Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
117-B/1999.P1.S1
Nº Convencional: 2ª SECÇÃO
Relator: ABRANTES GERALDES
Descritores: TRANSFORMAÇÃO DE SOCIEDADES
SÓCIO
EXONERAÇÃO
LIQUIDAÇÃO DA SOCIEDADE
SENTENÇA
EXEQUIBILIDADE
CONDENAÇÃO
Data do Acordão: 01/08/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA EXCEPCIONAL
Decisão: JULGADA PROCEDENTE
Área Temática:
DIREITO CIVIL - LEIS, INTERPRETAÇÃO E APLICAÇÃO DAS LEIS.
DIREITO DAS SOCIEDADES COMERCIAIS - SOCIEDADES POR QUOTAS / TRANSFORMAÇÃO DE SOCIEDADES / EXONERAÇÃO E EXCLUSÃO DE SÓCIOS.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - PROCESSO DE EXECUÇÃO / TÍTULO EXECUTIVO - PROCESSOS DE JURISDIÇÃO VOLUNTÁRIA - EXERCÍCIO DE DIREITOS SOCIAIS.
Doutrina:
- Alberto dos Reis, “Código de Processo Civil”, Anotado, vol. I, p. 152, e Processo de Execução, vol. I, p. 128.
- Anselmo de Castro, Processo Civil Declaratório, vol. I, pp. 112 e 113, e Acção Executiva, p. 16.
- Ary Elias da Costa, “Código de Processo Civil”, Anotado, vol. I, p. 391.
- Carolina Cunha, "Código das Sociedades Comerciais" em Comentário, vol. III, anot. ao art. 240º do CSC, pp. 557, 565.
- João Espírito Santo, Exoneração do Sócio no Direito Societário-Mercantil Português, pp. 945, 967.
- Lebre de Freitas, Acção Executiva, 6.ª ed., pp. 47 e 48, “Código de Processo Civil”, Anotado, vol. I, 2.ª ed., p. 92.
- Lopes Cardoso, Manual da Acção Executiva, p. 43.
- Maria Augusta França, “Direito à exoneração”, em Novas Perspectivas do Direito Comercial, p. 224.
- Raúl Ventura, em Fusão, Cisão, Transformação de Sociedades, p. 524; Sociedade por Quotas, vol. II, pp. 31, 32.
- Remédio Marques, Curso de Processo Executivo Comum, p. 62.
- Roda de Albuquerque, “Direito de exoneração dos sócios mas sociedades por quotas e nas sociedades anónimas”, na Revista de Direito das Sociedades, ano IV, 2012, nº 1, p. 152.
- Teixeira de Sousa, Acção Executiva, p. 73.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGO 8.º, N.º3.
CÓDIGO DAS SOCIEDADES COMERCIAIS (CSC): - ARTIGOS 105.º, 137.º, 240.º.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (NCPC): - ARTIGOS 703º, Nº 1, AL. A), 707.º, 1060.º, 1068.º, 1069.º.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 18-3-97, CJSTJ, TOMO I, P. 160,
-DE 23-3-2014, QUE CONFIRMOU O ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO, DE 28-6-2013,
ACESSÍVEIS EM WWW.DGSI.PT .
Sumário :

1. É de admitir a exequibilidade de sentenças proferidas em acções de natureza constitutivas ou de simples apreciação positiva das quais decorra a condenação implícita no cumprimento de determinada obrigação.

2. O sócio que vota desfavoravelmente a deliberação de transformação da sociedade por quotas em sociedade anónima pode, no prazo de 90 dias, declarar à sociedade a intenção de se exonerar.

3. Confrontada com tal declaração, a sociedade pode optar por amortizar ou adquirir a quota ou promover a sua aquisição por outro sócio ou por terceiro (art. 240º do CSC).

