Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
377/09.2TBACB.L1.S1
Nº Convencional: 2ª SECÇÃO
Relator: TOMÉ GOMES
Descritores: PRESUNÇÕES JUDICIAIS
IMPUGNAÇÃO PAULIANA
ACTO ONEROSO
ATO ONEROSO
MÁ FÉ
ERRO DE JULGAMENTO
MEIOS DE PROVA
REGRAS DA EXPERIÊNCIA COMUM
PODERES DA RELAÇÃO
COMPETÊNCIA DA RELAÇÃO
MATÉRIA DE FACTO
REAPRECIAÇÃO DA PROVA
PODERES DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Data do Acordão: 07/14/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL - RELAÇÕES JURÍDICAS / PROVAS - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / GARANTIA GERAL DAS OBRIGAÇÕES / CONSERVAÇÃO DA GARANTIA PATRIMONIAL / IMPUGNAÇÃO PAULIANA.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - PROCESSO DE DECLARAÇÃO / SENTENÇA ( NULIDADES ) / RECURSOS / ALTERAÇÃO DA DECISÃO SOBRE A MATÉRIA DE FACTO / RECURSO DE REVISTA / FUNDAMENTOS DA REVISTA / PODERES DE COGNIÇÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA.
Doutrina:
- Almeida Costa, Direito das Obrigações, 11.ª Edição, Almedina, 860-864, 866, com citação de Vaz Serra, in Responsabilidade patrimonial, BMJ n.º 75, pp. 212 e seguintes; Introdução ao Estudo do Direito e Elementos de Direito Civil, 1967, 225.
- Manuel de Andrade, ..., 191 e seguinte e nota (1).
- Vaz Serra, Provas (Direito Probatório Material), B.M.J., 110.º, 80, nota (29), 82.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 349.º, 351.º, 392.º E SS., 610.º, 612.º.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 607.º, N.ºS 4 E 5, 662.º, N.º1, 663.º, N.º2, 674.º, N.º3, 682.º.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

-DE 25/11/2014, PROCESSO N.º 6629/04.0TBBRG.G1.S1, ACESSÍVEL EM WWW.DGSI.PT .
-DE 14/04/2015, PROCESSO N.º 593/06.9TBCSC.L1.S1, ACESSÍVEL EM WWW.DGSI.PT .
Sumário :   
I. As presunções judiciais não se reconduzem a um meio de prova propriamente dito, consistindo antes em ilações que o julgador extrai a partir de factos conhecidos para dar como provados factos desconhecidos, nos termos definidos no artigo 349.º do CC; tais presunções judiciais são admitidas nos casos e termos em que é admitida a prova testemunhal, conforme o disposto no artigo 351.º do mesmo Código.

II. Essas presunções são um meio frequente de provar os factos de natureza psicológica, já que estes, em regra, não são passíveis de demonstração direta, mas antes por via de circunstâncias e comportamentos exteriores que, à luz da experiência comum, indiciem condutas e atitudes, de índole cognitiva, afetiva ou volitiva, dos agentes visados.

III. Face à competência alargada da Relação em sede de reapreciação da decisão de facto, em conformidade com o preceituado no n.º 1 do artigo 662.º do CPC, é lícito à 2.ª instância, com base mormente na prova gravada, reequacionar a avaliação probatória feita pela 1.ª instância no domínio das presunções judiciais, nos termos do n.º 4 do artigo 607.º, aplicável por via do artigo 663.º, n.º 2, do mesmo Código.

IV. No que respeita à sindicância, em sede de revista, sobre o uso de presunções judiciais pelas instâncias, tem-se admitido que o STJ só pode sindicar o uso de tais presunções pela Relação se este uso ofender qualquer norma legal, se padecer de evidente ilogicidade ou se partir de factos não provados.

V. No caso presente, em que está em causa a má fé dos contraentes na realização de ato oneroso de alienação objeto de impugnação pauliana, o uso das presunções judiciais, por parte do Tribunal a quo, ocorreu sobre matéria em relação à qual era perfeitamente admissível e até frequente o recurso a tais presunções, nos termos permitidos pelo artigo 351.º com referência aos artigos 392.º e seguintes do CC e artigo 607.º, n.º 5, aplicável por via do artigo 663.º, n.º 2, do CPC, sendo que tal utilização foi empreendida na esfera dos poderes de cognição do erro de facto amplamente traçados no artigo 662.º, n.º 1, deste último diploma.

VI. Por outro lado, não se divisa que os factos dados como provados pela Relação exorbitem a matéria alegada pelas partes nem que contrariem os demais factos ali também mantidos ou dados como provados.

VII. Por fim, no tocante às regras da experiência convocadas pelo Tribunal a quo, não se afigura que as inferências extraídas padeçam de ilogicidade evidente.

VIII. Assim, respeitados que se mostram os parâmetros legais da utilização das presunções judiciais, seja em sede da sua admissibilidade, seja em sede dos seus pressupostos e da sua aparente logicidade, o invocado erro na apreciação dessas provas só seria porventura prescrutável mediante análise crítica da prova produzida, o que escapa à esfera de competência do tribunal de revista

Decisão Texto Integral:
Acordam na 2.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça:



I – Relatório


1. O Ministério Público, em representação do Estado, instaurou, em 17/02/2009, no então Tribunal Judicial de Alcobaça, ação de impugnação pauliana, sob a forma de processo ordinário, contra AA e mulher BB (1.º R.R.) e CC e mulher DD (2.º R.R.), alegando, em síntese, que:

. No Serviço de Finanças de Alcobaça, foram instaurados diversos processos de execução fiscal contra a sociedade EE – Equipamentos Energéticos, Ld.ª, pelo montante global de € 233.170,98, correspondente à soma as seguintes importâncias:

   - € 66.288,14, respeitante a dívidas de IRC de 2002 e 2003, de IRS de 2002, de IVA de 2002 e 2004 e de coimas fiscais de 2003, 2004 e 2006;

   - € 33.061,00, relativa a dívidas de IRC de 2004, IVA de 2004 e 2005 e de coimas de 2007;

   - € 110.184,34, respeitante a dívidas de IVA de 2004 e 2005 e de coimas fiscais de 2007;

   - € 23.637,50, relativa a dívidas de IRS de 2003, 2004, 2005 e 2006, de IVA de 2004 e 2005, imposto de selo de 2005 e de coimas fiscais de 2007;

. No decurso dessas execuções fiscais, verificou-se que a sociedade ali executada não possuía património suficiente para satisfazer as dívidas exequendas, pelo que, após despachos de reversão de 04/02/2008 e de 25/ 02/2008, foram chamados à execução os aqui 1.ºs R.R., AA e BB, como devedores subsidiários, mediante citações ocorridas em 18/02/2008, 29/02/2008, 10/03/2008, 27/03/2008 e 28/03/2008;

. Na sequência disso, em 04/04/2008, aqueles chamados deduziram oposição, sem suspensão de tais execuções por não terem sido apresentadas garantias adequadas;

    . Em 11/03/2008, os referidos réus outorgaram escritura pública, em que declararam vender ao R. CC o prédio misto descrito sob o n.º 417 na Conservatória do Registo Predial de Alcobaça, pelo preço de € 90.000,00;

     . Os mesmos 1.ºs R.R. fizeram ainda constar de um escrito datado de 01/08/2007, com um aditamento de 08/02/2008, uma promessa de compra e venda do mencionado prédio, que assinaram mas cujas assinaturas não foram reconhecidas presencialmente;

    . Não obstante a referida escritura, os 1.ºs R.R. continuaram a habitar aquele prédio e a assumir os encargos decorrentes das hipotecas constituídas a favor do BANCO FF, o qual não teve conhecimento da sobredita venda;

    . Por outro lado, ainda não fora efetuado o pagamento do preço pelo R. CC;

     . O prédio em causa era o único bem existente na esfera jurídica dos 1.ºs R.R. capaz de satisfazer pelo menos parte dos créditos da Fazenda Pública;

    . Os 1.ºs R.R., ao declararem vender ao 2.º R. CC o prédio em referência, agiram com intenção de se desfazer do único bem idóneo que possuíam para garantir, na qualidade de responsáveis subsidiários, os créditos fiscais do Estado, que sabiam existir;

    . E o 2.º R. declarou comprar-lhes esse prédio com o intuito de auxiliar os 1.ºs R.R. a impedirem a satisfação daquelas dívidas tributárias;

    . Assim, ao emitirem as declarações de venda e de compra na escritura de 11/03/2008, os R.R. outorgantes não quiseram nem vender nem comprar tal prédio, visando apenas, concertadamente, impedir que a Fazenda Pública obtivesse o pagamento integral dos créditos fiscais.

Concluiu o A., pedindo:

   - a título principal, que fosse declarada ineficaz em relação à Administração Fiscal, na medida do seu crédito, a alienação constante da escritura pública de 11/03/2008, lavrada no Cartório Notarial de Alcobaça, entre os 1º R.R: e o 2.º R. CC;

   - e, subsidiariamente, que fosse declarada nula a venda efetuada com base na mesma escritura pública, por simulação absoluta, e em consequência fosse determinado o cancelamento do registo predial de aquisição a favor do Réu CC.

2. Os R.R. contestaram, alegando, além do mais, que:

. As oposições deduzidas às execuções fiscais ainda não foram decididas, pelo que não são, por ora, devedores de qualquer quantia à Fazenda Pública;  

. O R. CC fez e tem feito pagamentos por conta do preço;  

. O mesmo R. e a R. DD desconheciam em absoluto que os 1ºs R.R. mantinham um dissídio com a Administração Fiscal.

Concluíram, assim pela improcedência da ação.

