Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
06A3564
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: JOÃO CAMILO
Descritores: PRESUNÇÕES JUDICIAIS
SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
PODERES DE COGNIÇÃO
Nº do Documento: SJ200611070035646
Data do Acordão: 11/07/2006
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA.
Decisão: NEGADA A REVISTA.
Sumário : Não cabe nos poderes de cognição do STJ, o uso de presunções simples, judiciais ou hominis, apenas reservado às instâncias na determinação da matéria de facto, não podendo, também, o STJ, salvo caso de manifesto ilogismo, censurar o uso que daquelas as instâncias façam ou da abstenção do seu uso.
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:


Empresa-A, intentou a presente acção declarativa, no 2º Juízo Cível de Matosinhos, contra Empresa-B, pedindo a condenação desta no pagamento de € 80.230.90, sendo € 73.711,94 de capital e € 6.518,96 de juros vencidos, bem como ainda nos juros vincendos.
Afirma, para tanto, que no âmbito da sua actividade de indústria de construção civil de empreitadas respeitantes às artes de pedreiro e de trolha, em 30.8.02, celebrou com a ré um contrato de empreitada respeitante à construção de um edifício de habitação colectiva, sito na rua da ...., em Matosinhos, mediante o preço de € 399.038,32, tendo sido estipulado para a conclusão da obra o prazo de 12 meses a contar de meados de Setembro de 2002.
Em 5.9.03 a ré comunicou à A. a resolução do contrato celebrado, com base no não cumprimento do prazo estipulado, não obstante esta ter executado os trabalhos a que se obrigou naquele prazo.
Alega ainda que a haver algum atraso pontual no andamento da obra, tal atraso ficou a dever-se a culpa da ré, que não diligenciou atempadamente pela mudança do poste de alta tensão existente no terreno onde se encontrava implantada a obra.
Além disso, a ré não pagou à A. as quantias de € 5.000 e € 9.975,96, pela execução do telhado, nem lhe pagou, no final do mês de Agosto de 03, as quantias que lhe eram devidas no final desse mês, no valor de € 19.951,92.
Contesta a ré, aceitando a existência de um contrato de empreitada que celebrou com a A., mas impugnando toda a restante matéria de facto por ela alegada.
Elaborado despacho saneador e consignada a matéria de facto assente e a base instrutória, realizou-se audiência de discussão e julgamento, proferindo-se sentença que julgou a acção parcialmente procedente, condenando a ré em parte do pedido.
Inconformada recorre a ré, tendo na Relação sido a apelação julgada improcedente.
Mais uma vez inconformada, veio a ré interpor a presente revista, tendo nas suas alegações formulado conclusões que, por falta de concisão, não serão aqui transcritas.
Não foram apresentadas contra-alegações.
Corridos os vistos legais, urge apreciar e decidir.
Como é sabido - arts. 684º, nº 3 e 690º, nº 1 do Cód. de Proc. Civil, a que pertencerão todas as disposições a citar sem indicação de origem -, o âmbito dos recursos é delimitado pelo teor das conclusões dos recorrentes.
Das conclusões da aqui recorrente se vê que aquela, para conhecer neste recurso, levanta apenas a seguinte questão:
As instâncias concluíram da resposta dada ao quesito 24º da base instrutória que o valor ali constante era o valor dos trabalhos prestados pela autora, o que é ilegal por tal não se poder deduzir daquela resposta?

