Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
02A3692
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: SILVA SALAZAR
Nº do Documento: SJ200212120036926
Data do Acordão: 12/12/2002
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: T REL LISBOA
Processo no Tribunal Recurso: 4580/02
Data: 06/27/2002
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO.
Sumário :
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

Em 19/9/00, A, instaurou contra B, acção com processo ordinário, pedindo a condenação desta a pagar-lhe a quantia de 268.890.114$00, montante dos danos que diz ter sofrido em consequência de resolução abusiva, pela ré, de um contrato de concessão comercial para representação e venda de veículos automóveis celebrado entre ambas, e juros legais de mora respectivos a contar da citação até efectivo pagamento.

Em contestação, a ré invocou preterição de tribunal arbitral, impugnou, e, em reconvenção, pediu a condenação da autora a pagar-lhe a quantia de 19.561.250$00, parte não paga do preço de veículos e peças que lhe forneceu acrescida de encargos financeiros, despesas e acessórios, com os juros legais de mora respectivos a contar da notificação da reconvenção até integral pagamento, vindo, porém, a desistir do pedido reconvencional por o pagamento que pretendia lhe ter sido entretanto efectuado por uma entidade bancária ao abrigo de uma garantia;

mais pediu a condenação da autora, como litigante de má fé, no pagamento das despesas e honorários que a ré tenha de suportar.

Houve réplica, em que a autora rebateu a matéria de excepção e ampliou o seu pedido para mais 36.133.289$00, acrescido de encargos bancários que venha a suportar de montante a liquidar em execução de sentença, tudo acrescido de juros legais desde a citação até integral pagamento, pedindo ainda que sejam declaradas nulas as cláusulas contratuais gerais do contrato que invocara, referidas com os n.ºs 19º, 20º, 21º e 23º, contrato esse que qualifica como contrato de adesão, além do que pediu a condenação da ré, como litigante de má fé, em indemnização consistente no pagamento dos honorários ao mandatário dela autora.

Em tréplica, a ré invocou compensação de créditos até ao montante de 1.402.822$00 e pugnou pela improcedência da ampliação do pedido.

Opôs-se a autora à deduzida compensação, em requerimento a que a ré veio por sua vez responder sustentando o seu desentranhamento: foi apresentada nova resposta da autora, sustentando a legalidade do seu requerimento, ao que a ré de novo se opôs.

Efectuada uma audiência preliminar em que não se obteve conciliação, foi proferido despacho saneador que julgou procedente a excepção dilatória de violação de compromisso arbitral e, em consequência, o Tribunal em que a acção corria absolutamente incompetente por a competência material para decidir o litígio caber ao Tribunal Arbitral, absolvendo a ré da instância.

A autora interpôs recurso de agravo desse despacho, tendo a Relação proferido acórdão que lhe negou provimento.

É desse acórdão que vem interposto o presente agravo, de novo pela autora, que, em alegações, formulou as seguintes conclusões:

1ª - A acção tem por base a cláusula 18ª e anexo V entre outros fundamentos do contrato de fls. 26 e segs., à qual as regras de arbitragem ora em causa não são aplicáveis, devendo por isso prosseguir os seus ulteriores termos a que se refere o art.º 508º e segs. do C.P.C.;

2ª - Tendo em vista que a recorrida não demonstrou nos autos quer a prévia comunicação quer a devida informação, cujo ónus lhe cabia nos termos do disposto nos art.ºs 5º e 6º do Dec. - Lei n.º 446/85, as cláusulas 19ª, 20ª, 21ª e 23ª do contrato de fls. 26 e segs. são, ope legis, excluídas do contrato nos termos do disposto nos art.ºs 8º e 12º daquele diploma, não podendo assim o simples envio do contrato definitivo já por si assinado suprir a falta de tais pressupostos legais, como erradamente foi entendido no acórdão recorrido;

3ª - Tendo em vista a denúncia do contrato efectuada pela recorrida por carta datada de 10/7/00, conforme fls. 45 e 46, sendo tal declaração receptícia, a mesma produziu efeitos logo que foi recebida pela recorrente ou dela conhecida, e, em consequência, não poderia a mesma ser revogada pela declaração posterior de fls. 59, conforme dispõe o art.º 231º do Cód. Civil;

4ª - Tendo em vista o pedido que consta a fls. 215, feito em momento processual adequado, requerendo a recorrente a declaração de nulidade das cláusulas 19ª a 23ª do contrato de fls. 26 e segs., sendo tal conhecimento prévio ao conhecimento da excepção dilatória, não poderia o Tribunal a quo manter a decisão recorrida, por manifestamente ilegal, deixando por essa forma sem protecção o direito reclamado pela recorrente à efectiva tutela jurisdicional a que se refere o art.º 20º da C.R.P., e que nos termos do art.º 202º da mesma lei fundamental deve ser salvaguardado;

5ª - Tendo em vista o disposto na Lei n.º 31/86, a convenção sobre arbitragem há-de resultar inequivocamente da vontade das partes contratantes, as quais devem por isso estar num plano de igualdade, o que no caso vertente se não verificou pelo que não pode assim entender-se como validamente celebrada tal convenção, como o fez o Tribunal recorrido na decisão impugnada, sendo tal cláusula abusiva nos termos da Directiva Comunitária 93/13 CEE e que tem como consequência a sua nulidade;

6ª - Contrariamente ao entendimento extraído pelo Tribunal a quo, ali não se prova a comunicação prévia de qualquer cláusula compromissória, antes se impõe a sua aceitação à recorrente tendo em vista que estamos em presença, não de uma proposta contratual, mas do contrato em si, que é coisa substancialmente diferente e que na decisão recorrida se não soube distinguir juridicamente tais particularidades de fundamental interesse para a boa decisão da causa;

