Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1328/10.7T4AVR.C1.S1
Nº Convencional: 4ª SECÇÃO
Relator: FERNANDES DA SILVA
Descritores: ACIDENTE DE TRABALHO
ACIDENTE DE VIAÇÃO
DESCARACTERIZAÇÃO
CONTRATO DE SEGURO
PRÉMIO VARIÁVEL
ÓNUS DA PROVA
Data do Acordão: 04/02/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO DO TRABALHO - ACIDENTES DE TRABALHO.
DIREITO DOS SEGUROS - CONTRATO DE SEGURO / SEGURO DE TRABALHO.
Doutrina:
- Pires de Lima e A. Varela, “Código Civil”, anotado, Vol. I, 4.ª Edição Revista, Coimbra Editora, 1897, nota ao art.º 487.º .
Legislação Nacional:
APÓLICE UNIFORME DE SEGURO OBRIGATÓRIO DE ACIDENTES DE TRABALHO PARA TRABALHADORES POR CONTA DE OUTREM, APROVADA PELA NORMA REGULAMENTAR N.º 1/2009, DO INSTITUTO DE SEGUROS DE PORTUGAL, PUBLICADA NO D.R., 2.ª SÉRIE, PARTE E, N.º 16, DE 23.1.2009.
DECRETO-LEI N.º 72/2008, DE 16-4: - ARTIGO 44.º, N.º2.
LEI N.º 98/2009, DE 4-9: - ARTIGOS 186.º, 187.º, 188.º.
NLAT: - ARTIGO 14.º, N.ºS 1, ALÍNEA B), E N.º3.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 26.1.2006, IN WWW.DGSI.PT ;
-DE 17.9.2009, IN WWW.DGSI.PT ;
-DE 12.1.2012, PROCESSO N.º 57/08.6TTBCL.P1.S1.
Sumário :
I – No acidente in itinere (simultaneamente de trabalho e de viação), a prática, pelo sinistrado, de uma infracção estradal, qualificável de grave ou muito grave, não basta, só por si e enquanto tal, para que o acidente se tenha por descaracterizado.

II – A descaracterização do acidente de trabalho com o fundamento ora previsto na alínea b) do n.º 1 do art. 14.º da Lei n.º 98/2009 (NLAT), de 4 de Setembro, exige a verificação de dois requisitos: que o acidente provenha de culpa grosseira do sinistrado - entendida como um comportamento temerário em alto e relevante grau - e que esta conduta seja a causa exclusiva do mesmo.

III – Não deve ser descaracterizado o acidente só porque o sinistrado não estava legalmente habilitado a conduzir veículos automóveis, quando inexistam dados de facto que permitam concluir que a perda súbita de controlo do veículo se deveu a inabilidade na sua condução.

IV – No contrato de seguro, modalidade de prémio variável, a apólice cobre um número variável de pessoas seguras, sendo como tal considerados os trabalhadores e as retribuições constantes das folhas de vencimento que são periodicamente enviadas pelo tomador do seguro ao segurador, irrelevando, na relação contratual, a data da inscrição do trabalhador na Segurança Social.

V – Impende sobre a Ré seguradora o ónus de alegar e provar o incumprimento das obrigações decorrentes do contrato de seguro por banda do respectivo tomador.
Decisão Texto Integral:

       Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:

                                                        I.

1.

Nos Autos em epígrafe, com processo especial emergente de acidente de trabalho, a A., AA, demandou as RR. «BB Company (…)» e «CC, Ld.ª», pedindo que estas sejam condenadas: a) a reconhecerem o acidente que descreve como de trabalho; b) a Ré seguradora a pagar-lhe a pensão anual de € 1.342,98 e subsídio por morte, no valor de € 2.766,84, ambas as prestações acrescidas de juros de mora desde o vencimento de cada uma; c) subsidiariamente, caso se entenda não ser a Ré seguradora a responsável pela reparação, a co-Ré patronal a pagar-lhe a pensão anual de € 1.342,98 e subsídio por morte no valor de € 2.766,84, acrescidas essas quantias de juros de mora desde o vencimento de cada prestação.

Alegou para o efeito, em síntese útil, ser filha única de DD, a qual trabalhava por conta da segunda Ré desde 01.09.2010 e que em 29.09.2010 sofreu acidente de viação quando se deslocava para o local de trabalho.

O acidente ficou a dever-se à actuação do condutor do outro veículo envolvido, resultando do acidente a morte da sua mãe.

Por sua vez, o A. EE apresentou, separadamente da já referida A., AA, petição inicial contra as mesmas RR., pedindo: a) a condenação destas a reconhecer o acidente dos autos como de trabalho; b) a condenação da Ré seguradora a pagar-lhe a pensão anual e vitalícia de € 2.014,47 e subsídio por morte no valor de € 2.766,84, acrescidas tais quantias de juros de mora desde o vencimento de cada prestação; c) subsidiariamente, para o caso de não se entender ser a seguradora responsável, a condenação da R. empregadora nesse pagamento.

Alegou para o efeito, em breve escorço, que era casado com DD, articulando, no mais, em termos idênticos à co-autora.

As RR. contestaram sustentando, em resumo:

- A co-Ré empregadora admitiu que a sinistrada se deslocava para o seu posto de trabalho, indo atrasada porque deveria ter entrado ao serviço 15 minutos antes do acidente ter ocorrido, tendo o acidente ficado a dever-se a culpa única e exclusiva da mesma, pelo que não aceita que o acidente seja de trabalho.

De todo o modo, transferiu a responsabilidade decorrente de acidentes de trabalho para a co-Ré seguradora, concluindo dever ser absolvida dos pedidos;

- A co-Ré seguradora, alegando desconhecer se ocorreu acidente de trabalho ou se o percurso utilizado pela sinistrada era o mais curto entre a residência e o local de trabalho, aduz que, de todo o modo, o acidente ocorreu por negligência grave e indesculpável (grosseira) da sinistrada, e como tal o acidente deve ter-se por descaracterizado, acrescentando que a sinistrada não se poderia considerar abrangida pelas garantias do contrato de seguro celebrado com a co-Ré, porquanto só depois de ocorrer o acidente e falecimento da sinistrada é que foi comunicada a sua inscrição como trabalhadora da co-Ré empregadora à Segurança Social e só posteriormente é que foi preenchida a folha do quadro de pessoal a enviar à Segurança Social.

Logo, não têm eficácia perante a seguradora, não cobrindo o contrato de seguro eventos passados e certos.

A co-Ré empregadora apresentou resposta à contestação da co-ré seguradora sustentando, em síntese, que não é a inscrição na Segurança Social que determina a qualidade de “trabalhador” e as comunicações a fazer à co-Ré seguradora e Segurança Social seriam efectuadas como sempre foram feitas, pelo que, sem prejuízo do alegado quanto à descaracterização do acidente, deve ser julgada a acção improcedente em relação à empregadora, por a responsabilidade pelo ressarcimento de danos resultantes de acidente de trabalho estar transferida para a co-Ré seguradora.

                                                                 __

Condensada, instruída e discutida a causa, proferiu-se sentença, que julgou a acção improcedente, absolvendo as Rés dos pedidos.

2.

Inconformados, ambos os AA. interpuseram, separadamente, recurso de apelação.