3. Findos os articulados e cessada a suspensão da instância entretanto decretada até ao trânsito em julgado das decisões a ser proferidas no âmbito das oposições às execuções fiscais, foi proferido despacho saneador tabelar, em que foi fixado o valor da causa, procedendo-se, de seguida, à identificação do objeto do litígio e à enunciação dos temas da prova (fls. 666-669).

4. Realizada a audiência final, foi proferida sentença a fls. 678-692, datada de 06/4/2015, a julgar a ação improcedente com a consequente absolvição dos R.R. dos pedidos.

5. Inconformado com aquela decisão, o A. recorreu dela para o Tribunal da Relação de Coimbra que, através do acórdão de fls. 733-743/v.º, datado de 26/01/2016, julgou a apelação procedente, revogando a decisão da 1.ª instância, alterando a decisão de facto e, por decorrência disso, declarando ineficaz em relação à Administração Fiscal, na medida do seu crédito, a alienação constante da escritura pública em causa, de 11/03/2008, entre os 1.º R.R. e o 2.º R..

6. Desta feita, inconformados os R.R. recorreram de revista, formulando as seguintes conclusões:   

   1.ª - Considerando o teor do acórdão recorrido, entendem os R.R./ Recorrentes, salvo o devido respeito, que o mesmo enferma de violação da lei substantiva, por erro de interpretação de normas jurídicas, as quais impunham outra decisão.

  2.ª – O Tribunal “a quo” recorreu a presunções judiciais – igualmente designadas naturais, de facto, ou hominis - para alterar a matéria de facto dada como provada pela 1.a instância e daí extrair as consequências legais que entendeu se impunham, na decorrência dessa alteração;

   3.ª - A matéria do recurso a presunções judiciais não se encontra excluída da alçada da competência do STJ (cfr. artigo 674.º, n.º 3, do CPC), já que lhe compete, designadamente, verificar se as presunções judiciais exorbitam o âmbito dos factos provados ou deturpam o sentido (dito) normal daqueles de que foram extraídos.

   4.ª - Com efeito, mostram-se passíveis de censura pelo STJ as presunções judiciais feitas pelo Tribunal “a quo” em violação do disposto nos artigos 349.º e seguintes do CC, assim como a aferição da admissibilidade ou não das referidas presunções.

  5.ª - Sabe-se que as presunções judiciais traduzem processos mentais do julgador com vista à descoberta dos factos, naquilo que não é mais que uma dedução resultante dos factos provados.

   6.ª - No entanto, os eventuais juízos de valor que se pretendam extrair dos factos dados como provados sempre terão que apresentar sustentáculo em critérios próprios do bonus pater familias, o dito homem comum, não se bastando com a mera sensibilidade/intuição do julgador.

  7.ª - Não se poderá deixar de notar que o Tribunal “a quo” considerou não ser crível, por um lado, que os 1.ºs R.R. decidissem vender: “(...) uma casa de habitação que é a sua morada de família e que se encontra hipotecada, para pagar dívidas de uma empresa” e, por outro lado, "que o 2.º R. tivesse conhecimento das dívidas dos 1.º R.R. se/ou da empresa destes aos credores/fornecedores e nenhum conhecimento pudesse ou devesse ter da existência de dívidas ou responsabilidades perante o Fisco” (a fís. 17 do acórdão recorrido).

   8.ª - O Tribunal “a quo”, com base em presunções judiciais, “avaliou” o comportamento dos R.R. com base em critérios que os afastam do bonus pater familas, maxime, da sua própria realidade sócio-económica.

   9.ª - É que, não só não seriam os 1.ºs R.R. os primeiros, nem os últimos, a vender a sua habitação para pagar dívidas de sociedades comerciais de cujas quotas são titulares - até porque, sabe-se, os cidadãos “comuns” nem sempre têm formação que lhes permita distinguir a esfera jurídica das pessoas coletivas de cujas participações sociais são titulares e a sua própria esfera jurídica e responsabilidades enquanto pessoas singulares - nem se mostra, por outro lado, fora de qualquer dúvida que os 2.ºs R.R. tivessem conhecimento de dívidas dos 1.ºs R.R. para com os fornecedores e desconhecessem a existência de dívidas ao fisco.

   10.ª - Nenhum desses factos, que considerou o Tribunal “a quo” como não sendo críveis, apresenta, na verdade, qualquer elemento estranho, se atendermos ao grau de conhecimentos e formação dos R.R.;

   11.ª - Do mesmo modo que os presentes autos não integram prova que sustente o decidido pelo Tribunal “a quo”, por meio de presunções judiciais;

   12.ª - Não podia o Tribunal “a quo”, com recurso a presunções judiciais, extrair da mera ignorância jurídica dos R.R., a consequência factual de que os mesmos, em conluio, empregaram má-fé na transação comercial sub judice;

   13.ª - Aliás, ilustrativo do contexto em que o 2.º R. decidiu comprar a casa dos 1.ºs R.R., é a narrativa feita pelo próprio, de como pretendia adquirir o imóvel para o seu tio e padrinho, e com isso, ganhar algum dinheiro (Cfr. declarações de parte parcialmente transcritas no acórdão recorrido).

   14.ª - O propósito que moveu o 2.º R. em nada se prendeu com qualquer conluio com os 1.ºs R.R., mas outrossim, com interesses próprios, que, diga-se, bem resultam claros, também, pelo facto de serem os 1.ºs R.R. quem até hoje paga a prestação do contrato de mútuo celebrado com o Banco, ao qual o imóvel se encontra hipotecado;

  15.ª - Ou seja, o que resulta do acórdão recorrido e da sua fundamentação é que, o Tribunal “a quo” confundiu ignorância jurídica, com má-fé e avaliou o comportamento dos R.R. com base numa premissa de conhecimentos que os mesmos não têm, como resulta, aliás, à saciedade das declarações de parte prestadas e parcialmente transcritas no acórdão recorrido;

  16.ª - Ainda sobre esta mesma matéria veja-se - a fls. 17 do acórdão recorrido - a conclusão extraída pelo Tribunal “a quo” quando refere "(A)ntolha-se, pois, evidente a inverosimilhanca de um negócio sem uma clara (ou mais clara) definição da pessoa do comprador; omitindo-se o cuidado devido (e habitual!) na indicação dos valores parcelares “a pagar” (erro ou lapso só compreensível na “formalização de algo que não existe!)”;

   17.ª - Ora, salvo o devido respeito, uma vez mais, a explicação prende-se com o contexto - também sociológico - em que tal negócio foi efetuado, já que para um cidadão médio não é descabido que dos termos do negócio apenas conste o valor global da compra e venda do imóvel, sem que, para tanto, entenda necessário discriminar as várias tranches dos pagamentos a efetuar;

   18.ª - E isto, nada tem de estranho, num determinado contexto sócio-económico e sociológico que não pode ser estranho ou ausente na apreciação das designadas presunções judiciais, nem daí pode ser extraída qualquer má-fé.

   19.ª - Ou seja, uma vez mais, o Tribunal “a quo”, pese embora tenha procedido à audição das gravações onde constam as declarações de parte dos vários R.R. - o que sempre permitiria formular um juízo que afasta os R.R. do cidadão suficientemente esclarecido (a respeito das matérias em apreciação) - avaliou e julgou a atuação dos R.R. com recurso a parâmetros que no caso não podem ter uso, na exata medida, em que não correspondem à realidade e conhecimento dos R.R.;

   20.ª - A falta de discriminação dos valores parcelares a pagar pelo 2.º Réu aos 1.ºs R.R. pode, e tem, no caso, uma explicação que se prende com a falta de conhecimentos e não com qualquer má-fé.

   21.ª - Sem um único elemento probatório de suporte, julgou o Tribunal “a quo” que o 2.º R. tinha conhecimento da existência de dívidas à Administração Tributária, por parte dos 1.ºs R.R., refletindo tal facto na matéria de facto dada como provada em 2.ª instância.

   22.ª - Com base nestas presunções, o Tribunal “a quo” alterou diametralmente a matéria de facto dada como provada nos presentes autos e com isso chegou a uma solução jurídica, igualmente, oposta, àquela que foi acolhida - e a nosso ver, bem - pelo Tribunal de 1.a instância.

   23.ª - Para que existisse lugar à aplicação de presunções judiciais mostrava-se necessário que ocorresse uma relação direta e (suficientemente) segura, claramente percetível e destituída de conjeturas (muito) elaboradas, entre o facto que serviu de base à presunção e o facto que por presunção o julgador alcançou.

   24.ª - Não era possível ao Tribunal “a quo” estabelecer presunções judiciais a partir de factos não provados.

   25.ª - No caso e como resulta à evidência do teor do acórdão recorrido, o que o Tribunal “a quo” fez, foi estabelecer presunções judiciais e com base nessas presunções alterar a matéria de facto dada como provada.

   26.ª - As presunções judiciais não podem eliminar o ónus da prova nem modificar o resultado da respetiva repartição entre as partes.

   27.ª - Com efeito, as presunções judiciais traduzem-se em ilações que o julgador extrai de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido, como resulta, aliás, do preceituado no artigo 349.º do CC, e não o contrário;

   28.ª - In casu, o Tribunal “a quo” não podia - como em erro, o fez presumir em sentido contrário à vontade declarada pelos R.R., no contrato de compra e venda do imóvel sub judice, com base, exclusivamente, em meras presunções judiciais.

   29.ª - O recurso a presunções judiciais nunca poderia dispensar outro tipo de prova que lhes servisse de suporte. E essas provas no caso não existem.

