Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
05B3664
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: MOITINHO DE ALMEIDA
Descritores: CLÁUSULA PENAL
REDUÇÃO
CONHECIMENTO OFICIOSO
Nº do Documento: SJ200601120036642
Data do Acordão: 01/12/2006
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: T REL PORTO
Processo no Tribunal Recurso: 1547/04
Data: 04/26/2004
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA.
Decisão: NEGADA A REVISTA.
Sumário : I. A cláusula penal destinada a assegurar o ressarcimento e a forçar o cumprimento aplica-se haja ou não danos.
II. A redução de uma cláusula penal não é de conhecimento oficioso.
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:


1. "A", S.A., B, C, D, E e F, intentaram a presente acção declarativa, com processo ordinário, contra G e mulher, H, pedindo:
a) que se declare resolvido o contrato-promessa de compra e venda celebrado entre os Autores e Réus, em 4 de Fevereiro de 2000;
b) que os Réus sejam condenados a pagar aos Autores a quantia de 35.000.000$00, acrescida de juros à taxa legal, a partir da citação;

Alegaram para o efeito e em substância que, em consequência do incumprimento do mencionado contrato, têm direito a resolvê-lo e a receber aquele montante correspondente à cláusula penal estipulada.
Os Réus contestaram e requereram a intervenção dos cônjuges dos Autores para que se encontre assegurada a legitimidade passiva quanto ao pedido reconvencional em que pedem:

a) a condenação dos Autores e das Requeridas no pedido de intervenção a reconhecerem não existir fundamento legal para a resolução do contrato-promessa em causa;
b) a condenação dos mesmos a reconhecerem que o contrato se mantém válido e eficaz entre os seus outorgantes;
c) que se decrete, por via de execução específica, a transmissão das quotas identificadas nos autos, objecto do referido contrato-promessa, do património dos Autores para o dos Réus;
d) a condenação dos Autores e das Requeridas no incidente de intervenção a pagarem aos Réus indemnização a liquidar em execução de sentença, correspondente aos prejuízos derivados de eventual desvalorização das mencionadas quotas, desde a data em que a reconvenção entrou em juízo e até à sua efectiva e integral transmissão para o património dos Réus, por força da eventual degradação da situação económica e financeira da sociedade I.

A acção foi julgada procedente e improcedente a reconvenção.
Por acórdão de 26 de Abril de 2004, a Relação do Porto julgou improcedente o recurso de apelação interposto pelos Réus.
Inconformados, recorreram para o Supremo Tribunal de Justiça, concluindo as alegações da sua revista nos seguintes termos:
1. A cláusula penal, tal como o nosso ordenamento jurídico-civil a configura, tem a natureza de cláusula de fixação antecipada de indemnização.
2. Através dela visa-se fixar por acordo o montante indemnizatório, e tão só isso, pelo que o seu efeito útil é o de dispensar o lesado de alegar e provar o "quantum" dos danos sofridos.
3. Mas a adopção de cláusula penal não dispensa já o lesado de alegar e provar todos os demais requisitos legalmente previstos para a responsabilidade civil, designadamente a ocorrência de danos e a existência de um nexo de causalidade adequada entre os danos e o comportamento do lesante.
4. A concepção de que o lesado está dispensado de alegar e provar até a ocorrência de danos tem a ver com a natureza sancionatória e coercitiva da cláusula penal, que se viu já estar ultrapassada no nosso ordenamento jurídico-civil.

5. Deveriam, pois, os recorridos alegar e provar que sofreram prejuízos decorrentes do facto de o recorrente não lhes ter entregue a garantia bancária no prazo de oito dias após a celebração do contrato-promessa de cessão de quotas.
6. Ao omitirem tal alegação e prova, não têm os recorridos direito a qualquer cláusula penal.
7. O douto acórdão recorrido não se pronunciou quanto à pretensão do recorrente de que a cláusula penal só poderia ter sido reclamada depois de resolvido o contrato e não antes.
8. E, por isso, padece o douto acórdão recorrido de nulidade processual que aqui se invoca.
9. No caso presente, os recorridos reclamaram o pagamento da cláusula penal, e só depois resolveram o contrato-promessa em causa, o que acarreta a consequência de não terem eles direito ao valor da dita cláusula penal;
Por outro lado,
10. Não podiam os recorridos reclamar o pagamento da referida cláusula penal sem que antes concedessem ao recorrente prazo adicional para a entrega da garantia bancária prevista no contrato-promessa, ou sem que antes tivessem justificado terem perdido o interesse na prestação.

