Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
06A1979
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: JOÃO CAMILO
Descritores: RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO
FUNÇÃO JURISDICIONAL
REQUISITOS
ERRO
Nº do Documento: SJ200607180019796
Data do Acordão: 07/18/2006
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA.
Decisão: NEGADA A REVISTA.
Sumário : I. A responsabilidade civil do Estado decorrente do exercício da função jurisdicional está prevista no art. 22º da Constituição da República.
II. Essa responsabilidade civil decorrente de erro de direito praticado no exercício da função jurisdicional está dependente de o erro ser considerado grosseiro, crasso, palmar, indiscutível e de tal modo grave que torne a decisão judicial claramente arbitrária.
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:


"AA", BB e mulher CC propuseram a presente acção com processo ordinário no Tribunal Judicial de Caminha, contra o Estado Português, pedindo a condenação do réu a pagar de indemnização:
- Ao autor AA, a quantia de 7.700.000$00, a título de danos patrimoniais e a quantia de 10.000.000$00 por danos não patrimoniais, tudo acrescido de juros de mora, à taxa legal, a partir da citação e até integral pagamento;
- Ao autor BB, a quantia de 35.420.000$00, a título de danos patrimoniais e a quantia de 10.000.000$00, por danos não patrimoniais, acrescidos dos juros de mora, à taxa legal desde a citação e até integral pagamento;
- À autora CC a quantia de 53.900.000$00, por danos patrimoniais e, ainda, o montante de 10.000.000$00 por danos não patrimoniais, também tudo acrescidos dos juros nos mesmos termos.
Para tanto alegam, em síntese, serem sócios e gerentes da sociedade comercial denominada "Empresa-A", com sede no lugar do ..., freguesia de Vilarelho, Caminha, dedicada ao fabrico, comercialização, importação e exportação de calçado e seus componentes, sendo do cargo de sócios gerentes que os autores recebiam os seus únicos rendimentos, no qual, cada um, auferia 220.000$00 de vencimento por mês.
A 24-03-2000 deu entrada no Tribunal de Caminha o requerimento de três dos trabalhadores daquela, solicitando a declaração de falência da mesma sociedade, a que se opuseram os autores em representação daquela.
Em 16-05-2000 foi proferido o despacho previsto no art. 25º do CPEREF no qual se decidiu estarem reunidos os requisitos necessários para se ordenar o prosseguimento da acção e em 28-06-2000 foi proferida sentença que declarou a mesma sociedade em estado de falência.
Esta sociedade embargou aquela declaração, sendo em 6-10-2000 julgados os embargos improcedentes.
Desta decisão interpôs a mesma sociedade comercial apelação onde por acórdão da Relação do Porto, foi, em 28-03-2001, revogada a sentença que decretara a falência, ordenando o arquivamento dos autos.
Deste acórdão interpuseram os requerentes da falência revista que, porém, confirmou a decisão da Relação.
Mais alegaram que com aquela declaração de falência se sentiram prejudicados patrimonial e não patrimonialmente, alegando tais danos terem sido causados por erro judicial grosseiro.
Contestou o Ministério Público excepcionando com a ilegitimidade dos autores para peticionaram danos não patrimoniais, impugnando grande parte dos factos alegados e discutindo a matéria de direito aplicável, concluindo pela irresponsabilidade do réu.
Replicaram os autores refutando a verificação da matéria de excepção.
Saneado o processo onde se julgou improcedente a excepção de ilegitimidade dos autores, foi organizada a matéria assente e a base instrutória, realizando-se a audiência de discussão e julgamento, tendo sido proferida sentença que julgou o pedido improcedente.
Desta apelaram os autores, tendo a Relação de Guimarães julgado este recurso improcedente.
Mais uma vez inconformados, vieram os autores interpor a presente revista, tendo nas alegações formulado conclusões que por falta de concisão, não serão aqui transcritas.
Contra-alegou o recorrido, defendendo a manutenção do decidido.
Corridos os vistos legais, urge apreciar e decidir.
Como é sabido - arts. 684º, nº 3 e 690º, nº 1 do Cód. de Proc. Civil, a que pertencerão todas as disposições a citar sem indicação de origem -, o âmbito dos recursos é delimitado pelo teor das conclusões dos recorrentes.
Das conclusões dos aqui recorrentes se vê que os mesmos, para conhecer neste recurso, levantam as seguintes questões:
a) O disposto no art. 22º da Constituição da República aplica-se à responsabilidade do Estado por actos ou omissões praticados no exercício da função jurisdicional ?
b) A decisão que decretou a falência da sociedade Empresa-A, datada de 28/06/2000 e a decisão de 6/10/2000 que julgou improcedentes os embargos deduzidos pela mesma sociedade àquela declaração enfermam de erro grosseiro ?
c) Os autores sofreram os danos patrimoniais e não patrimoniais peticionados por causa do referido erro grosseiro ?

