Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1466/03.2TTPRT.S1
Nº Convencional: 4ª SECÇÃO
Relator: SOUSA GRANDÃO
Descritores: ACIDENTE DE TRABALHO
MOBBING NO TRABALHO
AMPLIAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
Nº do Documento: SJ
Data do Acordão: 01/13/2010
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Sumário :
I - No âmbito do Regime Jurídico dos Acidentes de Trabalho e das Doenças Profissionais, aprovado pela Lei n.º 100/97, de 13 de Setembro (LAT) – aplicável ao caso em apreço – o conceito de acidente de trabalho é definido no seu art. 6.º, correspondendo “aquele que se verifique no local e no tempo de trabalho e produza directa ou indirectamente lesão corporal, perturbação funcional ou doença de que resulte redução na capacidade de trabalho ou de ganho ou a morte”.
II- A referida LAT não alterou substancialmente o quadro normativo vindo da Lei n.º 2127, de 3 de Agosto de 1965, que, sem embargo de abranger agora causas indirectas do dano, evidenciando uma tendência de socialização do risco empresarial, e de alargar o âmbito subjectivo da reparação, manteve incólume a noção do próprio “acidente”.
III - O Código do Trabalho de 2003 veio a acolher como noção de acidente de trabalho “o sinistro, entendido como acontecimento súbito e imprevisto, sofrido pelo trabalhador que se verifique no local e no tempo de trabalho” (art. 284.º, n.º 1).
IV-Assim, a noção de acidente de trabalho reconduz-se a um acontecimento súbito, de verificação inesperada e origem externa, que provoca directa ou indirectamente lesão corporal, perturbação funcional ou doença de que resulte a morte ou redução na capacidade de trabalho ou de ganho do trabalhador, encontrando-se este no local e no tempo de trabalho, ou nas situações em que é consagrada a extensão do conceito de acidente de trabalho.
V - A matéria de facto determinada de que a trabalhadora, na sequência da proposta realizada pela entidade empregadora para rescisão do seu contrato de trabalho, transferência para outro local de trabalho, e posterior inclusão num despedimento colectivo, entrou em situação de baixa médica, tendo-lhe sido diagnosticada uma “reacção mista ansioso/depressiva prolongada”, que resultou da incerteza sobre a sua situação profissional, patologia essa desenvolvida entre Dezembro de 2002 e Julho de 2003 que lhe provocou uma incapacidade de 19% para o exercício da profissão habitual, não é reconduzível à noção de acidente de trabalho.
VI-E isto porque a subitaneidade ou imprevisibilidade constitui a característica essencial da noção de “acidente”, entendendo-se esse pressuposto como reportado ao surgimento do sinistro no tempo e não já à sua concreta verificação (que tem a ver com o ciclo causal).
VII- E é essa característica que permite distinguir, desde logo, o “acidente” da “doença profissional”, já que esta, em contraponto daquele, exige o desenvolvimento de um processo temporalmente continuado.
VIII - A factualidade referida no ponto V também não integra a figura do “mobbing” consagrada no Código do Trabalho de 2003 (no caso não aplicável, face à temporalidade dos factos atendíveis) que se caracteriza por três facetas: a prática de determinados comportamentos; a sua duração, e as consequências destes, sendo usual associar-se a intencionalidade da conduta persecutória, o seu carácter repetitivo e a verificação de consequências na saúde física e psíquica do trabalhador e no próprio emprego.
IX - Estes requisitos, constitutivos da figura do “mobbing”, para além de não se verificarem na factualidade provada nos autos, nunca integrariam a noção normativa actual de “acidente”.
X - Actualmente, os actos lesivos decorrentes do “mobbing” apenas conferem à vítima, no quadro legal vigente, a reparação, nos termos gerais, dos danos sofridos (art. 26.º CT).
XI - Concluindo-se pela inexistência de acidente de trabalho, torna-se inútil qualquer indagação sobre a situação profissional e clínica da trabalhadora durante o período que decorreu entre Dezembro de 2002 e Julho de 2003, prejudicando, por isso, o esclarecimento das ambiguidades e contradições que, nesse particular, a Relação já apontou à decisão factual, cujo entendimento se corrobora, pois tal apuramento só se justificava se estivesse provada a ocorrência de um acidente de trabalho, sendo que o poder anulatório previsto no art. 729.º, n.º 3 do CPC pressupõe que a ampliação ou correcção factuais sejam indispensáveis para a decisão de mérito.