11. Essa impossibilidade era tanto mais evidente quanto é certo que estava designada para o dia 21.02.2000 assembleia geral na qual o recorrente deveria, tendo cumprido o contrato-promessa na sua plenitude, ser nomeado gerente da sociedade;
Ora...
12. A exigência da cláusula penal de 35.000 contos ocorreu no dia 15.02.2000, uma semana antes da data designada para a assembleia geral referida, e quando, por isso mesmo, não existia seguramente interesse relevante que se mantivesse definitivamente prejudicado pela não entrega atempada da garantia bancária.
13. As dúvidas e hesitações manifestadas pelo recorrente após ter tomado conhecimento de alguns factos que antes ignorava - designadamente o corte de fornecimentos a crédito por parte da Renault Portuguesa - não permitiam concluir que ele não estava já disposto a celebrar o contrato prometido de aquisição das quotas, mas apenas e tão só que pretendia obter mais e mais detalhada informação relativa à situação económico-financeira da sociedade antes de tomar uma decisão definitiva.
14. Não podendo, por isso mesmo, concluir-se que ele adoptou um comportamento indiciador de que não cumpriria de todo o contrato - promessa em causa, e do qual se tinha por justificada a sua resolução por parte dos recorridos.

15. Não podiam também os recorridos ter procedido à resolução do contrato-promessa com a invocação da não entrega da garantia bancária, sem que tivessem dado ao recorrente a oportunidade de fazer essa entrega em prazo adicional que fixassem para o efeito.
16. Ou então sem que justificassem de forma objectiva terem perdido definitivamente o interesse na entrega da garantia bancária em data posterior à inicialmente fixada.
17. Os ora recorridos não fizeram uma coisa nem outra, limitando-se a exigir do recorrente, logo três dias após o termo do prazo inicial para a entrega da dita garantia bancária - e com um fim de semana de permeio - o pagamento da quantia correspondente à cláusula penal.

18. Resolvendo indevidamente, e sem justificação legal e plausível, o contrato-promessa em causa, os recorridos não estavam em condições de exigir a cláusula penal de 35.000 contos.
De todo o modo, e ainda que assim se não entendesse...
19. A cláusula penal de 35.000 contos, prevista também para a hipótese de o recorrente não entregar a garantia bancária no prazo de oito dias como previsto é claramente excessiva, justificando-se a sua redução para valor equitativamente justificado.
20. E nem se diga que a redução equitativa do valor da cláusula penal não é do conhecimento oficioso, antes estando condicionada a pedido nesse sentido do beneficiário respectivo.
21. No caso presente, tal pedido deve ter-se por implicitamente contido no pedido do recorrente de que não era sequer devedor de qualquer quantia a esse título de cláusula penal.
22. Sendo certo que o conjunto da factualidade aqui dada por provada evidencia a exorbitância do valor da cláusula penal fixada no contrato-promessa.
23. O douto acórdão recorrido violou, por errada interpretação e aplicação, o disposto nos arts. 342º, n°s 1 e 3, 808º, n°s 1 e 2, 810º, n°1 e 812º, n°1, todos do CC, e ainda o disposto no art. 668º n°1 al d), aqui aplicável por força do disposto no art. 716º n°1, agora do CPC.