4. O facto de a sociedade não ter adoptado qualquer das referidas medidas, depois de ser confrontada com a declaração de exoneração do sócio não confere a este o direito de exigir daquela o valor da sua participação social, sendo-lhe apenas reconhecido o direito potestativo de requerer a dissolução da sociedade.

5. Optando o sócio exonerando por demandar de imediato a sociedade em acção com processo especial para liquidação da sua participação social, o facto de ter sido proferida sentença que fixou o valor da sua participação não confere ao sócio o direito de exigir da sociedade aquele valor.

6. A sentença proferida em tais circunstâncias não constitui título executivo, na medida em que não reconhece ao sócio exonerando um direito de crédito sobre a sociedade correspondente ao valor da sua participação social.

Decisão Texto Integral:

I - AA - ALCATIFAS e CORTINADOS de ..., S.A, deduziu oposição contra a execução para pagamento de quantia certa que contra si foi interposta por BB, pedindo que a mesma seja julgada extinta.

Alega que a sentença apresentada como título executivo não é exequível, já que a oponente não foi condenada a pagar ao exequente qualquer quantia, limitando-se a fixar o valor da participação social do exequente na sociedade executada. A transformação da sociedade por quotas em sociedade anonima apenas permitia ao exequente requerer a dissolução judicial da sociedade, a qual deveria pagar a quota do exequente, se a quisesse adquirir, o que não é o caso, pois não pretende realizar tal aquisição.

Contestou o exequente pedindo a improcedência da oposição.

Foi proferida sentença que julgou a oposição improcedente e determinou o prosseguimento da execução.

A executada apelou, mas a Relação confirmou a sentença.

Interpôs a opoente recurso de revista excepcional impugnando a exequibilidade da sentença, entendendo que se limitou a fixar o valor da quota sem que dela resulte qualquer condenação no pagamento desse valor.

O exequente contra-alegou.

Cumpre decidir.

II – Elementos a ponderar:

1. Foi intentada pelo ora exequente acção com processo especial para liquidação da sua participação social contra a ora oponente;

2. Em 26-6-98, o exequente era sócio da sociedade executada, AA -Alcatifas e Cortinados de ..., Ldª, com uma quota de 15%, no valor nominal de PTE 8.250.000$00;

3. Na assembleia geral de 26-6-98 dessa sociedade foi deliberada a sua transformação em sociedade anónima, tendo o exequente votado contra tal deliberação;

4. Em consequência da deliberação, o exequente, por carta registada de 3-7-98, comunicou àquela sociedade a sua exoneração da qualidade de sócio;

5. Por escritura pública de 10-7-98 a referida sociedade foi transformada em sociedade anónima (fls. 69 e 70), acto que foi levado ao registo comercial pela apresentação 52/981008 (fls. 74);

6. Àquela quota, avaliada por um revisor oficial de contas, foi-lhe atribuído o valor de € 179.944,50, correspondente ao valor total da sociedade executada de € 1.199.630,00;

7. Por sentença de 7-2-08, confirmada pelo Ac. da Rel. do Porto, de 7-7-08 (e que foi apresentado como título executivo), proferida no âmbito do processo de liquidação de participações sociais previsto no art. 1498º do anterior CPC foi fixada pelo tribunal em € 1.495.955,00 o valor da sociedade executada e em € 224.393,25 a participação social do exequente.

III – Decidindo:

1. Suscita-se no presente recurso de revista unicamente a questão da exequibilidade da sentença que foi apresentada como título executivo, a qual foi proferida no âmbito de uma acção com processo especial de liquidação de participação social interposta pelo ora exequente contra a ora sociedade executada.

Tal recurso foi admitido como revista excepcional, atenta a existência de contradição entre o acórdão recorrido e um outro acórdão da Relação sobre a mesma questão fundamental de direito.

As dúvidas que tal contradição veio realçar giram em torno da susceptibilidade de extrair da mencionada sentença uma condenação implícita da sociedade no pagamento ao exequente do valor que foi atribuído à quota que este detinha na sociedade aquando da aprovação da deliberação de transformação da sociedade por quotas em sociedade anónima.