Decisão Texto Integral:
Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:

1- RELATÓRIO
1.1.
AA intentou, no Tribunal do Trabalho do Porto, a presente acção declarativa, com processo especial, emergente de acidente de trabalho, contra “BB – Companhia Portuguesa de Transportes Aéreos, S.A.” e “Companhia de Seguros CC, S.A.”, de quem reclama, respectivamente a título principal e subsidiários, a reparação do acidente laboral de que afirma ter sido vítima ao serviço da 1.ª Ré, peticionando, a esse título o pagamento dos montantes discriminados no petitório inicial.
Nesse sentido, e em síntese, alega como segue:
- sendo trabalhadora da Ré BB, foi por esta convidada, em meados de Dezembro de 2002, a rescindir por mútuo acordo o contrato de trabalho que vinculava as partes, ou a despedir-se, o que a Autora veio a declinar em 20 de Janeiro de 2003;
- por virtude dessa recusa, aquela Ré retirou-lhe de imediato a realização de quaisquer tarefas, colocou-a numa secretária, proibiu-a de falar com as colegas e estas de lhe dirigirem a palavra, ficando também proibida de atender o telefone, de usar o computador e de atender os clientes ao balcão;
- esta situação prolongou-se por um mês, data em que a Autora, não mais suportando o esgotamento nervoso que lhe sobreveio, recorreu ao Serviço Nacional de Saúde, tendo-lhe sido dada baixa médica, o que tudo lhe determinou incapacidade parcial e permanente para o trabalho habitual, provocando-lhe ainda danos não patrimoniais, que enumera e quantifica.
Ambas as Rés contestaram, negando, nuclearmente, a ocorrência de qualquer acidente laboral mas, para a hipótese de assim se não entender, a Ré patronal declina a sua responsabilidade infortunística – enquanto a Ré Seguradora apenas admite, nessa eventualidade, uma reparação meramente subsidiária – porque o pretenso “acidente” sempre seria imputável à BB a título de culpa.
1.2.
Instruída e discutida a causa, foi lavrada sentença que, na procedência parcial da acção, condenou as Rés a pagarem as seguintes prestações:
1- a Ré BB a pagar à Autora:
a) a quantia de € 1.266,66, a título de pensão anual e vitalícia, imediatamente remível, a partir de 21/2/2003;
b) a quantia de € 5.136,00, a título de indemnização por incapacidade temporária absoluta;
c) a quantia de € 2.500,00, a titulo de indemnização por danos não patrimoniais;

2- a Ré CC a pagar à Autora:
a) as quantias de € 866,66 e de € 3.595,20, aquela a título de pensão anual e vitalícia, imediatamente remível, a partir de 21/2/2003, e esta a título de pagamento por incapacidade temporária absoluta, ambas a título subsidiário e, daí, no pressuposto de que a Ré patronal não procedesse ao pagamento das quantias inicialmente elencadas;
b) a quantia de € 50,00 a título de despesas com deslocações da Autora ao Tribunal;
3 - a Ré CC a pagar ao Instituto de Segurança Social, I.P., a quantia de € 5.016,06, a título de reembolso pelo pagamento de subsídio de doença à Autora.
Contra tal decisão se insurgiram recursoriamente todas as partes:
- questionando a Autora o grau de incapacidade fixado e o montante da indemnização por danos não patrimoniais que lhe foi atribuído;
- questionando ambas as Rés a ocorrência do afirmado acidente e, subsidiariamente, a determinação da entidade responsável – censura esta por parte da Seguradora – e a atribuição de indemnização por danos não patrimoniais – contra a qual se insurge a Ré empregadora.

Ao concluir pela falta de demonstração dos pressupostos de um acidente qualificável como de trabalho, o Tribunal da Relação do Porto acolheu a tese nuclear das duas Rés: desse modo, considerou prejudicado o conhecimento das demais questões suscitadas e, concedendo provimento às apelações das demandadas e negando-o à apelação da Autora, revogou a sentença e julgou a acção totalmente improcedente.
1.3.
