Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
26811/15.4.T8LSB.L1.S1
Nº Convencional: 1ª SECÇÃO
Relator: ALEXANDRE REIS
Descritores: TRANSFERÊNCIA BANCÁRIA
INVALIDADE DO NEGÓCIO
DEPÓSITO BANCÁRIO
BANCO DE PORTUGAL
MEDIDA DE RESOLUÇÃO BANCÁRIA
DELIBERAÇÃO
FORÇA VINCULATIVA
TRIBUNAL ADMINISTRATIVO
Data do Acordão: 02/05/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL – DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / FONTES DAS OBRIGAÇÕES / RESPONSABILIDADE CIVIL / RESPONSABILIDADE POR FACTOS ILÍCITOS / CUMPRIMENTO E NÃO CUMPRIMENTO DAS OBRIGAÇÕES / CUMPRIMENTO.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL – PROCESSO DE DECLARAÇÃO / SENTENÇA / ELABORAÇÃO DA SENTENÇA / VÍCIOS E REFORMA DA SENTENÇA.
Doutrina:
- Mafalda Miranda Barbosa, Boletim de Ciências Económicas, FDUC, Volume LIX, p. 89,104 e 132; Os Limites da Medida de Resolução, FDUC, p. 11 e 34;
- Manuel Magalhães, A evolução do direito prudencial bancário no pós-crise: Basileia III e CRD IV, O novo direito bancário, p. 285e ss;
- Teixeira de Sousa, Estudos Sobre o Novo Processo Civil, Lex, 1997, p. 220 e ss.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 485.º, N.º 2 E 762.º, N.º 2.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 608.º, N.º 2 E 615.º, N.º 1, ALÍNEA D).
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

- DE 07-11-2017, PROCESSO N.º 919/15.5T8PNF.P1.S1:
Sumário :

I - Atendendo ao modo como os autores estruturam a sua pretensão ressarcitória neste processo, agora (apenas) contra a ré. DD, a provar-se toda a matéria por eles alegada e controvertida, atinente à invalidade do negócio subjacente à transferência das quantias depositadas na sucursal de Espanha da CC SA, sucessivamente, para contas do GG de Miami e o EE Panamá, para neste ser constituído o depósito aqui questionado, com a concomitante desconsideração da singularidade das personalidades colectivas da CC e do FF Panamá, poderia suscitar-se a questão de saber se, no que concerne aos riscos a suportar na sequência duma medida de resolução bancária, os mesmos deveriam ser colocados a par dos investidores cujo risco é titulado por contrato que não padece de qualquer vício.
II - Na verdade, o eventual reconhecimento dessa tese complexa poderia importar a subsistência da quantia depositada na conta titulada pelos autores na instituição de crédito sobre que incidiu a medida de resolução e, por via disso, a sua transmissão para o banco de transição, como se não tivesse havido qualquer negócio e em igualdade de condições com os demais titulares de depósitos bancários.
III - Contudo, resulta claro, pelo menos, no termo (29-12-2015) do percurso deliberativo do BdP referido nos autos e atinente à medida de resolução bancária importa ao CC, que o supervisor acabou por decidir não fazer recair sobre a instituição de transição a responsabilidade pela quantia depositada pelos autores.
IV - E, cabendo apenas aos tribunais administrativos a apreciação da legalidade e validade das questionadas deliberações do BdP, estas são vinculativas para os seus destinatários e são válidas e eficazes para a jurisdição comum, se não forem afastadas por via de decisão judicial para a qual é competente um diferente foro.
Decisão Texto Integral:
                                                                                             

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:
           