Como os factos dados por provados pelas instâncias não foram impugnados neste recurso, e nem se vislumbra necessidade de os alterar oficiosamente, nos termos do art. 713º, nº 6 se dão aqueles por reproduzidos.
Vejamos agora cada uma das concretas questões acima mencionadas como objecto deste recurso.
a) Nesta primeira questão, pretendem os recorrentes que a responsabilidade das entidades públicas prevista no art. 22º da Constituição da República Portuguesa (CRP) se aplica aos actos ou omissões praticados no exercício da função jurisdicional.
A primeira instância havia chegado à conclusão de tal aplicabilidade, mas o douto acórdão em recurso entendeu de maneira oposta.
Ultimamente, na sequência dos ensinamentos da doutrina, vem sendo jurisprudência fortemente maioritária deste Supremo Tribunal - tanto quanto conhecemos - a opinião de que a responsabilidade do Estado prevista no art. 22º da Constituição da República, abrange os danos decorrentes de actos e omissões praticadas no exercício da função jurisdicional - cfr. acórdãos deste Supremo: de 31-03-2004, proferido no recurso nº 3155/03 - 6ª secção; de 29-06-2005, proferido no recurso nº 1780/05 - 6ª secção e de 29-06-2005, in http://www.dgsi.pt/stj.nsf/954.
Segundo este último acórdão citado, o art. 22º consagra um princípio geral de directa responsabilidade civil do Estado, por danos resultantes do exercício das suas funções política, legislativa, administrativa e jurisdicional, estando sujeito ao regime dos direitos, liberdades e garantias de acordo com o art. 17º da CRP. Por isso, acrescenta aquele aresto, é directamente aplicável, não dependendo de lei para poder ser invocado pelo lesado, cobrindo a indemnização todos os danos causados.
Também há quem defenda neste Supremo Tribunal que a aplicabilidade do referido art. 22º é directa, mas carecendo de lei concretizadora, esta será o Dec. Lei nº 48051 de 21-11-67 - cfr ac. STJ de 31-03-2004, proferido no recurso nº 638/03.
Também já se entendeu em voto de vencido do Conselheiro Salvador da Costa, na decisão deste STJ de 20-10-2005, proferida no recurso nº 2490/05 -7ª secção, de que na falta de legislação ordinária concretizadora do disposto no art. 22º mencionado e atenta a inaplicabilidade ao caso do citado Dec.-Lei nº 48051, o Estado não responde por actos dos seus órgãos jurisdicionais.
Diremos por nós que a regra de interpretação da lei no sentido de que onde o legislador não distinguiu não deve o intérprete distinguir, aponta para a solução da aplicabilidade daquele preceito constitucional ao exercício da função jurisdicional. Ora o art. 22º citado fala no exercício de funções do Estado e demais entidades públicas, pelo que nada nos autoriza a excluir destas a função jurisdicional. Desta forma quer se entenda que se aplica ao caso o citado Dec.-lei nº 48051 quer se perfilhe a opinião de que se aplica a norma de decisão a elaborar de que falam os Profs. Gomes Canotilho e Vital Moreira e abaixo mais explicitada, se tem de concluir pela aplicabilidade do regime do art. 22º mencionado ao caso de responsabilidade do Estado pelos danos causados a terceiros pelo exercício da função jurisdicional.
Procede, assim, este fundamento do recurso.

b) Nesta segunda questão pretendem os recorrentes terem as referidas decisões de declaração de falência e de improcedência dos embargos enfermado de erro grosseiro.
Antes de mais há que precisar onde ocorre o alegado erro grosseiro.
Os recorrentes nas suas alegações começam por dizer que o acórdão em recurso fez "uma má aplicação do direito ".
Depois falam em a Senhora Juíza que decretou a falência e a improcedência dos embargos ter decidido contra lei e contra a lógica dos factos.
Já nas conclusões, os recorrentes referem ter havido erro grosseiro de apreciação da prova e de julgamento.
Porém da análise de toda a matéria das alegações resulta que o que os recorrentes impugnam consiste unicamente no seguinte: o conteúdo das decisões pretensamente erráticas " não apreciou nem teve em conta os requisitos : impossibilidade de recuperação e inviabilidade económica ", referindo-se aos requisitos da declaração de falência previstos no art. 1º, nº 2 do CPEREF - aprovado pelo Dec.-Lei nº 132/93 de 23 de Abril, então em vigor.