A sua resolução não prescinde de uma análise mais detalhada do processo societário de exoneração do sócio nos casos em que este vota desfavoravelmente a deliberação de transformação da sociedade.

Uma vez que a deliberação social e o subsequente exercício do direito de exoneração ocorreram em 1998, a apreciação do caso far-se-á em face do regime jurídico que então vigorava.

2. Nos termos do art. 703º, nº 1, al. a), do NCPC (de teor idêntico ao art. 46º, nº 1, al. a), do anterior CPC), são exequíveis as sentenças que condenem na satisfação de uma obrigação, a par do reconhecimento explícito ou implícito do correspectivo direito de crédito.

O preceito não afasta alguma dúvida a respeito da possibilidade de enquadrar no seu âmbito não apenas as sentenças explicitamente condenatórias (proferidas no âmbito de acções declarativas de condenação ou de acções de natureza mista), mas também as que apenas de forma implícita contenham uma imposição ao demandado do cumprimento de uma obrigação.

As dúvidas têm surgido fundamentalmente a respeito de sentenças proferidas em determinadas acções constitutivas, como a acção de preferência ou a acção de execução específica, mas são extensivas às sentenças proferidas em acções de simples apreciação positiva.

Num caso ou noutro é legítimo perguntar se, malgrado a existência de uma sentença proferida em processo de natureza contraditória recognitivo da existência de uma obrigação e do correspondente direito de crédito, ainda será necessária a instauração de outra acção com o único objectivo de formalizar a expressa condenação do réu no cumprimento dessa obrigação ou se, ao invés, a exequibilidade imediata de tal sentença pode emergir de uma condenação implícita.

A jurisprudência e a doutrina maioritárias vêm assumindo a exequibilidade de tais sentenças, como o revela, por exemplo, o Ac. do STJ, de 18-3-97, CJSTJ, tomo I, pág. 160, segundo o qual "a sentença proferida em acção de preferência, apesar de constitutiva, constitui título executivo para obter a entrega de coisa certa".

Na doutrina, já Alberto dos Reis defendera tal solução, invocando um argumento de ordem histórica ligado à modificação da redacção do preceito na reforma de 1961 que passou a reportar-se a “sentenças condenatórias” e não a “sentenças de condenação” (CPC anot, vol. I, pág. 152, e Processo de Execução, vol. I, pág. 128).

Também Anselmo de Castro advogava que a sentença constitutiva pode constituir título suficiente para iniciar o processo executivo para entrega de coisa certa, desde que contenha implícita tal obrigação, nomeadamente nos casos de acções de preferência ou de divisão de coisa comum (Processo Civil Declaratório, vol. I, págs. 112 e 113, e Acção Executiva, pág. 16).

Mais preciso foi Ary Elias da Costa que considerou exequíveis as sentenças em que o juiz, expressa ou tacitamente, impusesse a alguém determinada responsabilidade, o que acontece, nomeadamente, nas sentenças homologatórias de transacção ou de confissão (CPC anot. vol. I, pág. 391).

No mesmo sentido se pronunciou Lopes Cardoso para o qual bastava que na sentença ficasse declarada ou constituída a obrigação para ser viável a instauração de processo de execução (Manual da Acção Executiva, pág. 43).

Também Teixeira de Sousa defende a exequibilidade das sentenças que, “de forma implícita”, contenham um “dever de cumprimento”, assim acontecendo quando o pedido de condenação, “se tivesse sido cumulado com o pedido de mera apreciação ou constitutivo”, formasse com este uma “cumulação aparente”, por se referir à mesma realidade económica (Acção Executiva, pág. 73).

Remédio Marques adere à mesma solução, admitindo a execução de sentenças de onde apenas implicitamente resulte uma obrigação (Curso de Processo Executivo Comum, pág. 62).