Desta feita, o inconformismo provém exclusivamente da Autora, que pede a presente revista, onde confere o seguinte núcleo conclusivo:
1.ª – os actos praticados pela entidade patronal, quando constituam actos susceptíveis de objectivamente provocar danos físicos ou psicológicos, integram não só o conceito de assédio, estabelecido no art. 24.º do C.T., mas também o tipo legal do crime de coacção agravada, previsto e punido pelo art. 154.º do C.P.;
2.ª - em qualquer caso, tais actos, quando provoquem lesões, são configuráveis como acidentes de trabalho;
3.ª - não perdem a natureza de acidentes de trabalho pela circunstância de tais actos terem sido deliberada e reiteradamente praticados, circunstâncias que não só não afastam tal caracterização, como pelo contrário, qualificam o acto como praticado com dolo directo grave, tal como vem sendo sustentando pela doutrina e jurisprudência italianas, referidas pelo acórdão recorrido;
4.ª - ficou provado que da situação profissional sofrida pela recorrente e a que foi submetida deliberadamente pela recorrida empregadora, resultaram ou poderiam ter resultado as lesões neuropsicológicas geradoras de incapacidade para o trabalho, conforme resultado dos exames médicos;
5.ª - a decisão recorrida, ao decidir como decidiu, violou os artigos 6.º n.º 1 e 5 e 18.º n.ºs 1 e 2 da Lei n.º 100/97, de 13 de Setembro (LAT);
6.ª - tendo-se considerado na decisão recorrida que a matéria provada em 8, 9 e 12 do acervo factual é matéria conclusiva, nomeadamente ao não se descreverem os factos concretos que constituíram a situação profissional da recorrente entre as datas em que esta recusou uma proposta de rescisão amigável e a data da instauração do processo de despedimento colectivo, deveria a decisão recorrida ter anulado o julgamento para apuramento de tais factos relativos à situação profissional;
7.ª – tendo sido validado o julgamento, foi violado o artigo 712.º n.º 4 do C.P.C..
Termina pedindo que “... dando-se provimento ao presente recurso, deve ser revogada a decisão recorrida, anular-se o julgamento, baixando os autos à 2.ª instância para prova dos factos relativos à situação profissional da recorrente entre a data da sua recusa da proposta de rescisão do contrato de trabalho por mútuo acordo e a data da instauração do processo de despedimento colectivo que envolveu a recorrente ...”.
1.4.
A Ré “BB” contra-alegou, sustentando a improcedência do recurso e a consequente confirmação do julgado.
1.5.
A Ex.ma Procuradora-Geral-Adjunta, a cujo douto Parecer nenhuma das partes reagiu, pronunciou-se no sentido de dever ser tida como inadmissível a revista da Autora – pois que o seu objecto se reconduz à questão de sindicar “o não uso”, pela Relação, dos poderes que lhe são conferidos pelo artigo 712.º n.º 4 do Código de Processo Civil – ou, se assim se não entender, ser-lhe negado provimento.
1.6.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

2- FACTOS

2.1.
A 1.ª instância fixou a seguinte factualidade, que nenhuma das partes questionou nas suas apelações:
1 - a Autora era trabalhadora da Ré BB, S.A. há mais de dez anos, desempenhando, sob a autoridade, direcção e disciplina desta, as funções correspondentes à categoria profissional de técnica comercial, que lhe estava atribuída pela referida Ré;
2 - a Autora auferia a retribuição mensal de € 691,28 x 14 meses, acrescida de € 156,42 x 11 meses de subsídio de transportes e de € 115,28 x 11 meses de subsídio de alimentação;
3 - a Ré BB, em Dezembro de 2002 e através da sua representante DD, propôs à Autora a rescisão do seu contrato de trabalho, entregando-lhe uma proposta escrita nesse sentido, tendo a Autora pedido que lhe fossem concedidos alguns dias para ponderar;
4 - algum tempo após a proposta referida no número anterior a Autora levou ao conhecimento da Ré BB S.A. que não aceitava essa proposta de rescisão;
5 - a Autora, a partir de 21/2/2003, entrou em situação de baixa médica;
6 - a Ré BB, S.A. iniciou um procedimento de despedimento colectivo, no qual a Autora foi incluída e que culminou com o despedimento de 2 trabalhadores, um dos quais a Autora;
7 - foi diagnosticada à Autora uma perturbação da adaptação – reacção mista ansiosa/depressiva prolongada – a qual podia advir do referido processo de despedimento colectivo que lhe foi instaurado;
