Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
85/98.8TBPNF.S1
Nº Convencional: 7ª SECÇÃO
Relator: BARRETO NUNES
Descritores: INTERVENÇÃO PRINCIPAL
INTERVENÇÃO PROVOCADA
PROCESSO DE INVENTÁRIO
HERDEIRO LEGAL
DOAÇÃO DE QUINHÃO HEREDITÁRIO
Nº do Documento: SJ
Data do Acordão: 02/11/2010
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário :
1. Qualquer das partes pode chamar a juízo o interessado com direito a intervir numa causa, seja como seu associado seja como associado da parte contrária; é o que se chama intervenção principal provocada – n.º 1 do art. 325º do CPC.
2. Requisito essencial do chamamento é que o interessado a intervir na causa não esteja na causa, mas sim que nela tenha direito a intervir.
3. No processo de inventário é admitida, em qualquer altura, a dedução de intervenção principal espontânea ou provocada, relativamente a qualquer interessado directo na partilha – n.º 1 do art. 1330º do CPC.
4. No caso sub judice, o chamado, herdeiro legal dos inventariados, apesar de ter doado o quinhão correspondente à sua quota disponível, tinha, ab initio, o direito de intervir no inventário, para fazer valer um direito próprio, tendo efectivamente sido citado para os termos do processo.
5. Não obstante essa citação, o referido interessado deixou de ser notificado para os ulteriores termos do processo, não podendo posteriormente ser chamado a intervir no mesmo processo de inventário porque inexiste qualquer despacho a afastá-lo do mesmo.
6. Consequentemente, não é o incidente de intervenção principal provocada o meio processual adequado para fazer com que o mesmo interessado continue a ser notificado para os termos do processo.
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

I – Relatório
Nos autos de processo de inventário que corre termos no 3.º juízo do Tribunal Judicial da comarca de Penafiel, sob o n.º 85/98.8TBPNF, para partilha de heranças abertas por óbito de AA e BB, a interessada CC veio requerer a intervenção provocada de DD, com o fundamento de que, sendo o chamado herdeiro legal dos inventariados, o facto de lhe ter doado o quinhão hereditário a que tinha direito na referida herança não lhe retira o direito, enquanto herdeiro legal, de participar em todos os actos do inventário e, para além disso, a doação foi feita por conta da quota disponível, a qual, em função das licitações, se mostra excedida e teria que ser reduzida por inoficiosidade.
Por despacho de fls. 9-13, foi indeferida a intervenção do requerido, com o fundamento de que tendo o chamado sido oportunamente citado para os termos do inventário, na qualidade de herdeiro legal dos inventariados, inexiste qualquer despacho a excluí-lo do processo, apenas tendo deixado de ser notificado para os termos subsequentes do processo, sem qualquer reclamação do próprio, porque o seu quinhão nas heranças a partilhar fora doado à própria requerente do inventário, a qual, como interessada efectiva no referido quinhão, é quem ocupa a posição processual daquele herdeiro. Quanto à alegada questão da inoficiosidade da doação, foi considerado que era inócua neste processo, já que apenas podia ser suscitada e resolvida aquando da partilha da herança do doador.
Deste despacho foi interposto recurso de agravo para a Relação, que o confirmou pelo acórdão agora recorrido.
Alegou a agravante.
Não respondeu o agravado.
Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
II – Delimitação do Recurso
1. A delimitar o objecto do recurso, o agravante apresenta as seguintes conclusões:
1.ª – A agravante é donatária inter vivos sob condição da quota disponível do quinhão hereditário pertencente a DD.
2.ª – Em 20 de Dezembro de 1995, requereu o inventário facultativo que corre termos como processo principal n.º 85/98 – 3.ª Juízo do Tribunal de Penafiel.
3.ª – No chamamento para o inventário, são chamados em primeiro lugar todos os herdeiros legítimos e habilitados (art. 2024.º CC).
4.ª - Logo, por lei, está vedado ao tribunal excluir herdeiros legítimos habilitados, que estejam em pleno gozo dos seus direitos civis.
5.ª – Ora, como o herdeiro legítimo habilitado e doador DD nunca estava presente nas diligências do processo de inventário, nem se fazia representar por advogado.
6.ª – Onde já constava ter uma relação complexa de deve/haver para com os bens da herança, levou a que a agravante deduzisse incidente de intervenção principal provocada nos termos do art. 1330.º do CPC.
