimento) de “T...”, obrigando-se os Segundos Contraentes a não modificar sem o prévio consentimento, dado por escrito da Primeira Contraente.
2. A Loja apenas poderá ser utilizada para o exercício da actividade comercial de “venda ao público de comida japonesa”, obrigando-se os Segundos Contraentes a exercer essa actividade de forma continuada a ininterrupta durante todo o período de abertura ao público do Centro C..., nos termos do Regulamento.
3. Se violando a obrigação referida no número anterior de exercício da sua actividade por forma continuada e ininterrupta, os Segundos Contraentes mantiveram a sua loja encerrada por um período contínuo superior a 30 (trinta) dias, ou por mais de 60 (sessenta) dias intercalados, a Primeira Contraente tem o direito de resolver o presente contrato pelo processo acordado no cláusula 19ª
4. O direito de utilização da Loja tem início na data da inauguração do Centro Comercial e termo 6 (seis) anos após aquela data, não assistindo, em caso algum e a qualquer das partes, o direito de denúncia, que o presente contrato não admite, por ser celebrado por prazo certo, de período único e sem renovações.
5. Os Segundos Contraentes obrigam-se a promover e a assegurar o funcionamento da Loja segundo as boas regras do comércio de acordo com os condicionamentos inerentes e característicos do comércio integrado, em particular dos expressos no presente contrato e no Regulamento, e mantendo os mais elevados padrões de qualidade.
6. Os Segundos Contraentes, na exploração da Loja, na utilização das zonas comuns do Centro C... e em todos os aspectos relacionados com a Loja e o Centro C... obrigam-se, por si, pelos seus empregados e pelos utentes da sua Loja, a cumprir integralmente o disposto no presente contrato e no Regulamento.

(Caducidade do contrato)
1. O presente contrato caducará, impreterivelmente, decorridos 6 (seis) anos da data de inauguração do Centro C...:
2. Sem prejuízo do disposto no número anterior, a Primeira e os Segundos Contraentes podem, até ao termo do prazo de duração do contrato, dirigir-se reciprocamente propostas de celebração de novo contrato que tenha por objecto a utilização da mesma loja.

(Remuneração)
1.Os Segundos Contraentes pagarão à Primeira Contraente, ou a quem esta em qualquer momento lhe indicar, pela utilização da loja nos termos do presente contrato, uma retribuição periódica mensal resultante da soma de duas parcelas designadas, respectivamente, por remuneração mínima e por remuneração percentual, calculada nos seguintes termos:
a) A primeira parcela- remuneração mínima – é pré-determinada, sendo o seu valor mensal de Esc. 642.200$00 (…);
b) A segunda parcela- remuneração percentual- calcular-se-á mensalmente pela aplicação da percentagem de 8% (…) ao valor da facturação bruta da Loja, considerando como tal o valor das vendas sem IVA, desse mês, e o seu montante será equivalente ao resultado da diferença positiva entre o montante encontrado pela aplicação daquela percentagem e o valora da remuneração mínima devida com referência àquele mês.
2.Os Segundos Contraentes pagarão a remuneração mínima até ao dia 5 do mês imediatamente anterior àquele a que disser respeito, mediante transferência bancária para a conta indicada pela Primeira Contraente, para o que emitirá, até à entrega da Loja, ordem de transferência permanente (…).
a. A primeira remuneração mínima, assim como a seguinte, serão devidas na data de inauguração do Centro C... C... e serão referentes ao mês então em curso e ao mês imediatamente seguinte.
(…)
A remuneração mínima será objecto de actualização anual, calculada por referência à inflação, adoptando-se para esse efeito o índice de preços no consumidor, sem habitação, do continente, publicado pelo INE (Instituto Nacional de Estatística), ou outro que venha a substituí-lo, de acordo com a seguinte fórmula:
IPC n-2
IPC n-14
Em que:
IPC n-2 é o índice de preços no consumidor, sem habitação, do continente publicado pelo INE, referente ao segundo mês anterior àquele em que verifica a actualização da remuneração mínima,
IPC n-14 é o índice de preços no consumidor, sem habitação, do continente publicado pelo INE, referente ao décimo quarto mês anterior àquele em que se verifica a actualização da remuneração mínima.
(…)
2.3. A primeira actualização terá lugar um ano após a data de início do direito de utilização, e incidirá sobre a remuneração mínima mensal sem qualquer desconto, i.e., no primeiro ano, sobre Esc. 642.200$00(…), sendo os novos valores das remunerações mínimas resultantes das sucessivas actualizações devidos desde a sua comunicação pela Primeira Contraente aos Segundos Contraentes, a qual será feita com a antecedência mínima de 30 (trinta) dias.
3. A remuneração percentual, como resulta da alínea b) do nº1 apenas será considerada, e devida, se e na medida em que o valor encontrado mediante a aplicação do percentual estipulado ao valor da facturação bruta do mês considerado, exceder o valor da remuneração mínima devida em referência àquele mês.
3.1 A remuneração percentual deverá ser paga na sede da Primeira Contraente ou no lugar que por esta venha a ser indicado para esse efeito, até ao dia 15 mês imediato àquele a que disser respeito e no valor, calculado pela Primeira Contraente, de que esta dará prévio conhecimento aos Segundos Contraentes.
4. Pelos serviços especificamente mencionados na alínea c) do nº2 da cláusula 2ª, os Segundos Contraentes pagarão à Primeira Contraente a quantia correspondente à aplicação das tarifas que forem fixadas por esta ou pela entidade que prestar o respectivo serviço, sobre os consumos mensalmente por si efectuados e registados nos contadores referentes à Loja.
4.1 As tarifas e as condições para o fornecimento de energia eléctrica e de água potável serão idênticas às praticadas pelas respectivas empresas distribuidoras na área de Lisboa.
4.2 Os pagamentos devidos pelos Segundos Contraentes nos termos o número 4. deverão ser efectuados até ao dia 5 do mês seguinte àquele a que disserem respeito e no valor, calculado pela Primeira Contraente, de que esta lhe dará prévio conhecimento.