Em lado algum das alegações se menciona qualquer meio de prova que tenha sido mal apreciado ou omitido ou facto que tenha sido mal decidido.
Por isso damos por assente que o erro grosseiro alegado se dera na não consideração da exigência daqueles requisitos legais, o que quer dizer que o alegado erro grosseiro teria sido cometido na decisão de direito.
Pese embora o respeito devido pela opinião dos recorrentes estamos em inteiro acordo com a decisão da 1ª instância e, na parte essencial, com a decisão da Relação e vejamos porquê.
A responsabilidade civil do Estado por actos dos seus órgãos no exercício da função jurisdicional não tem tido uma resposta unânime na nossa jurisprudência.
Desde logo a douta opinião do mencionado voto de vencido do Conselheiro Salvador da Costa que não admite aquela responsabilidade na falta de lei ordinária regulamentadora da mesma.
Por outro lado, há a opinião exarada no ac. de 29-06-2005, proferido no recurso nº 1780/05 mencionado segundo a qual se aplica o disposto no Dec.- Lei nº 48051 mencionado como lei concretizadora da disciplina da responsabilidade prevista no art. 22º em referência.
Segundo outras decisões deste Supremo Tribunal, o art. 22º é aplicado directamente , recorrendo-se " às normas de decisão " de que falam os Profs. Gomes Canotilho e Vital Moreira, in Constituição Anotada, 3º ed., pág. 170, como sendo as normas que incumbe aos tribunais criar que permitam reparar os danos resultantes dos actos lesivos de direitos, liberdades, garantias e interesses juridicamente protegidos dos cidadãos - cfr. ac. de 29-06-2005 de que foi relator o Conselheiro Ponce de Leão, no recurso nº 1064.
No caso dos autos os recorrentes defendem que a responsabilidade do Estado se estriba num erro judiciário grosseiro de direito, como vimos, erro esse que ambas as instâncias concluíram não se verificar e com o que nós concordamos plenamente, pelo que se nos não mostra necessária uma tomada de posição quanto à referida controvérsia jurisprudencial.
Com efeito, ambas as instâncias e os próprios recorrentes aceitam que a responsabilidade do Estado está dependente do facto de ter ocorrido um erro grosseiro por parte dos órgãos jurisdicionais na decisão da questão de direito.
Ora tal como bem tem entendido a jurisprudência e a doutrina, o erro de direito nas decisões dos tribunais só poderá constituir fundamento de responsabilidade civil na jurisdição cível, quando, salvaguardada a essência da função jurisdicional de interpretação de normas de direito e de valoração jurídica dos factos e das provas, seja grosseiro, evidente, crasso, palmar, indiscutível e de tal modo grave que torne a decisão judicial numa decisão claramente arbitrária - cfr. ac. STJ de 31-03-2004, no rec. nº 3155/03 de que foi relator o Conselheiro Nuno Cameira.
Tal decorre da natureza específica da função jurisdicional, atendendo a que os Tribunais são órgãos de soberania com competência para administrar a justiça em nome do povo - art. 202º, nº 1 da Constituição da República ( CRP ). Os Tribunais são independentes e apenas sujeitos à lei - art. 203º da CRP. Por outro lado, os juízes não podem ser responsabilizados pelas suas decisões, salvo as excepções consignadas na lei - art. 216º, nº 2 da CRP.
Além disso, os Magistrados Judiciais não podem abster-se de julgar com fundamento na falta, obscuridade ou ambiguidade da lei, ou em dúvida insanável sobre o caso em litígio, desde que este deva ser juridicamente regulado - art. 3º, nº 2 do Est. dos Magistrados Judiciais ( EMJ )- Lei nº 21/85.
Os Magistrados julgam apenas segundo a Constituição e a lei e não estão sujeitos a ordens ou instruções, salvo o dever de acatamento pelos tribunais inferiores das decisões proferidas em via de recurso, pelos tribunais superiores - art. 4º, nº 2 do EMJ. Os Magistrados não podem ser responsabilizados pelas suas decisões - art. 5º, nº 1 do EMJ. Só nos casos especialmente previstos na lei os Magistrados Judiciais podem ser sujeitos, em razão do exercício das suas funções, a responsabilidade civil, criminal e disciplinar - art. 5º, nº 2 do EMJ.
O princípio da independência implica a autonomia na interpretação do direito, no exercício da jurisdição.