AA e BB intentaram acção contra “Banco CC SA” e DD SA”, pedindo a condenação destes a pagar-lhes, solidariamente, a quantia correspondente ao valor em euros do montante de USD 4.699.000, acrescida de juros de mora desde a citação.
Alegaram, para tanto, em suma:
1)- Até 04/08/2014 a 1ª R tinha uma sucursal em Espanha, junto da qual o A era titular de contas de depósitos, sendo nomeadamente titular de uma conta aberta na agência de Vigo, mantendo sempre um perfil de aforrador;
2)- Tendo-lhes sido apresentado XX funcionário do CC em Espanha, com o propósito de a ele recorrerem para o aconselhamento a nível internacional, a R CC, através daquele, aconselhou os AA a abrirem conta e a fazerem um depósito no CC Bank, com sede em Miami, Florida, por nele serem praticadas taxas de juros remuneratórias mais altas do que as praticadas pelo CC em Espanha, o qual lhes foi identificado como subsidiário da 1ª R, referindo expressamente os próprios documentos emitidos pelo mesmo que era subsidiário da 1ª R e integrava o Grupo Banco CC;
3)- Em 12-03-2014, esse funcionário propôs à A abrir conta e constituir um depósito a prazo junto do EE, então desconhecido dos AA, e confirmou a estes a taxa de juro de 2,25% numa conta da titularidade de ambos, sendo declarado nos formulários que o objectivo da conta era exclusivamente aforro e tendo os AA, em 18-03-2014, preenchido e assinado as fichas de abertura dessa conta nas instalações do GG (em Miami), com a ajuda duma funcionária deste, incluindo-se nas declarações que então lhes foram pedidas uma que autorizava esse banco do Panamá a transmitir às autoridades bancárias portuguesas qualquer informação relacionada com os AA, respeitante à conta ou a qualquer operação realizada através desse banco;
4)- Em 20-03-2014, os AA enviaram ao FF os formulários de abertura de conta e demais documentos que, para o efeito, que lhes foram apresentados pelo referido XX, que se comprometeu a falar (e manteve contactos diários) com os representantes desse banco para finalizarem o processo de abertura da conta e constituírem o depósito a prazo de USD 4.700.000 e para se assegurar do recebimento por estes dos formulários de abertura de conta e de que tudo estava em ordem;
5)- Em 25-03-2014, XX confirmou a recepção dos documentos pelo FF e comunicou à A que não havia sido assinado o formulário a ser remetido para o CC, em Lisboa, a autorizar aquele banco a transmitir informações ao BdP;
6)- Em 26-03-2014, por ordem dos AA e com a intermediação do CC em Lisboa, foi feita a transferência do montante de USD 4.700.000 desde a conta daqueles no CC Bank Miami para a sua conta no FF, aí ficando constituído o depósito a prazo com data-valor de 28-03-2014, pelo montante de USD 4.469.000,00, pelo prazo de um ano e com a taxa de juro de 2,25%;
7)- Na sequência, o referido XX pediu expressamente aos AA para, junto dos seus amigos ricos, o recomendarem, na qualidade funcionário do CC para os negócios internacionais, para eles efectuarem aplicações em Espanha ou no Panamá;
8)- Perante a descrita actuação da 1ª R e do seu funcionário XX, os AA assumiram que estavam a transferir o seu dinheiro de uma para outra subsidiária daquela, sempre dentro do Grupo CC e com o mesmo “risco CC”, e, até Agosto de 2014, estavam convencidos de que o FF era subsidiária da 1ª R e parte de uma única unidade económica, o grupo CC, pela mesma encabeçado;
9)- Perante os rumores, ouvidos pelo A marido a partir de 22-05-2014, de que o CC enfrentava graves dificuldades financeiras, os AA, em 8-07-2014, transmitiram telefonicamente a instrução de reembolso do seu depósito, a que lhes foi respondido que tal não era possível antes do seu vencimento, nos termos da lei do Panamá, por se tratar de um depósito local, enganando-os dolosamente;
10)- Em 11-07-2014, os AA receberam do referido XX, a quem tinham  pedido para que diligenciasse no sentido de lhes ser reembolsado o depósito a prazo junto do FF, a informação de que as acções do CC estavam a subir quase 5%, bem como uma comunicação do GG de que o Banco de Portugal havia reafirmado, em 3-07-2014, que a solvência do CC havia sido significativamente reforçada e que evitava riscos emergentes do resto do grupo;
11)- Em 16-07-2014, a A, de novo, pediu a XX que actuasse no sentido de o depósito ser reembolsado, tendo-lhe o mesmo dito que havia falado nesse sentido com o funcionário do FF, mas este não teria notícias sobre o que fazer;
12)- Em 16-07-2014, a Superintendência de Bancos do Panamá (SBP) aprovou a Resolución SBP-0097-2014, nos termos da qual ordenou a apreensão do controlo administrativo e operacional e a suspensão de toda actividade bancária do FF, com fundamento, entre outros, nos eventos ocorridos em Portugal, sede do grupo bancário, que importaram em dificuldades significativas para aquele banco ter acesso a grande parte dos seus activos produtivos e a linhas de crédito, o que aumentou substancialmente o risco das suas operações;
13)- Em 3-08-2014, o Banco de Portugal deliberou a aplicação da medida de resolução ao CC, com a criação do DD, aqui 2ª R, à qual foi transmitida a actividade bancária e os activos e passivos a ela directamente afectos.
14)- Em 13-08-2014, a SBP aprovou a Resolución SBP-108-2014, ordenando a liquidação forçada do FF, nos termos da qual, os AA foram reconhecidos como titulares de um depósito junto desse banco, integrando a última categoria na ordenação de credores, num activo de USD 6.039.604 para um passivo de USD 906.036.857, sendo, pois, certo que não irão receber o valor do seu depósito à custa da massa daquela liquidação;
15)- O FF, à data de 14-08-2014, tinha concedido empréstimos no valor de USD 962.879.282, do qual USD 958.704.326 correspondiam a empréstimos concedidos a empresas do HH, nomeadamente a ESI e a Rioforte, sendo considerados totalmente incobráveis;
16)- À data em que foi sugerida aos AA a constituição do referido depósito a prazo, o CC, sabendo que o FF não tinha a possibilidade de satisfazer todos os depósitos que nele estavam constituídos e, muito menos, os que viessem a ser constituídos, dada a sua grande exposição ao risco de crédito concedido a empresas dos HH, não alertou os AA quanto a essa real situação do mesmo e manteve instruções aos seus funcionários da área de dinamização internacional para sugerirem aos clientes estrangeiros do CC a realização de aplicações em depósitos no FF, bem sabendo que os financiamentos por este concedidos às empresas do HH não poderiam ser reembolsados por estas nas respectivas datas de vencimento e pretendendo com o desvio das operações de recolha de fundos e de concessão de crédito para o Panamá iludir as disposições nacionais de concentração de risco de crédito em entidades do mesmo do grupo, pois que o FF não estava dentro do perímetro de consolidação do CC e, assim, não era de forma alguma escrutinado pelo Banco de Portugal;
17)- Acresce que o CC, intencionalmente, criou a aparência de que as entidades CC, GG e FF correspondiam ou integravam uma única unidade económica, sendo totalmente indiferente onde o dinheiro dos AA era depositado, se nele próprio CC, ou em qualquer dos outros dois bancos;
18)- e, por outro lado, a actividade de concessão de crédito por aquele FF estava quase restrita às empresas do Grupo CC, numa clara e manifesta confusão de esfera jurídicas e de mistura de patrimónios intencionalmente criados pelo CC, tendo o mesmo servido apenas para recolher fundos de clientes do CC e canalizá-los para o financiamento da actividade do grupo, sendo dadas pela direcção comercial do CC a partir de Lisboa as instruções para a dinamização internacional a realizar pelo XX e sendo o responsável máximo dos negócios em Espanha o administrador do CC, filho de ... e quadro superior do CC;
19)- O FF é detido a 100% pela CC Financial Group (ESFG), sociedade de direito luxemburguês, enquanto a sucursal do CC em Espanha, em cujo nome actuava XX, não detém personalidade jurídica diferente da do CC ou da DD SA;
20)- Apesar de requerido o reembolso do depósito a prazo, o mesmo não foi satisfeito, encontrando-se os AA desembolsados dos valores aplicados.
Com tais fundamentos, os AA concluíram que a actuação ilícita e fraudulenta por parte da CC SA e do FF justifica que aquele, pela confusão criada e os fins ilícitos por si prosseguidos, seja responsabilizado pela dívida deste perante os AA, devendo o DD ser responsabilizado por reembolsar os AA do depósito por estes feito junto do FF, face à sucessão universal entre o CC e o DD e à falta de aplicação de qualquer uma das excepções aos casos de responsabilidade legalmente deferida.