7.ª – Para que estivessem em juízo todos os herdeiros legítimos e habilitados.
8.ª – No sentido de serem discutidas todas as questões da herança, nos termos do inventário.
9.ª – Foi então que o Tribunal de Penafiel veio dizer que o herdeiro tinha sido citado a fls. 142.
10.ª – Mas, como tinha doado, por conta da quota disponível, jamais foi notificado, nem tinha que o ser (sic).
11.ª – O acórdão recorrido profere, por sua vez, a tese de que houve substituição processual no inventário, através de cessão.
12.ª – Ou seja, segundo o acórdão recorrido, o próprio herdeiro legítimo e habilitado, teria sido substituído no inventário por um terceiro não legítimo e não habilitado.
13.ª – Ora, esta decisão viola direitos pessoais e indisponíveis, constitucionalmente consagrados (arts. 62-1 da CRP, bem como os arts. 61.º e 89.º da CRP, e ainda os arts. 1305.º e 2030.º-2 do CC).
14.ª – Na medida em que não pode haver substituição processual, pois a qualidade de herdeiro legítimo e habilitado é um direito indisponível, constitucionalmente protegido.
15.ª – Ademais, não existe cessão nem poderia haver, por não ter sido estipulado pelo doador, nem a qualidade de herdeiro é alienável.
16.ª – Pelo que este herdeiro tem todo o direito de estar no inventário, ou ser oficiosamente chamado.
17.ª – Logo, após citação, transitou em julgado a admissão deste herdeiro, que passou a ter direitos processuais individuais paralelos aos restantes herdeiros, com direito a ser notificado e estar presente em todos os actos processuais.
18.ª – O Acórdão recorrido ao excluir o herdeiro legítimo e habilitado viola o princípio da igualdade das partes, consagrado no art. 3.º-A do CPC, e é mesmo inconstitucional por violar do princípio da igualdade consagrado no art. 13.º da CRP.
19.ª – A recorrente é donatária com condição de um quinhão hereditário (art. 2124.º do CC), logo a recorrente não é adquirente, mas simplesmente donatária (art. 1327.ºdo CPC) e em princípio não poderia requerer o inventário facultativo.
20.ª – É de entendimento que a doação por conta da quota disponível não passa duma expectativa jurídica, com proveitos e poderes limitados a bens concretos e determinados.
21.ª – Se a constituição ou a transferência de direitos reais respeitar a coisa futura ou indeterminada, o direito transfere-se quando a coisa for adquirida pelo alienante ou determinada com conhecimento de ambas as partes (art. 942.º do CC).
22.ª – Foi por acção que o Tribunal não notificou o herdeiro DD, violando por erro de interpretação e aplicação, designadamente o disposto nos arts. 3.º-A, 35.º, 40.º, n.º 1, 253.º, n. 2, e 1352.º do CPC, 220.º do CC, e 13.º da CRP.
23.ª – Em processo de inventário é legalmente exigida a notificação pessoal do interessado, da marcação e para participar na conferência de interessados, ou seja, do despacho que designa dia para a conferência de interessados a que alude o art. 1352.º do CPC, é notificado na pessoa dos herdeiros.
24.ª – Quando até consta dos autos que este herdeiro tem contas a prestar à herança, no domínio de prédios e dívidas activas, que influenciam o apuramento.
25.ª – Com violação das mais elementares regras processuais do inventário.
26.ª – A força e autoridade do caso julgado formal, atribuída pelo art. 672.º do CPC, impede que se conheça de novo de certa decisão, incorrendo na nulidade prevista sob o n.º 1, al. d) do art. 668.º do mesmo diploma.
27.ª – Violando o caso julgado, é uma excepção de que deve conhecer-se oficiosamente.
28.ª – Pelo que, deve o herdeiro preterido ser chamado, de modo a exercer os direitos que lhe competiam, anulando-se o que for indispensável.
29.ª – Ante o exposto, o douto acórdão viola os arts. 220.º, 942.º, 1305.º, 2024.º, 2030.º-2, 2124.º, 2168.º, todos do CPC, arts. 3.º-A, 35.º, 40.º, n.º 1, 253.º, n.º2, e 672.º, 1327.º, 1330.º, 1352.º, todos do CPC, e ainda inconstitucional por violação do principio da igualdade consagrado no art. 13.º, 61.º, 62-1, e 89.º da C RP.