"Qualquer relação hierárquica no plano da organização judicial não poderá ter incidência sobre o exercício da função jurisdicional. A existência de tribunais de hierarquia diferente e a consagração de órgãos de disciplina ( Conselhos Superiores ) também não perturba o princípio da independência do juiz no exercício da jurisdição "- Ac. TC 257/98.
Por outro lado, temos de considerar que a ciência do Direito não é uma ciência exacta, fazendo parte da sua essência a controvérsia, a argumentação e a interpretação, sendo o número de casos possíveis na vida real muito superior às previsões da lei.
Tudo isto aponta no sentido de ser possível a ocorrência de erros na decisão jurisdicional, porque os intervenientes processuais não são dotados do dom da infalibilidade, todos estando sujeitos a errar.
Por isso, tal como se escreveu no acórdão deste tribunal de 8/07/97, CJSTJ, V, II, pág. 153 e segs. " sabido, como é, que as suas características de generalidade e abstracção distanciam cada vez mais a lei dos casos da vida, e considerando a multiplicidade de factores, endógenos e exógenos, determinantes da opção final que o juiz toma - atentemos, desde logo, na variedade de critérios, por vezes de sentido divergente, que o próprio art. 9º do CC nos dá sobre a interpretação da lei -, bem se compreende que seja com grande frequência que se manifestam sobre a mesma questão opiniões diversas, cada uma delas capaz de polarizar larga adesão, e com isso se formando correntes jurisprudenciais das quais, se se pode ter a certeza de que não estão ambas certas, já difícil ou impossível será assentar em qual está errada.
Desta forma realçaremos que a própria reapreciação de decisões judiciais pela via do recurso não pode significar, em caso de revogação da decisão recorrida, que esta estava errada; apenas significa que o julgamento da questão foi deferido a um tribunal hierarquicamente superior e que este, sobrepondo-se ao primeiro, decidiu de modo diverso.
"A circunstância de dois juízes decidirem em sentidos opostos a mesma questão de direito não significa necessariamente, face à problemática da responsabilidade extracontratual do Estado, que um deles terá agido com culpa, embora se não saiba qual. As mais das vezes, significará apenas que em ambos os casos funcionou, de modo correcto, a independência dos tribunais e dos juízes, contribuindo para o progresso do Direito através da dialéctica estabelecida entre opiniões e modos de ver que se confrontam, e interfluem, a exemplo do que se dá na doutrina " - ac. STJ de 3-07-2004 acima indicado e que temos vindo a seguir de perto na exposição.
Feita esta exposição, vamos averiguar se no caso em apreço nas decisões do tribunal de Caminha se pode detectar erro grosseiro.
Dos factos provados resulta a seguinte factualidade:
Os autores eram sócios e gerentes da sociedade comercial por quotas denominada Empresa-A, que se dedicava ao fabrico, comercialização, importação e exportação de calçado e seus componentes, sendo dos respectivos proventos que retiravam os seus únicos rendimentos, no montante de 220.000$00 por mês, por cada um.
No início de Janeiro de 2000, aquela firma tinha ao seu serviço 88 trabalhadores.
Em Março de 2000, aquela sociedade paralisou a sua produção e já noutras ocasiões a empresa se tinha valido da suspensão da actividade laboral, sem oposição dos trabalhadores.
Por falta de realização de pagamentos à Segurança Social e à Fazenda Nacional, desde o ano de 1993 até ao ano de 2000, foram deduzidas acusações contra a referida empresa e contra os autores AA e CC, sendo estes autores condenados por decisão transitada pela prática de um crime de abuso de confiança fiscal na forma continuada.
A mesma empresa em 31-12-96 apresentava um passivo de 356.323.000$00 e lucros provisionais de 6.213.000$00.
Nos anos seguintes a 1996, a mesma empresa apresentou sempre prejuízos de actividade, sendo o prejuízo de exercício de 1998 de 25.160.135$00 e o passivo reclamado no processo de falência apresentado em 2000, e não impugnado, de 1.600.000.000$00. Em 28-06-2000, o seu activo valia 258.000.000$00.
De Julho de 1997 até Junho de 2000, a mesma firma acumulou para com a Segurança Social uma dívida de € 399.614,05, além dos juros vencidos.
Nos anos de 1997, 1998 e 1999, os autores não efectuaram a prestação de contas da empresa.
Em Janeiro de 2000, após reunião com os trabalhadores, a gerência da mesma empresa prescindiu dos serviços de 31 trabalhadores, devido à falta de encomendas e de matérias-primas próprias para laborar, sendo que já desde 1997 a firma apenas trabalhava a feitio para outras fábricas do ramo. Pelos mesmos motivos, em 8 de Março de 2000, a empresa prescindiu dos demais 57 trabalhadores.