(…)

(Apuramento da remuneração percentual)
1. Para efeitos do nº 1, alínea b) e do nº3 da cláusula anterior, entende-se por valor das vendas o valor de todas as vendas de artigos, produtos ou serviços, locações de equipamento, artigos ou produtos, e bem assim quaisquer outras receitas que por qualquer forma tenham origem na Loja, incluindo as vendas efectuadas através de agentes, concessionários ou representantes e as vendas externas conseguidas através de visita a clientes, qualquer que seja o domicílio destes últimos.
2. Os Segundos Contraentes obrigam-se a preencher e a entregar diariamente à Primeira Contraente os formulários e relatórios padronizados, por esta elaborados, nos quais fará constar todos os dados referentes ao valor global fa facturação da sua loja correspondente ao dia imediatamente anterior.
3. Para permitir o apuramento e fixação do valor devido a título de remuneração percentual, os Segundos Contraentes obrigam-se a preparar e a manter na Loja ou na sua sede, todos os registos e livros onde conste a sua contabilidade, balanços, stocks e inventários, vendas e impostos.
4. Os Segundos Contraentes obrigam-se igualmente a permitir a adequada fiscalização, do valor das vendas por si efectuadas, pela Primeira Contraente, e consequentemente a permitir a esta que , por si ou através de pessoa por si indicada e no seu interesse, desenvolva, nomeadamente, as seguintes acções:
c) de fiscalização e verificação, a todo o tempo e em qualquer local em que se encontrem, de todos os elementos, registos e/ou livros de escrita comercial e fiscal susceptíveis de, directa ou indirectamente, lhe permitir averiguar a exactidão dos valores apresentados pelos Segundos Contraentes como correspondentes ao valor das vendas;
d) manter no interior da Loja, nos locais que a Primeira Contraente entender por convenientes, e designadamente junto à caixa registadora ou em qualquer outro local onde sejam preenchidos documentos de venda ou outros equivalentes, representantes seus, com a incumbência de anotar todos os registos de caixa e demais elementos que entender necessários.
(…)
5. A Primeira Contraente compromete-se a guardar total sigilo sobre a informação que lhe for comunicada pelos Segundos Contraentes, ou que recolher directamente nos termos previstos nesta cláusula, não a utilizando ou divulgando para qualquer outro fim que não seja o que justificou o seu direito de acesso a essa informação, sem prejuízo da divulgação que se mostre necessária em eventual acção judicial que tenha por fundamento o presente contrato ou por força do cumprimento de obrigação legal e, bem assim, quando, para o efeito, for intimada por autoridade pública.

( Encargos comuns)
1. Os Segundos Contraentes obrigam-se a comparticipar nas despesas e encargos com o funcionamento e utilização do Centro C... e com a promoção deste, conforme previsto no Regulamento, mediante o pagamento mensal à Primeira Contraente, ou a quem esta indicar, das seguintes quantias:
a) A quantia correspondente a 0,10% (…) do valor das despesas e encargos com o funcionamento e utilização do Centro Comercial;
b) A quantia correspondente a 0,13%(…) do valor das despesas e encargos com a promoção do Centro Comercial.
1.1 Para o primeiro ano prevê-se que a soma das comparticipações a que se referem as alíneas a) e b) supra corresponda a um valor de Esc. 128.880$00 (…) por mês.
2. As obrigações de pagamento fixadas no número anterior vencem-se e devem ser satisfeitas pelos Segundos Contraentes até ao dia 5 do mês anterior àquele a que disserem respeito, mediante transferência bancária para a conta indicada pela Primeira Contraente, para o que aquela emitirá, até à entrega da Loja, ordem de transferência permanente(…).

(Entrega Provisória da Loja)
1. Até 6 (…) meses antes da data prevista para a inauguração do Centro C... C..., a Primeira Contraente fornecerá aos Segundos cópia dos elementos do projecto de arquitectura e de instalações especiais do S... C... na parte relevante para a Loja e as especificações técnicas do projecto necessárias para os Segundos Contraentes elaborarem os projectos da Loja.
(…)
6. Aprovados os projectos, os Segundos Contraentes obrigam-se a proceder aos trabalhos de montagem, acabamento e decoração da Loja, e a concluir estes até ao dia da inauguração do S... C... .
7. Para efeitos de montagem da loja, a Loja será entregue aos Segundos Contraentes, a título precário, em “tosco”, sem nenhum acabamento, montra ou equipamento, salvo o que consta do Manual de Instalação das Lojas que constitui o Anexo V ao presente contrato.
(…)
12. Se, porém, o atraso na abertura da Loja se prolongar por período superior a 60 (…) dias a Primeira Contraente tem direito à resolução do presente contrato nos termos previstos na cláusula 19ª, sem prejuízo de se manter o seu direito de exigir o pagamento de todas as quantias devidas nos termos das citadas cláusulas 5ª e 7ª e nos termos do número anterior, por todo o tempo decorrido até à data em que devam operar-se os efeitos da rescisão, bem como o direito de exigir dos Segundos Contraentes uma indemnização pelos danos excedentes que lhe tenha causado o incumprimento destes.
13. Verificando-se a rescisão do contrato pela Primeira Contraente nos termos do nº10 ou do nº 12, os Segundos Contraentes não tem direito à devolução de quaisquer quantias já pagas àquela, nem ao levantamento das obras realizadas na Loja, ou a qualquer indemnização nelas fundada.
(…)
10ª
( Obras e Benfeitorias )
1. Todas as obras que forem realizadas pelos Segundos Contraentes na Loja, bem como todas as benfeitorias que nela forem introduzidas, quer as previstas na cláusula 8ª, quer posteriormente, incluindo a instalação de equipamentos, ficarão a fazer parte integrante da Loja, não conferindo a esta o direito a qualquer indemnização, nem podendo os Segundos Outorgantes alegar o direito de retenção em relação às mesmas benfeitorias.
(…)
14ª
( Natureza intuitu personae do contrato)
1. O presente contrato é celebrado, pela Primeira Contraente com os Segundos Contraentes, intuitu personae, nomeadamente tendo em conta o perfil, qualidade e garantias por esta oferecidas.
2. Os Segundos Contraentes não pode, salvo consentimento prévio e por escrito da Primeira Contraente:
a) Ceder a sua posição no presente contrato;
b) Permitir a outrem o uso, total ou parcial da Loja, a qualquer título e para qualquer finalidade ;
c) Ceder, qualquer dos elementos integrantes ou na sua totalidade, e temporária ou definitivamente, o estabelecimento instalado na loja nos termos do presente contrato.