  30.ª - É que, salvo o devido respeito, dizer que o contrato-promessa de compra e venda e o respetivo aditamento foram assinados com a mesma caneta (vide fls. 10 e 11 do acórdão recorrido), constatação/presunção que resulta da análise (à vista desarmada) feita pelos julgadores, não pode, nem deve, salvo o devido respeito, ser sequer considerada;

   31.ª - A presunção judicial não consente que, sem meios de prova coadjuvantes, o Tribunal “a quo” pudesse concluir exatamente o oposto dos factos até aí assentes (pelo Tribunal de 1.a instância).

  32.ª - As presunções judiciais apresentam a função de auxiliar o julgador a formar a sua convicção, mas sem que para tanto consubstanciem um meio de prova autónomo no que respeita à sua suficiência;

  33.ª - In casu, impõe-se que o STJ aprecie o uso de presunções judiciais feito pelo Tribunal “a quo” por forma a averiguar que aquele uso ofende normas legais, padece de falta de lógica e parte de factos não provados;

  34.ª - Por esta ordem de razões, o Tribunal “a quo” violou o princípio da livre apreciação da prova conforme estabelecido no artigo 607.º do CPC, naquela que se considera ter sido uma apreciação arbitrária e discricionária em virtude das presunções judiciais usadas no acórdão recorrido, em evidente detrimento da prova produzida nos presentes autos;

   35.ª - Ao decidir nos termos em que o fez, o Tribunal “a quo” violou ainda o preceituado nos artigos 349.º e seguintes do CC;

   36.ª - Assim como procedeu o Tribunal “a quo” à alteração da matéria de facto dada como assente pela 1.a instância, em violação do preceituado no artigo do 662.º do CPC;

  37.ª - Pelo exposto, o acórdão recorrido não se poderá manter -maxime no que respeita à matéria de facto dada ali como assente -devendo ser anulado, com todas as consequências legais que daí devam ser extraídas.

7. O Recorrido apresentou contra-alegações a pugnar pela negação da revista, rematando com o seguinte quadro conclusivo:

1.ª - O último parágrafo do fls. 21 do acórdão, onde se lê "«11. Resta dizer que soçobram, assim, todas as “conclusões” da alegação de recurso», enferma de manifesto lapso de processamento de texto;

2.ª – Donde deve determinar-se que onde se lê «soçobram» deve passar a ler-se «procedem», ou, em alternativa, que o último parágrafo de fls. 21 seja considerado eliminado, num ou noutro caso, com anotação da retificação no pertinente local do acórdão;

3.ª - Os recorrentes não podem suscitar, perante o STJ, o reexame da matéria de facto, como, a nosso ver, no presente recurso vêm fazer, como resulta das conclusões extraídas;

4.ª Assim, excedendo o objeto/âmbito do recurso os poderes de cognição do STJ, deve o mesmo improceder;

5.ª - Embora sem conceder, mas caso assim se não entenda, o Tribunal “a quo”, para firmar a sua convicção sobre os factos não assentes e assentes, procedeu a um exaustivo exame dos meios de prova;

6.ª - Nomeadamente, analisou minuciosamente o teor dos documentos juntos (vd. fls 737 -738 v.°) e, com elevado e exemplar rigor, examinou a prova por declarações (fls. 738 v.2, in fine, até fls. 741 v.°);

7.ª- O Tribunal “a quo” não só analisou com profundidade cada meio de prova de per si, como conjugou e articulou cada meio de prova com os demais, de modo a apreender e concretizar a sua força probatória;

8.ª - Os factos considerados provados e não provados pelo Tribunal “a quo”, foram-no no termo de um rigoroso /ter lógico-cognoscitivo;

9.ª - Com efeito, a convicção firmada pelo Tribunal “a quo”, quanto aos factos, tem sólido alicerce nos meios de prova examinados;

10.ª - Conforme se dispõe no art.º 349.º, do CC, “As presunções são as ilações que a lei ou o julgador tira de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido”, sendo que o Tribunal “a quo”, na metodologia de acesso aos factos, cumpriu com rigor tal preceito legal;

11.ª - Não há, pois, qualquer fundamento ou razão para a anulação do acórdão ou para a alteração dos segmentos de facto;

12.ª - No que concerne á decisão de direito, atento o objeto/âmbito do recurso, que pressupunha a alteração da matéria de facto, e dado que esta deve manter-se, deverá aquela decisão de direito permanecer inalterada;

13.ª ‑ De todo o modo, sempre se dirá que o Tribunal “a quo” fez o adequado tratamento jurídico dos factos assentes, tendo aplicado corretamente o regime jurídico ao acervo de factos apurados;

14.ª - Com efeito, o pronunciamento decisório emitido (fls. 743 v.º, ponto n.º "III"), mostra-se ser a resultante de uma profunda análise jurídica, com aplicação das normas jurídicas pertinentes, indicadas no acórdão;

15.ª - Não foram desrespeitados quaisquer preceitos legais, mormente os indicados pelos recorrentes;

16.ª - Donde, impõe-se a conclusão de que:

a) – O objeto do recurso, tal como balizado pelos recorrentes, excede o âmbito do recurso de revista para o STJ, pois não podem suscitar, perante o STJ, a reapreciação da matéria de facto, como, a nosso ver, os Recorrentes fazem.

b) - Caso assim se não entenda, não há qualquer motivo ou fundamento para a anulação do acórdão ou para alteração da matéria de facto;

c) - Na lógica do recurso interposto, a alteração da decisão de direito dependia da alteração da matéria de facto, pelo que, mantendo-se esta, deve permanecer intocado o acórdão recorrido, no que à aplicação do direito concerne;

d) - Em todo o caso, o pronunciamento decisório editado é a mera resultante da profunda análise jurídica feita pelo Tribunal “a quo”, com aplicação do adequado regime jurídico aos factos assentes.  


Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.


II – Delimitação do objeto do recurso


Estamos no âmbito de uma ação intentada em 17/02/2009, no âmbito da qual as decisões finais impugnadas foram proferidas, respetivamente, em 06/4/2015 (na 1.ª instância) e em 26/01/2016 (na 2.ª instância), pelo que é aplicável o regime recursal atualmente em vigor, nos termos da norma transitória do art.º 5.º, n.º 1, da Lei n.º 41/2013, de 26-06.

Como é sabido, no que aqui releva, o objeto do recurso é definido em função das conclusões formuladas pelo recorrente, nos termos dos artigos 635.º, n.º 3 a 5, 639.º, n.º 1, do CPC.

Dentro desses parâmetros, o âmbito da presente revista circunscreve-se à sindicância dos poderes da Relação em sede de presunções judiciais no respeitante à parte alterada da decisão de facto, incidente sobre os factos que consubstanciam o requisito de má-fé imputado aos outorgantes da escritura de compra e venda em referência, mormente no tocante a saber se foram violados:

a) - os parâmetros legais constantes dos artigos 349.º e seguintes do CC e do art.º 662.º do CPC;

b) – as regras de logicidade nos juízos de inferência em que se estribou a sobredita alteração da decisão de facto. 


III – Fundamentação


1. Factualidade provada


Vem dada como provada a seguinte factualidade:

1.1. No Serviço de Finanças de Alcobaça, correram termos, entre outros, os seguintes processos de execução fiscal contra a sociedade “EE - Equipamentos Energéticos, Ld.ª”: a) - processo n.º 130…69, por dívidas de IRC dos anos de 2002 e 2003, IRS de 2002, IVA de 2002 e 2004 e coimas fiscais de 2003, 2004 e 2006, no montante global de € 66.288,14; b) - processo n.º 130…37, por dívidas de IRC do ano de 2004 e 2005 e coimas fiscais de 2007, no montante global de € 33.061,00; c) - processo n.º 130…48, por dívidas de IVA dos anos de 2004 e 2005 e coimas fiscais de 2007, no montante global de € 110.184,34; d) - processo n.º 130…06, por dívidas de IRS dos anos de 2003, 2004, 2005 e 2006, IVA de 2004 e 2005, imposto de selo de 2005 e coimas fiscais de 2007, no montante global de € 23.637,50 - correspondente ao ponto 1 dos factos dados por provados na sentença;

1.2. No decurso dos processos referidos em 1.1. constatou-se que a executada apenas possuía um veículo de marca Citroen, ligeiro de mercadorias do ano de 1999, com a matrícula ...-...OH sobre o qual já incidia penhora registada e hipoteca a favor da Fazenda Nacional, bem como alguns bens móveis - correspondente ao ponto 2 dos factos dados como provados na sentença;

1.3. Em consequência do facto referido em 1.2, foram proferidos despachos de reversão nos processos mencionados em 1.1, contra os R.R. AA e BB por serem os gerentes da executada, nas seguintes datas: a) - 25/02/2008, no processo n.º 130…06; b) - 04/02/ 2008, no processo n.º 130…69; c) - 04/02/2008, no processo n.º 130…37; d) - 25/02/2008, no processo n.º 130…48 - correspondente ao ponto 3 dos factos dados como provados na sentença;

1.4. Os R.R. AA e BB foram citados na qualidade de executados por reversão nas seguintes datas: a) - no processo n.º 130…06, respetivamente em 27/03/ 2008 e 10/03/2008; b) - no processo n.º 130…69, respetivamente em 29/02/2008 e 18/02/ 2008; c) - No processo n.º 130…37, respetivamente em 29/02/ 2008 e 18/02/2008; d) - no processo n.º 130…48, respetivamente em 27/03/ 2008 e 10/03/2008 - correspondente ao ponto 4 dos factos dados como provados na sentença;