As RR contestaram, tendo a DD SA invocado a sua ilegitimidade.

No saneador, foi declarada extinta a instância, por inutilidade superveniente da lide, quanto à R CC, e, por se entender que os autos continham já todos os elementos para uma decisão de mérito sem necessidade de prova adicional, decidiu-se logo julgar verificada a ilegitimidade substantiva da 2ª R e absolvê‑la do pedido formulado pelos AA.

A Relação julgou improcedente a apelação que os AA interpuseram dessa decisão, a qual confirmou, por considerar, em suma, que as responsabilidades imputadas à CC SA não se transmitiram para a DD SA.

Desse acórdão da Relação, os AA interpuseram recurso de revista, cujo objecto delimitaram com a questão de saber se deve ordenar-se o prosseguimento dos autos (contra a R DD), invocando:
1) o acórdão recorrido é nulo por excesso e omissão de pronúncia;
2) gerou-se na esfera da CC SA a responsabilidade pela devolução do depósito bancário constituído pelos AA no FF, a qual se transmitiu para a R Novo SA.
*
Importa apreciar e decidir, para o que releva o antecedentemente relatado e o teor – ponderado na decisão recorrida – das deliberações adoptadas nas seguintes sessões do Conselho de Administração do BdP:
1 - Em 3/8/2014 (medida de resolução aplicada ao CC):
«(…) isolar, em definitivo, o DD dos riscos criados pela exposição do Banco CC, S.A., a entidades do Grupo CC» (Considerando 11), [procurando] «afastar-se os riscos para a estabilidade financeira, liberta-se o DD dos ativos de má qualidade que levaram à atual situação, expurgando-se incertezas sobre a composição do respetivo balanço, e abre-se assim o caminho para a venda da instituição a investidores privados» (Considerando 16), tendo sido «transferidos para o DD, SA, (…) os activos, passivos, elementos extrapatrimoniais e activos sob gestão do Banco CC, SA, que constam dos Anexos 2 e 2A à presente deliberação».
2 - Em 11/8/2014:
«(…) clarificar e ajustar o perímetro dos ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão do Banco CC, S.A., transferidos para o DD, S.A.», ficando a constar, na versão consolidada do Anexo 2 à deliberação inicial, designadamente:
«1. Ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão do Banco CC, S.A. (CC), registados na contabilidade, que são objeto da transferência para o DD, S.A. (…)»:
(…) (b) As responsabilidades do CC perante terceiros que constituam passivos ou elementos extrapatrimoniais deste são transferidos na sua totalidade para o DD, S.A., com exceção dos seguintes («Passivos Excluídos»):
(…) (v) Quaisquer responsabilidades ou contingências, nomeadamente as decorrentes de fraude ou da violação de disposições ou determinações regulatórias, penais ou contraordenacionais
(…) 2. Após a transferência prevista nas alíneas anteriores, o Banco de Portugal pode a todo o tempo transferir ou retransmitir, entre o CC e o DD, SA, ativos, passivos, elementos patrimoniais e ativos sob gestão, nos termos do artigo 145.º H, número 5. (...)». 
Nos termos da al. c) do mesmo nº 1 do Anexo 2, as responsabilidades do CC que não fossem objecto de transferência permaneceriam na esfera jurídica do CC.
2 - Em 29/12/2015 (“Contingências”, “Perímetro” e “Retransmissão”) ([1]):
- “Contingências”:
«(…) A) Clarificar que, nos termos da alínea (b) do número 1 do Anexo 2 da deliberação de 3 de Agosto de 2014, não foram transferidos do B.E.S. para o DD quaisquer passivos ou elementos extrapatrimoniais do B.E.S. que, às 20:00 do dia 3 de Agosto de 2014, fossem contingentes ou desconhecidos (incluindo responsabilidades litigiosas relativas ao contencioso pendente e responsabilidades ou contingências decorrentes de fraude ou da violação de disposições ou determinações regulatórias, penais ou contraordenacionais) independentemente da sua natureza (fiscal, laboral, civil ou outra) e de se encontrarem ou não registadas na contabilidade do B.E.S.
(…) B) Em particular, desde já se clarifica não terem sido transferidos do CC para o DD os seguintes passivos do CC: (…) (vi) Todas as indemnizações e créditos resultantes de anulação de operações realizadas pelo CC enquanto prestador de serviços financeiros e de investimento»;
- “Perímetro”, conferindo ao texto consolidado do Anexo 2 a seguinte redação:
«1. Ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão do Banco CC, S.A. (CC), registados na contabilidade, que são objeto da transferência para o DD, S.A. (…)
   (…) (b) As responsabilidades do CC perante terceiros que constituam passivos ou elementos extrapatrimoniais deste são transferidos na sua totalidade para o DD, S.A., com exceção dos seguintes («Passivos Excluídos»):
(…) (v) Quaisquer responsabilidades ou contingências, nomeadamente as decorrentes de fraude ou da violação de disposições ou determinações regulatórias, fiscais, penais ou contraordenacionais, com exceção das contingências fiscais ativas (…).»; 
- “Retransmissão”, ordenando «a retransmissão, do DD para o CC, das emissões de instrumentos de dívida não subordinada enumerados no Anexo I, originariamente transferidos do CC para o DD na sequência da deliberação de 3 de agosto (…)».
*
Em face do objecto da acção, do conteúdo da decisão impugnada e das conclusões da alegação dos recorrentes (art. 635º do CPC), apenas se trata aqui de saber se o acórdão recorrido enferma das nulidades que lhe são assacadas e se, ao invés do decidido pela Relação, os autos devem prosseguir em relação à R NB, para apurar da sua eventual responsabilidade, atendendo aos termos em que os AA configuraram o seu pedido e respectiva causa de pedir.