3. Caso os Segundos Contraentes venham a constituir uma sociedade comercial para a exploração da loja objecto do presente contrato, de acordo com a cláusula 23ª infra, os mesmos obrigam-se a não transmitir as respectivas participações sociais, bem como a não consentir a entrada de novos sócios, sem previamente comunicar esse facto à Primeira Contraente, e a obter o consentimento prévio e por escrito desta sempre que das referidas alterações resulte que a maioria do capital social (51%) deixará de ser detido pelos actuais sócios ou que o actual sócio maioritário perca essa qualidade.
15ª
(Direito de preferência)
2. A Primeira Contraente tem direito de preferência na eventual celebração pelos Segundos Contraentes de quaisquer actos ou contratos cuja finalidade enquadre o previsto nas alíneas a) e c) do nº2 da cláusula anterior.
3. Se a Primeira Contraente optar por exercer o seu direito de preferência fá-lo-á em igualdade de condições com o terceiro indicado como interessado adquirente, com excepção das relativas ao montante equivalente a 3 vezes o valor da remuneração mínima.
(…)
18ª
( Sanções pecuniárias)
1. Sem prejuízo da responsabilidade dos Segundos Contraentes de repor a situação violada, a comissão por estes de qualquer das infracções contratuais especialmente previstas nas alíneas seguintes, confere à Primeira Contraente o direito de exigir o pagamento, a título de sanção pecuniária, das quantias calculadas com base na remuneração mínima, sem desconto, indicadas nas mesmas alíneas por meio de um número que constitui o factor de multiplicação aplicável ao valor da remuneração mínima mensal:
a) Exercício, na Loja, de actividade não autorizada pelo presente contrato-3 (três)
b) Alteração não consentida da denominação da Loja- 1,5(um virgula cinco)
c) 1. Encerramento da Loja durante o período diário de abertura do Centro Comercial -1/30 (um trinta avos) por cada hora ou fracção que a loja se tenha mantido encerrada.
2. Encerramento da Loja por mais de 5 (cinco) dias seguidos, ou por mais de 10 (dez) interpolados no mesmo mês- 2/30 (dois trinta avos) por cada hora ou fracção que a Loja se tenha mantido encerrada.
d) Falta de entrega dos documentos e elementos necessários ao apuramento do valor da remuneração percentual, bem como a entrega de declarações verdadeiras, e/ou impedimento ou entrave ao processo de apuramento e fiscalização dos mesmos- 3(três);
e) Não pagamento pontual da remuneração mínima – 2 (dois).
f) Não pagamento pontual da remuneração percentual – 2 (dois).
g) Não pagamento pontual da remuneração devida nos termos do nº4 da cláusula 5ª - 1/60 (um sessenta avos) por cada dia de atraso;
h) Não pagamento pontual da sua comparticipação nas despesas comuns- 2 (dois)
i) Não pagamento pontual da sua comparticipação nas despesas com a promoção do Centro Comercial – 2 (dois)
j) Não realização de obras de conservação da Loja e seus pertences- 2 (dois);
l) Impedimento à inspecção da Loja e respectivos equipamentos, bem como obstrução à realização de obras na mesma – 3 (três);
m) Execução de obras não autorizadas – 4 (quatro);
n) Falta dos seguros, obrigatórios nos termos deste contrato- 4 (quatro);
o) Permissão da utilização da Loja, a qualquer título, por terceiros, ou transmissão de participações sociais e/ou admissão de novos sócios não consentida quando o deva ser – 12 (doze);
p) Não reforço ou manutenção da garantia bancária – 2/30 (dois trinta avos) por cada dia de atraso.
(…)
19
(Direito de resolução)
1. Sem prejuízo do disposto na cláusula anterior, nas demais cláusulas do presente contrato e no Regulamento, a Primeira Contraente tem o direito de resolver o presente contrato em caso de incumprimento pelos Segundos Contraentes dos deveres e obrigações que lhes são cometidos pelo presente contrato e pelo Regulamento.
(…)
3. Se a Primeira Contraente pretender exercer o seu direito de resolução comunicará essa sua intenção aos segundos contraentes fixando-lhes um prazo, não inferior a 8 (…) dias nem superior a 30 (…) dias, para, sem prejuízo da sua responsabilidade pela eventual mora no cumprimento, oferecerem este, sob pena de, esgotado o prazo fixado, se haver o incumprimento por definitivo e a resolução do contrato produzir os seus efeitos, sem necessidade de quaisquer outras formalidades, no primeiro dia seguinte ao termo daquele prazo.
4. Resolvido o contrato nos termos previstos no número anterior, a Primeira Contraente tem o direito de utilizar a chave, em seu poder, da porta exterior da Loja, para reassumir a detenção da loja, ou de, não tendo aquela chave sido entregue, usar os meios que se mostrem necessários e adequados para reassumir a detenção da mesma loja.
5. A não aceitação pelos Segundos Contraentes do fundamento invocado pela Primeira Contraente para o exercício do direito de resolução apenas confere àqueles o direito de accionar judicialmente a Primeira Contraente, não podendo opor-se à produção dos efeitos próprios da resolução operada que se haverá por válida e eficaz e, designadamente, não podendo impedir ou dificultar os actos que a Primeira Contraente desenvolva como meio de reassumir a detenção da Loja ou, posteriormente, no âmbito do exercício dos seus direitos de propriedade.
6. Se, à data em que a Primeira Contraente reassumir a detenção da Loja, existirem nesta loja mercadorias, móveis, máquinas ou quaisquer outros produtos ou equipamentos que os Segundos Contraentes tenham direito de levantar, a Primeira Contraente fica, pelo prazo de 30 dias, investida na posição de sua fiel depositária, devendo proceder ao arrolamento daqueles bens e podendo promover, a expensas dos Segundos Contraentes, a sua transferência para outro local.
7. No prazo de trinta dias referido no número anterior os Segundos Contraentes, mediante o pagamento das despesas e encargos em que a primeira Contraente haja incorrido enquanto fiel depositária, designadamente com a remoção dos bens para outro local e com a armazenagem destes, proceder ao seu levantamento.