2. Deu a Relação como provados os seguintes factos:
1. Os AA. são sócios da sociedade comercial por quotas -I, Lda., com sede no lugar de ..., freguesia de Riomeão, concelho de Santa Maria da Feira, matriculada no CRC sob o n°1334, com o capital social de 75.000.000$00 (A);
2. Tal sociedade tem como objecto a comercialização de veículos automóveis, concessionária da marca Renault (B);

3. Por documento escrito intitulado "contrato Promessa de Compra e Venda", outorgado em 4 de Fevereiro de 2000, os AA. prometeram vender ao R. marido e este prometeu comprar, as 62 quotas sociais que os AA. detinham na referida sociedade (C);
4. As quotas objecto do contrato acima referido encontravam-se distribuídas da seguinte forma:
-A, S.A., era detentora de 16 quotas sociais, no valor nominal de 939.000$00 cada;
- B era detentor de 31 quotas sociais, no valor nominal de 939.000$00 cada;
- C era detentor de 12 quotas sociais, sendo onze no valor nominal de 939;000$00 e uma no valor nominal de 453.000$00;
- D era detentor de uma quota social no valor nominal de 939.000$00;
-E era detentor de uma quota social de 939.000$00;
-F era detentor de uma quota social de 939.000$00 (D).

5. O preço fixado no referido contrato para a transmissão das quotas foi de 3.500.000$00 para cada uma das quotas com o valor nominal de 939.000$00, e de 1.688.500$00 para a quota de valor nominal de 453.000$00, num total de 215.188.500$00 (E).
6. Ficou convencionado que o preço estipulado seria pago pelo R. aos AA. no prazo de 120 dias a contar da assinatura do contrato, até ao dia 5 de Junho de 2000 (F).

7. No mesmo documento estipulou-se que a escritura pública de cessão de quotas teria lugar no 1° Cartório Notarial de Santa Maria da Feira, em dia e hora que o R. marido viesse a designar, mediante aviso prévio aos AA., com 10 dias de antecedência mínima (G).
8. Mais foi clausulado que o contrato ficava sujeito ao regime de execução específica, nos termos do disposto no art. 830.° do C. Civil (H).
9. Ficou ainda estipulado que "para garantia do integral cumprimento do contrato promessa" o R. se obrigava a entregar aos AA. "uma garantia bancária ou first dmenad, no prazo de 8 dias, de valor correspondente ao valor global da transmissão, de 215.188.500$00 (I).

10. Convencionou-se, ainda, na cláusula 8ª "Em caso de incumprimento do contrato, designadamente, a não entrega atempada da garantia bancária atrás referida, constitui o contraente na obrigação de indemnizar os primeiros pelo valor correspondente a 35.000.000$00 (J).

11. Os RR. tencionavam realizar a subsequente escritura pública no mais curto espaço de tempo possível, iniciando, para o efeito e de imediato, diligências junto da banca para a obtenção da garantia bancária referida em 9. (resp. q.4°).

12. Com a entrega da garantia mencionada em 9. e conforme o acordado na altura entre os AA. e o R., aqueles assegurariam o seu voto para que o segundo fosse designado, numa próxima Assembleia Geral, para a gerência da I (res.q.6°).
13. A estipulação da garantia bancária mencionada em 9. foi essencial para a concretização do contrato( (res.q.8°).
14. Sem estipulação de tal obrigação os AA. não aceitariam celebrar o contrato promessa mencionado em 3., nos termos em que o fizeram (res.q.9°).

15. Com vista à celebração de um acordo em que o R. cederia a sua quota à Autora, "Fábrica A, S.A."esta contraiu uma garantia junto do BES em 4 de Fevereiro de 2000, a caucionar o bom pagamento da venda dessas quotas (res.qs.10° e 11°).

16. Aquando da fixação do conteúdo do contrato referido em 3., o Presidente da Assembleia Geral da I advertiu o R. João de que teria dificuldade em obter aquela garantia bancária em apenas 8 dias (res.q.12°).

17. Em Assembleia Geral Extraordinária da "I" realizada em 5-2-2000, foi deliberado, por unanimidade (incluído pelo R.) que, face à proposta de aquisição de quotas pelo R. G, de valor global superior a 75% do capital social, se procedesse a nova Assembleia Geral em 21-2-2000, pelas 18 horas, com destino à nomeação dos órgãos sociais, conforme se vê da acta junta a fls.94 dos autos (R).