7ª - Defendendo a recorrente a nulidade das cláusulas 19ª a 23ª do contrato de fls. 26 e segs., é este o Tribunal competente para conhecer de tal pedido nos termos do disposto nos art.ºs 24º e 28º do Dec. - Lei n.º 446/85, muito embora tal pedido possa ficar prejudicado pelo conhecimento das anteriores conclusões;

8ª - Não tendo a recorrida demonstrado ou provado que a cláusula 23ª do contrato resultou de negociação ou de adequada comunicação prévia, tendo em vista o disposto na al. a) do art.º 8º desse diploma, a inserção de tal cláusula contratual para além de outras que são impugnadas considera-se excluída do contrato, o que, só por si, leva à improcedência da excepção dilatória, com a consequente revogação da decisão impugnada;

9ª - A decisão recorrida violou o disposto nos art.ºs 224º, 230º, 231º, 334º e 350º do Cód. Civil, 1º, n.º 3, 5º, n.º 3, 8º, als. a) e b), 12º, 15º, 16º a 18º, al. f), 22º a 24º, do Dec. - Lei n.º 446/85, 156/1, 273º, 659º e 660º do C.P.C., e art.ºs 20º e 202º da C.R.P., tendo em vista que aplicando a lei aos factos constantes dos autos a decisão a proferir no Tribunal a quo deveria revogar a decisão da 1ª instância, para que os autos seguissem os seus ulteriores termos tendo nomeadamente em vista os pedidos contemplados a fls. 215 e 215 vº, por ser esse o corolário lógico e coerente da aplicação da lei sobre os factos documentados nos autos.

Termina pedindo a revogação do acórdão recorrido e se ordene o prosseguimento dos autos.

Em contra alegações, a recorrida pugnou pela confirmação daquele acórdão.

Colhidos os vistos legais, cabe decidir, tendo em conta que a questão em causa se prende exclusivamente com a determinação da competência material para conhecer da presente acção: saber se o Tribunal materialmente competente é o Tribunal da 1ª instância em que ela foi interposta, ou o Tribunal arbitral.

Ora, analisando o acórdão recorrido, constata-se que o mesmo fez correcta análise dos factos que considerou provados em relação a tal questão, factos esses que este Supremo não tem competência para alterar face ao disposto nos art.ºs 722º, n.º 2, e 755º, n.º 2, do Cód. Proc. Civil, uma vez que não se mostra ocorrer a situação excepcional prevista naquele primeiro dispositivo. E, por outro lado, interpretou e aplicou de forma correcta a lei que contemplava aqueles factos, para concluir pela confirmação da decisão ali recorrida que declarara materialmente competente para a causa o Tribunal arbitral.

Por isso se entende ser de confirmar inteiramente o acórdão recorrido, quer quanto ao nele decidido quer quanto aos respectivos fundamentos, a que se adere e para que se remete ao abrigo do disposto nos art.ºs 762º, n.º 1, 749º e 713º, n.º 5, do Cód. Proc. Civil.

Apenas se entende ser de acrescentar que, mesmo que o contrato de concessão em análise possa ser qualificado como contrato de adesão, daí não deriva a nulidade ou a exclusão da cláusula arbitral, nem, aliás, das demais cláusulas impugnadas: é que o dever pré-contratual de comunicação das cláusulas contratuais gerais consagrado no art.º 5º do Dec.- Lei n.º 446/85, de 25/10, com a alteração introduzida pelo Dec. - Lei n.º 220/95, de 31/8, não deixa de se considerar satisfeito se a comunicação for feita mediante o envio do próprio documento de que venha a constar, após a assinatura da parte aderente, o contrato respectivo. Nem se vê a mínima necessidade de envio de dois documentos que possivelmente até seriam iguais, um apenas para comunicar as cláusulas, outro para ser assinado a fim de titular o contrato. Ponto é que o documento que for entregue seja completo e claro quanto ao teor de todas as cláusulas propostas para integrar o contrato, e que seja concedido tempo suficiente para o mesmo poder ser analisado pela parte aderente a fim de permitir a esta que peça qualquer esclarecimento que entenda ou sugira alguma alteração, nada obstando a que, satisfeitos esses requisitos, a outorga do contrato se faça mediante assinatura do aderente aposta no mesmo documento que servira de meio para a comunicação e que já continha a assinatura do proponente. Ora, como foi dado por assente, tudo isso aconteceu na hipótese dos autos antes da conclusão do contrato, pelo que, a ser este um contrato de adesão, o indicado dever pré-contratual de comunicação teria de se considerar satisfeito, não se verificando em consequência a situação que conduziria à exclusão da cláusula arbitral nem das outras. Aliás, o documento que foi remetido à ora recorrente não continha ainda o contrato definitivo, mas apenas a proposta dos termos do contrato como a ora recorrida pretendia, contrato que só se tornou definitivo após outorgado pela ora recorrente, pois só então se formou o acordo de vontades nele integrado.

Acresce ainda que a ampliação do pedido apresentada pela autora na réplica, apesar de integrar questões não abrangidas na cláusula arbitral (declaração de nulidade de cláusulas), é insusceptível de determinar exclusão da competência material do Tribunal arbitral para conhecer da causa: tal competência, como é sabido, é determinada à luz dos termos em que a causa é apresentada na petição inicial. Para conhecer da incompetência absoluta do Tribunal em razão da matéria há que considerar apenas os termos em que a acção foi proposta.

Pelo exposto, acorda-se em negar provimento ao agravo e em confirmar o acórdão recorrido.

Custas pela agravante.

Lisboa, 12 de Dezembro de 2002

Silva Salazar

Ponce de Leão

Afonso Correia