8.Esgotado o prazo de 30 dias, referido no nº5, sem que os Segundos Contraentes procedam ao levantamento dos seus bens nos termos do número anterior, cessa a responsabilidade da Primeira Contraente relativa aos mesmos bens não lhe sendo exigível a sua guarda ou cumprimento de quaisquer obrigações que são por lei cometidas ao depositário.
20ª
( Reserva de ingresso)
1-A Primeira Contraente faculta aos Segundos Contraentes o acesso a todos os benefícios decorrentes dos estudos referidos nos considerandos G) a J) do preâmbulo do presente contrato, bem como lhe garante a reserva da localização da Loja.
2-Os Segundos Contraentes obrigam-se a pagar à Primeira Contraente, a título de remuneração pelo acesso à estrutura técnica adequada ao funcionamento do Centro C... desenvolvida por esta, e pela reserva de localização da Loja, a quantia de Esc. 8.524.140$00(…)
1- A quantia referida no número anterior será paga da seguinte forma:
a)- Esc. 2.613.520$00 (…) foram pagos pelos Segundos Contraentes na data da aprovação da sua proposta de ingresso;
b)- Esc. 1.676.501$00 (…) a pagar em 30 (…) de Outubro de 1966;
c)-Esc. 2.177.050$00 (…) a pagar em 30 (…) de Janeiro de 1997;
d)- Esc. 2.177.069$00 (…) a pagar em 30 (…) de Abril de 1997.
4. Aos valores mencionados no número anterior acresce o IVA à taxa em vigor em cada momento.
5. As prestações mencionadas nas alíneas a) a d) do nº3 estão tituladas por 3(três) cheques do correspondente valor, entregues nesta data pelos Segundos Contraentes à Primeira.
6. Se os Segundos Contraentes não pagarem pontualmente e integralmente a quantia referida no nº2 anterior constituem-se na obrigação de pagar à Primeira Contraente, a título de sanção pecuniária e por cada dia de atraso, o montante equivalente a 1/100 (…) da quantia em dívida.
(…)
8. O pagamento pontual e integral referido no nº2 confere aos Segundos Contraentes, na eventualidade de vir a celebrar novo contrato com a Primeira Contraente que tenha por objecto a utilização da mesma loja, o direito de não pagar o valor do acesso, que lhe seja conferido pelo novo contrato, aos benefícios decorrentes dos estudos referidos no nº1.
(…)
23ª
(Constituição de sociedade )
A Primeira Contraente autoriza, desde já, os Segundos Contraentes a cederem a sua posição contratual a uma sociedade que venham a constituir entre si para a exploração da actividade comercial exercida na loja objecto do presente contrato, desde que seja constituída no prazo máximo de seis meses, comprometendo-se ainda a Primeira Contraente a aceitar a referida cessão a partir do momento em que lhe seja dado conhecimento do facto, por escrito, bem como cópia da respectiva escritura.
(…)
27ª
( Direitos e obrigações da Colombo)
1. Os direitos e obrigações assumidos que pelo presente contrato são, respectivamente, conferidos ou assumidos pela Primeira Contraente, podem ser exercidos e cumpridos, indiferenciadamente, por esta ou pela gestora.
2. A Primeira Contraente, tem o direito de por qualquer título ou negócio transmitir ou ceder, parcial ou totalmente, a sua posição no presente contrato, ou os direitos e/ou obrigações do mesmo para ela decorrentes, independentemente do conhecimento prévio e do consentimento dos Segundos, desde que o faça a favor das pessoas com quem tenha celebrado contratos de exploração e/ou gestão do Centro C..., de bancos, fundos de investimento ou de pensões ou de quaisquer outras pessoas que, de igual modo, tenham um interesse relevante no empreendimento, direito que se transmite para os adquirentes nos mesmos termos e condições” (alínea B) dos Factos Assentes).
3. Com data de 10.04.1996, a “E... I... C..., SA” enviou para a Ré “M....- S... de R..., I... e E..., Lda”, a comunicação constante do instrumento de fls. 88, cujo teor se tem por integralmente reproduzido, do qual consta, além do mais, o seguinte:
“ Na sequência da entrega por V. Exas da escritura de constituição dessa sociedade e encontrando-se preenchida a previsão constante da cláusula 23ª do contrato de utilização identificado em epígrafe, informamos que, a partir da presente data, consideramos que essa sociedade assume a posição contratual dos Segundos Contraentes no que respeita ao direito de utilização da loja nº 2.092 do Centro C...” (alínea C) dos Factos Assentes).
4. Com data de 30.01.1998, a Autora remeteu à Ré a comunicação constante do instrumento de fls. 89, cujo teor aqui se tem por integralmente reproduzido, do qual consta, além do mais, o seguinte:
“ Nos termos do contrato celebrado pela E... I... C..., SA, com os sócios dessa sociedade AA e BB, em 11 de Outubro de 1996, contrato que aquela transmitiu para a Colombogest e que estes transmitiram para essa sociedade, a abertura da loja T... deveria ter lugar na data da inauguração do Centro C... .
(…)
Acresce que V.Exas jamais satisfizeram o pagamento da remuneração mensal e da V/comparticipação para as despesas e encargos comuns com o funcionamento, utilização e promoção do Centro C...., encontrando-se em dívida, na presente data, o montante de 3.722.136$00.
Não podendo admitir-se, em atenção aos interesses do Centro C... no seu todo, que a loja convosco contratada se mantenha encerrada, nem se justificando que V. Exas não venham satisfazendo as obrigações de natureza pecuniária que assumiram, vimos fixar-vos um prazo final para abrirem a loja e pagarem quaisquer montantes em dívida a essa data, sob pena de considerarmos definitivo o incumprimento por vós do contrato e nos termos nele previstos declararmos a sua resolução e reassumirmos a detenção da loja.
Esta declaração será efectuada se até 15 de Fevereiro próximo não procederem como acima indicado.” (alínea D) dos Factos Assentes).
5. A Ré abriu a loja nº 2.092, em meados de 1998, quando o devia ter feito em 16.09.1997, não apresentava as declarações diárias de vendas, atrasava-se sistematicamente no pagamento das remunerações mínimas mensais e despesas comuns (alínea E dos Factos Assentes).
