Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JSTJ000 | ||
Relator: | PINTO MONTEIRO | ||
Descritores: | ANULAÇÃO DE TESTAMENTO ÓNUS DA PROVA COMPETÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA FORÇA PROBATÓRIA PLENA | ||
Nº do Documento: | SJ200302250042711 | ||
Data do Acordão: | 02/25/2003 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | T REL ÉVORA | ||
Processo no Tribunal Recurso: | 2541/01 | ||
Data: | 05/23/2002 | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
Meio Processual: | REVISTA. | ||
Sumário : | |||
Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, no Supremo Tribunal de Justiça:
I - A e marido B; C e marido D intentaram acção com processo ordinário contra E; F; G, pedindo que se anulem os dois testamentos efectuados por H.
Alegaram que o testador se encontrava incapacitado de entender o sentido das suas declarações sendo, além disso, alvo de coacção por parte dos directos beneficiários do último testamento. Contestando, os réus sustentaram que o testador se manteve até morrer no pleno uso das suas faculdades mentais. O processo prosseguiu termos, tendo tido lugar audiência de discussão e julgamento, sendo proferida sentença que decidiu pela improcedência da acção. Apelaram os autores. O Tribunal da Relação julgou o recurso improcedente. Inconformados, recorrem os autores para este Tribunal. Formulam as seguintes conclusões:
Contra-alegando, as recorridas defendem a manutenção do decidido. Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
II - Vem dado como provado: Nos termos do testamento lavrado no Cartório Notarial de Gavião a fls. 11 vº a 12 do livro 32J no dia 23.12.98 H declarou que institui herdeiros de todos os seus bens seus sobrinhos E, G, A, F, A, F e C, mais declarando ser aquele o primeiro testamento que fazia; Nos termos do testamento lavrado no Cartório Notarial de Abrantes a fls. 51 e 52 do livro nº 74 de testamentos públicos no dia 12.07.99, H declarou que pelo presente testamento institui por seus únicos herdeiros e universais, seus sobrinhos, em parte iguais, E, F e G, revogando deste modo qualquer outro testamento feito anteriormente; do mesmo testamento consta que este "foi lido ao testador e ao mesmo explicado em voz alta e na presença simultânea de todos os intervenientes"; F e G acompanharam H na altura em que foi lavrado no Cartório Notarial de Abrantes, o referido testamento; F e G acompanharam H ao Cartório Notarial de Abrantes; H nem sempre comia às horas normais; Não conseguia subsistir por si, sem a ajuda de terceiros, nomeadamente de E; Tendo dificuldade em movimentar-se; H chegava a andar descalço pelas ruas; Em estado de sujidade e de falta de higiene; H vivia numa casa que não tinha água nem luz eléctrica; O tecto da casa onde vivia H estava degradado; H chegou a dormir no mesmo compartimento dos animais; E comprava e dava ao seu tio bens essenciais; H estava só, assim vivendo; H faleceu em 14.02.00 na freguesia de Pego, Abrantes.
III - Os autores pediram a anulação de dois testamentos, por o testador estar incapacitado de entender o sentido das declarações e ainda por ter sido exercida sobre ele coacção no que respeita ao segundo testamento. No acórdão recorrido (confirmando-se a decisão da 1ª instância) a acção foi julgada improcedente. Recorrem os autores. Defendem a tese de que as instâncias não analisaram correctamente a capacidade do testador, não apreciando nem se pronunciando sobre todas as provas, designadamente sobre o relatório médico junto aos autos. É esta a questão a resolver. No que respeita à capacidade testamentária activa o princípio geral é o de que podem testar todos os indivíduos que a lei não declare incapazes de o fazer (artigo 2188º do C. Civil). Sendo a regra a capacidade, constitui a incapacidade uma excepção, devidamente delimitada no artigo 2189º do mesmo Código. Fora dos casos aí enumerados - menores não emancipados pelo casamento e os interditos por anomalia psíquica - todos têm capacidade para testar. No caso de anomalia psíquica, único aspecto que aqui interessa, haverá que distinguir entre os interditos e aqueles que, mesmo sendo portadores de anomalia, o não estejam. No caso da interdição está-se perante uma incapacidade de gozo e como tal não suprível, sendo a nulidade a sanção para o testamento feito por incapaz (artigo 2190º do C. Civil). Não existindo interdição, e uma vez que relativamente ao testamento só os interditos por anomalia psíquica são directamente considerados incapazes, não há incapacidade testamentária. Poderá, contudo, o testamento ser anulado verificando-se a chamada incapacidade acidental. O actual Código Civil regula essa