Igualmente Lebre de Freitas acaba por aceitar a exequibilidade de sentenças proferidas no âmbito de acções constitutivas, desde que contenham a condenação implícita como resposta também a um pedido de condenação implícito (Acção Executiva, 6ª ed., págs. 47 e 48, e CPC anot., vol. I, 2ª ed., pág. 92).

3. Não questionamos a exequibilidade das sentenças das quais resulte a inequívoca existência de uma obrigação e o correspondente direito de crédito.

É da natureza do título executivo conter o acertamento do direito. Por isso, se perante o acto jurídico – maxime a sentença de onde emerge uma condenação implícita no cumprimento de uma obrigação - for possível concluir que aquela finalidade já se encontra assegurada, é de todo inútil a interposição de nova acção declarativa, sendo a mesma dotada de exequibilidade.

Se a exequibilidade intrínseca se verifica relativamente a documentos autênticos e autenticados que constituam ou reconheçam a existência de uma obrigação (art. 707º do NCPC), a recusa desse pressuposto a uma sentença, só porque da mesma não emerge uma condenação explícita no cumprimento de uma obrigação que pela mesma é reconhecida ou constituída, revelar-nos-ia uma incongruência sistémica. Na verdade, malgrado a maior solenidade que rodeia a prolação da sentença e as garantias do contraditório que são asseguradas em todo o percurso processual para a atingir, acabaria por produzir menos efeitos do que os emergentes da apresentação de um daqueles documentos.

Se com base numa escritura pública de compra e venda de um prédio é possível executar, segundo as circunstâncias, a obrigação pecuniária (do comprador) ou a obrigação de entrega da coisa (do vendedor), não se descortinam razões que impeçam a extracção de idêntico efeito a partir de sentenças que, por exemplo, sejam constitutivas do direito de propriedade, por decorrência do direito real de preferência ou do direito potestativo de execução específica de contrato promessa de compra e venda, ou declarem, sem dúvida alguma, a existência de um direito e da correspondente obrigação a cargo do réu.

4. No caso concreto não teríamos dúvidas em admitir a exequibilidade da sentença proferida no âmbito do processo especial de liquidação que fixou o valor da participação social do autor se à mesma estivesse subjacente uma situação que, de acordo com o direito material, conferisse ao exequente o correspondente direito de crédito, isto é, o direito de exigir imediatamente da sociedade executada o valor fixado para a sua quota, como mera consequência do facto de ter declarado a sua exoneração ou de ter sido outorgada a escritura de transformação em sociedade anónima.

Tal ocorreria se, por exemplo, a sociedade executada tivesse deliberado amortizar a quota de que o exequente era titular e, depois de operar a transformação da sociedade, não procedesse ao pagamento do valor daquela participação liquidado nos termos do art. 105º do CSC e fixado por sentença proferida (art. 1069º do NCPC).

Em tais circunstâncias, ainda que inexistisse em tal sentença um segmento explicitamente condenatório da sociedade executada no pagamento do valor da participação social, não poderia negar-se à mesma a exequibilidade que legitimaria o cumprimento coercivo da obrigação. Afinal, em tais circunstâncias, o recurso ao referido processo especial dos arts. 1068º e 1069º do NCPC pressupõe a existência de um direito de crédito correspondente ao valor da participação e visa precisamente a sua quantificação nos casos em que o mesmo não seja fixado por acordo entre o sócio e a sociedade.

Porém, no caso sob apreciação, não estão reunidas as condições, já que a sentença que subjaz à presente execução, embora tenha fixado o valor da participação social do exequente, não tem subjacente a existência efectiva da obrigação de pagamento desse valor por parte da sociedade executada, nem o correspondente direito de crédito na esfera do sócio exequente.