A paragem da empresa deveu-se às dificuldades financeiras e fiscais acima referidas.
Em 24-03-2000 deu entrada no Tribunal Judicial de Caminha o requerimento a pedir a declaração de falência da mesma firma formulado por DD, EE e FF. A referida sociedade deduziu oposição ao requerimento alegando, em síntese, que as suas dificuldades financeiras eram pontuais, motivadas pela falta de encomendas, sendo a paralisação da laboração efectuada com intenção de retomar a laboração logo que as encomendas chegassem e que aos requerentes, seus trabalhadores, apenas eram devidos 50.000$00 a cada um de salários, estando as demais dívidas negociadas ao abrigo de uma providência judicial de recuperação de empresas que se encontrava em vigor.
Em 16/05/2000, no respectivo processo foi despachado no sentido de que a empresa requerida se encontrava em situação de insolvência, pois as suas obrigações não podem ser asseguradas pelos proventos da mesma, atenta a paragem da produção da mesma, pelo que se mandou prosseguir o processo para julgamento, em face da oposição deduzida.
Após julgamento realizado em 24/05/2000, foi proferida em 28/06/2000 sentença que nos termos do art. 128º do C.P.E.R.E.F. declarou a empresa falida.
Esta deduziu embargos à sentença que foram, por decisão de 6/10/2000, julgados improcedentes.
Desta decisão apelou a requerida para a Relação do Porto que por acórdão de 28-03-2001 julgou procedente a apelação, revogando a declaração de falência e ordenando o arquivamento dos autos.
Como fundamento daquela decisão consta, em síntese, que estando apurada a situação de insolvência da requerida, por estar impossibilitada de cumprir pontualmente as suas obrigações, não está comprovada a inviabilidade económica da mesma exigida no art. 1º, nº 2 do CPEREF. E isto porque os créditos dos requerentes são irrisórios e os grandes credores não requereram a falência e estão estes créditos ao abrigo de medida concordatária de recuperação de empresa.
Desta decisão foi interposto recurso para o Supremo Tribunal de Justiça que em decisão de 3-10-2001 confirmou o que a Relação do Porto decidira, fazendo improceder o recurso.
Após a declaração da falência, os autores não requereram que a empresa continuasse a laborar.
Em 3-01-2002 a empresa foi entregue aos autores, tendo depois o Empresa-B requerido novamente a falência da empresa que foi declarada falida por decisão de 20.05.2002 que transitou em julgado.
À data da primeira declaração da falência, a empresa não tinha capacidade financeira para continuar a laborar, capacidade essa que lhe não permitia fazer face às necessidades decorrentes da laboração da fábrica.

Será com estes factos que será apreciada a questão acima referida levantada pelos recorrentes.
Ora tal como bem acentuou a sentença de 1ª instância, a decisão dos embargos à falência referiu que a situação económica da firma decorrente da falta de fonte geradora de receitas e da existência de um elevado passivo cujo pagamento se não mostra viável face aos recursos uma vez que as obrigações que tem a cumprir não podem ser asseguradas pelos proventos líquidos da empresa, atenta a paragem da produção desde 9-02-2000, nem face aos credores comuns nem face aos trabalhadores.
Daqui resulta que este tribunal concluiu que a situação de insolvência da requerida era de molde a inviabilizar a mesma, pelo que entendeu estar verificado o requisito legal do nº 2 do art. 1º do CPEREF - cfr. cópia da decisão constante de fls. 35 e 36..
De opinião oposta foi a decisão da Relação do Porto, como vimos, no sentido de que a situação fáctica não permitia a conclusão da verificação do mencionado requisito da inviabilidade da empresa.
Ora perante o quadro fáctico acima apontado, nunca se poderia tirar a conclusão de que a decisão revogada havia praticado um erro grosseiro, palmar, crasso, indiscutível ou evidente.
Está aqui em causa duas visões diversas da mesma realidade factual, ou duas aplicações diversas da lei à mesma realidade factual.
Soçobra, assim, mais este fundamento do recurso.

c) Resta conhecer a questão da verificação dos danos peticionados como consequência do citado erro grosseiro.
Como se não apurou a existência daquele erro, fica prejudicado o conhecimento desta questão.

Pelo exposto nega-se a revista pedida e se confirma a decisão recorrida.
Custas pelos recorrentes.

Lisboa, 18 de Julho de 2006
João Camilo ( Relator )
Azevedo Ramos
Salreta Pereira.