6. Quando a dívida da Ré respeitante a remunerações mínimas mensais e despesas comuns ascendia a 4.733.471$00, em 05.05.2000, a Autora executou parcialmente a garantia bancária (alínea F) dos Factos Assentes).
7. De seguida a Autora solicitou à Ré a entrega de nova garantia bancária, ao que esta não acedeu (alínea G) dos Factos Assentes).
8. Com data de 27.04.2001, a Autora remeteu à Ré a comunicação constante do instrumento de fls 105, cujo teor aqui se tem por integralmente reproduzido, do qual consta , além do mais, o seguinte:
“ Decorridos mais de 2 meses sobre a carta que vos dirigimos em 22 de Fevereiro passado, verificamos que se mantêm os incumprimentos contratuais que foram elencados na carta supra referida, ie, não entregaram V.Exas à C... uma garantia bancária emitida nos termos da minuta que constitui o anexo VI ao contrato de utilização de loja em centro comercial, bem como não procederam à liquidação da dívida que têm para com esta, a qual na presente data ascende a Esc. 3.892.404$00(…).
Face ao exposto, e concretizando os propósitos que fixámos na nossa carta de Fevereiro passado, vimos fixar um prazo final de 8 (oito) dias para regularizarem as situações acima descritas, sob pena de termos por definitivo o incumprimento das obrigações assumidas por V.Exa e de consequentemente declararmos a resolução do contrato convosco celebrado com fundamento no incumprimento das vossas obrigações contratuais, produzindo a resolução os seus efeitos no dia imediato ao termo deste prazo e exercermos o direito de reassumir a detenção da loja” (alínea H) dos Factos Assentes).
9. No dia 15.05.2001, a Autora reassumiu a detenção da loja da Ré, tendo procedido a inventário dos bens nela existentes conforme rol de fls.109-117 e mediante comunicação constante do instrumento de fls.106, informou a Ré para em 30 dias proceder ao levantamento dos bens constantes do inventário (alínea I dos Factos Assentes).
10. A Ré não procedeu a pagamento no valor global de 5.000.278$00, assim discriminados:
- 970.589$00 referente à remuneração mínima mensal e às despesas comuns do mês de Fevereiro de 2001, com vencimento em 06.01.2001;
- 970.589$00 referente à remuneração mínima mensal e às despesas comuns do mês de Março de 2001, com vencimento em 06.02.2001;
- € 4.841,29 referente à remuneração mínima mensal e às despesas comuns do mês de Abril de 2001, com vencimento em 06.03.2001;
- € 264,96€ referente a acertos das despesas comuns de Janeiro de 2001, com vencimento em 31.03.2001;
- € 4.907,53 referente à remuneração mínima mensal e às despesas comuns do mês de Maio de 2001, com vencimento em 05.04.2001;
- € 4.907,53 referente à remuneração mínima mensal e às despesas comuns do mês de Junho de 2001, com vencimento em 06.05.2001;
-€ 93,99 referente aos consumos de água potável da loja nº 2.092 no mês de Janeiro de 2001, com vencimento em 17.03.2001;
- € 73,54 referente aos consumos de água potável da loja nº 2.092 no mês de Fevereiro de 2001, com vencimento em 07.04.2001;
-€ 73,54 referente aos consumos de água potável da loja nº 2.092 no mês de Março de 2001, com vencimento em 05.05.2001;
-€ 77,01 referente aos consumos de água potável da loja nº 2.092 no mês de Abril de 2001, com vencimento em 02.06.2001;
-€ 19,05 referente aos consumos de água potável da loja nº 2.092 no mês de Maio de 2001, com vencimento em 08.08.2001 (alínea J) dos Factos Assentes).
11. Desde 16.09.1997, a Autora “C....”- G... de C... C..., SA” explora, administra e gere o “C... C... C...”, sito na Avenida ..., em Lisboa (resposta ao quesito 1º)
12. A Ré abriu a loja nº 2092 em meados de 1998 (resposta ao quesito 2º).
13. A Ré gastou quantia não concretamente apurada, mas não superior a 32.887.078$00, com a instalação da loja nº 2.092, em trabalhos, serviços, mercadorias e equipamentos, designadamente:
- fiscalização da obra, com acompanhamento dos trabalhos desde o início até à inauguração e a execução dos trabalhos;
-aquisição de um computador, com acessórios e software de gestão;
- com a contratação de pessoal especializado no estrangeiro;
- com a aquisição e instalação de um grelhador horizontal;
- com a aquisição e instalação de vidros opalinos e de um sistema de extracção de fumos;
- em capacetes nas cerimónias de entregas de chaves (respostas aos quesitos 3ºa 9º).
14. A Ré deu conhecimento à Autora de interessados na transmissão da loja, designadamente, a “V...” (resposta ao quesito 10º)
15. A Ré perdeu o recheio da loja, perdeu de clientela, pagou indemnizações a empregados por ter sido privada da exploração da loja (resposta ao quesito 11º).
16. Em consequência da privação da exploração da loja, a Ré não procedeu à transmissão da loja (resposta ao quesito 12º).

A 2ª questão a decidir é a de saber, se devia considerar-se nula a cláusula 19ª do contrato que foi celebrado entre Autora e Ré na parte em que permitia à A como gestora do Centro C... e titular da loja reassumir a sua detenção e posse, após declarar resolvido o contrato, privando a R do seu acesso, sem recurso à via judicial e por efeito imediato da resolução do contrato, como de resto decidido na 1ª instância e se a reassunção efectivada por ilícita, causou prejuízos à recorrente, pelos quais tem direito a ser indemnizada.

No nosso sistema jurídico vigora o princípio da liberdade contratual (art. 405, do Código Civil) nos termos do qual, dentro dos limites da lei, as partes têm a faculdade de fixar livremente o conteúdo dos contratos, celebrar contratos diferentes dos previstos neste código ou incluir nestes as cláusulas que lhes aprouver, podendo as partes reunir no mesmo contrato regras de dois ou mais negócios, total ou parcialmente regulados na lei.
O contrato objecto dos autos não se confunde com o contrato de arrendamento, de carácter vinculístico, regulado por disposições imperativas, que afastam o princípio geral da liberdade de estipulação, resultante do princípio da autonomia privada, titulado constitucionalmente e ligado ao valor de auto determinação da pessoa, mas que deve estar em consonância com outros princípios como o da protecção das expectativas de confiança do destinatário e o princípio de protecção de segurança do tráfego jurídico.