18. Os AA., em 7-2-2000, convocaram uma Assembleia Geral da I para o dia 21 desse mesmo mês (S).

19. Durante o período que mediou entre a assinatura do contratado em 3. e a Assembleia Geral, o R. assumiu de facto a gerência da I, intervindo em negociações com os bancos e a Renault (res.q.13°).

20. Designadamente, contactou com a Renault Portuguesa, com os bancos (J e Banco K) e perante os trabalhadores da empresa assumiu-se como o único responsável pela administração, impondo alterações ao funcionamento e estruturação do quadro de pessoal da sociedade (res.q.14°).

21. A gerência da I, em 7-2-2000, remeteu à Renault Portuguesa uma carta, cuja cópia se encontra junta a fls.57 dos autos, na qual dava conta do contrato-promessa efectuado e que este tinha por efeito a composição de uma nova estrutura societária (U).

22. Por carta datada de 3-2-00, remetida pela Renault GesT., e recebida na I em 9 do mesmo mê, cuja cópia se encontra a fls.56 dos autos, aquela comunicava que, por força do elevado montante em débito pela I àquela empresa -39.792.537$00- ficava suspenso o fornecimento de crédito na aquisição de peças, o qual será retomado após regularização dos débitos vencidos (V).
23. Na sequência da carta mencionada em 22., a Renault deixou de fornecer peças a crédito para veículos à sociedade I (resp.q.15°).
24. A Renault Portuguesa, por carta datada de 29 de Setembro de 1999, constante de fls.100, rescindiu o contrato de concessão celebrado com a I, deixando, a partir daí, de fornecer quaisquer veículos novos (res.q.18°).

25. O referido em 23. e 24. afectou a imagem da sociedade I, quer junto da Renault e de outros concessionários aos quais teve de recorrer na ocasião, quer junto dos seus clientes (res.q.20°).
26. O R. não entregou aos AA. a garantia bancária até ao dia 14 de Fevereiro de 2000 (L).
27. Por carta datada de 14-2-2000, junta a fls.14 dos autos, o R. comunicou ao Autor B, além do mais, que na sequência da celebração do contrato promessa, já havia sido confrontado com situações novas que ignorava e que alteravam substancialmente as circunstâncias em que assentou o acordo, referindo-se ao facto de a Renault Portuguesa ter cortado o crédito ao fornecimento de peças e acessórios, tal como havia anteriormente cortado o crédito ao fornecimento de viaturas automóveis, e afirmando que tinha iniciado contactos com a Renault Portuguesa e só depois estaria apto a contactar o A. "de molde a comunicar-lhe se o negócio pode manter-se, em que moldes (M).

28. Por carta datada de 15-2-2000, junta a fls.11 dos autos, recebida pelo R. ,em 16-2-2000, os AA. reclamaram do R. o pagamento da cláusula penal convencionada para o incumprimento do contrato, no montante de 35.000.000$00 (N).
29. Por carta de 18-2-2000, em resposta à carta mencionada em 28. o R. comunica que: "A falta de garantia bancária no prazo estabelecido não me é de forma nenhuma imputável, já que diligenciei imediatamente pela sua emissão, o que se tornou impossível por razões ligadas exclusivamente à burocracia dos bancos contactados". E acrescenta que " Ainda bem que tal aconteceu, uma vez que o tempo entretanto passado permitiu que chegassem ao meu conhecimento factos que ignorava, e que V.Exª bem conhecia, relativos ao agravamento recente da degradação económica e financeira da sociedade, e que, a não serem ultrapassados a curto prazo, põem manifestamente em causa o equilíbrio contratual que presidiu à celebração dos contratos promessa de cessão de quotas (O).