1. As nulidades.

Segundo os recorrentes, a Relação ter-se-ia pronunciado sobre a existência de fundamento para desconsiderar a personalidade colectiva, questão não apreciada ou posta em causa na sentença proferida e que foi referida nas alegações de recurso a título de enquadramento, «a fim de se evidenciar, posteriormente, a sua transmissão para o Recorrido».

E dizem, ainda, que, por outro lado, a Relação não se pronunciou sobre a questão, efectivamente colocada à sua (re)apreciação e em relação à qual se insurgiram, da não transferência para a NB SA da responsabilidade imputada ao CC com todos os fundamentos com que foi invocada: violação de deveres de conduta e dos deveres de informação violação de deveres gerais da relação contratual bancária, do dever da boa fé (art. 762º, nº 2, do CC) e, bem assim, da prestação de informação inexacta e/ou deficiente [art. 485º, nº 2, do CC).
À luz do disposto no art. 615º nº 1, d), do CPC, a decisão é nula quando «o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento».
Esta previsão normativa prende-se com o incumprimento do dever (prescrito no art. 608º, nº 2, do CPC) de resolver (apenas) todas as «questões» submetidas à apreciação do tribunal, exceptuando aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras ([2]).
Contrariamente ao entendimento subjacente à reclamação, as causas de nulidade de sentença (ou de outra decisão), taxativamente enumeradas nesse preceito, visam o erro na construção do silogismo judiciário e não o chamado erro de julgamento, a injustiça da decisão, ou a não conformidade dela com o direito substantivo aplicável. Ora, o que está verdadeira e unicamente em causa na arguição é que os recorrentes fazem radicar os aludidos vícios na sua divergência com a decisão da Relação ([3]).
Quanto à suposta omissão de pronúncia, como vimos, o tribunal está eximido de conhecer as questões cuja decisão se tornar inútil pelo enquadramento jurídico escolhido ou esteja prejudicada pela solução dada a outras ou, ainda, as que forem juridicamente irrelevantes.
E no que concerne ao invocado vício putativamente consistente no excesso de pronúncia estamos perante um equívoco patente: a viabilidade da pretensão dos ora recorrentes ao reembolso pela R DD da quantia por eles depositada no FF, atendendo aos termos em que a mesma e a respectiva causa de pedir haviam sido configuradas na acção, dependeria do reconhecimento judicial da transmissão para aquela demandada da responsabilidade da R CC SA por tal quantia, na sua alegada qualidade de potencial sucessora universal da mesma, mas essa transmissão também implicaria a assunção – num passo, aliás, logicamente precedente – de que a responsabilidade radicaria, originariamente, na suposta transmitente e, por isso, da possibilidade da afirmação da pretendida desconsideração das distintas personalidades colectivas de ambas as (diferentes) sociedades CC SA e FF.
Foi o que, tão-somente, sucedeu com o acórdão recorrido: nele se entendeu que, face ao «impacto abrangente das Deliberações adoptadas pelo BdP», a pretendida responsabilidade da R CC SA nunca se teria transmitido para a demandada DD SA, com ou sem a invocada violação de deveres de conduta, dos deveres de informação, de deveres da relação contratual bancária e do dever da boa fé (art. 762º, nº 2, do CC) e, bem assim, com ou sem a aludida desconsideração.
Residindo nessa pronúncia o punctum saliens da decisão recorrida, logo se alcança o sentido lógico da solução nela obtida e o segmento em que nela se diz que, perante a mesma, mostra-se prejudicada a resolução de todas as demais questões suscitadas pelas partes nos autos, designadamente a da desconsideração da personalidade colectiva, assente na alegada «actuação ilícita e fraudulenta por parte do FF e do CC, consubstanciada na confusão de esferas jurídicas e de patrimónios que, na tese dos Autores/Recorrentes, foi intencionalmente criada como forma de angariação de valores para o financiamento das sociedades que integravam o universo no HH», sem embargo da alusão a esse tema, «com o fito de darmos algum contributo para o seu esclarecimento» (sic).
Por conseguinte, improcede a arguição  