Pelo contrato objecto dos autos, e no âmbito da liberdade contratual das partes, ficou acordada a cedência pela A. à R. de utilização de um espaço individualizado relativamente ao restante complexo, para ali exercer uma actividade comercial previamente aprovada pela A., mediante uma contrapartida fixa e também uma variável, relativamente a vários serviços que ela no âmbito, do mesmo contrato, se comprometeu a prestar, nomeadamente limpeza, segurança e promoção do local em que se situam os espaços cuja utilização cedeu.

Como a R., outras entidades celebraram com a A., contratos de utilização de espaços designados por lojas com vista a neles exercerem a sua actividade comercial.
A cedência do gozo de um prédio urbano ou de parte dele que decorre do contrato de arrendamento, confere ao arrendatário e ao senhorio poderes e deveres, diferentes dos do contrato acima documentado, pois a sua função económica e social é diferente do arrendamento e também do de mera prestação de serviços, como é entendimento dominante na jurisprudência e na doutrina.
Com efeito a nova realidade dos inicialmente denominados “S... C..., surgida no após guerra e nos Estados Unidos, como é do conhecimento geral, não permitiu firmar o estudo da sua dogmática em sede doutrinária em paralelo com outros institutos do ramo obrigacional, sendo certo, porém que após uma inicial hesitação no sentido do seu enquadramento como um contrato típico de arrendamento comercial de imóvel ( solução propugnada entre outros por Galvão Telles apud CJ, XV, 2, 23 e ss) e Pinto Furtado, “ Os Centros Comerciais e o seu Regime Jurídico” 27 ) ou um contrato misto de arrendamento e de prestação de serviços, passou a prevalecer o entendimento de ele configurar, sim, um contrato atípico ou inominado, sendo relevantes os contributos dados por A. Varela “ Centros Comerciais/ Shopping Centers”195 e RLJ 128º , 315 e 129º, 49 e ss Oliveira Ascenção “ Integração Empresarial e Centros Comerciais”, BMJ, 407 e Revista da Fac de Dir. da Univ. Lisboa, Vol XXXII, 1991, ppp29 e ss e, ainda, Pais de Vasconcelos “ Contratos de Utilização de Lojas em Centros Comerciais, Qualificação e Forma” apud ROA , 56, pp 544/5, Lebre de Freitas, “ Da impenhorabilidade do direito do lojista de centros comerciais”, ROA , Ano 59, Janeiro de 1999, mp.47 e ss, Pedro Mata da Silveira “ A Empresa nos Centros Comerciais e a Pluralidade de Estabelecimentos”, Almedina, 1999, Rui Pinto Duarte, “Tipicidade e Atipicidade de Contratos” , Almedina , Aragão Seia “Arrendamento Urbano”, 7ª ed., 2003, pp 154 e ss, Isabel Afonso, “Os contratos de instalação do lojistas em centros comerciais –qulid ficação e regime jurídico”” in Publicações da Univ. Católica, 2003, Hugo Duarte Fonseca , “ Sobre a atipicidade dos contratos de utilização de lojistas em centros comerciais” no Bol da Fac de Direito de Coimbra , Vol LXXX, 2004, p.695.
Com efeito, o cedente da utilização de loja em centro comercial fá-lo no âmbito de um negócio que concebeu e planificou de modo a reunir num determinado local, que gere e promove, por si ou através de outrem, um certo número de actividades comerciais que atraiam os consumidores, devido a proporcionar acesso a variada oferta de serviços e produtos de modo que, num mesmo local, os clientes possam satisfazer as suas necessidades de aquisição de bens e serviços, associadas a outras facilidades como estacionamento, e num espaço agradável.
Por isso o cedente e gestor do local tem que fazer um planeamento criterioso do comércio que ali pode ser exercido de acordo com a sua concepção para aquele espaço, de forma a que seja bem sucedido na captação de clientes que beneficiará todos os lojistas, o que por sua vez, implica a necessidade de uma gestão unitária e dinâmica do conjunto, pressupondo uma integração das lojas na empresa que constitui o próprio centro.
Diz-se no acórdão e está certíssimo que :
“O sucesso de uma actividade comercial ali instalada atrai clientes para outras actividades de menor visibilidade ali instaladas e com menor capacidade de atrair clientes e a própria disposição das lojas no centro pode ter influência no sucesso do local.
A gestão, limpeza e segurança, promoção e escolha das actividades comerciais que ali vão ser desenvolvidas, são importantes para que seja cumprido o objectivo do cedente e gestor do local na captação de clientes para o centro comercial, havendo assim uma integração da actividade dos diversos lojistas e do gestor do centro com vista a atingir o fim económico e social que se propôs com o projecto e que foi determinante também para que algumas empresas quisessem exercer a sua actividade no local.
Para atingir os objectivos, de quem gere o centro e de quem ali exerce a sua actividade, de sucesso do empreendimento, de que todos beneficiam, torna-se necessário o estabelecimento de regras pelas quais se irão reger as relações entre quem cede a utilização do espaço e quem a faz, estabelecendo os respectivos direitos e obrigações dentro do princípio da liberdade contratual”
Regras que definem e modelam um contrato atípico e a que se não aplicam os entraves próprios do regime do arrendamento comercial.
Aderimos naturalmente a esta argumentação, aliás na linha quase uniforme dos acórdãos deste Supremo e não só que não vamos aqui resenhar, por tal constar já da sentença da 1ª instância e do parecer junto às alegações do recurso de apelação.
Foi dentro desta perspectiva e enquadramento que o acórdão entendeu que a cláusula que se refere à resolução do contrato de utilização pela gestora do Cento C.... C... e à reassunção do espaço (cláusula 19ª ) não ofendia princípios de ordem pública e versando sobre direitos disponíveis sobre os quais as partes estipulam o que entendam ser do seu interesse, nos termos do art. 405, do Código Civil, discordando do sentenciado na 1ª instância.