30. Ainda nessa carta o A. refere que "Não aceito pois, que deva nesta data qualquer indemnização a V.Exª, como não aceito que haja neste momento qualquer razão para a resolução do contrato-promessa celebrado, mantendo, da minha parte, o interesse na sua manutenção, eventualmente alterado no seu conteúdo, em função das negociações que irei estabelecer com a Renault Portuguesa" (P).
31. Por carta de 21-2-2000, dirigida ao R. e por este recebida, junta a fls.18 dos autos, os AA. comunicam que, face ao incumprimento, por parte do R., da obrigação de entrega, no prazo de 8 dias, a contar da celebração do contrato, da garantia bancária no valor de 215.188.500$00, resolviam o dito contrato (Q).
32. Nessa referida Assembleia Geral de 21-200 foi eleita a administração da sociedade para o triénio 2000/2002 composta pelos AA., conforme se vê da acta cuja cópia se encontra junta aos autos a fls.89 (T).
33. Foi para pôr termo à degradação progressiva das situações da sociedade que os AA. efectuaram a comunicação referida em 31. e convocaram a Assembleia Geral, conforme mencionado em 18.
34. Após a Assembleia Geral realizada em 22-2-2000, os AA. fizeram dar entrada na sociedade, por empréstimo, de uma importância que não foi possível apurar, com vista à regularização imediata das dívidas contraídas à Renault Portuguesa e outras empresas deste grupo (res.q.22°).

35. Após o referido em 22. e perante as dificuldades sentidas junto da banca, os RR. recearam que podia haver outras situações que ignorassem, relativas à situação da sociedade I (resp.q.26°).
36. Os RR., pelo menos após a celebração do contrato referido em 3., tiveram acesso a todos os elementos contabilísticos da I (res.q.27°).

37. Como pretenderam reunir com a administração e direcção da Renault Portuguesa, a fim de tentarem encontrar uma solução que viabilizasse a empresa sem estrangulamentos financeiros (res.q.29°).
38. Para além do contratado em 3., os RR. G e mulher celebraram um outro escrito denominado "Contrato Promessa de Compra e Venda", constante de fls. 59-60 e datado de 5-2-2000, com outros dois sócios da I, em que aqueles prometeram comprar e estes vender as quotas que os últimos detinham nessa sociedade, pelo preço de 7.000.000$00, mediante uma garantia bancária de igual montante, a efectuar no prazo de 8 dias, e em caso de incumprimento, designadamente a falta de entrega dessa garantia bancária, numa indemnização de 1.000.000$00 (resp. q.31°).
39. A R. mulher assistiu à negociações que conduziram ao contratado em 3. e deu a sua anuência ao mesmo, nos termos e condições que nele se exaram, nomeadamente no que concerne à tempestividade da apresentação da garantia bancária mencionada em 9. -Alegação dos AA. na p.i. não impugnada especificamente na contestação pelos RR.
Cumpre decidir.
3. No recurso suscitam os Recorrentes a questão de saber se o contrato promessa foi validamente resolvido pelos Autores (1), consideram que a cláusula penal não é devida, ou, se assim se não entender, que deve ser reduzida (2) e entendem que o acórdão recorrido não se pronunciou sobre um dos fundamentos da apelação, que a reclamação da cláusula penal só era possível depois de resolvido o contrato e não antes, como foi o caso (3).
3.1 Resolução do contrato promessa pelos Recorridos.
Consideram os Recorrentes que não tendo sido notificados para, num prazo razoável, prestarem a garantia e não tendo os Recorridos provado que, em consequência da mora no cumprimento dessa obrigação perderam o interesse na prestação, a resolução do contrato promessa por estes realizada carece de validade. É certo que na carta enviada pelo Recorrente aos Recorridos, em 14 de Fevereiro de 2000, aquele aludiu a dificuldades na obtenção da garantia, e afirmou que só depois de analisada a situação criada pela recusa de crédito por parte da Renault Portuguesa, poderia concluir no sentido de que o negócio se devia manter e em que moldes. E que na carta aos mesmos enviada no dia 18 seguinte, o Recorrente menciona o estado de degradação financeira da empresa e refere uma eventual alteração do contrato promessa. Destas cartas não resulta, porém, a sua vontade de não cumprir esse contrato.