Com sucesso o fizeram, porquanto o Tribunal da Relação de Coimbra, por Acórdão unanimemente prolatado em 26.9.2013, deliberou julgar procedentes as Apelações deduzidas e, em consequência, alterando a sentença da 1.ª instância, condenou a co-Ré «BB Company (…)» a pagar:

- À A. AA: a) pensão anual e temporária, nos termos do art. 60.º, n.º 1, da LAT, no montante anual de € 1.330,00, desde 30 de Setembro de 2010, adiantada e mensalmente, até ao 3.º dia de cada mês, correspondendo cada prestação a 1/14 da pensão anual, sendo os subsídios de férias e de Natal, cada um no valor de 1/14 da pensão anual, respectivamente, pagos nos meses de Junho e Novembro; b) subsídio por morte, no valor de € 2.766,85, vencido em 30 de Setembro de 2010; c) juros de mora, à taxa legal, sobre as prestações assinaladas, desde o seu vencimento até pagamento.

- Ao A. EE: a) pensão anual e vitalícia, desde 30 de Setembro de 2010, no montante anual de € 1.995,00, obrigatoriamente remível; b) subsídio por morte, no valor de € 2.766,85, vencido em 30 de Setembro de 2010; c) juros de mora, à taxa legal, sobre as prestações assinaladas, desde o seu vencimento até pagamento, sendo que no caso da pensão obrigatoriamente remível, os juros de mora devem incidir sobre os montantes (vencidos) da pensão a remir – e não sobre o capital da remição – desde as datas dos vencimentos da respectiva obrigação que existiria se não fosse remível.

No mais, manteve-se a absolvição da co-R. «CC, Ld.ª, embora com diferente fundamento.

                                                               ___

É ora a co-R. Seguradora que se rebela contra o assim ajuizado, mediante a presente Revista, cuja motivação remata com a seguinte síntese conclusiva:

1.ª - O douto acórdão recorrido assenta em dois equívocos: um relativo à culpa na produção do sinistro e outro relativo à identificação da entidade responsável.

2.ª - Quanto à primeira questão, importa sublinhar que no douto acórdão recorrido se optou por considerar o presente sinistro similar, em termos de factos, ao decidido pelo Acórdão do S.T.J. de 26-1-2006, acima citado.

3.ª - Trata-se de uma comparação pouco rigorosa, pois no Acórdão de 26-1-2006 apenas se cuidava de apreciar uma invasão da faixa contrária, e:

      - nada vem referido quanto à falta de inspecção obrigatória do veículo;

      - nada vem referido sobre a falta de seguro;

      - nada vem referido sobre a falta de habilitação legal para conduzir;

      - nada vem referido sobre um atraso para o trabalho;

      - a contra-ordenação em causa não foi muito grave;

- o sinistro não teve as consequências violentíssimas do que ora se discute (incêndio dos veículos e morte de uma condutora).

4.ª - No "nosso" sinistro o comportamento da sinistrada não tem comparação com o decidido pelo Acórdão do STJ de 26-1-2006. Nem por sombras.

5.ª - De facto, e em primeiro lugar, a DD, no indicado dia e hora, conduzia o F... pela Estrada Nacional n.º 1, sem a inspecção obrigatória aprovada;

6.ª - A DD praticou, neste particular, um comportamento culposo grave, que constitui, aliás, contra-ordenação, nos termos do disposto no artigo 14.º do Dec.-Lei n.º 144/12, de 11/07, porque a circulação do veículo em causa constitui um perigo para a sua segurança e para a segurança dos restantes utentes das vias.

7.ª - Em segundo lugar, a DD circulava num veículo sem dispor de seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel, o qual configura um instrumento de consciência social, pois a sua obrigatoriedade encontra-se em estreita ligação com a necessidade de proteger o cidadão em geral - artigo 4.º do Dec.-Lei n.º 291/2007, de 21/08.

 8.ª - Em terceiro lugar, a DD conduzia na E.N. n.º 1 sem habilitação legal,

 comportamento que o legislador entendeu ser de tal modo censurável que a sanção para tal infracção foi a criminalização dessa prática.

9.ª - O artigo 3.º do Dec.-Lei n.º 2/98, de 03/01, procede à criminalização do acto de conduzir veículo automóvel sem habilitação legal, com punição até dois anos de prisão e, note-se, a conduta em causa foi criminalizada, por se tratar de comportamento censurável em elevado grau. Elevado grau que acresce à gravidade das duas circunstâncias anteriormente descritas.

10.ª - Este comportamento tem ligação inequívoca com o deflagrar do sinistro, pois se alguém perde o controlo de um veículo, vai invadir a faixa contrária, provoca o incêndio de dois veículos, e esse alguém não se encontra habilitado, é manifesto, até por prova de primeira aparência, usada pelos nossos tribunais para estas situações, que a falta de habilitação tem ligação com o sinistro. Só assim não seria se, por exemplo, o veículo estivesse parado ou estacionado, e fosse embatido por outro.

11.ª - Estes três primeiros índices de culpa grave não podem ser dissociados, têm de ser apreciados em conjunto, e no Ac. de 28-1-2006 não foram considerados.

12.ª - Em quarto lugar, a DD encontrava-se atrasada cerca de MEIA-HORA para o trabalho, como flui dos factos provados.

13.ª - A DD violou assim a sua obrigação de assiduidade e pontualidade, que releva para a aferição da culpa no foro laboral e no foro estradal, pois certamente seguia com mais pressa e menos cuidado.

14.ª - Em quinto lugar, a DD invadiu a metade esquerda da via, mas não se tratou de uma invasão normal, pois foi uma invasão em local com risco contínuo, o qual não pode ser ultrapassado. Essa violação do risco contínuo leva, precisamente, à inibição de conduzir, pois trata-se de uma contra-ordenação MUITO GRAVE.

15.ª - Em sexto lugar, a DD perdeu o controle do seu veículo e ambos se incendiaram, o que atesta a violência do sinistro, provocada, unicamente, por quem invadiu a meia faixa contrária em zona de traço contínuo, e nunca por um camião que seguia a 70 Km/h, mas em condução regular.

16.ª - O que se passou foi uma série, conjugada, de comportamentos negligentes: cinco, seis ou sete, que, devidamente conjugados, levam à conclusão segura de que foram atingidos os índices da negligência grosseira, por muito que se lamentem as respectivas consequências.

17.ª - É de concluir que este comportamento foi a causa única do sinistro. A referência a uma leve ou levíssima contribuição causal para o sinistro por banda do condutor do pesado não faz sentido, pelo menos para quem assistiu à audiência de julgamento e respectiva produção de prova.

18.ª - O comportamento da infeliz sinistrada, tudo devidamente sopesado, tendo em atenção que:

       - circulava sem inspecção obrigatória no veículo;

       - circulava sem seguro obrigatório de responsabilidade civil;

       - seguia a conduzir na E.N. 1 sem dispor de habilitação legal;

       - seguia atrasada para o trabalho, cerca de meia hora;

 - praticou uma contra-ordenação muito grave, ao invadir a meia faixa contrária      em zona de traço contínuo no eixo da via, por via de tudo o exposto perdeu o controlo do veículo, o que provocou um embate brutal com um camião, tendo-se ambos os veículos incendiado, ou seja, provocou um sinistro de gravidade inaudita, única e exclusivamente.

19.ª - O sinistro ocorreu por via do comportamento da infeliz sinistrada, globalmente considerado culpado, temerário em elevado grau e exclusivamente causador do sinistro, pelo que o evento deve ter-se por descaracterizado.