1.5. Os R.R. AA e BB nos processos de execução fiscal supra mencionados deduziram oposição à execução, as quais correram termos sob os n.º 456/08.3BELRA, no que se refere ao processo n.º 130…06; n.º 455/08.7BELRA e 451/08.2BELRA, no que se refere ao processo n.º 130…69; n.º 454/08.7BELRA e n.º 501/08. 2BELRA, no que se refere ao processo n.º 130…37; n.º 453/08. 9BELRA no que se refere ao processo n.º 130…48 – correspondente ao ponto 5 dos factos dados como provados na sentença;

1.6. Por decisão transitada em julgado no dia 16/02/2012, no processo n.º 456/08.3BELRA, decidiu-se:

“anular o despacho de reversão (mas não de julgar extinta a execução com base na procedência deste fundamento formal que, como se sabe, permite a AT proferir outro despacho de reversão, desde que fundado em pressupostos que não sejam a repetição dos ora afastados)»

- correspondente ao ponto 6 dos factos dados como provados na sentença;  

1.7. Por decisão transitada em julgado em 14/05/2012, no processo n.º 455/08.5BELRA, foi julgada a oposição procedente na parte respeitante às dívidas por coimas e extinta a execução fiscal revertida contra o oponente nessa parte - correspondente ao ponto 7 dos factos dados como provados na sentença;

1.8. Por decisão transitada em julgado no dia 02/12/2013, no processo n.º 451/08.2BELRA, foi julgada parcialmente procedente a oposição deduzida e em consequência foi extinta a execução na parte respeitante a dívidas por coimas fiscais - correspondente ao ponto 8 dos factos dados como provados na sentença;

1.9. Por decisão transitada em julgado no dia 24/05/2012, no processo n.º 454/08.7BELRA, foi julgada a oposição procedente na parte respeitante às dívidas por coimas e extinta a execução fiscal revertida contra o oponente nessa parte - correspondente ao ponto 9 dos factos dados como provados na sentença;

1.10. Por decisão transitada em julgado no dia 12/12/2013, no processo n.º 501/08.2BELRA, foi julgada parcialmente procedente a oposição deduzida e em consequência determinou-se a extinção da execução na parte em que foram revertidas as dívidas por coimas - correspondente ao ponto 10 dos factos dados como provados na sentença;

1.11. Por decisão transitada em julgado no dia 04/11/2013, no processo 453/08.9BELRA, foi julgada improcedente a oposição deduzida por não provada - correspondente ao ponto 11 dos factos dados como provados na sentença;

1.12. Por documento particular datado de 01/08/2007, sob a epígrafe “Contrato Promessa de Compra e Venda”, os R.R. AA e BB prometeram vender ao R. CC que prometeu comprar:

«o prédio misto, sito na Rua da … n.º …, no lugar de Casal da Fonte, dita freguesia de Vestiaria, composto de casa de rés-do-chão para habitação, anexo destinado a garagem e arrecadação e logradouro, e terra com árvores de fruto e vinha, inscrito na respectiva matriz sob os artigos 856 urbano e 56 rústico, com o valor patrimonial tributário para efeitos de IMT de 31.444,25€ descrito na Conservatória do Registo Predial de Alcobaça sob o número quatrocentos e dezassete/Vestiaria, aí registada a aquisição a seu favor pela inscrição G-um e duas hipotecas voluntárias a favor do Banco BANCO FF, S. A., livre de ónus e encargos e pelo preço de € 90 000,»

a ser pago do seguinte modo: € 9.250,00, na mesma data a título de sinal e princípio de pagamento; € 6.000,00, até ao final do mês de agosto de 2007; € 2.000,00, até ao final do mês de outubro de 2007; € 5.000,00, até ao final do mês de dezembro de 2007; € 6.500,00, até ao final do mês de fevereiro de 2008; € 62.500,00, com a outorga da respetiva escritura que deveria ter lugar até ao final do mês de fevereiro de 2008 - correspondente ao ponto 12 dos factos dados como provados na sentença;  

1.13. No dia 08/02/2008, os R.R. AA, BB e CC subscreveram um aditamento no documento mencionado em 1.12 onde declaram, entre o mais:

«A) O segundo outorgante aceita comprar o identificado imóvel sem se encontrar livre das hipotecas registadas na Conservatória, mantendo-se as mesmas em vigor até que ele entenda poder liquidar a totalidade dos empréstimos ainda em dívida e que nesta data rondam os 62 500€;

B) As respectivas prestações desses empréstimos continuarão a ser pagas através de débito automático nas contas dos primeiros outorgantes, todos os meses;

C) O segundo outorgante pagará aos primeiros até ao dia 15 de Fevereiro de dois mil e oito, a quantia de 6 500€ (SEIS MIL E QUINHENTOS EUROS), a título de reforço de sinal, em vez dos 62.500€ inicialmente previsto na alínea F) da cláusula TERCEIRA, ficando assim e no entanto, o segundo outorgante com a possibilidade de a todo o tempo – sem contudo exceder o prazo de dez anos a contar de hoje – se substituir aos primeiros no pagamento dos saldos em dívida daqueles empréstimos junto do Banco BANCO FF e assim obter a declaração para o cancelamento das respectivas hipotecas; e

D) A escritura de compra e venda que formalizará o presente contrato deverá ter lugar ao final do próximo mês de Março do corrente ano.»

- correspondente ao ponto 13 dos factos dados como provados na sentença;

1.14. Nenhuma das assinaturas dos R.R. constantes dos documentos referidos em 1.12 e 1.13 foi reconhecida presencialmente por qualquer entidade - correspondente ao ponto 14 dos factos dados como provados na sentença;  

1.15. No dia 11/03/2008, no Cartório Notarial de Alcobaça, os R.R. BB e AA declararam vender ao R. CC que declarou comprar, pelo preço de € 90 000 já recebido, o imóvel constituído por: «PRÉDIO MISTO sito na Rua da … n.º …, no lugar de Casal da Fonte, dita freguesia de Vestiaria, composto de casa de rés-do-chão para habitação, anexo destinado a garagem e arrecadação e logradouro, e terra com árvores de fruto e vinha, inscrito na respectiva matriz sob os artigos 856 urbano e 56 rústico, com o valor patrimonial tributário para efeitos de IMT de 31 444,25€ descrito na Conservatória do Registo Predial de Alcobaça sob o número quatrocentos e dezassete/Vestiaria, aí registada a aquisição a seu favor pela inscrição G-um e duas hipotecas voluntárias a favor do Banco BANCO FF SA, sociedade aberta, pelas inscrições C-2 e C-3, cujos montantes máximos são, respectivamente de setenta e sete mil novecentos e oitenta euros e vinte e cinco cêntimos e de trinta e seis mil oitocentos e oitenta e nove euros e cinquenta e nove cêntimos.» - correspondente ao ponto 15 dos factos dados como provados na sentença;

1.16. Após a realização da escritura referida em 1.15, os R.R. AA e BB estiveram cerca de 2 meses a habitar noutro local, decorridos os quais passaram, de novo, a habitar o imóvel - correspondente ao ponto 16 dos factos dados como provados na sentença;

1.17. Os R.R. AA e BB continuam a assumir os encargos decorrentes das hipotecas constituídas a favor do Banco BANCO FF, ao qual não foi dado conhecimento formal da realização da escritura referida em 1.15 - correspondente ao ponto 17 dos factos dados como provados na sentença;

1.18. O R. CC, na presente data, ainda não pagou a totalidade do preço acordado, porquanto apenas entregou aos R.R. AA e BB a quantia de € 28.250,00 - correspondente ao ponto 18 dos factos dados como provados na sentença;

1.19. O prédio mencionado na escritura referida em 1.15 era o único bem na esfera jurídica dos R.R. AA e BB, suscetível de satisfazer, se não totalmente, pelo menos em parte, os créditos da Fazenda Pública - correspondente ao ponto 19 dos factos dados como provados na sentença;

1.20. Os R.R. pretenderam, com as declarações feitas, evitar que à Fazenda Pública fosse possível a satisfação do crédito que detinham sobre os Réus AA e BB – matéria dada como provada pela Relação, em alteração da decisão da 1.ª instância;

1.21. Os R.R. AA e BB, ao declararem vender o imóvel, agiram com intenção de prejudicar a Fazenda Pública, desfazendo-se do único bem idóneo a garantir o crédito do Estado que sabiam existir, na qualidade de responsáveis subsidiários, decorrente do não pagamento dos impostos referidos – matéria dada como provada pela Relação, em alteração da decisão da 1.ª instância;

1.22. O R. CC declarou a compra do mencionado imóvel, com o único intuito de auxiliar os R.R. AA e BB a impedirem a satisfação da dívida tributária para com a Fazenda Pública – matéria dada como provada pela Relação, em alteração da decisão da 1.ª instância;

1.23. Os R.R. declararam vender e comprar o imóvel, quando não era essa a sua intenção, tendo agido com o intuito de iludir o Estado – matéria dada como provada pela Relação, em alteração da decisão da 1.ª instância;

1.24. Apenas o plano concertado dos R.R. permitiu concretizar os intentos definidos entre os mesmos, o qual era impedir que a Fazenda Pública obtivesse o pagamento integral do seu crédito – matéria dada como provada pela Relação, em alteração da decisão da 1.ª instância.


2. Do mérito do recurso


Com a presente ação, o Estado, representado pelo Ministério Público, pretende obter, em primeira linha, a declaração judicial de ineficácia do contrato de compra e venda do prédio misto acima identificado, celebrado entre os 1.ºs R.R., AA e mulher BB, na qualidade de vendedores, e o 2.º R. CC, na qualidade de comprador, através de escritura pública realizada em 11/03/2008, alegando a diminuição da sua garantia patrimonial para satisfazer créditos fiscais anteriores àquela alienação e a má fé dos outorgantes.