Ou seja, a sentença apresentada à execução demonstra suficientemente que a participação social do exequente na sociedade executada, antes de se operar a transformação da sociedade por quotas em sociedade anónima, tinha o valor que foi judicialmente reconhecido, mas não mais do que isso. A tal sentença não subjaz, nem de forma expressa, nem implícita, a existência da obrigação a cargo da sociedade de efectuar o pagamento ao sócio dessa quantia.

É verdade que o processo especial de liquidação de participações sociais se destina a apurar o valor de participações em diversas situações que decorrem da relação societária e que, no caso concreto, a R. sociedade nem sequer apresentou contestação, nem foram suscitados quaisquer obstáculos à prolação de uma sentença de mérito.

Todavia, as vicissitudes do processo especial e a inércia da executada reveladas no seu âmbito não bastam para extrair da sentença final uma obrigação que, na verdade, não encontra sustentação imediata no direito material que rege as figuras da transformação da sociedade e da exoneração de sócio de sociedade por quotas.

5. Importa que se aprofunde esta questão de natureza substantiva de que afinal depende a questão de natureza processual que constitui o cerne do recurso de revista.

O art. 137º do CSC, na sua versão original, ao caso aplicável, conferia a qualquer sócio o direito de pedir a sua exoneração quando não aprovasse a deliberação social tendente à transformação da sociedade.

Tratando-se, in casu, de uma sociedade por quotas, a matéria encontrava regulamentação específica no art. 240º do CSC, norma segundo a qual o direito de exoneração deveria ser exercido pelo sócio em determinado prazo, competindo depois à sociedade optar pela amortização ou pela aquisição da quota ou promover a sua aquisição por outro sócio ou por terceiro.

Como refere Raúl Ventura, em Fusão, Cisão, Transformação de Sociedades, pág. 524 “recebida a declaração do sócio que exerça o direito de exoneração, a sociedade deve, no prazo de 30 dias, amortizar a quota, adquiri-la ou fazê-la adquirir por sócio ou terceiro, sob pena de o sócio requerer a dissolução judicial da sociedade” (fls. 524).

Não se trata, pois de um direito potestativo do sócio que, uma vez exercitado, faça surgir simultaneamente na sua esfera jurídica um direito de crédito e na esfera jurídica da sociedade a correspondente obrigação de pagamento do valor da quota social. Com a recepção da declaração do sócio de exoneração a sociedade é simplesmente confrontada com a necessidade de fazer uma escolha entre as diversas opções que a lei lhe confere, escolha que, como refere o mesmo autor, “implica uma deliberação dos sócios”, já que apenas estes “podem assumir a responsabilidade pela eventual dissolução da sociedade, se nenhuma deliberação tomarem” (Sociedade por Quotas, vol. II, pág. 31).

Segundo Carolina Cunha, nas sociedades por quotas “a simples declaração de vontade do sócio em se exonerar da sociedade é insuficiente para produzir o efeito pretendido (saída do sócio da sociedade), como a sociedade não está propriamente numa situação de sujeição jurídica, caracterizada pela inelutabilidade da modificação jurídica (in casu, extinção do vínculo sociedade-sócio) imposta” (anot. ao art. 240º do CSC, no CSC em Comentário, vol. III, pág. 557). Mais adiante acrescenta que, feita a comunicação tendente à exoneração, cabe à sociedade “tomar uma decisão quanto ao modo concreto de executar a exoneração do sócio, implicando, do mesmo modo, uma escolha quanto ao destino a dar à respectiva participação social: amortização da quota; aquisição da quota pela sociedade, por sócio ou por terceiro” (pág. 565).

E se, como ocorreu no caso concreto, a sociedade não reagir?

A esta questão responde a mesma autora de modo peremptório: “caso a sociedade não reaja tempestivamente à comunicação que lhe foi endereçada pelo sócio declarando a sua intenção de se exonerar, coloca a lei ao seu dispor a faculdade de conseguir a desvinculação por uma via mais radical: o requerimento da dissolução da sociedade…” (pág. 566).