20.ª - Sem prescindir, deve concluir-se que a DD não se encontrava abrangida pelo âmbito do contrato de seguro de prémio variável "sub judicio”.

21.ª – O disposto no artigo 44.º, n.º 2, do Dec. Lei n.º 72/2008, de 16 de Abril, ("o segurador não cobre sinistros anteriores à data da celebração do contrato quando o tomador do seguro ou o segurado deles tivessem conhecimento nessa data") encontra-se no cerne da presente questão, e como tal deve ser apreciado.

22.ª - Para que a DD fosse abrangida pelo contrato, a Ré entidade patronal teria de provar que a inscreveu na Segurança Social em data anterior à do sinistro e que enviou à Ré as folhas de férias até ao dia 15 do mês seguinte. Sucede que NENHUM DESTES FACTOS SE PROVOU!

23.ª - De facto, e por um lado, a DD ainda não se encontrava inscrita na "Segurança Social" à data do sinistro e essa inscrição era e é uma operação básica, anterior e preliminar à indicação nas folhas de vencimento remetidas a essa entidade.

24.ª - Por argumento de maioria de razão, se a DD ainda não estava inscrita, como é poderia constar das folhas de vencimento? Não podia.

25.ª - Foi inscrita depois de ter falecido; porém, essa inscrição extemporânea visou criar para a entidade patronal um injusto proveito, pois bem sabia que só com essa inscrição e posterior indicação nas folhas de vencimento é que a trabalhadora poderia ficar abrangida pelo contrato de seguro. A entidade patronal agiu com dolo, manifesto e ostensivo.

26.ª - A Ré alegou aquilo que tinha de alegar, pois alegou mais do que a simples circunstância da entidade patronal não lhe ter remetido as folhas de vencimento enviadas à "Segurança Social" no mês de Outubro de 2010.

27.ª - Se remeteu, se não remeteu, pouco importa: certo é que à data do sinistro nem sequer se encontrava inscrita na Segurança Social e, por maioria de razão, não se pode considerar abrangida pelo contrato de seguro.

28.ª - Ao alegar – E PROVAR – que a trabalhadora não se encontrava inscrita e ainda que essa inscrição só ocorreu depois do sinistro, declarou mais que a simples afirmação relativa ao facto da Ré patronal não ter enviado à Ré “BB” uma relação adulterada, relativa aos vencimentos de Setembro.

29.ª - Por outro lado, sucede que a questão tem também de ser apreciada sob o ponto de vista do ónus probatório que cabe a cada uma das partes. A Ré entidade patronal também é parte nos presentes autos e não provou facto algum no âmbito do seu ónus probatório.

30.ª - Cabia à Ré entidade patronal provar que cumpriu a obrigação de envio à Ré "BB" das folhas de vencimento relativas ao mês de Setembro, e que deveriam ter sido enviadas à "BB" até 15 de Outubro. Porém, a Ré entidade patronal não cumpriu esse ónus que lhe pertencia.

31.ª - Pelo contrário, a Ré "BB" provou que à data do sinistro essa trabalhadora não havia sido sequer inscrita na "Segurança Social" e os restantes factos que constam do rol dos provados. Provou o que lhe competia.

32.ª - No acórdão recorrido esta questão vem apreciada doutamente, mas de forma invertida, o que não se pode aceitar.

33.ª - Era a Ré entidade patronal que tinha de provar a inclusão da trabalhadora no âmbito do contrato, e não a seguradora que tinha de provar que a entidade patronal não lhe enviou em devido tempo as folhas de vencimento.

34.ª - A inclusão de uma trabalhadora nova no âmbito de um determinado contrato tem de se estribar em factos provados.

35.ª - Acresce que a "BB" provou algo mais: provou que a entidade patronal já sabia da existência do sinistro quando entendeu registar um cadáver na "Segurança Social". Esta é que é a verdade.

36.ª - Agiu com dolo, para obter um injusto benefício – a inserção num contrato onde não pertencia.

37.ª - A inscrição na Segurança Social às 19 horas, 43 minutos e 20 segundos do dia 29 de Setembro de 2010 é nula e ineficaz em relação à ora recorrente, pois o gerente da co-Ré já sabia que a sinistrada tinha falecido, e que, portanto, tal inscrição de nada valia em termos de protecção social.

38.ª - Um contrato de seguro previne um acontecimento futuro e incerto, ou seja, previne a ocorrência de um risco, de um evento aleatório – art. 1.º da Lei do contrato de seguro (Dec.-Lei n.º 72/2008, de 16 de Abril), o que não foi o caso.

39.ª - A Ré patronal tem e deve assumir a responsabilidade, eventual, de pagamento das indemnizações.

40.ª - O douto acórdão recorrido violou, nomeadamente, o disposto nas seguintes normas: arts. 3.º, n.º 2, 13.º, n.º 1, 24.º, 25.º e 27.º do Código da Estrada; art. 14.º do Dec.-Lei n.º 144/12, de 11/07; art. 4.º do Dec.-Lei n.º 291/2007, de 21/08; arts. 1.º e 44.º, n.º 2, do Dec.-Lei n.º 72/2008, de 16 de Abril; arts. 10.º e 762.º, n.º 2, do Código Civil, que deveriam ter sido interpretados de acordo com o exposto nas conclusões supra.

Termina pedindo que prevaleça o entendimento propugnado nas conclusões do presente recurso, que devem ser julgadas procedentes, assim se revogando o douto acórdão recorrido.

                                                   ___

A recorrida/A. contra-alegou, concluindo, em síntese, que o facto de a trabalhadora ter perdido subitamente o controle do veículo, invadindo a faixa de rodagem contrária, definida por um traço longitudinal contínuo, não evidencia, sem mais, que tenha agido com negligência grosseira.

Mais aduziu que:

- A perda de controlo do veículo não se justifica, sem mais, pelo facto de a trabalhadora não estar habilitada com carta de condução e de o veículo não ter sido inspeccionado;

- A verificação simultânea dos dois factos não potencia nem agrava, sem mais, o juízo de censura a emitir em relação a cada um deles, em termos de se concluir pela existência de negligência grosseira da sinistrada, importando considerar ainda a demais factualidade causal provada, nomeadamente que o outro condutor interveniente conduzia o veículo com uma velocidade de 70km/hora, muito superior ao máximo de 40 km/hora permitido para o local e que deixou um rasto de travagem de 49 metros antes do embate;

- Assim, a conduta da trabalhadora não foi a causa exclusiva do sinistro;

- A entidade empregadora não registou na Segurança Social um "cadáver", mas uma pessoa que até ao dia 28 de Setembro fora sua trabalhadora, apesar de no dia 29 de Setembro ter deixado de o ser.

                                                 __

Respondeu também a co-R. empregadora à parte das alegações da Recorrente relativa ao  ‘apuramento da entidade responsável pelo pagamento das indemnizações’.