Estamos, pois, no âmbito de uma pretensão de impugnação pauliana, mecanismo este que se perfila como um meio de tutela dirigido à conservação da garantia patrimonial do credor contra atos praticados sobre os bens do devedor suscetíveis de comprometer a satisfação de um crédito.

Com é sabido, a procedência da impugnação pauliana depende da verificação cumulativa dos requisitos enunciados nos artigos 610.º e 612.º do CC, os quais constituem, por assim dizer, os elementos integrantes da respetiva causa de pedir, e que a jurisprudência e a doutrina[1] têm catalogado nos seguintes termos: 

a) – a existência de determinado crédito na titularidade do impugnante anterior ao ato impugnado, ou mesmo posterior, quando este ato for praticado como dolo específico - art.º 610.º , alínea a), do CC;

b) – a verificação do ato impugnado que envolva diminuição da garantia patrimonial do crédito em causa, seja por redução do ativo do devedor, seja por aumento do seu passivo; 

c) – a impossibilidade ou agravamento para a situação integral do crédito;

d) – o nexo causalidade entre o ato impugnado e a sobredita impossibilidade ou agravamento;

e) – a má-fé do devedor e do terceiro adquirente, se o ato sendo posterior ao crédito, for oneroso, considerando-se má-fé a consciência do prejuízo que o ato oneroso causa ao credor; todavia se o ato impugnado for anterior ao crédito, exige-se já o dolo específico.         

Como se refere no acórdão do STJ, de 14/04/2015, proferido no processo n.º 593/06.9TBCSC.L1.S1[2], “o requisito da má fé, nos actos onerosos, reveste, pois, o sentido de repressão de propósitos fraudulentos”.

Dentro deste quadro normativo, segundo o disposto no artigo 612.º do CC, em particular nos casos de ato oneroso, não se exige, no plano da má fé, a concertação entre o devedor e o terceiro adquirente, dispensando-se, portanto, o chamado consilium fraudis.


Como observa Almeida Costa[3]:

«Entende-se por má fé a consciência do prejuízo que o acto causa ao credor (art.º 612., n.º 2). Não se reclama, deste modo, a intenção de prejudicar ou o conhecimento da situação de insolvente do devedor. Trata-se de fórmulas que correspondem a realidades diversas. Repare-se que pode existir a consciência do prejuízo que o acto causa aos credores, sendo o mesmo realizado, todavia, sem o intuito de lhes produzir dano; assim como essa consciência do prejuízo não pressupõe, necessariamente, que se reconheça ou exista a situação de insolvência do devedor e vice-versa.»  


De igual modo, o indicado acórdão do STJ, de 14/04/2015, proferido no processo n.º 593/06.9TBCSC.L1.S1, afastando-se da tese de que “o acto que cai na previsão pauliana é um acto finalisticamente destinado a prejudicar o credor”, alinhou na orientação mais corrente de que:

«(…) a má fé, enquanto requisito da impugnação pauliana, com ressalva da situação em que o acto a atacar for anterior à constituição do crédito, consiste na consciência do prejuízo que o negócio questionado causa ao credor, ou seja, na diminuição da garantia patrimonial do crédito, não sendo, por isso, necessário demonstrar a intenção de originar tal prejuízo.»

          E, no mesmo aresto, se precisa que:

«(…) a concretização da má fé basta-se, de acordo com a definição do artigo 612.º, n.º 2, do CC, com a “consciência do prejuízo que o acto causa ao credor”, o que requer, tão-só, a verificação do elemento intelectual, comum ao dolo eventual e à negligência consciente, ou seja, a mera representação da possibilidade da produção do resultado danoso, em consequência da conduta do agente, e não já do elemento volitivo, isto é, o sentido subjectivamente, atribuído pelo agente à sua conduta e, portanto, o facto de, ao realizá-lo, ele confiar ou não em que o resultado venha a produzir-se.»

Em suma, quando se trate de ato posterior ao crédito, basta a consciência ou a previsão efetiva do dano que para os credores deriva do ato impugnado. Tal conhecimento, na maioria dos casos, será provado com base em elementos indiciários que, segundo a experiência comum, permitam induzir esse conhecimento.


No caso presente, no respeitante ao requisito da má fé, o A. alegou que, ao outorgarem a escritura pública de compra e venda do prédio em referência, em 11/03/2008, os 1.ºs R.R. agiram com intenção de se desfazer do único bem idóneo que possuíam para garantir, na qualidade de responsáveis subsidiários, os créditos fiscais do Estado, que sabiam existir, enquanto que que o 2.º R. António Santos declarou comprar-lhes esse prédio com o intuito de auxiliá-los a impedir a satisfação daquelas dívidas tributárias. Tal matéria foi impugnada de forma motivada pelos R.R..

Assim, muito embora, sendo os créditos do Estado impugnante anteriores ao ato impugnado, não se requerendo, por isso, o dolo específico dos outorgantes, o certo é que o A. alegou factos tendentes a demonstrar o pró-prio consilium fraudis.


Sucede que, perante a prova produzida em audiência, a 1.ª instância julgou:

a) - Como provado, sob o ponto 20 da sentença, que os R.R. CC e DD, à data da mencionada escritura, desconheciam a situação fiscal dos R.R. AA e BB

b) – E como factos não provados, respetivamente nas alíneas a), b), c), d) e e), que:

i) - Os R.R. pretenderam, com as declarações feitas, evitar que à Fazenda Pública fosse possível a satisfação do crédito que detinham sobre os R.R. AA e BB;

ii) - Os R.R. AA e BB, ao declararem vender o imóvel, agiram com intenção de prejudicar a Fazenda Pública, desfazendo-se do único bem idóneo a garantir o crédito do Estado que sabiam existir, na qualidade de responsáveis subsidiários, decorrente do não pagamento dos impostos referidos;

iii) - O R. CC declarou a compra do mencionado imóvel, com o único intuito de auxiliar os R.R. AA e BB a impedirem a satisfação da dívida tributária para com a Fazenda Pública;

iv) - Os R.R. declararam vender e comprar o imóvel, quando não era essa a sua intenção, tendo agido com o intuito de iludir o Estado;

v) - Apenas o plano concertado dos R.R. permitiu concretizar os intentos definidos entre os mesmos, o qual era impedir que a Fazenda Pública obtivesse o pagamento integral do seu crédito.

       A tal propósito, a 1.ª instância fez recair a sua análise critica das provas, para além dos documentos existentes nos autos, sobre as declarações de parte prestadas pelos réus, consignando o seguinte:

«Finalmente, a fundamentação do facto 20, encontra-se em estreita ligação com os motivos que nos levaram a dar como não provados os factos constantes das alíneas a) a e), e que se prendem com as declarações de parte prestadas pelos réus.

Com efeito, e não obstante serem partes interessadas na causa, apresentaram uma versão subjacente à alienação do imóvel, que nos convenceu. Segundo a sua explicação, um tio do réu CC, emigrante nos EUA pretendia adquirir um imóvel em Portugal. Os réus AA e BB estavam com falta de liquidez para fazer face a variadas dívidas relacionadas com a sociedade EE de que eram sócios gerentes. Por essa razão decidiram vender o imóvel e uma vez que o réu CC já lhes havia emprestado dinheiro, € 9.250,00, aceitaram vender a casa ao tio deste, tendo feito o contrato-promessa de compra e venda. No entanto, a determinada altura, o mesmo tio desistiu do negócio, decidindo o réu CC, como forma de rentabilizar o que já tinha emprestado, ficar com a casa, para ulteriormente rentabilizar tais empréstimos com a sua venda.

Esta versão é corroborada pelo aditamento ao contrato-promessa acima referido, o qual reflecte, de facto, uma mudança de planos, consonante com a explicação dada.

Por último, se inequivocamente, resultou das declarações de parte que o réu CC sabia da existência da falta de liquidez dos réus AA e BB relacionadas com a empresa que detinham, até porque lhes emprestou dinheiro para fazer face às mesmas, as suas declarações foram no sentido de que desconhecia a situação fiscal destes réus. Ora, dada a especialidade que comporta situação destes, uma responsabilidade subsidiária, decorrente da reversão e que, à data em que é feito o contrato-promessa e respectivo aditamento nem sequer existia, demos por provado esse desconhecimento, nos termos descritos no facto 20, bem como a factualidade não provada descrita de a) a e).»

       Daí concluiu aquele tribunal, já em sede de enquadramento jurídico, que “não se encontrava provada a má fé por parte dos réus».

 

Por seu turno, no âmbito do recurso de apelação interposto pelo A., que teve por objeto a impugnação da decisão de facto, nesse particular, o Tribunal da Relação, reapreciando toda a prova documental e as declarações prestadas pelos R.R., constantes das gravações, e recorrendo a presunções judiciais, alterou aquela decisão de facto da 1.ª instância dando como não provada a matéria referida em a) e provada toda a matéria referida em b).