2. Face às conclusões apresentadas pela agravante, podemos delimitar o objecto do recurso à questão da admissão do chamado DD a intervir no processo a título principal, por ser herdeiro legitimário, não obstante ter doado à agravante a totalidade do quinhão hereditário a que tinha direito nas heranças dos inventariados.
III – Os factos
Os factos fixados no acórdão recorrido, relevantes para as questões a decidir, são os seguintes:
1. O presente inventário destina-se à partilha das heranças abertas por óbitos de AA e BB, falecidos em 08-05-1973 e 16-09-1985, respectivamente (fls. 2 a 7).
2. O inventário foi requerido pela requerente e agravante CC (fls. 2-5).
3. O chamado DD é filho dos inventariados e como tal foi mencionado nas declarações de cabeça de casal, (fls. 76-77).
4. Foi citado para os termos do inventário, na qualidade de herdeiro legal dos interessados (fls. 90-93).
5. A requerente CC é filha do DD (fls. 80-81).
6. Por escritura realizada em 26-11-1990, certificada a fls. 86-88, DD declarou doar à sua filha CC “O quinhão hereditário que tem na herança ainda ilíquida e indivisa aberta por óbito de seus pais AA e BB…”.
IV – O direito
Nos presentes autos de inventário facultativo, instaurados em 20 de Dezembro de 1995, a ora agravante, já na fase da elaboração do mapa de partilha, deduziu incidente de intervenção principal provocada do herdeiro principal DD, nos termos do art. 1330.º do CPC.
Segundo o n.º 1 deste normativo, é admitida, em qualquer altura do processo de inventário, a dedução de intervenção principal espontânea ou provocada relativamente a qualquer interessado directo na partilha.
A intervenção de terceiros em processo civil vem prevista no art. 270.º do CPC, que estabelece algumas das situações em que pode operar-se a modificação subjectiva da instância, sendo uma das excepções ao princípio da imutabilidade da instância.
No que ora releva, importa a sua al. b), nos termos da qual a instância pode modificar-se em virtude dos incidentes de intervenção de terceiros.
Esta intervenção de terceiros pode ser espontânea ou provocada, estando prevista nos arts. 320.º a 324.º e 325 a 329.º do CPC, respectivamente.
“Por ‘terceiro’, entende-se todo aquele que é inicialmente estranho a um determinado processo em curso; por outras palavras, aquele que não figura como parte originária” (1)
No que concerne à intervenção provocada, estabelece o art. 325.º que qualquer das partes pode chamar a juízo o interessado com direito a intervir na causa, seja como seu associado, seja como associado da parte contrária.
Requisito essencial do chamamento, é que o interessado a intervir na causa não esteja na causa, mas sim que nela tenha direito a intervir.
O chamado DD, apesar de ter doado o quinhão correspondente à sua quota disponível, tinha, ab initio, o direito de intervir na causa, para fazer valer um seu direito próprio.
Nessa conformidade, foi citado para os termos do processo de inventário, conforme resulta do factualismo fixado.
O que não resulta desse mesmo factualismo é que tenha sido proferido qualquer despacho a afastá-lo do processo, pelo que continua como interessado no mesmo processo, embora tenha deixado de ser notificado para os diversos actos, o que pode determinar nulidades ou irregularidades processuais que, porém, não são sanáveis pela via do incidente de intervenção principal.
Consequentemente, não é o incidente de intervenção provocada o meio processual adequado para que o interessado em causa continue a ter intervenção no processo.
Pelo contrário, o incidente processual em causa é um meio desajustado para produzir o efeito pretendido.
Tudo o mais que vem alegado é impertinente para a decisão do recurso, pelo que não se justifica pronúncia sobre tal matéria.
É certo que o agravante alega a força do caso julgado da citação feita ao chamado DD.
Porém, essa citação só confirma que está no processo, pelo que a omissão de notificações ao mesmo interessado não se sana pela via do incidente de intervenção provocada, mas no próprio processo através do próprio interessado ou do cabeça de casal.
Termos em que se nega o agravo, confirmando-se o acórdão recorrido.
Custas pelo agravante.

Lisboa, 11 de Fevereiro de 2010

Barreto Nunes (Relator)
Orlando Afonso
Ferreira de Sousa
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(1)ARTUR ANSELMO, Lições de Processo Civil, I, reimpressão, 1970, p. 320.