Esta resposta é confirmada por João Espírito Santo, quando afirma que “no que respeita à sociedade por quotas, o art. 240º do CSC estabelece uma ligação entre o direito de exoneração do sócio e a dissolução da sociedade nos nºs 4, 6 e 7º: no primeiro (nº 4) como consequência de a sociedade não deliberar um dos meios de execução do direito do sócio, no prazo de 30 dias após a recepção da declaração de exoneração”(Exoneração do Sócio no Direito Societário-Mercantil Português, pág. 967).

Também assim por Raúl Ventura quando conclui que “a faculdade de o sócio requerer a dissolução da sociedade é apresentada pelo art. 240º, nº 3, como uma «pena» para a falta de cumprimento do dever da sociedade” (Sociedade por Quotas, vol. II, pág. 32). Afirma ainda que o sócio só se consideraria exonerado na data da escritura de transformação (art. 137º, nº 4), na qual, por seu lado, atento o disposto no art. 135º (que na data se encontrava em vigor), deveria ser feita a indicação dos sócios que se exoneraram, o valor da liquidação das respectivas quotas e o montante global pago aos sócios exonerados.

Mas, como lucidamente também observa Raúl Ventura, “os preceitos relativos à transformação de sociedades são optimistas quanto ao seguimento dado pela sociedade à declaração de exoneração”, já que “pode suceder que, apesar da declaração do sócio, a sociedade nada faça e até na escritura de transformação não indique esse sócio como exonerado” (ob. e loc. cit.).

Assim aconteceu no caso concreto, como o revela a escritura de transformação que foi exarada. Por isso, precavendo-se relativamente a essa e outras eventualidades, conclui o mesmo comercialista que “para a falta de cumprimento do disposto no art. 240º, nº 3, está neste cominada a dissolução judicial da sociedade, a requerimento do sócio; o mesmo deve ser observado na hipótese da transformação, em que não há motivo para mais fraca protecção do sócio” (no mesmo sentido Maria Augusta França, em “Direito à exoneração”, em Novas Perspectivas do Direito Comercial, pág. 224).

Em suma, a dissolução e posterior liquidação da sociedade – e não a liquidação da participação social – é a consequência que a lei prescreve para os casos em que a a sociedade não encontre algum dos referidos destinos para a quota do sócio que se pretende exonerar.

O direito de exoneração do sócio da sociedade por quotas é, no dizer de Roda de Albuquerque, um meio de tutela dos sócios minoritários que “podem, em situações muito particulares, sair da sociedade (ou, pelo menos, desinvestir) para que não tenham de ser obrigados a suportar um prejuízo que a vontade da maioria lhes impõe e que é digno de tutela” (“Direito de exoneração dos sócios mas sociedades por quotas e nas sociedades anónimas”, na Revista de Direito das Sociedades, ano IV, 2012, nº 1, pág. 152).

É aquele o meio de tutela dos direitos do sócio minoritário em casos de divergência quanto à transformação da sociedade que não encontre no meio societário um outro remédio.

6. Daqui decorre que a sequência do processo societário de exoneração do sócio de uma sociedade por quotas em casos de transformação em sociedade anónima não culmina necessariamente com uma sentença proferida no âmbito de processo especial de liquidação de participações sociais atribuindo um o valor à participação social do sócio exonerando.

Essa forma de liquidação está regulada no art. 1060º do CPC ( e anteriormente no art. 1498º), mas o recurso a tal instrumento processual não tem como pressuposto a inércia da sociedade relativamente ao pedido de exoneração do sócio, sendo antes ajustado a situações em que se identifique “um direito substantivo de avaliação judicial da participação” (João Espírito Santo, ob. cit., pág. 945)

Sendo variado o campo de aplicação de tal forma processual, poderia justificar-se a sua utilização se acaso a sociedade tivesse optado pela amortização, mediante prévia deliberação, estabelecendo-se uma controvérsia relativamente ao valor a suportar pela sociedade.