2. A responsabilidade da R DD SA.

Neste caso, o Tribunal de 1ª instância, na fase do despacho saneador, considerou que dispunha já de todos os elementos que lhe permitiam conhecer do mérito da acção, o que fez, tendo concluído pela improcedência da acção em relação à R recorrida DD. E o acórdão da Relação obteve idêntico desfecho, nele se concluindo pela ilegitimidade substantiva desta R por não se ter transmitido para a mesma a obrigação correspondente ao direito exercido na acção.

Segundo os recorrentes pretendem, o estado do processo não permitiria que se conhecesse imediatamente do mérito da causa, sem necessidade de mais provas, pois sustentam a ideia de que, a demonstrarem os factos alegados e os instrumentais que resultassem da instrução da causa, viriam a evidenciar que teria radicado na esfera jurídica da CC SA a responsabilidade pela devolução do depósito bancário por eles constituído no FF e que tal responsabilidade se teria transmitido para a R Novo SA, sob pena de violação do princípio da igualdade.
Para tanto, alegam, por um lado, que esse depósito bancário foi por eles efectuado enquanto clientes da CC SA, por indicação e no interesse desta, mas com violação pela mesma de deveres inerentes à relação bancária impostos pela boa fé, com informação inexacta ou deficiente e com confusão de esferas jurídicas e mistura de patrimónios intencionalmente criadas, com a consequente desconsideração das personalidades colectivas da CC e do FF, e, por outro lado, que a R DD SA é responsável por os reembolsar desse depósito, face à sua qualidade de sucessora universal da CC e à inaplicabilidade de qualquer uma das excepções aos casos de responsabilidade legalmente deferida.

Vejamos.

É claro que os AA se proporiam demonstrar na acção que o crédito a que se arrogam emerge de um contrato que reputam como inválido, em virtude de dolo ou erro provocado por violação pela CC SA dos deveres inerentes à relação bancária impostos pela boa fé, com informação inexacta ou deficiente e com confusão de esferas jurídicas e mistura de patrimónios intencionalmente criadas, levando-os a efectuar um depósito por sua indicação e no seu interesse, em detrimento do dos AA.

Ora, atendendo ao modo como os AA estruturam a sua pretensão ressarcitória, agora (apenas) contra o R NB, e a provar-se toda a matéria por eles alegada e acima sinopticamente relatada, poderia suscitar-se «a questão de saber se, no que concerne aos riscos a suportar na sequência duma medida de resolução bancária, os mesmos devem ser colocados a par dos investidores cujo risco é titulado por contrato que não padece de qualquer vício», como se disse nos acórdãos proferidos por esta Secção em 18/1 e 27/02/2018, nas revistas 18084/15.5T8LSB.L1.S2 e 17074/16.5T8LSB.L1.S1, respectivamente, em que também era recorrida a NB SA e em que a questão fulcral nelas colocada consistia, igualmente, em saber se o estado do processo permitia que se conhecesse imediatamente do mérito da causa, sem necessidade de mais provas.

Realmente, o reconhecimento da tese dos AA poderia importar a invalidade do negócio subjacente à transferência das quantias depositadas na sucursal de Espanha da CC SA, sucessivamente, para contas do GG e do FF para neste ser constituído o depósito aqui questionado, com a concomitante desconsideração da singularidade das personalidades colectivas da CC e do FF.

Para evidenciar a plausibilidade, em abstracto, dessa tese, e, por via disso, da subsistência da quantia depositada na conta titulada pelos AA no então CC e mediatamente investida no depósito, no que respeita à invalidade, em si mesma, de tal negócio, reproduziríamos aqui o que naqueles precedentes acórdãos se constatou:

«Na verdade, nada na disciplina legal da medida de resolução obsta a que o regime privatístico seja convocado no quadro de actuação de uma instituição bancária objecto de uma medida de resolução (cfr. Mafalda Miranda Barbosa, in Boletim de Ciências Económicas, FDUC, vol. LIX, pág.104).