            E concluiu, em resumo:

- Nem a Lei, nem o contrato de seguro subscrito entre as partes faz depender a qualidade de trabalhador por conta de outrem da sua inscrição na Segurança Social;

 - A pessoa segura é o trabalhador por conta de outrem e este é o trabalhador vinculado por contrato de trabalho ou contrato legalmente equiparado, bem como praticante, aprendiz, estagiário e demais situações que devem considerar-se de formação profissional e ainda o que, considerando-se na dependência económica do tomador do seguro, preste, em conjunto ou isoladamente, determinado serviço;

- Provou-se que a DD foi trabalhadora da empregadora desde o dia 1 ao dia 29 de Setembro de 2010; que a empregadora processa os vencimentos dos seus trabalhadores no final de cada mês (PP); que a empregadora processou o recibo de vencimento da DD no dia 30.09.2010 (MM); e que a empregadora preencheu a folha do quadro de pessoal a enviar à Segurança Social relativa às remunerações pagas no mês de Setembro de 2010, que foi entregue à Segurança Social, no dia 15.10.2010. (LL)

- A DD apenas figurou nas folhas do quadro de pessoal do mês de Setembro de 2010 (remetida à Segurança Social, no dia 15 de Outubro de 2010), pois não era trabalhadora da empregadora antes de Setembro, nem o foi, infelizmente, depois;

- A inscrição dos trabalhadores na Segurança Social e a remessa das folhas do quadro do pessoal relativas às remunerações pagas em cada mês é uma obrigação da empregadora para com a Segurança Social e só para com ela;

 - A inscrição da DD na Segurança Social é válida e eficaz;

      - Também a seguradora, com base nas folhas do quadro de pessoal que lhe foram enviadas pela empregadora, aceitou, processou, cobrou, e recebeu desta, o prémio de seguro referente à DD;

- As regras de Direito Civil e Processual sobre o ónus da prova esclarecem que tinha de ser a seguradora a alegar e provar os factos que a desresponsabilizem a Companhia, o que não ocorreu, como bem foi decidido.

       "Violência ...da" é a exercida com tais alegações, pela seguradora perante uma pequena empresa familiar e cumpridora, com um importante papel social, que sempre laborou com a garantia de ter os seus trabalhadores seguros contra os infortúnios, e cuja vida seria irremediavelmente afectada pela condenação ao pagamento das indemnizações dos autos.

  Deve, assim, manter-se a decisão recorrida.

                                                     ___

Já neste Supremo Tribunal, o Exm.º Procurador-Geral Adjunto produziu proficiente Parecer, rematando, a final, em síntese, que:

   . ‘[A] facticidade assente não se afigura bastante para se poder concluir pela existência de negligência grosseira da vítima;

   . [C]aso assim não fosse entendido e se concluísse que a sinistrada actuou com negligência grosseira, a matéria de facto retida não permitiria retirar que aquela negligência tivesse sido a causa exclusiva do acidente, razões pelas quais se nos afigura dever concluir-se pela não descaracterização do acidente;

   . [N]ão tendo a ré/seguradora alegado, nem se tendo demonstrado o incumprimento por parte da entidade empregadora, do disposto na cláusula 24.ª do contrato de seguro, deveria ser a mesma a responsável pela reparação do acidente.’

  Notificado às partes, não foi oferecida qualquer reacção à posição assumida.

                                                           ___

        Preparada a decisão, com prévia distribuição do projecto de solução aos Exm.ºs Juízes-Adjuntos, cumpre ora analisar, ponderar e decidir.

   3.

  O ‘thema decidendum’.

        Como decorre das asserções conclusivas – por onde se afere e delimita, por via de regra, o objecto e âmbito da impugnação, inexistindo temáticas de conhecimento oficioso –, são questões axiais colocadas:

    - A descaracterização do acidente;

    - Determinação da entidade responsável pela reparação das consequências do acidente.

                                                       __

                                                       II.

                                        Dos Fundamentos

1De Facto

As Instâncias deram como provada a seguinte factualidade:

A) - A autora AA é filha da sinistrada DD e do autor EE (fls. 109).

B) - DD faleceu no dia 29 de Setembro de 2010, no estado de casada com EE (fls. 13).

C) - DD residia na Rua …, n.º …, em ….

D) - A Ré “CC, Ld.ª” é uma sociedade comercial, cujo objecto consiste no comércio de combustíveis, e com sede no lugar da ... – Branca.

E) - A Ré “CC, Ld.ª” no exercício da sua actividade comercial, em 01.09.2010 admitiu DD ao seu serviço para desempenho das funções de abastecedora de combustíveis e de caixa de pagamento dos combustíveis, no posto de abastecimento de combustíveis daquela, sito na Branca.

F) - Competindo à DD efectuar a venda de combustíveis e todos os demais produtos ligados à actividade levada a cabo pela Ré “CC, Ld.ª” no posto de abastecimento, receber numerário em pagamento de mercadorias ou serviços prestados, verificar as contas devidas, passar o recibo, registar essas operações em folhas de caixa, cuidar do local e equipamento afecto à venda de combustíveis, zelar pelo bom aspecto e limpeza do seu sector de trabalho, prestar toda a assistência à clientela e desempenhar as funções de abastecedora de combustíveis, sempre que a conveniência de serviço o justificasse.

G) - O que fazia de acordo com as indicações de representantes da Ré “CC, Ld.ª” e superiores hierárquicos, que davam ordens sobre como proceder na execução dos trabalhos.

H) - E em horário fixado pela ré: turnos rotativos das 06 às 14 horas e das 14 às 22 horas.

I) - Acordando ambos o pagamento de € 475,00, a título de remuneração mensal base (14 vezes por ano).

J) - DD prestou trabalho ininterruptamente de 01.09.2010 a 29.09.2010, comparecendo no posto de abastecimento da Ré “CC, Ld.ª” em dias de trabalho.

L) - DD no dia 29 de Setembro de 2010, pelas 06h 15m, conduzia o veículo ligeiro de passageiros, marca F… , matrícula VG…, na EN 1, no sentido sul/norte.

M) - Na altura referida no ponto anterior, DD não estava habilitada para conduzir veículos a motor na via pública.

Na altura referida no ponto anterior o veículo com a matrícula VG- não possuía seguro válido e não possuía certificado de inspecção periódica válido.

N) - Na mesma estrada referida em L), e em sentido contrário (norte/sul), transitava o veículo pesado de mercadorias, composto por tractor com a matrícula …-SI e semi‑reboque, com a matrícula L-…, conduzido por FF.

O) - Na altura ambos os veículos transitavam com as luzes de presença acesas.

P) - Cerca das 06h 15m, aproximadamente ao Km. 252,40, na povoação de …, ambos os veículos colidiram; a colisão deu-se entre a parte frontal direita do veículo pesado tractor e parte não definida do veículo ligeiro; antes da colisão o veículo ligeiro ocupou a hemi-faixa de rodagem esquerda; após o embate, o pesado flectiu para a faixa esquerda (considerando o seu sentido de marcha), atravessou-se em diagonal e o seu tractor colidiu com a guarda metálica de protecção lateral na berma onde se imobilizou.

O veículo ligeiro foi arrastado pelo veículo pesado para sul, ficando na faixa esquerda, considerando o sentido sul/norte, alinhado paralelamente ao lado esquerdo do semi-reboque do pesado, a cerca de 0,60 m deste.

Os veículos incendiaram-se.

Q) - Antes do embate o veículo pesado travou, numa extensão de 49 metros.

R) - A referida EN 1, ao Km. 252,40, é uma via de trânsito composta de duas hemi‑faixas de rodagem (uma para cada sentido de trânsito), divididas por um traço longitudinal contínuo, com 6,30 metros de largura no total das duas hemi-‑faixas, e com bermas (de 0,70m) e passeios (de 1,50m) em cada lado.

S) - Do local do embate para norte, a estrada é uma recta, levemente encurvada, com uma visibilidade superior a 200 metros.

Do local do embate para sul, a estrada é recta em aproximadamente 100 metros, após o que encurva para a direita.