Nestes casos (e noutros semelhantes) justificar-se-ia efectivamente a instauração do processo especial para liquidação de participações sociais, podendo, então, afirmar-se que a sentença que nele viesse a fixar o valor da participação social, embora sem cariz explicitamente condenatório, constituiria título executivo susceptível de sustentar a pretensão de cumprimento coercivo da obrigação de pagamento do montante fixado pelo tribunal como contrapartida da amortização da quota.

Todavia, no caso concreto, atenta a inércia revelada pela sociedade, depois de ter sido confrontada com a declaração de exoneração, não se constituiu na esfera jurídica do sócio nem o direito de exigir ou impor à sociedade a amortização ou a aquisição da sua quota, nem sequer o direito de reclamar de imediato o pagamento do valor da sua participação.

Em suma, na esfera jurídica do sócio exequente não se configura para já a existência um direito de crédito que, correspondendo ao valor atribuído à sua participação social, encontre na sociedade a obrigação sinalagmática de efectuar o pagamento do valor que foi fixado pelo tribunal.

A exoneração do sócio constitui um direito potestativo, é certo, mas não implica necessariamente para a sociedade a amortização da quota, sendo esta uma das opções que lhe são conferidas (amortização ou aquisição pela sociedade, por outro sócio ou por terceiro), sob cominação de um eventual pedido de dissolução formulado pelo sócio exonerando.

Como se disse, a consequência legalmente prevista para a referida inércia é a exercitação do direito de pedir a dissolução da sociedade, passo fundamental para que, através da eventual e posterior liquidação do seu património, o sócio consiga obter a parte correspondente à sua participação.

Por conseguinte, embora tenha sido instaurado um processo especial no âmbito do qual foi proferida sentença que fixou o valor da participação social do sócio ora exequente, tal sentença não pode ser desligada do direito material que lhe está subjacente.

7. Esta mesma conclusão, com reflexos também na declaração da inexequibilidade de sentenças semelhantes, foi extraída pelo Ac. do STJ, de 23-3-14 (Rel. Oliveira Vasconcelos) que confirmou o Ac. da Rel. do Porto, de 28-6-13 (Rel. Pinto de Almeida). Solução que já fora anteriormente adoptada no Ac. da Rel. do Porto, de 20-9-12 (Rel. Mário Fernandes) (arestos acessíveis em www.dgsi.pt).

Todos estes arestos têm subjacentes pretensões deduzidas contra a mesma sociedade que aqui surge como executada e foram formuladas por outros sócios da mesma sociedade que, discordando igualmente da mesma deliberação de transformação da sociedade, pretenderam, tal como o exequente desta acção, concretizar a sua exoneração da sociedade.

Em face destes antecedentes jurisprudenciais não podem os tribunais deixar de estabelecer o confronto relativamente ao que já foi definitivamente decidido em processos objectivamente idênticos, prevenindo o risco de consolidação de respostas contraditórias que, além de se afastarem do objectivo da segurança na aplicação do direito, colocariam em grave crise o tratamento igualitário para que aponta a interpretação uniforme do direito que é proclamada no art. 8º, nº 3, do CC.

Este um motivo adicional – posto que complementar – que poderia ser invocado para a revogação do acórdão recorrido que, contra a corrente das referidas decisões jurisprudenciais, acabou por afirmar a exequibilidade de uma sentença proferida num processo com elevado grau de paralelismo relativamente aos processos anteriores que apenas diferem quanto à identidade dos sócios envolvidos.

III – Face ao exposto, acorda-se em julgar procedente a revista excepcional e, revogando-se o acórdão recorrido, julga-se procedente a oposição à execução, determinando-se a extinção desta.

Custas da revista e nas instâncias, quer da oposição quer da acção, a cargo do exequente.

Notifique.

Lisboa, 8-1-15

Abrantes Geraldes

Bettencourt de Faria

João Bernardo