Assim, podem ser impugnados negócios que se integrem no perímetro de transferência determinada pelo Banco de Portugal, desde que para isso haja fundamento.

Se é certo que o contrato cria um risco para o investidor, também nos parece certo que esse risco só é por ele titulado se o contrato não padecer de qualquer vício que o perturbe ab initio (cfr. ob. cit., pág.89).

A assunção de um risco pelo investidor só corresponde a um ideal de justiça se o negócio que lhe subjaz for válido.

Note-se que, subjacente a um empréstimo obrigacionista, está, no fundo, um contrato de mútuo.

Os deveres de esclarecimento e aconselhamento em relação ao potencial investidor emergem como uma decorrência da boa fé, dependendo a sua intensidade das idiossincrasias do investidor.

Como é evidente, os deveres de informação serão diferentes consoante os sujeitos envolvidos, requerendo especial atenção os investidores não qualificados, a quem deve ser prestada toda a informação necessária para proporcionar uma decisão de investimento esclarecida.

O erro vício, previsto nos arts. 251º e 252º, do C.Civil, pressupõe que a vontade real se tenha formado em consequência do erro.

Isto é, se não fosse o erro, a pessoa não teria pretendido realizar o negócio, ou, pelo menos, não o teria realizado nos termos em que o efectuou.

Mas enquanto no art. 251º se prevê que o erro que recai sobre os motivos determinantes da vontade se refira à pessoa do declaratário ou ao objecto do negócio, no art.252º prevê-se o caso de tal erro não se referir nem àquela pessoa, nem a este objecto (cfr. o nº1, do art.252º).

O nº2 deste último artigo, por seu turno, estabelece um regime diferente para o caso de o erro incidir sobre a base do negócio, ou seja, sobre circunstâncias em que as partes fundaram a decisão de contratar.

Tais erros do declarante são causa de anulação da respectiva declaração negocial, como resulta dos citados artigos.

A anulabilidade pode ser arguida, sem dependência de prazo, tanto por via de acção como por via de excepção, enquanto o negócio não estiver cumprido (art.287º, nº2, do C.Civil).

A anulação do negócio tem efeito retroactivo, devendo ser restituído tudo o que tiver sido prestado (art.289º, nº1, do C.Civil).

Sendo o investidor titular de uma conta com depósito junto do banco objecto da medida de resolução e tendo a execução da ordem de subscrição das obrigações sido feita à conta do saldo existente, como aconteceu no caso dos autos, a anulação do negócio pode implicar, a nosso ver, a reconversão do crédito num saldo.

Caso em que se poderá, então, considerar que tal crédito consubstancia um verdadeiro depósito, transmissível para a instituição de transição, na medida em que não tenha sido excluída essa transmissão pela medida de resolução.

Na verdade, o credor de que se fala agora, sendo-o, só o é na medida em que, por uma questão de justiça, se procura apagar a relação negocial que existia anteriormente (cfr. Mafalda Miranda Barbosa, loc. cit., pág.132, e, ainda, a mesma autora, in «Os Limites da Medida de Resolução», FDUC, pág. 34).

Por sua vez, no que concerne à desconsideração da singularidade das personalidades colectivas, reafirmamos o que também ficou sintetizado no Acórdão desta Secção de 7/11/2017 (p. 919/15.5T8PNF.P1.S1):
«O princípio da atribuição da personalidade jurídica às sociedades e da separação de patrimónios, ficção jurídica que é, não pode ser encarado, em si, como um valor absoluto e não pode ter a natureza de um manto ou véu de protecção de práticas ilícitas ou abusivas – contrárias à ordem jurídica –, censuráveis e com prejuízo de terceiros. Assim, quando exista uma utilização da personalidade colectiva que seja, ou passe a ser, instrumento de abusiva obtenção de interesses estranhos ao fim social desta, contrária a normas ou princípios gerais, como os da boa-fé e do abuso de direito, relacionados com a instrumentalização da referida personalidade jurídica, deve actuar a desconsideração desta, depois de se ponderarem os verdadeiros interesses em causa, para poder responsabilizar os que estão por detrás da autonomia (ficcionada) da sociedade a controlam