Para tanto, empreendeu uma extensão e pormenorizada análise crítica nos seguintes moldes:

«4. Esta Relação procedeu à audição das declarações de parte [por terem inegável interesse para a melhor compreensão do acervo documental e, também, porque não deixaram de ser invocadas pelos Réus ante o relevo que lhes foi dado pelo Tribunal recorrido] e analisou os restantes meios de prova.

a) Começando pelos documentos:

- Os Réus AA e BB tiveram conhecimento, pelo menos, em 18.02.2008, de que seriam responsáveis (“executados por reversão nos termos do art.º 160º do CPPT, na qualidade de responsáveis subsidiários”) pelo pagamento de dívidas fiscais da sociedade EE, Equipamentos Energéticos, Lda. [cf., nomeadamente, os documentos de fls. 41 e seguintes, maxime, a fls. 54 verso, 55 verso, 61 verso, 62 verso e 77 e, também, II. 1. alínea d), supra];

- Em 23.5.2007, 23.7.2007, 31.7.2007, 02.8.2007, 04.9.2007, 11.10.2007, 27.12.2007 e 19.02.2008 foram efectuados na conta n.º 0001 …/BES, do Réu AA, os depósitos de € 2 000, € 2 000, € 4 000, € 1 250, € 2 750, € 2000, € 5 000 e € 7 250, respectivamente, e, em 06.8.2007, na conta n.º 7-217….01/BANCO FF, da Ré BB, o depósito de € 2 000; tais depósitos, no montante global de € 28 250, foram efectuados, pela referida Ré, em numerário, excepto o realizado por último e que envolveu dois cheques [cf. os documentos de fls. 172 a 176].

- Porém, no requerimento que deu entrada no Serviço de Finanças de Alcobaça, em 12.6.2008, subscrito pelo Réu CC [cf. fls. 170 e 171], fez-se constar, quiçá, “inadvertidamente”, que “o pagamento foi realizado em prestações sucessivas, em numerário, segundo o calendário acordado na cláusula terceira do dito contrato-promessa, faltando então ainda pagar a quantia de 62 500 €(…)”; refere-se, depois, que “dos pagamentos que o requerente fez aos vendedores foram feitos os respectivos depósitos nas contas deles (…)”, na importância total de € 27 500, sendo que, quanto ao último “depósito”, foi aí mencionada a quantia de € 6 500, valor que, a fls. 176, vemos imputado a um dos cheques então depositados.

- O documento de fls. 125 a 131, que reproduz o dito “contrato-promessa de compra e venda” e o respectivo “aditamento”, fazendo-se do mesmo constar que tais actos foram realizados em 01.8.2007 e 08.02.2008, contém particularidades que não podem ser ignoradas.

Assim, e designadamente: a) O denominado “aditamento” foi incorporado na última folha do documento do “contrato inicial”, sem que entre um e outro haja qualquer espaço/interstício; b) Na margem esquerda do documento, imediatamente antes das assinaturas dos subscritores, foram colocadas indicações (porventura a lápis/lapiseira) sobre a ordem pela qual deveriam ser apostas as assinaturas e os n.ºs dos B. I., não havendo a menor diferença entre as menções indicativas colocadas nas margens do “contrato” e do “aditamento”, a não ser as advindas de estarmos perante uma mera fotocópia que não compreendeu a parte mais distante da margem esquerda das folhas originais (talvez, apenas, a abreviatura “Sr.”); c) As assinaturas apostas no “contrato” e no “aditamento” terão sido efectuadas utilizando a mesma caneta de tinta ou a mesma esferográfica - pelo menos, cada um dos outorgantes terá utilizado, num e noutro, o mesmo meio/instrumento para efectuar a assinatura; d) A soma das parcelas das quantias indicadas na cláusula terceira do dito “contrato-promessa” sob as alíneas “A), B), C), D) e E)” é de € 28 750 [cf. II. 1. l), supra], pelo que o valor a incluir na alínea “F)” (“restante do preço”) seria € 61 250 e não o valor que aí se fez constar (€ 62 500), existindo assim, apenas, sintonia com o montante global mencionado no já referido documento de fls. 170 e seguinte; e) As assinaturas não foram reconhecidas por entidade competente [cf. II. 1. n), supra].         

- Não obstante o que se deu como provado em II. 1. alíneas l), m) e r), supra, e que não suscita especiais reparos por parte do A./recorrente, a não ser quanto às “possibilidades” decorrentes da inexistência de autenticação - e sendo que no início da alínea “l)” ficou consignada a expressão “documento particular datado de 01.8.2007”, enquanto na alínea “m)”já se escreveu “no dia 08.02.2008” para situar no tempo tal pretenso acto [o que, como melhor se explicitará infra e ainda que não constitua matéria objecto de impugnação, nos suscita grandes reservas] -, parece-nos também que, da conjugação das ditas alíneas “l)” e “m)” seria de concluir que, com o “aditamento”, os Réus teriam fixado o valor total a pagar (“até 15.02.2008” ou até ao final de Fevereiro de 2008) em € 35 250, partindo-se do princípio, naturalmente (porque nada se diz em contrário…), de que se manteria a importância fixada em “E” da “cláusula 3ª do contrato-promessa”.

- Pese embora a matéria incluída em II. 1. r), supra, também não impugnada, existe assim divergência, nas versões da 2ª e do 3º Réus, a respeito do que o Réu CC teria “desembolsado” para pagamento do “preço” [atente-se, por exemplo, no valor indicado a fls. 171 e na importância dita pela Ré BB nas suas “declarações de parte”/cf. infra].

- E antolhando-se evidente ter havido o deliberado propósito de fazer coincidir o “plano de pagamento” da cláusula 3ª do “contrato-promessa” com os depósitos efectivamente realizados nas contas bancárias dos 1ºs Réus (cf. fls. 172 a 176), não sendo de afastar (antes pelo contrário…) o aproveitamento dessa realidade para a pretensa promessa de compra e venda, sempre se dirá que, pretendendo-se testar/verificar a versão dos mesmos Réus (2ª e 3º), são igualmente notórias várias discrepâncias ou incongruências.

Assim, por exemplo, se encontramos aparente concordância ou aproximação de datas e valores em Maio, Outubro e Dezembro de 2007, bem como relativamente à quantia pretensamente entregue no início de Agosto de 2007 e a um dos valores depositados em Fevereiro de 2 008 (€ 2000 + € 2000 + € 5 000 + € 1 250 + € 6 500), essa concordância já não existe nas demais situações, ficando assim por saber, nomeadamente, quando foi depositada a totalidade da quantia que deveria ser “paga” até final de Agosto de 2007 (apenas conhecemos os depósitos realizados em 06/8 e 04/9 das importâncias de € 2000 + € 2750, respectivamente); acresce que, sendo de admitir que o cheque de € 6 500 depositado em Fevereiro tenha sido emitido ou entregue pelo Réu CC (facto não esclarecido), a comprovação de que assim não sucedeu (ou não terá sucedido) será um elemento seguro de que os Réus prestaram falsas declarações (problemática que aqui não demanda outros considerandos).

Ademais, e ao contrário do afirmado pelo 3º Réu (cf. infra), existiu uma “concentração de depósitos”nos meses de Julho a Outubro de 2007 e só depois é que foram efectuados com intervalos de aproximadamente dois meses.

Finalmente, e ainda a respeito dos invocados “empréstimos” que precederam a celebração do “contrato-promessa”, não é consentâneo com a normalidade do acontecer, por um lado, que tenha havido meros “empréstimos” nas vésperas daquela celebração (em Maio e em finais de Julho de 2007) e, por outro lado, que por ocasião dos mesmos nada tenho sido entregue ao 3º Réu comprovando tais pretensas transferências de valores.

- Atenta a matéria de facto dada como provada são por demais evidentes, e sem explicação razoável dada nos autos ou comprovada documentalmente, as discrepâncias entre o que se fez constar dos documentos juntos aos autos e a realidade [cf., v. g., II. 1. alíneas o), p) e r), supra, e o documento de fls. 125].

- Ora, face atais elementos e considerados alguns dos factos dados como provados [cf., v. g., II. 1. q), supra], pese embora a factualidade levada, nomeadamente, aos pontos II. 1. l) e m), supra, perante tais discrepâncias ou incongruências e o deliberado propósito de criar conformidades/sintonias, não podemos deixar de afirmar existirem fortes indícios de que os aludidos “contrato-promessa” e “aditamento” terão sido elaborados na mesma ocasião e, muito provavelmente, já depois da citação efectuada na sequência da reversão declarada nas execuções fiscais, ou seja, em data posterior a 18.02.2008.

b) Vejamos agora a prova por declarações:

- Declarações do Réu AA (empresário)

Começou por dizer/esclarecer que “já não tem” a EE, Lda, sendo actualmente legal representante de outra sociedade/empresa (“já tem outra”…); devido às “dificuldades financeiras” da mencionada sociedade/empresa e “para pagar a alguns fornecedores [que não identificou], os impostos…” (“estávamos com dificuldades para conseguir cumprir”), “a única solução foi vender”; a adopção deste procedimento “ajudou porque houve situações que ainda conseguimos regularizar [não sabemos quais, nem quando], não todas…(…), conseguimos regularizar com a venda da casa…”.

O Réu “é meu amigo, e, como tal, eu como estava com dificuldades financeiras fui recorrendo a ele pedindo alguns empréstimos, e depois como ele soube que eu estava para vender a casa, ele como tinha alguém interessado que queria comprar uma casa, optou-se por ficar ele com ela…”; “(…) ele tinha alguém, um familiar, que estava no estrangeiro - ou está, não sei… -, que, supostamente, lhe comprava uma casa e, então, ele achou por bem adquirir aquela para depois passar para esse familiar(…); não sei qual era o negócio que eles tinham combinado…”; “se calhar não era familiar…”; “entretanto este Sr. que estaria interessado na casa, desistiu, no País onde estava optou por outra solução (…) e o negócio que era suposto fazer-se não se concretizou”; “o efeito que teve foi que nós (1ºs Réus) acabámos por, supostamente, teríamos que sair da casa (…), como ele, depois, acabou o negócio por não se concretizar, fizemos o acordo de continuarmos nós na casa continuando a pagar as prestações que já tínhamos até ali, estávamos a pagar ao Banco, continuámos nós a assumir o pagamento dessas prestações, (…) e, para ele, em vez da casa ficar abandonada, era preferível estar habitada”.