T) - Na altura, a faixa de rodagem era visível em toda a sua extensão, o tempo estava limpo e seco e sem nebulosidade; o piso em asfalto estava seco e em bom estado de conservação.

U) - O local referido em P) situa-se dentro da localidade, estando a estrada marginada de ambos os lados por casas de habitação, e existindo na berma direita da estrada (considerando o sentido sul/norte), sinal vertical C13, indicativo de proibição de exceder a velocidade de 50 quilómetros por hora.

V) - DD, na semana de 29 de Setembro de 2010, estava a fazer o turno das 06 às 14 horas.

X) - DD deslocava-se todos os dias em que prestava trabalho, entre a sua residência e o posto de abastecimento referido em E), utilizando a EN 1.

Z) - Que é a via mais directa entre esses dois pontos.

AA) - Entre a residência de DD e o posto de abastecimento referido em E) distam cerca de 7 Km., que DD demorava cerca de 15 minutos a percorrer de carro.

BB) - O veículo pesado de mercadorias de matrícula SI, aquando do embate, circulava à velocidade de 70 Km/h.

CC) - Ao chegar perto do Km. 252,40, a condutora do veículo VG subitamente perdeu o controle do mesmo, indo embater no veículo pesado SI na hemi-‑faixa esquerda, atento o seu sentido de marcha.

DD) - Sem que antes efectuasse qualquer travagem.

EE) - O embate deu-se completamente dentro da hemi-faixa esquerda, atento o sentido de trânsito do veículo VG.

FF) - Como consequência directa e necessária do referido embate sofreu DD lesões que foram causa necessária e adequada da sua morte.

GG) - À data do acidente, o condutor do pesado de mercadorias tinha a profissão de motorista de pesados, sendo a sua empregadora a empresa ‘GG, Ld.ª’, com sede em ..., Gaia, a quem pertencia o tractor.

HH) - O condutor do pesado efectuava naquele momento a condução do veículo enquanto motorista e empregado da empresa proprietária do tractor, no exercício da sua actividade profissional, e portanto por conta, no interesse e sob as ordens desta.

II) - A Ré “CC, Ld.ª” em 29.09.2010 tinha a responsabilidade infortunística-laboral, por acidentes ocorridos com os trabalhadores ao seu serviço, transferida para a Ré seguradora, por contrato de seguro (ramo acidentes de trabalho – modalidade de prémio variável), titulado pela apólice ....

JJ) - A comunicação de inscrição de DD na Segurança Social como trabalhadora da Ré “CC, Ld.ª” apenas ocorreu às 19h 43m 20s do dia 29.09.2010.

LL) - Posteriormente foi preenchida pela Ré “CC, Ld.ª” a folha do quadro de pessoal a enviar à Segurança Social relativa às remunerações pagas no mês de Setembro de 2010, que foi entregue à Segurança Social no dia 15.10.2010.

MM) - A Ré “CC, Ld.ª” em 30.09.2010 processou o recibo de vencimento de DD, que consta de fls. 282 e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

NN) - A comunicação referida em JJ) foi feita quando o gerente da Ré “CC, Ld.ª” já sabia do falecimento de DD.

PP) - A Ré “CC, Ld.ª” em regra processa os vencimentos dos seus trabalhadores no final de cada mês.

QQ) - DD consta como trabalhadora da ré “CC, Ld.ª” na folha do quadro de pessoal de 2010, enviada à seguradora em 2011 para cálculo do prémio de seguro.

                                                            __

A factualidade estabelecida não vem posta em causa.

Não se vislumbrando prefigurada qualquer das situações a que ora alude o n.º 3 do art. 682.º do NCPC (anterior n.º 3 do art. 729.º), é com base nesse quadro material que hão-de resolver-se as questões suscitadas na Revista.

                                                               __

2Os Factos e o Direito.

2.1 - A propugnada descaracterização do acidente.

Não se discutindo a natureza infortunística do acidente a que respeitam os Autos, a recorrente, inconformada, questiona todavia o decidido no sentido de que não ocorreu a sua descaracterização.

Contrariamente ao ajuizado, a interpretação dos factos relevantes, globalmente conjugados, aponta - na tese da impetrante - para a conclusão segura de que o acidente ocorreu exclusivamente por via do temerário comportamento da infeliz sinistrada.

Como flui das primeiras dezanove asserções conclusivas que sintetizam a sua motivação recursória – dirigidas à questão epigrafada e relativas, por isso, à culpa/negligência grosseira da vítima –, não foram devidamente sopesadas, no juízo alcançado, as circunstâncias relativas ao atraso para o início do trabalho, à condução do veículo sem dispor de habilitação legal, circulação do veículo conduzido sem inspecção obrigatória, sem seguro obrigatório de responsabilidade civil, bem como inconsiderada foi a prática de uma contra-ordenação muito grave por invasão da meia faixa contrária em zona de traço contínuo no eixo da via.

Sendo também pacífico o identificado referencial normativo de subsunção, vejamos então.

O regime de reparação dos acidentes de trabalho, ora constante da Lei n.º 98/2009, de 4 de Setembro[1], comete a responsabilidade pela reparação e demais encargos legalmente previstos – na sequência e semelhança dos regimes legais anteriores, a que sucedeu – à pessoa singular ou colectiva de direito privado relativamente aos trabalhadores ao seu serviço.

O empregador não tem, porém, de reparar os danos decorrentes de todo e qualquer acidente de trabalho, sem mais.

Não tem de reparar, nomeadamente, os danos decorrentes do acidente que…provier exclusivamente de negligência grosseira do sinistrado, como tal se entendendo o comportamento temerário em alto e relevante grau, que não se consubstancie em acto ou omissão resultante da habitualidade ao perigo do trabalho executado, da confiança na experiência profissional ou dos usos da profissão –art. 14.º, n.ºs 1, alínea b) e n.º 3, da NLAT.

A densificação do conceito, resultante da progressiva elaboração doutrinal e jurisprudencial, conduziu – …também por indução da reconhecida dificuldade na delimitação da ténue fronteira entre os comportamentos causais dolosos[2]/intencionais e a falta grave e indesculpável da vítima[3], esta no plano da negligência consciente – à estabilização do entendimento vigente segundo o qual apenas relevam para a descaracterização do acidente os comportamentos ostensivamente inúteis, indesculpáveis, gratuitos, reprovados por um elementar sentido de prudência, casuisticamente aferíveis pelo padrão do cidadão médio[4], diligente e honesto, simbolizado no clássico paradigma do ‘bonus pater-familias’.

A conduta, assim delineada, terá necessariamente de ser causal do acidente e, além disso, há-de ser a sua condição/causa única, ou seja, a eclosão do acidente tem na sua génese a exclusiva actuação do trabalhador/sinistrado.

O nexo, no processo causal, estabelece-se entre o facto praticado pelo agente e o dano, em termos de poder afirmar-se que este, numa natural relação de causa-efeito, é resultante daquele.

E, neste conspecto, perguntar-se-á qual é, no caso, a conduta da sinistrada (por acção ou omissão), que, sendo susceptível de poder qualificar-se como negligência grosseira, na delineada dimensão, desencadeou o funesto acidente.

Pretende a recorrente significar, com visível empenho retórico, que a série de circunstâncias que identifica – e que, não foram, como acha que deveriam ter sido, conjunta e conjugadamente apreciadas no juízo firmado – confluem afinal no comportamento grave e temerário que levou à perda do controlo do veículo conduzido pela sinistrada e ao consequente embate com o camião.