Contudo, ainda que, uma vez demonstrada toda essa alegada factualidade, se pudesse admitir que, plausivelmente, a responsabilidade pelo questionado depósito teria transitado para a R NB, por força da deliberação do BdP de 3/8/2014 (que conformou a medida de resolução que incidiu sobre aquela instituição de crédito), dúvidas não restam de que, analisando tal deliberação inicial e suas sucessivas clarificações e rectificações, operadas pelas deliberações de 11/8/2014 e 29/12/2015, a obrigação aqui accionada foi considerada passivo excluído ou não transferido para a DD SA: resultando, inequivocamente, que o BdP não transferiu aquela responsabilidade para a instituição de transição, esta, nessa estrita medida, não pode ser tida por sucessora nos direitos e obrigações da instituição de crédito originária quanto à quantia depositada na conta titulada pelos AA na mesma.
Realmente, tal como na decisão recorrida, também consideramos que de tais deliberações extrai-se, insofismavelmente, que o BdP não transferiu para o DD, fosse a que título fosse, responsabilidades que eventualmente radicassem na esfera do CC, «que, às 20:00 do dia 3 de Agosto de 2014, fossem contingentes ou desconhecidos (incluindo responsabilidades litigiosas relativas ao contencioso pendente e responsabilidades ou contingências decorrentes de fraude ou da violação de disposições ou determinações regulatórias, penais ou contraordenacionais) independentemente da sua natureza (fiscal, laboral, civil ou outra) e de se encontrarem ou não registadas na contabilidade do B.E.S.». No que, claro está, se insere toda a actuação que fundamenta a pretensão dos AA nos presentes autos, sendo certo que esta pretensão, relativamente à DD SA, apenas assentaria na suposta “sucessão” de responsabilidade face ao CC, por força da qual aquela, enquanto banco de transição, teria sucedido, para todos os efeitos, nos direitos e obrigações do banco visado pela medida de resolução, mas com as exceções precisamente justificadas pela intervenção do BdP.

Assim, reponderando o que se concluiu nos precedentes acórdãos desta Secção a que aludimos, entendemos resultar evidente, pelo menos, no termo do acima mencionado percurso deliberativo do BdP, que este acabou por decidir não fazer recair sobre a instituição de transição a responsabilidade pela quantia inicialmente depositada pelos AA no CC, uma vez que, à data da medida de resolução, o reconhecimento de tal responsabilidade era contingente, dependendo da comprovação judicial dos fundamentos invocados nesta acção, tanto para a invalidade da operação alegadamente realizada sob a égide do CC como para a invocada desconsideração das personalidades colectivas das sociedades naquela envolvidas.  

É certo que, na perspectiva dos AA, tratar-se-ia de enfrentar o impacto da actuação do Estado (em sentido amplo) nos direitos a que os mesmos se arrogam perante a pretendida transmissão da instituição de crédito originária para a instituição de transição dos direitos e obrigações referentes ao dito depósito. Porém, não cabe aos tribunais judiciais a apreciação da legalidade e da validade das deliberações do BdP, que deve ser feita pela jurisdição administrativa, o que, em rigor, nem vem controvertido no recurso.

Como tem sido consensualmente afirmado, a medida de resolução bancária assenta na proteção e estabilização da atividade bancária e do sistema financeiro (cf. art. 145º-A do RGICSF), de modo a assegurar a continuidade da prestação dos serviços essenciais e acautelar o risco sistémico, a confiança dos depositantes e os interesses dos contribuintes, sendo, sobretudo, nestes interesses que repousa a justificação para esta especialíssima forma de ingerência do poder público no domínio jurídico-privado, por se entender, finalmente, que não se pode «continuar a viver num horizonte referencial em que os lucros são privados e os prejuízos são públicos» ([4]).

É certo que essa medida só deverá ser tomada caso seja necessária para a defesa do interesse público – a justificação para os efeitos gravosos para os credores por ela abrangidos – estando, por isso, sujeita a essa condição e, entre outras, a de não poder qualquer credor da instituição objecto de resolução suportar um prejuízo superior ao que ocorreria, no caso de essa instituição ter entrado em liquidação.

Porém, o BdP é uma pessoa colectiva de direito público [art. 1º da respectiva Lei Orgânica (nº 5/98, de 31/1)] à qual é cometida a prossecução do interesse público e o correspondente exercício de funções públicas, designadamente as inerentes à supervisão do sector financeiro da economia, entre as quais aqui relevam as visadas com a aplicação de uma medida de resolução.

Ora, no âmbito de tal aplicação, o referido ente público actua no exercício da autoridade imanente ao poder público, com vista à realização de interesse público legalmente definido ([5]), regulado por normas de direito administrativo.

Por isso, cabe apenas aos tribunais administrativos a competência material para conhecer as pretensões formuladas com fundamento na actuação assumida no âmbito de relações jurídicas administrativas, como preceitua o art. 212º nº 3 da CRP e reafirma o art. 1º nº 1 do ETAF (aprovado pela Lei 13/2002 de 19/2) ([6]).
E, assim, também compete ao contencioso administrativo a apreciação da regularidade dos questionados actos do BdP, designadamente quanto à questão de saber se foi desconsiderado o princípio da igualdade na actuação do Estado em sentido amplo e a conformidade constitucional da interpretação que, com esse alcance, se faça das normas ao abrigo das quais se pautou a concreta actuação da pessoa colectiva de direito público.

Como tal, as aludidas deliberações do BdP são vinculativas para os seus destinatários e são válidas e eficazes para a jurisdição comum, se não forem afastadas por via de decisão judicial para a qual é competente um diferente foro.


Por conseguinte, improcede o recurso.
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Síntese conclusiva:

1. Atendendo ao modo como os AA estruturam a sua pretensão ressarcitória neste processo, agora (apenas) contra a R NB, a provar-se toda a matéria por eles alegada e controvertida, atinente à invalidade do negócio subjacente à transferência das quantias depositadas na sucursal de Espanha da CC SA, sucessivamente, para contas do GG e do FF, para neste ser constituído o depósito aqui questionado, com a concomitante desconsideração da singularidade das personalidades colectivas da CC e do FF, poderia suscitar-se a questão de saber se, no que concerne aos riscos a suportar na sequência duma medida de resolução bancária, os mesmos deveriam ser colocados a par dos investidores cujo risco é titulado por contrato que não padece de qualquer vício.