incapacidade conjuntamente com as várias hipóteses de falta ou vícios da vontade na declaração negocial (artigo 257º do CC). Atenta a especificidade do testamento, como negócio jurídico unilateral não receptício e estranho ao comércio jurídico, a lei contempla regulamentação própria no artigo 2199º do referido diploma. Aí se estipula que é anulável o testamento feito por quem se encontra incapacitado de entender o sentido da sua declaração ou não tenha o livre exercício da sua vontade por qualquer causa, ainda que transitória. Não se exige aqui, contrariamente ao que determina o mencionado artigo 257º; que tais factos sejam notórios ou conhecidos do beneficiário. Isto porque "não há que proteger substancialmente as expectativas de um declaratário, mas prioritariamente preservar a liberdade e a vontade real do testador" - Prof. Capelo de Sousa - "Lições de Direito das Sucessões", I, 4ª edição renovada, 2000, pág. 185. A incapacidade acidental tanto pode respeitar à falta de entendimento como de querer e tanto pode ser transitória como duradoura. Essencial para a sua verificação é que a mesma origine uma falta de entendimento, não entendendo o testador o que declara ou emitindo a declaração sem o livre exercício da sua vontade, sendo certo que em condições de normalidade não quereria a mesma coisa. Face ao alegado na petição era necessário que se provasse que no momento em que o testamento foi realizado o testador se encontrava privado das suas faculdades mentais. Essa prova, segundo a regra geral do ónus da prova, consagrada no artigo 342º nº 1 do C. Civil, devia ser feita por aquele que invoca a incapacidade acidental, ou seja no caso, pelos autores. As instâncias concluíram pela ausência de tal prova. Diga-se desde já que, face à factualidade que consideraram provada, concluíram bem, não podendo este Tribunal sindicar os factos apurados. Como é sabido, ao Supremo, como Tribunal de revista, só cumpre, em princípio, decidir questões de direito e não julgar matéria de facto. A apreciação da lei adjectiva só é possível dentro de apertados limites. O erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa só pode ser apreciado se houver ofensa de uma disposição expressa da lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova (artigos 729º e 722º nº 2 do C. Processo Civil). O Supremo pode pronunciar-se sobre os factos provados se existir erro das instâncias na análise da prova por violação das normas que fixam o seu valor. Essa ofensa verifica-se, designadamente, quando as instâncias atribuíram ao meio de prova um valor que ele não comporta ou deixaram de lhe conceder o seu valor legal - Prof. Miguel Teixeira de Sousa - "Estudos sobre o Novo Processo Civil", pág. 439. Em concreto, sustentam os recorrentes que as instâncias não apreciaram nem se pronunciaram sobre o relatório médico junto, documento esse que tem, na sua tese, "força probatória formal" e "força probatória material". Não têm razão. O relatório médico a que os recorrentes se referem é um parecer de um técnico da especialidade que pode ser junto nos termos do artigo 525º do C. Processo Civil, mas que, como é evidente, é de livre apreciação. Os pareceres são opiniões doutrinárias, técnicas, dadas por especialistas a pedido da parte a quem interessam e que serão valorados de harmonia com o entendimento que o julgador tiver acerca da temática sobre que versam. Independentemente da sua valia e da sua utilidade (que frequentemente é grande) são livremente apreciados, como acontece, aliás, com as várias correntes doutrinárias que usualmente se formam no mundo jurídico. Nenhum documento junto aos autos tem a força probatória pretendida pelos recorrentes. Tem assim que se aceitar a factualidade tal como é trazida até este Supremo, não existindo fundamento legal para a alterar. Desses factos não é possível concluir que no momento em que o testador emitiu as declarações negociais constantes do testamento não se encontrava no pleno uso das suas faculdades mentais. Mesmo que impressione a forma como o testador vivia, o certo é que as respostas negativas dadas aos quesitos que continham a tese dos autores, não permitem diferente enquadramento legal. Se é matéria de direito saber se o testador estava ou não em perfeito juízo e se tinha ou não o livre exercício da sua vontade e capacidade de entender, já é pura factualidade os factos concretamente apurados nas instâncias e de que se partiu para tirar as conclusões. O acórdão recorrido não é assim passível de censura. Pelo exposto nega-se a revista. Custas pelos recorrentes.
Lisboa, 25 de Fevereiro de 2003. Pinto Monteiro Reis Figueira Barros Caldeira (dispensei o visto) |