Os factos que as instâncias deram como provados são os seguintes:
1- A A. dedica-se à actividade de indústria de construção civil executando empreitadas respeitantes às artes de pedreiro e de trolha.
2- No exercício da sua actividade, em 30 de Agosto de 2002, a A. celebrou com a R. um contrato de empreitada nos termos do qual esta lhe adjudicou " a empreitada de todo o serviço de Pedreiro e Trolha incluindo todos os materiais, excepto, mármores, granitos, mosaicos, azulejos e tijolo face à vista, respeitante à construção de um edifício de habitação colectiva, sito na Rua da ...., freguesia de Lavra, município de Matosinhos, conforme documento junto aos autos a fls. 11 a 13, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
3- O preço acordado foi de € 399.038,32, acrescido do N A à taxa legal.
4- Para a conclusão dos trabalhos da empreitada foi estabelecido o prazo de doze meses, contados a partir da data de assinatura do auto de consignação da obra, o qual ocorreu em meados de Setembro de 2002.
5- Em 5 de Setembro de 2003, a A. recebeu da R. uma comunicação de resolução do referido contrato de empreitada, por iniciativa da R., na qual esta alega ter expirado o prazo para a execução da obra pela A., conforme documento junto aos autos a fls. 14, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
6- Em 4 de Dezembro de 2002, o Advogado da A. remeteu à R. o fax. que se mostra junto a fls. 16, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
7- A A., em 9 de Setembro de 2002, remeteu à R. o fax que se mostra junto a fls. 17, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
8- A A., em 9 de Dezembro de 2002, remeteu à R. o fax que se mostra junto a fls. 19, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
9- A A., em 12 de Dezembro de 2002, remeteu à R. o fax que se mostra junto a fls. 21, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
10- A A., em 08 de Agosto de 2003, remeteu à R. o fax que se mostra junto a fls. 23, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
11- A A., em 04 de Setembro de 2003, remeteu à R. o fax que se mostra junto a fls. 26, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
12- A A., em 08 de Setembro de 2003, remeteu à R. o fax que se mostra junto a fls. 28, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
13- Por conta do preço referido em 3), a R. pagou, pelo menos, € 389.709,86.
14- A obra esteve praticamente parada entre os meses de Novembro e Dezembro de 2002.
15- Uma vez que as linhas de transporte de energia eléctrica de alta/média tensão que atravessavam o terreno onde a obra foi implantada impediam a adequada instalação na obra da respectiva " grua", a qual era indispensável para a boa e célere execução dos trabalhos.
16- A A. pagou as quantias de € 5 000 e € 9 975,96, ao serralheiro e pela execução do telhado da obra.
17- Esse trabalho estava incluído no contrato referido em 2).
18- Para evitar que a obra parasse mais tempo, a A. teve de desmontar e voltar a montar a grua por duas vezes para a implantar noutro local compatível com a presença do poste de alta tensão.
19- Sendo que cada desmontagem e montagem de grua demorou um dia completo.
20- A R. entregou à A., para pagamento da empreitada, a quantia global de € 424.504,17.
21- Na data referida em 5), relativamente aos trabalhos constantes do contrato referido em 2), faltava o ceral em todos os apartamentos e molduras.
22- E faltavam soleiras nas janelas, escadarias e varandas.
23- E faltava assentar o granito no hall de entrada e corredores de acesso à habitação, patamares e frontaria do prédio.
24- E faltavam azulejos na casa de banho.
25- E a cisterna estava inacabada.
26- E faltava o chão de pavimento da garagem.
27- E faltava a rampa de acesso à garagem e pátio em mecan.
28- A R. utilizou, para a execução destes trabalhos (21 a 27) os próprios sub-empreiteiros que trabalhavam para a Autora.
29- No que despendeu a quantia global de € 73.244,45.
30- A A. emitiu e enviou à R. facturas no valor de € 463.421,80.

Vejamos agora a concreta questão acima enunciada como objecto deste recurso.
A pretensão da recorrente tem de improceder pela simples razão de que a parte da decisão impugnada não cabe nos poderes de cognição deste Supremo Tribunal.
Com efeito, a pretensão da recorrente traduz-se em censurar o uso que as instâncias fizeram do instituto previsto nos arts. 349º e 351º do Cód. Civil, ou seja, sobre a ilação que as instância tiraram do facto dado por provado na resposta dada ao quesito 24º.
Segundo esta resposta, a autora emitiu e enviou à ré facturas no valor de € 463.421,80.
E deste facto as instâncias concluíram que na falta de impugnação das mesmas facturas enviadas, por parte da ré, aquelas comprovam os valores dos serviços prestados pela autora no exercício da empreitada aqui em causa e de que era dona da obra a recorrente - cfr. fls. 379, na sentença de 1ª instância e fls. 440 no acórdão recorrido.
Ora, nos termos do art. 26º da Lei nº 3/99 de 13/01, fora dos casos especiais, o Supremo Tribunal de Justiça apenas conhece de matéria de direito, e o erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objecto de recurso de revista, salvo nas duas hipóteses contempladas no art. 722º, nº 2, hipóteses essas que não se verificam claramente no caso em apreço.
Desta forma, tal como vem sendo jurisprudência pacífica deste Supremo - cfr. ac. do mesmo de 26-01-2006, proferido no recurso nº 1314/05 e de que foi relator o Conselheiro Pereira da Silva -, está defeso a este Supremo o uso de presunções simples, judiciais ou hominis que os arts. 349º e 351º do Cód. Civil consentem às instâncias, nas suas atribuições, não cabendo também a este Supremo, salvo ilogismo manifesto, a censura sobre a utilização que aquelas façam de tais presunções ou sobre a abstenção do uso das mesmas.
No caso em apreço não se descortina qualquer manifesto ilogismo no uso que as instâncias fizeram daquele instituto legal, tal como se detecta claramente do acima referido.
Desta forma, não pode este Supremo censurar o uso daquele dispositivo pelas instâncias e, por isso, improcede o fundamento do presente recurso.

Pelo exposto, nega-se a revista pedida.
Custas pela recorrente.

Lisboa, 7 de Novembro de 2006.

João Camilo ( Relator )
Fernandes Magalhães
Azevedo Ramos.