No dia em que ele (Réu CC) vender a casa nós temos que sair (…), ou que ele opte por outra solução; no dia em que ele disser que temos de sair, nós temos de sair, (…) na altura ficou combinado, salvo erro, que era no prazo de 10 anos que teríamos que sair, mas se o Sr. CC (3º Réu) entretanto vender, teremos de sair…”.

 “Temos de continuar a tratar dela como se continuasse a ser nossa (como se fosse a nossa casa)”; “(…) provavelmente, ele (3º Réu) se fosse arrendar a casa - se calhar não sei se tinha a quem, não sei…-, se calhar não conseguiria arrendá-la, digo eu, pelo valor da prestação que tínhamos que pagar ao Banco, para ele seria mais vantajoso assim, porque nós assumíamos, como estamos a assumir, o pagamento da prestação ao Banco…”; “(…) como não é uma renda, no dia que ele quiser ocupar a casa, eu tenho que sair, se calhar, se fosse uma renda, podia não sair assim que ele precisasse…”.

Relativamente à importância do “preço” da compra e venda de fls. 116 que teria ficado por pagar (€ 62 500), disse que “inicialmente ficou combinado que era para ser pago na altura da escritura” e “(…) esse dinheiro era para entregar no Banco para libertar a casa” mas “como entretanto fizemos o acordo de ficarmos a viver na casa, ficou acordado que esse valor ia sendo abatido nas mensalidades que temos vindo a pagar”.

Na altura, a sua mulher (Ré BB) foi ao balcão do Banco/credor hipotecário avisar/informar “que íamos vender a casa, (...) da situação…” e “disseram-nos que não era preciso mais nada”.

Não faz ideia da razão de não ter ficado a constar, no “aditamento” de fls. 129, o “acordo” de continuarem a pagar “as prestações ao Banco”.

- Declarações da Ré BB

Confrontada com o “negócio” de fls. 116 disse que se deveu “às dificuldades que estávamos a passar, (…), penhoras, dívidas”; “ajudava, porque era algum valor que entrava para…pagar essas mesmas situações”.

Frequentava os Bancos (“eu é que frequentava os bancos”) e foi informar ao Banco o negócio [“que ia ser vendida a casa”; cf., no entanto, o documento de fls. 169 e II. 1. q), supra].

Ele (Réu CC) tinha uma pessoa supostamente interessada na aquisição da casa, um familiar dele” que vivia nos EUA; “o Sr. preferiu adquirir outra lá nos EUA, na Florida, e ficou sem efeito”.

O Réu CC já tinha efectuado “diversos pagamentos”; “(...) manteve-se o negócio, uma vez que já estavam valores envolvidos, e nós iríamos, regressaríamos à casa pagando mensalmente, nós, o valor da prestação, para ele não ser tão prejudicado”.

Em 2008, ficou de nós (…) pagarmos a prestação até ao momento, portanto, no máximo até 2018…, portanto, temos de pagar mensalmente e depois, então (…), nós temos que sair”; “(…) a vantagem (da venda da casa) foi nós recebermos o que ele pagou, a vantagem foi usufruir desse dinheiro para pagar…”.

Receberam do Réu CC o valor total de “€ 28 750” [ou seja, a importância da soma das parcelas das alíneas “A)” a “E” do “contrato-promessa”…].

- Declarações do Réu CC (vendedor de automóveis)

Eu tenho um tio que tinha cá estado, uns meses antes, princípios de 2007 mais coisa menos coisa, vive nos Estados Unidos (…) e ele queria, supostamente, queria comprar uma casa em Portugal…”; “entretanto, dá-se essa situação, ele foi embora, não é, e diz-me ´se te aparecer alguma coisa que vejas capaz, compras ou dizes-me` (…), entretanto, eu sei que o AA (…) [queria] vender a casa, entretanto eu já lhe tinha emprestado algum dinheiro, pouco, não tinha muito nem tenho…, e quase que se junta o útil ao agradável, ao fim e ao cabo é isto…, entretanto com o decorrer das coisas…”.

A nível empresarial (o 1º Réu) estaria com algumas dificuldades, nomeadamente, expressão dele, ´estou com dificuldade em adquirir material para continuar as obras em que concorri`, em que ganhou o concurso (…), precisava de dinheiro, basicamente é isto“.

Transmitiu ao “tio e padrinho, ´tenho aqui uma casa em vista`” e ele respondeu-lhe que “´se achas que é boa, se achas que dava para o que dava, olha…, faz!´”.

Talvez Outubro, ouça, já no começo do inverno (de 2007) (…), o meu tio vive em Boston e tem uns familiares na Florida (…), foi à Florida” e comprou lá uma casa; na altura, “ele telefona-me (…), [e diz] “temos aqui um clima igualzinho a Portugal” - porque ele nunca tinha ido à Florida - ´está aqui uma casa que me vai custar` (…),foi um bom negócio, “eh pá, já compraste?, não compraste?” , eu fiquei ali assim…um bocadinho…, [e respondeu] ´não comprei, porque…” - eu também queria ganhar algum com a venda casa, não fui-lhe dizer que tinha já feito o contrato-promessa de compra e venda para depois fazer os valores um bocadinho à minha maneira, a verdade é esta… e poder ganhar “€ 10 000/€ 15 000 (…), era a minha ideia, evidentemente…”.

Nessa altura, já tinha pago aos 1ºs Réus “€ 9 250” (“uma parte já tinha sido, digamos que emprestado anteriormente, depois perfez € 9 250”…) e, depois, “pagou-lhes” outras importâncias, “sensivelmente de dois em dois meses, mais coisa menos coisa” (“ou foi 5000, 2000, 6000, ou foi 6000, 2000, 5000”).

Face à “frustração” do negócio com o tio e padrinho “(…) chegámos a acordo, porque nós somos amigos, pronto, não está aqui a esconder nada, éramos e acho que continuamos a ser, (...), eles (1ºs Réus) tinham que viver em algum sítio”;a determinada altura disse ao 1º Réu: “´vais para a casa, continuas a pagar a prestação, porque se fores para uma sítio qualquer vais ter de pagar renda, continuas a pagar a prestação, fazes-me um favor de assim que me apareça um cliente, sair (…), eu fico mais descansado porque a casa ao estar a ser habitada, está melhor, não é?, e, pelo menos, consigo protelar as coisas até arranjar um cliente, sempre na perspectiva de vender, não é?”.

Também queria rentabilizar alguma coisinha o dinheiro que investi, (…) mas ainda não apareceu (alguém que pretenda adquirir a casa)”.

Sendo-lhe perguntado se sabia que os 1ºs Réus eram devedores ao Fisco (devedores “de um valor elevado às Finanças”), respondeu, nomeadamente, de forma interrogativa, “(…) Sr. Dr.,se soubesse disso, acha que eu ia arriscar o meu, o meu… pouco dinheiro?…, por amor de Deus (…), de maneira nenhuma, não fazia isso!”, e, depois, “eu sabia apenas que ele estava com dificuldades por conversas, pronto, conversas ocasionais, de amigos, ao fim e ao cabo, em relação a fornecedores, sim, isso sabia, tinha perfeita consciência disso, conhecimento disso(…), agora, tudo o resto, não fazia a mínima ideia, nem o iria fazer se soubesse, como deve calcular…”.

Ganhar, neste momento, não ganhei nada mas tenho a esperança de ganhar alguma coisa, como é evidente…”.

A pergunta da Mm.ª Juíza, “o Sr. só investiu € 28 000?”, respondeu “Sim”, sendo que até então não lhe fora perguntado, nem o declarante havia “esclarecido”, adequadamente, quando e quanto teria “pago” ou “entregue” aos 1ºs Réus…

Referiu, por último que o negócio da Florida “foi mais ou menos no final do ano” (de 2007), e acrescentou que só posteriormente se realizou o aditamento reproduzido a fls. 129 e seguintes.

c) Salvo o devido respeito por entendimento contrário, afigura-se que as assinaladas particularidades do dito “contrato-promessa”, as mencionadas discrepâncias ou incongruências e o que ficou comprovado da actuação dos Réus aponta, inequivocamente, para um plano concertado, delineado, porventura a partir de 18.02.2008, como único propósito de desviar/subtrair o bem objecto da compra e venda da esfera de acção do A./Estado.

Antolha-se, pois, evidente a inverosimilhança de um negócio sem uma clara (ou mais clara) definição da pessoa do “comprador”; omitindo-se o cuidado devido (e habitual!) na indicação dos valores parcelares “a pagar” (erro ou lapso só compreensível na “formalização” de algo que não existe!); em que o comprador aparente/imediato diz ter escondido do seu tio e padrinho, alegado interessado (não identificado!) na aquisição do bem, quer a celebração da promessa de aquisição, quer o propósito de obter determinado ganho com a invocada “intermediação”; em que o “comprador”/3º Réu, que se assumiu como homem de negócios mas falho de cabedais, pudesse desembolsar, em alguns meses, perto de três dezenas de milhares de euros, e viesse a ficar quase indiferente ante a previsível (e, agora, prestes a consumar-se...) inexistência de uma qualquer contrapartida na década seguinte, expondo-se ainda ao risco de incumprimento face à instituição bancária hipotecária e possível perda do seu alegado “investimento”… (cf. art.º 725º), desconhecendo-se, ao invés, quaisquer reais alterações para a vida dos 1ºs Réus.