(Isto sem embargo de, noutro passo do seu argumentário, admitir expressamente que ‘toda esta caterva de culpa foi carregada pela infeliz DD sem que o sinistro tenha ainda ocorrido. Todos estes factos, como é evidente, potenciam o sinistro que se iria seguir e que ocorreu’… - sic, com sublinhado no original, a fls. 519).

E, no desenvolvimento dessa premissa, contesta a similitude do caso sujeito com o versado no Acórdão deste Supremo Tribunal de que o Aresto revidendo lançou mão enquanto respaldo da solução eleita.

Mas sem razão consistente, podemos adiantá-lo desde já.

Lembremos o que, com eficácia e sobriedade bastantes, adrede se consignou na deliberação sindicada (transcrição parcial):

A situação dos Autos é, de algum modo, próxima à decidida pelo Ac. do S.T.J. de 26.2.2006 (in www.dgsi.pt, proc. 05S3114). A situação de facto ali recortada era a de um acidente em que um sinistrado, conduzindo um veículo ligeiro de mercadorias, invadiu a faixa de rodagem contrária, dando origem a colisão com o veículo pesado que seguia em sentido oposto. O S.T.J. entendeu aqui que, embora a actuação desse sinistrado representasse uma contravenção grave às regras estradais, não envolve necessariamente uma negligência grosseira, para efeito da descaracterização do acidente de trabalho.

Por concordarmos com a apreciação efectuada nesse aresto, que ilustra a solução da questão deste recurso em sentido desfavorável à recorrente, transcrevemos a fundamentação do mesmo, na parte aplicável:

«A Jurisprudência tem vindo a associar o comportamento temerário em alto e relevante grau a um comportamento inútil, indesculpável, reprovado pelo mais elementar sentido de prudência (Acórdão do S.T.J. de 7 de Novembro de 2001, Revista 1314/01). Por outro lado, em diversas situações, o Supremo tem afirmado que não basta a mera circunstância de a conduta do sinistrado integrar uma infracção ao Código da Estrada, ainda que eventualmente qualificável como contravenção grave, para se dar como preenchido o requisito que integra a causa de descaracterização do acidente (cfr. em situações similares à dos Autos, os Acórdãos de 2 de Fevereiro de 2005, Revista n.º 3151/04, e de 22 de Junho de 2005, Revista n.º 260/05).

(…)

Em resumo, mesmo que se entenda que o sinistrado agiu com negligência, era sempre necessário demonstrar, para que se considere descaracterizado o acidente, que essa era uma negligência grosseira e que foi causa exclusiva do acidente, o que cabia à ré demonstrar por constituir facto excludente do direito à reparação.»

Com base nesta argumentação, a que aderimos, importa agora observar os factos provados.

 Segue-se o elenco dos factos relevantes para o efeito, importando reter nomeadamente aqueles que correspondem aos items que, na tese da impetrante, integram a série de comportamentos negligentes.

Assim:

- A sinistrada no dia 29 de Setembro de 2010, pelas 06h 15m, conduzia o veículo ligeiro de passageiros na EN1, no sentido sul>> norte;

- Na altura não estava habilitada para conduzir veículos a motor na via pública e o veículo não possuía seguro válido e não possuía certificado de inspecção periódica válido;

- Na mesma estrada e em sentido contrário (norte>> sul), transitava o veículo pesado de mercadorias, composto por tractor com matrícula 73-07-SI e semi-reboque com a matrícula L-..., conduzido por FF;

- Cerca das 6:15 horas, aproximadamente ao km. 252,40, na povoação de …, ambos os veículos colidiram; antes da colisão o veículo ligeiro ocupou a hemi-faixa de rodagem esquerda;

- O veículo ligeiro foi arrastado pelo veículo pesado para sul;

- Antes do embate o veículo pesado travou, numa extensão de 49 metros;

- A referida EN1, ao km 252,40, é uma via de trânsito composta de duas hemi-faixas de rodagem (uma para cada sentido de trânsito), divididas por um traço longitudinal contínuo, com 6,30 metros de largura no total das duas hemi-faixas, e com bermas de 0,70 m e passeios de 1,50 m em cada lado;

- O local do acidente situa-se dentro da localidade, estando a estrada marginada de ambos os lados por casas de habitação e existindo na berma direita da estrada (considerado o sentido sul>> norte), sinal vertical C13, indicativo de proibição de exceder a velocidade de 50 kms por hora;

- O veículo pesado de mercadorias de matrícula SI, aquando do embate, circulava à velocidade de 70 km/h;

- Ao chegar perto do km 252,40 a condutora do veículo VG subitamente perdeu o controlo do mesmo, indo embater no veículo pesado SI na hemi-faixa esquerda, atento o sentido de marcha, sem que antes efectuasse qualquer travagem;

- O embate deu-se completamente dentro da hemi-faixa esquerda, atento o sentido de trânsito do veículo VG.

- A DD na semana de 29 de Setembro de 2010 estava a fazer o turno das 06 às 14 horas.’

(…)

Depois de transcrever as considerações que enformam a fundamentação jurídica da sentença aí recorrida, prosseguiu-se nestes termos:

“Esta fundamentação, não obstante o sério esforço de fundamentação clara e ponderada, não merece o nosso acolhimento.

É exacto que, na perspectiva do controlo completo da licitude dos seus actos, pela sinistrada, são visíveis infracções às regras estradais que podem ser equacionadas como causa do acidente: a sinistrada não possuía habilitação para conduzir e, no momento do acidente, invadiu o lado esquerdo da faixa de rodagem, tendo mesmo transposto linha longitudinal contínua que separava as hemi-faixas de rodagem.

Todavia, podendo determinar-se que a invasão da faixa de rodagem esquerda foi causa do acidente, importaria determinar se ocorreu negligência grosseira da sinistrada que conduzisse àquela invasão. E na sentença referiu-se mesmo, e bem, que “não basta existir uma infracção estradal grave para, em sede de acidente de trabalho, se ter por preenchida a negligência grosseira, sendo os pressupostos em que assenta o dever de indemnizar no âmbito da responsabilidade civil diversos daqueles aqui a considerar”.

Ora, o que tão-só está provado é que ocorreu uma “súbita perda de controlo do veículo”, sem que se tenha apurado a causa dessa perda de controlo, como também se sublinhou na sentença, ao referir que “sem a demonstração desse motivo (por exemplo velocidade acima do permitido) não fica excluído qualquer outro eventual motivo que não se impute ao sinistrado (por exemplo ter o mesmo sentido uma indisposição enquanto conduzia)”.

Sendo assim, não se pode concluir pela negligência grosseira da sinistrada.

A sentença recorrida, porém, conjugou a “perda de controlo” do veículo com a circunstância da sinistrada exercer a condução sem estar legalmente habilitada para conduzir o veículo que tripulava.

E, a partir daí, concluiu que ela agiu com notória leviandade, por exercer a condução sem se submeter a exame prévio de avaliação, sendo tal acto temerário a ponto de se traduzir em negligência grosseira, o que relacionando-o com a “súbita perda de controlo de veículo” em local de recta ligeiramente encurvada onde existia linha longitudinal contínua conduziria à demonstração de um acto voluntário de quem não submeteu as suas aptidões para exercer a condução a exame, um comportamento temerário em relevante grau “e que causou de modo exclusivo o embate”.