2. Na verdade, o eventual reconhecimento dessa tese complexa poderia importar a subsistência da quantia depositada na conta titulada pelos AA na instituição de crédito sobre que incidiu a medida de resolução e, por via disso, a sua transmissão para o banco de transição, como se não tivesse havido qualquer negócio e em igualdade de condições com os dos demais titulares de depósitos bancários.

3. Contudo, resulta claro, pelo menos, no termo (29/12/2015) do percurso deliberativo do BdP referido nos autos e atinente à medida de resolução bancária imposta ao CC, que o supervisor acabou por decidir não fazer recair sobre a instituição de transição a responsabilidade pela quantia depositada pelos AA.

4. E, cabendo apenas aos tribunais administrativos a apreciação da legalidade e validade das questionadas deliberações do BdP, estas são vinculativas para os seus destinatários e são válidas e eficazes para a jurisdição comum, se não forem afastadas por via de decisão judicial para a qual é competente um diferente foro.
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Decisão:
Pelo exposto, acorda-se em negar a revista e confirmar a decisão recorrida.

Custas pelos recorrentes.

Lisboa, 5/02/2019

Alexandre Reis

Lima Gonçalves

Fátima Gomes

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[1] v. www.CC.pt/Deliberacoes_BdP/20151229%20Deliberacao%20Contingencias.pdf.

[2] Esta nulidade, em directa conexão com o comando ínsito no art. 608º, só se verifica quando o tribunal não se ocupa das questões suscitadas ou se ocupa de questões cuja apreciação não lhe foi colocada. A expressão «questões», que se prende, desde logo, com as pretensões que os litigantes submetem à apreciação do tribunal e as respectivas causas de pedir, de modo algum se pode confundir com as razões (de facto ou de direito), os argumentos, os fundamentos, os motivos, os juízos de valor ou os pressupostos em que as partes fundam a sua posição na controvérsia. Como escreve Teixeira de Sousa (Estudos Sobre o Novo Processo Civil, Lex, 1997, pp. 220 e s), está em causa «o corolário do princípio da disponibilidade objectiva (artº 264º, nº 1 e 664º, 2ª parte) o que significa que o tribunal deve examinar toda a matéria de facto alegada pelas partes e analisar todos os pedidos formulados por elas, com excepção apenas das matérias ou pedidos que forem juridicamente irrelevantes ou cuja apreciação se tornar inútil pelo enquadramento jurídico escolhido ou pela resposta fornecida a outras questões».
[3] Nada tem a ver com qualquer de tais vícios a adequação aos princípios jurídicos aplicáveis da fundamentação utilizada para julgar as pretensões formuladas. Poder-se-á discordar da decisão, como, aliás, as recorridas demonstram ser o caso, mas não são razões de fundo as que subjazem aos vícios imputados. A arguição de tais nulidades não procede quando fundada em divergências com o decidido, sendo coisas distintas a nulidade da sentença e o erro de julgamento, que se traduz numa apreciação da questão em desconformidade com a lei.
[4] Cf. Mafalda Miranda Barbosa, “Os Limites da Medida de Resolução”, estudo já referido, in Boletim de Ciências Económicas, da FDUC, (2016), p. 11, nota 6. A Autora, citando Manuel Magalhães, “A evolução do direito prudencial bancário no pós-crise: Basileia III e CRD IV”, in O novo direito bancário, 285 s, também anota que, na verdade, «“entre os objetivos de Basileia III avulta o de evitar que os bancos voltem a ser resgatados por capitais públicos” e acrescenta: «Em termos económicos, o efeito perverso será a diminuição do crédito e o abrandamento económico. Em termos jurídicos, a consequência será o do alargamento dos poderes de supervisão e a tentativa de criar mecanismos que permitam à entidade supervisora intervir no seio da instituição financeira antes de haver uma situação de insolvência que a todos traria graves problemas. É neste contexto que instrumentos como a medida de resolução são pensados.»
[5] «A função administrativa compreende o conjunto de actos destinados à produção de bens e à prestação de serviços tendo em vista a satisfação das necessidades colectivas, função que é desempenhada essencialmente por pessoas colectivas públicas, e, marginalmente, por pessoas colectivas privadas integradas na Administração Pública» (Ac. do T. de Conflitos de 2/10/2008, p. 12/08).
[6] «A relação jurídica administrativa tem sido definida como aquela que se desenvolve entre um ente público e pessoas privadas sob a égide de normas de direito público, isto é, que regulam a relação de modo diferente de correspondentes relações privadas, por incluírem um poder da parte pública ou uma sujeição especial, determinadas pela necessidade de conferir especial eficácia à tutela do interesse público. No domínio dos contratos a relação jurídica administrativa surge como aquela que extravasa da regra comum de igualdade de posicionamento e de equilíbrio das prestações, através da concessão à parte pública de poderes de conformar ou alterar aspectos da relação, em especial respeitantes à execução, que excedem do direito comum dos contratos.» (Ac. do T. de Conflitos de 04-06-2013, p. 29/13).