Por último, concluindo, além de se poder questionar por que razão os 1ºs Réus decidem “vender” uma casa de habitação que é a sua morada de família e que se encontra hipotecada, para pagar dívidas de uma empresa, não é crível que o 3º Réu tivesse conhecimento das dívidas dos 1ºs Réus e/ou da empresa destes aos credores/fornecedores e nenhum conhecimento pudesse ou devesse ter da existência de dívidas ou responsabilidades perante o Fisco, tanto mais que o Estado é normalmente credor das empresas e das pessoas singulares que deixam de satisfazer pontualmente as respectivas obrigações e, mais ainda, como terá sucedido na situação dos autos, quando deixam de satisfazer ou cumprir a generalidade das suas obrigações vencidas…[veja-se, a propósito, a parte inicial das declarações prestadas pelo 1º Réu].

Esta a análise dos factos que comporta o necessário e suficiente grau de certeza, tanto mais que a perspectiva contrária é naturalmente avessa ao “curso ordinário das coisas” e ao desiderato de dar razoável satisfação às “necessidades práticas da vida”…[4]


Daqui se colhe que, salientando as incongruências reveladas através dos documentos juntos em todo o contexto explicativo alegado pelos R.R., nomeadamente em sede do aludido escrito de contrato-promessa referido em 1.12, o Tribunal da Relação, ao contrário da 1.ª instância, analisando detalhadamente os próprios depoimentos prestados pelos mesmos R.R., desmereceu a credibilidade destes depoimentos e concluiu pela prova dos factos essenciais alegados pelo A. consubstanciadores da existência de uma concertação entre os 1.ºs R.R. e o 2.º R. CC no sentido de, através do ato de alienação impugnado, impedirem que a Fazenda Pública obtivesse o pagamento integral dos seus créditos fiscais. Significa que o Tribunal da Relação deu como provado o próprio consilium fraudis.

   

Porém, os R.R. vêm agora impugnar tal decisão, invocando que o Tribunal da Relação, ao fazer uso de tais presunções judiciais violou os parâmetros legais constantes dos artigos 349.º e seguintes do CC e do art.º 662.º do CPC, bem como as regras de logicidade, na convocação e interpretação que fez das regras da experiência, em que estribou as ilações dos factos dados como provados. 


Como correntemente tem sido entendido pela doutrina e pela jurisprudência, as presunções judiciais não se reconduzem a um meio de prova próprio, consistindo antes em ilações que o julgador extrai a partir de factos conhecidos para dar como provados factos desconhecidos, nos termos definidos no artigo 349.º do CC. Tais presunções judiciais são admitidas nos casos e termos em que é admitida a prova testemunhal, conforme o disposto no artigo 351.º do mesmo Código.

E importa ter presente que essas presunções são um meio frequente de provar os factos de natureza psicológica, já que estes, em regra, não são passíveis de demonstração direta, mas antes por via de circunstâncias e comportamentos exteriores que, à luz da experiência comum, indiciem condutas e atitudes, de índole cognitiva, afetiva ou volitiva, dos agentes visados, como é o caso dos comportamentos dos R.R. aqui em foco.

Hoje, face à competência alargada da Relação em sede de reapreciação da decisão de facto, em conformidade com o preceituado no n.º 1 do artigo 662.º do CPC, é lícito à 2.ª instância, com base mormente na prova gravada, reequacionar a avaliação probatória feita pela 1.ª instância no domínio das presunções judiciais, nos termos do n.º 4 do artigo 607.º, aplicável por via do artigo 663.º, n.º 2, do mesmo Código.


Já em sede de revista, a sindicância sobre a decisão de facto das instâncias em matéria de presunções judiciais é muito circunscrita.

Com efeito, nos termos do artigo 682.º, n.º 1 e 2, do CPC, ao STJ incumbe aplicar definitivamente o regime jurídico que julgue adequado aos factos materiais fixado pelas instâncias, não podendo alterar a decisão de facto, a não ser no caso excecional previsto no n.º 3 do artigo 674.º ou de ampliação dessa decisão de facto ao abrigo do n.º 3 do indicado artigo 682.º.

Por sua vez, no domínio do erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais, segundo o preceituado no n.º 3 do artigo 674.º, a revista só pode ter por fundamento “a ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe força de determinado meio de provas”. E, no que respeita, às presunções judiciais tem-se admitido, ainda que com alguma controvérsia, que o STJ “só pode sindicar o uso de tais presunções pela Relação se este uso ofende qualquer norma legal, se padece de evidente ilogicidade ou se parte de factos não provados”[5].  


No caso presente, como já acima foi referido, o uso das presunções judiciais por parte do Tribunal a quo ocorreu sobre matéria em relação à qual era perfeitamente admissível e até frequente o recurso a tais presunções, nos termos permitidos pelo artigo 351.º com referência aos artigos 392.º e seguintes do CC e artigo 607.º, n.º 5, aplicável por via do artigo 663.º, n.º 2, do CPC. E tal utilização foi empreendida na esfera dos poderes de cognição do erro de facto amplamente traçados no artigo 662.º, n.º 1, deste último diploma.

Por outro lado, não se divisa que os factos dados como provados pela Relação acima transcritos sob os pontos 1.20 e 1.24 exorbitem a matéria alegada pelas partes nem que contrariem os demais factos ali também mantidos ou dados como provados.

Resta saber se as ilações dos factos essenciais ali dados como provados revelam falta de base factual instrumental ou indiciára ou padecem de evidente ilogicidade nos raciocínios presuntivos desenvolvidos.

Ora, todo o contexto analisado pela Relação que precedeu e envolveu a realização da escritura pública impugnada por parte dos seus outorgantes afigura-se de molde a retratar um circunstancialismo, no mínimo, indiciário de concertação dos R.R. no sentido de impedir a satisfação dos créditos do A. através do único bem idóneo que os primeiros R.R. possuíam.

É certo que os R.R. se esforçaram por apresentar uma explicação para a realização daquela escritura nos “estranhos” moldes em que a mesma se concretizou. E procuram agora estribar-se na versão que apresentaram como se a mesma fosse inquestionável.

Só que as declarações prestadas pelos R.R. valem o que valem, não podendo ser valorizadas independentemente da sua posição processual e da sua condição de interessados diretos na causa. E o certo é que, embora tendo convencido o tribunal da 1.ª instância, não convenceram o Tribunal da Relação que, de resto, fez uma análise exaustiva de toda a prova em causa. E não se vislumbra que a divergência entre a 1.ª instância e a Relação tenha derivado dos diferentes graus de imediação com a prova, já que assenta, essencialmente, em particular no que diz respeito à análise da Relação, no teor da prova analisada.

Por fim, no tocante às regras da experiência convocadas pelo Tribunal a quo, não se afigura que as inferências extraídas padeçam da ilogicidade evidente, como argumentam os Recorrentes.

Com efeito, no tocante ao contexto sociológico, não é hoje assim tão vulgar ou corrente, como eles pretendem fazer crer, o desconhecimento do cidadão comum sobre a distinção entre patrimónios pessoal e social, em especial por parte de pessoas com funções de gerência, nem é também assim tão fora do comum a utilização do expediente a alienações onerosas para defraudar as garantias dos credores, confiando no insucesso do Mecanismo da impugnação pauliana.

Em suma, no caso presente, respeitados que se mostram os parâmetros legais da utilização das presunções judiciais, seja em sede da sua admissibilidade, seja em sede dos seus pressupostos e da sua aparente logicidade, o invocado erro na apreciação dessas provas só seria porventura prescrutável mediante análise crítica da prova assim produzida, o que escapa à esfera de competência deste tribunal de revista.

Termos em que improcedem, nesse particular, as razões dos Recorrentes e do que dependia exclusivamente o mérito do recurso.  


 IV – Decisão

 

      Pelo exposto, acorda-se em negar a revista, confirmando-se o acórdão recorrido.

      As custas ficam a cargo dos recorrentes. 


Lisboa, 14 de Julho de 2016

                                              

Manuel Tomé Soares Gomes (Relator)

Maria da Graça Trigo

Carlos Alberto Andrade Bettencourt de Faria 

_________________
[1] Vide, por todos Prof. Almeida Costa, Direito das Obrigações, 11ª Edição, 2008, Almedina, pag. 860-864.
[2] O referido acórdão, relatado por Hélder Roque, encontra-se acessível na Internet – http://www.dgsi. pt/stj. A passagem acima transcrita encontra-se estribada na citação de Almeida Costa, in Introdução ao Estudo do Direito e Elementos de Direito Civil, 1967, pag. 225.
[3] In Direito das Obrigações, 11.ª Edição, Almedina, pag. 866, com citação de Vaz Serra, in Responsa-bilidade patrimonial, BMJ n.º 75, pp. 212 e seguintes.

[4] Nas palavras de Manuel de Andrade, ob. cit., pág. 191 e seguinte e nota (1): “A prova não é ´certeza lógica`, mas tão-só um alto grau de probabilidade, suficiente para as necessidades práticas da vida (certeza histórico-empírica)”; “(…) haverá prova acerca dum ponto de facto logo que o material probatório existente nos autos já permita ao juiz uma ´opinião` (mais do que a ignorância ou a dúvida, e menos do que a certeza, que corresponde à evidência) quanto a esse ponto”.
   Vide, ainda, Vaz Serra, Provas (Direito Probatório Material), BMJ, 110º, págs. 80, nota (29); 82 (onde refere: “As provas não têm forçosamente que criar no espírito do Juiz uma absoluta certeza acerca dos factos a provar, certeza essa que seria impossível ou geralmente impossível: o que elas devem é determinar um grau de probabilidade tão elevado que baste para as necessidades da vida”).
[5] Neste sentido, vide, entre outros, o acórdão do STJ, de 25/11/2014, proferido no processo n.º 6629/04.0TBBRG.G1.S1, relatado por Pinto de Almeida, acessível na Internet – http://www.dgsi. pt/stj.