Ora, a nosso ver, esta conjugação não permite o resultado argumentativo alcançado. Concluindo-se que não foi determinado motivo suficiente para negligência grosseira na eclosão do acidente, não é o facto da sinistrada não possuir habilitação legal para conduzir que a permite estabelecer.

Uma coisa é a habilitação legal, necessária para a condução lícita de veículos, outra coisa é a preparação adequada, teórica e prática, para a condução prudente e adequada à circulação viária. Um condutor pode estar tão bem preparado, apesar de não ter habilitação legal, como outro que a tenha. Ora, não temos dados para concluir que a sinistrada era inábil, na sua preparação, para conduzir veículos automóveis. Por isso, não é possível relacionar essa possível inabilidade com a “perda de controlo” do veículo que afinal terá causado o acidente.

Sendo assim, não podemos ter como demonstrada a negligência grosseira como causal do acidente.

Acresce que o outro veículo interveniente no acidente circulava em excesso de velocidade, como se reconheceu na sentença recorrida. No circunstancialismo provado, não é possível concluir que esse facto também não tenha contribuído para o acidente. Não é possível concluir que se a velocidade fosse a regulamentar o acidente poderia ter sido evitado ou o embate menos violento ou danoso nas suas consequências, mas também não é possível concluir o contrário. E, assim, ainda que estivesse demonstrada a negligência grosseira na sinistrada, ficaria por demonstrar que ela fosse a causa exclusiva do acidente, exclusividade essa que, como já dissemos, é pressuposto da descaracterização do acidente de trabalho.

Por isso, ao contrário da 1.ª instância, concluímos que não ocorre descaracterização do acidente com base na previsão do artigo 14.º n.º 1 alínea b) da LAT.”

Tudo revisto, sufragam-se inteiramente a acertada análise e interpretação dos factos, à luz da normatividade a que se subsumem, bem como o juízo alcançado com base nessa fundamentação.

E por igualdade de razão, no que acaba de se ratificar quanto à argumentação que obliterou a conjugação entre a ‘súbita perda do controlo do veículo’ e a falta de habilitação legal para conduzir – na linha, aliás, do já adiantado acima acerca da lógica relação de causa-efeito –, irrelevam necessariamente, na delimitação do comportamento sindicado como desencadeante do acidente, as circunstâncias que a recorrente individualizou e pretendeu incluir/imputar, em conjunto, na culpa da sinistrada, enquanto potenciadoras do sinistro que se iria seguir… (Sic, fls. 519).

Referimo-nos, concretamente, à infracção estradal – …que é, afinal, na compreensão da factualizada dinâmica do acidente, ut CC) da FF[5], uma inelutável consequência da súbita (e necessariamente prévia) perda de controlo do veículo tripulado –, à falta de inspecção obrigatória do veículo, à falta de seguro obrigatório e ao atraso na ida para o trabalho.

[No que tange à primeira das referidas circunstâncias de facto (invasão da faixa de rodagem contrária pelo veículo conduzido pelo sinistrado, dando origem a colisão com outro veículo que seguia em sentido oposto), o citado Acórdão[6] deste Supremo Tribunal (de 26-1-2006, in www.dgsi.pt) é, dentre muitos outros, paradigmático do entendimento, pacífico e uniforme, desde há muito aqui firmado, sobre esta específica matéria.

Com essa compreensão das coisas concorda expressamente, aliás, a recorrente – vide fls. 514.

Quanto às demais, o desenhado quadro de facto inviabiliza liminarmente qualquer hipótese de (do seu) relacionamento ou conjugação causal, na delineada perspectiva, com o comportamento culposo determinante].

Em conclusão deste ponto diremos, pois, que bem se ajuizou ao considerar-‑se que não ocorreu a descaracterização do acidente, soçobrando, consequentemente, as proposições conclusivas correspondentes.

                                                     __

2.2A determinação do responsável pela reparação.

Sustenta a recorrente, em resumo do seu argumentário, que, contrariamente ao ajuizado no Aresto sub specie, deve ser a co-Ré patronal a assumir a eventual responsabilidade pelo pagamento das indemnizações (sic, na conclusão 39.ª do respectivo alinhamento).

Isto porque entende que a sinistrada DD não se encontrava abrangida no âmbito do contrato de seguro de prémio variável, aqui em causa.

Invoca, fundamentalmente, para sustentação da sua tese, o teor das cláusulas 7.ª, n.ºs 1 e 3 e 8.ª, n.º 3, das Condições Gerais do Contrato e, por fim, o disposto no art. 44.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 72/2008, de 16 de Abril, em cujos termos ‘o segurador não cobre sinistros anteriores à data da celebração do contrato quando o tomador do seguro ou o segurado deles tivesse conhecimento nessa data’.

Reportando-se aos factos provados, adrede relevantes – e partindo do pressuposto de que a inscrição do trabalhador na Segurança Social, à data do sinistro, é condição sine qua non para que possa fazer parte das folhas de férias enviadas àquela Instituição – a Ré/recorrente, sem pôr em causa a validade desse contrato, defende todavia que a sinistrada DD não podia constar das folhas de vencimento, sendo extemporânea a sua inscrição, feita, no caso, depois da trabalhadora já ter falecido.

‘Quid juris’?

Lembremos, conforme factualizado, que:

- A co-Ré patronal, sociedade cujo objecto é o comércio de combustíveis, admitiu DD ao seu serviço, em 1.9.2010, para o desempenho das funções de abastecedora de combustíveis e de caixa do respectivo pagamento;

- A DD prestou trabalho ininterruptamente desde 1.9.2010 a 29.9.2010, dia em que, em consequência directa e necessária do descrito acidente, veio a falecer;

- A co-Ré patronal, ‘CC, Ld.ª’, em 29.9.2010, tinha a responsabilidade infortunístico-laboral, por acidentes ocorridos com os trabalhadores ao seu serviço, transferida para a co-Ré seguradora, por contrato de seguro (ramo acidentes de trabalho – modalidade de prémio variável), titulado pela apólice n.º ...;

- A comunicação de inscrição de DD na Segurança Social como trabalhadora da co-Ré patronal apenas ocorreu às 19h, 43m e 20s do dia 29.9.2010 e foi feita quando o gerente da Ré empregadora já sabia do falecimento daquela;

- Posteriormente foi preenchida pela co-Ré patronal a folha do quadro de pessoal a enviar à Segurança Social relativa às remunerações pagas no mês de Setembro de 2010, que foi entregue na Segurança Social no dia 15.10.2010;

- A Ré patronal em regra processa os vencimentos dos seus trabalhadores no final de cada mês;

- A Ré patronal, em 30.9.2010, processou o recibo de vencimento de DD, que consta de fls. 282;

- DD consta como trabalhadora da Ré ‘CC, Ld.ª’ na folha do quadro de pessoal de 2010 enviada à Seguradora em 2011 para cálculo do prémio de seguro.

Como se constata, e não se questiona, as co-RR. outorgaram um contrato de seguro do ramo ‘Acidentes de Trabalho’, na modalidade de prémio variável, pelo qual a Ré patronal transferiu a responsabilidade infortunística por acidentes ocorridos com trabalhadores ao seu serviço para a Seguradora Ré, contrato vigente à data de 29.9.2010.

(Tal contrato, ut documento n.º 3, a fls. 240 dos autos, teve início em 8.6.1983 e sofreu alteração em 1.10.2011).