A este respeito observa o acórdão em crise que, apesar de alertados para as dificuldades na obtenção da garantia bancária, no prazo estipulado, os Recorrentes aceitaram este prazo e que a sua conduta reveste particular gravidade quanto à prossecução do programa contratual, com quebra da necessária confiança das partes na conclusão do negócio. De tais cartas extrai-se que os Réus apenas admitem cumprir no futuro o contrato com alterações, insinuando serem estas relativas ao preço e, logo, à garantia, matérias decisivas para os contratantes. Do que se conclui não estarem os Réus dispostos a cumprir "aquele contrato", o que justifica a resolução. E acrescenta: "A grave situação económico-financeira da empresa impunha rapidez na solução dos seus problemas, pelo que o atraso no cumprimento das cláusulas do contrato promessa não era suportável para os AA., sendo certo que aquela situação de crise era do conhecimento dos RR."
Entendemos que assim é. Com efeito, como este Tribunal vem entendendo, o incumprimento definitivo de um contrato promessa pode verificar-se, entre outras situações, quando ocorra um comportamento de uma das partes que exprima inequivocamente a vontade de não querer cumprir o contrato (entre outros, os acórdãos de 14 de Março de 2002( revista n.°407/02) e de 15 de Março de 2005 (revista n.°4.666/04)). Tal é o caso, pelas razões invocadas pelo acórdão recorrido.
3.2 Consideram os Recorrentes que a existência da cláusula penal não dispensava os Recorridos de provar terem sofrido prejuízos como resultado do incumprimento.

A este respeito observou o acórdão recorrido que a cláusula penal de 35.000.000$00 foi estipulada "em caso de incumprimento do contrato, designadamente, a não entrega atempada da garantia bancária". Contrariamente ao que os Recorrentes afirmaram, e que não se provou, tal garantia não foi acordada pelas partes como mera contrapartida da possibilidade de vir a ser celebrada a escritura definitiva de cessão de quotas antes do pagamento do preço estipulado, mas para acautelar o integral cumprimento do contrato. E resulta das circunstâncias que rodearam a celebração deste que ela desempenha uma dupla função: a de assegurar o ressarcimento e a de forçar o cumprimento (função coerciva). Neste caso, a cláusula aplica-se haja ou não danos e, mesmo que assim se não entendesse, sempre ela implicaria a inversão do ónus da prova, cabendo aos Recorrentes demonstrar não terem ocorrido quaisquer danos. O que não fizeram.
Concorda-se com esta fundamentação, para ela remetendo (artigo 713.° n.°5 do Código do Processo Civil.
Sustentam ainda os Recorrentes que, tendo em consideração os factos provados, face aos prejuízos sofridos pelos Recorridos se impõe uma redução da cláusula penal. É certo que tal redução não foi por eles expressamente pedida mas resulta implicitamente do facto de se terem considerado não responsáveis pelo pagamento do montante a esse título estipulado.
A este respeito importa observar que, segundo jurisprudência constante, a redução de uma cláusula penal assenta na sua excessiva onerosidade, o que não é de conhecimento oficioso (entre outros, os acórdãos deste Tribunal de 20 de Novembro de 2003, revista n.°3514/03 e de 27 de Janeiro de 2004, revista n. 4080/03). Ora, mesmo a entender-se que os Recorrentes pediram a redução, o facto é que, como observa o acórdão recorrido, não existem nos autos quaisquer indícios no sentido do excesso da cláusula.

3.3 Entendem os Recorrentes que o acórdão em crise não se pronunciou sobre uma questão por eles suscitada: a de que não podiam os Autores ter pedido o montante previsto a título de cláusula penal sem antes terem resolvido o contrato.
Importa observar a este respeito que o acórdão recorrido se pronunciou quanto à validade da resolução do contrato promessa. E , em consequência desta, os Autores têm direito à cláusula penal estipulada. É certo que, ao apreciar tal validade não teve em conta a argumentação dos Recorrentes mas isso não constitui omissão de pronúncia. De qualquer modo, não se vê como a reclamação, antes de tempo, da quantia prevista a título de cláusula penal se possa repercutir sobre a validade da posterior resolução do contrato e respectivos efeitos.
Nega-se, pois, a revista.
Custas pelos Recorrentes.

Lisboa, 12 de Janeiro de 2006
Moitinho de Almeida,
Noronha Nascimento,
Abílio de Vasconcelos.