Com efeito e na sentença, discorreu-se que a faculdade atribuída ao cedente da loja de por ele próprio e independentemente de prévia apreciação judicial da validade da resolução que tenha exercido, e em caso de não restituição, reocupar esse espaço, com uso de uma chave que ficaria desde a instalação do lojista em seu poder ou por meios necessários e adequados, em caso de não entrega da mesma ou do seu extravio e, no fim de contas, permitindo, dele desapossar o respectivo utilizador, configurava uma violação do disposto no artº 1º do Código de Processo Civil, o qual prescreve que ninguém é lícito recorrer à força com o fim de realizar e assegurar o próprio direito, salvo nos casos e dentro dos limites previstos na lei.
Tratando-se esta de uma norma imperativa, ela tornava nula a citada cláusula, nos segmentos que se reportam à acção de reapossamento imediato da loja pelo cedente, pontos 5 e 6, no termos do disposto no artº 294ºdo Código Civil
Por isso, ao proceder da forma indicada, praticara a A um acto ilícito doloso e de que resultaram danos patrimoniais para a R que se viu privada, de imediato, de bens de recheio que lhe pertenciam, ainda suportando outras perdas, por isso assistindo-lhe o direito de ser por indemnizada.
Vejamos.
É evidente que a norma do artº 1º do C.Proc. Civil, na qual se proscreve a admissibilidade do recurso à força privada para a efectivação do direito dos particulares é uma norma imperativa mas que admite excepções, quando sendo impossível recorrer aos tribunais em tempo útil, se torne o meio adequado a realizar ou assegurar o direito ameaçado de inutilização pratica.
Tais excepções vêm consagradas no artº 336º ( acção directa) e em especial nos artºs 337º,( legítima defesa) 339º,( estado de necessidade) 1277º ( acção directa na posse) 1315º( acção directa na defesa da propriedade) do CCivil
Mas será que no caso apontado a permissão concedida pela sobredita cláusula ao cedente da loja em caso de cessação do contrato por resolução, nos termos acordados, reassumir, de imediato a posse da loja, com utilização da chave, ou através de meios adequados, representa uma violação daquele princípio ?
Diga-se, desde já que se trata esta de uma cláusula presente nos modelos usados para esta contratação, como se pode ver, entre outros, nos Ac.s deste Supremo de 5/07/2007, processo nº 07A 2107 e de 13/09/2007, procº nº 07B 1857 em dgsi.Net e os Acs da RP de 6/11/2001, CJ Ano XXVI, V, 172 e da R L de 2/10/2003, CJ, Ano XXVIII, IV, 106.
No parecer junto aos autos argumenta-se em sentido contrário, apontando–se três ordens de razões, além da sua genérica razoabilidade, face aos interesses em jogo
A primeira seria a do prévio consentimento do lojista a tal reassunção da posse da loja pelo cedente dela, nada permitindo afastar a liberdade deste na aceitação de tal cláusula, de resto, justificada pela integração do dito espaço no funcionamento e dinâmica própria do centro.
A segunda a da própria cláusula estar em sintonia com a regra do exercício extrajudicial da resolução (artº 436º, nº1 do CCivil), não se compreendendo que se permitisse extinguir o contrato por essa via e ao mesmo tempo se proibisse que quem resolveu não pudesse por essa mesma via reaver aquilo a que tinha direito.
E a terceira é da razoabilidade da mesma cláusula enquanto autorizando o gestor a ficar logo na posse de uma chave, para viabilizar a antecipada entrega da loja e só no caso de não lhe ser entregue, poder o mesmo usar os meios adequados e necessários para reasssumir a detenção da mesma.
Por último a para antecipadamente se responder à objecção de tal cláusula ofender a proibição do recurso a força, escreveu-se no parecer que não era suposto haver essa ofensa a menos que se tivesse uma noção “fundamentalista “ do direito, visto para ele responder às novas prioridades da desjudicialização dos conflitos, estariam pressupostos todos os requisitos da acção directa, em função da impossibilidade de recurso em tempo útil aos tribunais, à luz dos interesses em jogo, nem dela se podendo falar, por o próprio titular do interesse protegido, o consentir, disponibilizando-lhe logo uma chave, sendo descabido dizer-se que ela legitimaria o recurso à força.

Citou-se no parecer um acórdão da Relação de Lisboa, não disponível na Internet e de Novembro de 2004 que apreciara cláusula idêntica e em que se ponderou que efectuada a resolução, nos termos e com os fundamentos nela previstos, o utilizador da loja poderia vir discutir em tribunal a sua validade se dela discordasse, sendo que ele próprio dera assentimento a que o cedente reocupasse, de imediato a loja, com uso de uma chave, em seu poder, com a garantia da salvaguarda dos seus bens de recheio, nada assim obstando a sua validade.
E apenas em termos assaz genérícos no Ac deste Supremo de 13/09/2007, acima referido em que nas conclusões da revista se defendia a nulidade de cláusula de teor similar, por não se submeter ela ao rol, estrito e tipificado das situações em que a auto- defesa é legítima, se considerou essa e outra cláusulas idênticas às acima transcritas como válidas “ visto à luz quer do comércio em geral, quer do comércio integrado “ as especiais características e dinâmica própria do Centros Comerciais, enquanto lugar concentrado de comércio harmonizado”, – o clausulado pelas partes respeitar, mesno no que respeita ao fundamento da resolução por atraso no pagamento da contrapartida mensal, em vista da prevista interpelação admonitória, permitindo os princípios fundamentais em que assenta toda a disciplina dos contratos : o da autonomia da vontade (embora limitado nos contratos de adesão), o da confiança e da justiça comutativa ou da equivalência objectiva”.

Na verdade, tudo está em saber se uma tal cláusula consagra ou não uma forma sofisticada de acção directa, que a lei proíbe fora das hipóteses taxativamente previstas na lei.
Não temos dúvidas que assim é, sem quebra do respeito devido pela posição adversa,.
Tal não decorre apenas do que se dispõe no citado artº 1º do Cod. de Proc. Civil, como do princípio constitucional proclamado no artº 20º, em cujo nº5 se dispõe que “ para a defesa dos direitos, liberdades e garantias pessoais, a lei assegura aos cidadãos procedimentos judiciais caracterizados pela celeridade e prioridade, de modo a obter tutela efectiva e em tempo útil contra ameaças e violações desses direitos”
E a acção directa só é licita nos termos e mediante os requisitos previstos no artº 336º que nem de perto, nem de longe se mostram preenchidos no caso em apreço, por muito respeitáveis e prementes que se mostrem os interesses em jogo, em ordem a prevenir demoras inevitáveis decorrentes do recurso aos tribunais, sempre de resto minimizáveis pelo recurso às providências cautelares.