Resulta das respectivas ‘Condições Gerais’ (Cl.ªs 5.ª e 24.ª) – em consonância com as cláusulas homólogas constantes da Apólice Uniforme de Seguro Obrigatório de Acidentes de Trabalho para Trabalhadores por Conta de Outrem, aprovada pela Norma Regulamentar n.º 1/2009, do Instituto de Seguros de Portugal, publicada no D.R., 2.ª Série, Parte E, n.º 16, de 23.1.2009, de aplicação imediata, e efeitos reportados a 1.1.2009, quanto ao regime absolutamente imperativo previsto na Parte Uniforme e com a ressalva plasmada no seu art. 6.º relativamente à vigência das condições gerais aprovadas pela Norma Regulamentar anterior e suas alterações – que, na modalidade de seguro contratada, a apólice cobre um número variável de pessoas seguras, com retribuições seguras também variáveis, sendo consideradas pelo segurador (‘BB’) as pessoas e as retribuições identificadas nas folhas de vencimento que lhe são enviadas periodicamente pelo tomador do seguro.

Por isso, é obrigação do tomador do seguro enviar ao segurador, até ao dia 15 de cada mês, conhecimento do teor das declarações de remunerações do seu pessoal remetidas à Segurança Social, relativas às retribuições pagas no mês anterior, devendo ser mencionada a totalidade das remunerações previstas na lei como integrando a retribuição para efeito de cálculo da reparação por acidente de trabalho…

Ante a matriz normativa desta específica modalidade de seguro – cujo objecto, sendo flutuante e oscilando em função do número de pessoas que o empregador vai tendo e/ou deixando de ter ao seu serviço,  é determinado, em cada ciclo, através das chamadas ‘folhas de férias’ que o tomador envia mensalmente à seguradora, com a consequente actualização do prémio devido – não tem qualquer efeito juridicamente relevante, nas relações segurador-tomador, a (data da) inscrição do trabalhador na Segurança Social.

Esta será, lógica e compreensivelmente, condição de inclusão do trabalhador na declaração de remunerações do (seu) pessoal, a remeter pelo empregador à Segurança Social, mas não constitui pressuposto de validade ou eficácia jurídica do contrato de seguro…

…Contrato de seguro que tinha, in casu, vários anos de vigência à data da ocorrência do sinistro sujeito, conforme flui do antedito.

Carece, pois, de fundamento – com o devido respeito – convocar-se o estatuído nas cl.ªs 7.ª, n.ºs 1 e 3 e 8.ª/3, das ‘Condições Gerais do Contrato’ e, mais concretamente, no n.º 2 do art. 44.º do Decreto-Lei n.º 72/2008, de 16 de Abril, diploma que estabeleceu o regime jurídico do contrato de seguro, em cujos termos (e sob a epígrafe “Inexistência de risco”) se dispõe que o segurador não cobre sinistros anteriores à data da celebração do contrato quando o tomador do seguro ou o segurado deles tivesse conhecimento nessa data.

Com efeito – como decorre da narrativa precedente – apenas a comunicação da inscrição da trabalhadora sinistrada na Segurança Social foi feita no dia 29.9.2010, sendo posteriormente preenchida pela co-Ré patronal ‘CC Ld.ª’ a folha do quadro de pessoal a enviar à Segurança Social relativamente às remunerações pagas no mês de Setembro de 2010, entregue nessa Instituição no dia 15.10.2010.

É certo que a comunicação da inscrição foi feita (ainda) no dia 29.9.2010, mas depois do conhecimento do falecimento da trabalhadora DD.

Porém, atento o factualizado contexto, em que a trabalhadora fora admitida ao serviço do empregador apenas no início do mês em que foi vítima do fatal acidente – e sabido até que a entidade empregadora processava os vencimentos dos seus trabalhadores por regra no final de cada mês – não se impunha que devesse tê-lo sido necessariamente antes[7] e/ou que, tendo-o sido após o conhecimento do óbito, já o não fosse licitamente.

Pese embora a ‘reacção’ da recorrente, afigura-se-nos que a actuação da co-‑R. patronal perante a Segurança Social, no que tange à inscrição e inclusão da sua trabalhadora, não obstante antes falecida, na folha de remunerações relativa ao mês de Setembro de 2010, a remeter àquela Instituição até ao dia 15 do mês seguinte, não é viciosa nem contendeu minimamente com a possibilidade de adequado cumprimento da obrigação contratual decorrente  da referida cl.ª 24.ª das ‘Condições Gerais da Apólice, (in?)cumprimento esse que, aliás, a recorrente não questionou.

E, como também facilmente se concederá, não inviabilizou, por igualdade de razão, a possibilidade de a seguradora proceder, se assim o entendesse, ao exame da documentação de base das declarações tempestivamente enviadas à Segurança Social.

Resta, por fim, consignar que o ónus da prova do pretenso incumprimento contratual por banda da outorgante patronal impendia, com certeza, sobre a R. seguradora.

(Assim se decidiu, por exemplo, no Acórdão desta Secção de 12.1.2012, tirado na Revista n.º 57/08.6TTBCL.P1.S1, em cujos termos, tendo a Ré empregadora transferido a sua responsabilidade infortunística para a Ré seguradora, mediante contrato de seguro na modalidade de folhas de férias, e não tendo esta alegado e provado o incumprimento das obrigações decorrentes do contrato por parte da Ré empregadora, apenas a Ré seguradora deve ser responsabilizada pelas consequências do acidente).

Em suma, aproximando a conclusão:

Considerando a co-R. Seguradora responsável pela reparação das consequências danosas do presente acidente de trabalho, o Acórdão recorrido, nos termos e fundamentos que o suportam, ajuizou com acerto, não suscitando por isso reparo ou censura.

Claudicam, consequentemente, as demais proposições da síntese recursória.

                                                          __

E uma vez tudo tratado, do essencial que nos cumpria conhecer, vamos terminar.

                                                          III.

                                                    DECISÃO

Em conformidade com o exposto, delibera-se negar a Revista e confirmar o Acórdão impugnado.

Custas pela recorrente.

                                                          ***

(Anexa-se sumário).

Lisboa, 2 de Março de 2014

                                                                           

Fernandes da Silva (Relator)

Gonçalves Rocha

Leones Dantas

_____________________
[1] - Que, revogando a pregressa LAT (Lei n.º 100/97, de 13 de Setembro, e seu Regulamento, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 143/99, de 30 de Abril), é aplicável aos acidentes de trabalho ocorridos após a sua entrada em vigor, a 1 de Janeiro de 2010 – cfr. seus art. 186.º, 187.º e 188.º.
[2]  - Prevenidos na 1.ª parte da alínea a) do n.º 1 da predita norma.
[3]  - Usando as palavras antes constantes da Base VI, n.º 1, b, da Lei n.º 2127, de 3.8.1965.
[4] - Na sua perspectiva ética ou deontológica, que não propriamente estatística, como se refere, com precisão, na nota ao art. 487.º do Cód. Civil Anotado, Pires de Lima e A. Varela, Vol. I, 4.ª Edição Revista, Coimbra Editora, 1897.
[5] - FF= Fundamentação de Facto.
[6] - Num caso de transposição da linha contínua que divide longitudinalmente as hemi-faixas, com igual solução, cfr. Acórdão deste Supremo Tribunal de 17.9.2009, in www.dgsi.pt.
[7]  - E, muito menos, logicamente, no mês anterior ao do acidente, por óbvias razões.