E não há que confundir o exercício do direito de resolução por via de regra dispensando a intervenção do tribunal, legitimado no caso pela situação de incumprimento em que a recorrente se colocou e de acordo com princípio geral dos artºs 801º e 808º do CCivil com o direito do gestor efectivar por meios próprios a desocupação do local, como seu efeito imediato, nos termos previstos no artº 289º, por remissão do artº 433º do C.Civil com dispensa da intervenção judicial que legitimasse previamente o direito e, logo, lhe conferisse título para obter tal desocupação.
Por outro lado, é irrelevante o assentimento da recorrente a uma tal cláusula, com a obrigação de entrega antecipada da chave, quando é certo que até se arrogou a recorrida o direito de usar os meios necessários e adequados para o efeito, em caso de perda ou não entrega de chave, portanto, o uso da força, no caso, de resto, exercida como se colhe do “auto” de fls 107 e 108, em que se relata o desatrancamento das grades verticais da loja, por estarem corridas e trancadas, impondo-se à mesma recorrente a obrigação de não se opor a tais actos.
A cláusula em questão nos pontos em que confere o uso de uma verdadeira acção directa, fora do âmbito próprio, estrito e tipificado em que a lei a prevê, ultrapassa consequentemente os limites previstos no artº 405º do CCivil para a liberdade contratual, não importando para aqui a atipicidade do contrato e padece de nulidade, nos termos gerais previstos no artº 294º do mesmo CCivil, afrontando uma garantia elementar do estado de direito, pese embora a tendência para a desjudicialização da solução dos conflitos a que se alude no parecer ( cfr, no mesmo sentido e logo em contrário do decidido no acórdão supra da Relação de Lisboa, os Acs do mesmo tribunal de 4/11/2004, procº 7/2004-6145 na internet, dgsi, ITIJ e de 19/03/2009, proc. nº 3028/ 08TVLSB, dgsi. pt e, também, Pinto Furtado em “Centros Comerciais e o Seu Regime Jurídico”, 49).
E nem releva estarmos aqui a convocar o regime próprio das cláusulas contratuais gerais. sendo, por isso, manifesto que ao adoptar os procedimentos atrás apontados, incorreu a recorrida em acto ilícito culposo de justiça privada, apenas restando saber se com ele foram causados danos na esfera jurídica da recorrente e de que resultasse para a esta o direito a ser por eles indemnizada, nos termos gerais previstos no artº 483º, 562º, 564º e 566º do CCivil.
Ora a este propósito, diremos desde já que parte desses danos, elencados no ponto 15 foram indevidamente considerados, com o devido respeito como efeito necessário e adequado do acto de reassunção da loja, desde logo os que decorriam do falado impedimento de perspectivada transmissão da loja a terceiros, a qual estaria sempre dependente de consentimento da recorrida, conforme o expressamente referido na cláusula 14ª e seria sempre inviável, por o contrato já ter sido validamente resolvido, também não lhe assistindo o direito a qualquer indemnização pelas benfeitorias ou ao seu levantamento, por força do clausulado, em virtude da cessação do contrato, tivesse ou não sido reassumida, de imediato, pela A a posse das instalações (cláusula 13ª)
Tudo, assim, se resume aos efeitos da abrupta cessação da exploração do estabelecimento, na parte em que se alude à perda de clientela e encargos com as indemnizações ao pessoal e à invocada perda dos bens de recheio que se achavam no estabelecimento à data do acto de reassunção da posse da loja que constituia o seu suporte material
Acontece que, como demonstrado no ponto 9, a Recorrente foi devidamente notificada para proceder ao levantamento dos bens que se encontravam no estabelecimento, no prazo de 30 dias, conforme o rol de fls 107/e ss cuja exactidão se não questionou, e tudo de acordo com o estabelecido no ponto 6 da cláusula 19ª
Ou seja, a A não se apossou de tais bens, enquanto recheio do estabelecimento que encerrou, antes os arrolou e colocou em depósito à sua ordem, pelo que competiria à R justificar o seu não levantamento, por ser de toda a evidência que o não fez.
O mesmo sucederia se por via de una decisão judicial, se fizesse a entrega da loja ao cedente e gestor do Centro e nele deixasse a recorrida bens próprios do seu recheio.
Logo o risco da sua perda, necessariamente, sobre ela tem de recair.
Por outro lado, a perda de clientela, que no caso se poderá dificilmente entender como clientela própria que não clientela do próprio centro e as indemnizações ao pessoal necessariamente que teriam de ocorrer por motivo da resolução não questionada do contrato de instalação, a menos que se pudesse demonstrar que as circunstâncias em que foi a recorrente desapossada da loja, de que foi avisada antecipadamente, não lhe permitiram prover a tempo as diligências para o inevitável encerramento do estabelecimento, agravando tais encargos, além de que a continuação da exploração da loja, sempre a constituiria em responsabilidade perante a recorrida, por ocupação ilícita desse espaço.

Dito isto, segue-se, portanto que o recurso improcede, apenas com excepção da matéria atinente à apreciação da validade dos nºs 5 e 6 da cláusula 19º do contrato em discussão, sem efeitos práticos para o pretendido atendimento do pedido reconvencional.

Nos termos e pelas razões expostas, concede-se a revista apenas no que toca à nulidade que se declara dos pontos 5 e 6 da cláusula 19ª do contrato inominado ou atípico celebrado entre as partes, no mais, sendo o acórdão, ainda que por razões não coincidentes, confirmado, com ressalva do lapso que por economia se corrige, no que respeita à condenação dos juros de mora vencidos à taxa de 7% que valem até 30/01/2001 e não 31/10/2001.
Custas a cargo da recorrente, em virtude de se manter a absolvição da A do pedido reconvencional.



Lisboa, 30 de Junho de 2009

Cardoso de Albuquerque (Relator)
Salazar Casanova
Azevedo Ramos