8 – a referida perturbação da Autora resultou também da incerteza sobre a sua situação profissional, por ela sentida na sequência da transferência para Lisboa das funções por si desempenhadas e da proposta de rescisão que a Ré lhe apresentou;
9 - a Autora sofreu psicologicamente, em virtude da situação de incerteza sobre o seu futuro profissional, decorrente do facto de as tarefas que desempenhava até Janeiro de 2003 terem sido transferidas para Lisboa e de lhe ter sido proposta pela Ré a rescisão do seu contrato de trabalho;
10 - no exame médico, realizado em 1/4/2004 no Tribunal do Trabalho do Porto, nos presentes autos de acidente de trabalho, o Sr. Perito médico atribuiu à Autora ITA desde 21/2/2003 até à admissão da Autora em novo emprego; e, em exame médico realizado em 19/10/2004, mais considerou a Autora com IPP – com incapacidade para o exercício da profissão habitual – de 19% desde 21/2/2003 (cfr. os docs. de fls. 75 e 98 dos autos, cujo teor se dá aqui por reproduzido para os legais efeitos);
11 - em 19/10/2004 teve lugar a tentativa de conciliação no âmbito desses autos de acidente de trabalho, em que estiveram presentes a Autora e ambas as Rés, no decurso da qual a Autora aceitou a IPP de 19% com incapacidade para o exercício da profissão habitual (cfr. o doc. de fls. 100 a 102 dos autos, cujo teor se dá aqui por reproduzido para os legais efeitos);
12 - a Autora padece de incapacidade permanente parcial de 10% (dez por cento) desde 21/2/2003 e de incapacidade temporária absoluta desde essa data até 31/7/2003, data em que foi despedida pela Ré;
13 - entre a primeira e a segunda Rés havia sido celebrado contrato de seguro, do ramo de acidentes de trabalho, titulado pela apólice n.º 708079;
14 - a Autora despendeu € 50,00 em deslocações que fez em transportes públicos, no âmbito de notificações que lhe foram determinadas na presente acção;
15 - o Instituto de Segurança Social, I.P., pagou à Autora prestações pecuniárias no montante de € 5.016,06, correspondentes ao período de 21/2/2003 a 31/8/2003, sendo que o aludido pagamento foi efectuado a título de subsídio de doença.
2.2.
Sobre a descrita factualidade, o Tribunal da Relação discorreu oficiosamente como segue:
“... Importa referir que os recursos são todos restritos à matéria de direito. No entanto, sem prejuízo do que se referirá em momento próprio, impõe-se desde já notar que tem natureza conclusiva a parte final do ponto 7 dos factos provados – “a qual podia provir do referido processo de despedimento colectivo que lhe foi instaurado” – pelo que deve ser considerada não escrita, atento o disposto no art. 646.º n.º 4 do Cod. Proc. Civil.
Por outro lado, a natureza conclusiva da matéria assente estende-se ao n.º 8 seguinte, quando se refere “também”, depois de no número anterior se ter referido “podia provir” ficando nós sem saber se em ambos os casos a perturbação resultou ou se podia resultar.
Acresce que nos pontos 8 e 9 se refere que a perturbação e o sofrimento resultaram da incerteza acerca do futuro profissional da A., que é um estado, quando importaria referir os factos, embora pareça que, neste passo, a questão é meramente técnica, uma vez que os factos vêm descritos a seguir.
Já não tem esta natureza o que ocorre sobre a matéria assente sob o ponto 12 da respectiva lista (12 - a A. padece de incapacidade permanente parcial de 10% (dez por cento) desde 21.Fev.03 e de incapacidade temporária absoluta desde essa data até 31.Jul.03, data em que foi despedida pela Ré), pois uma pessoa não pode, pelo mesmo acidente e relativamente ao mesmo período, sofrer incapacidade permanente e incapacidade temporária, a desaguar em duas indemnizações [rectius, pensão e indemnização] pela mesma actividade laboral, a rondar o enriquecimento sem causa.
De qualquer forma, pelas razões que adiante se explicitarão, não usaremos dos poderes conferidos pelo disposto no art. 712.º n.º 4 do Cod. Proc. Civil”.

3- DIREITO
3.1.
Conforme decorre do quadro conclusivo recursório, o objecto da presente revista pressupõe a análise de duas questões:
1ª - a de saber se a situação configurada nos autos é susceptível de integrar o conceito de “acidente de trabalho”;
2ª - a de saber se se justifica a anulação do julgamento para que a 1.ª instância diligencie no sentido de apurar os factos relativos à situação profissional da Autora entre a data da sua recusa em anuir à proposta de rescisão amigável do contrato de trabalho e a data da instauração do processo de despedimento colectivo que a envolveu.
Antes, porém, haverá que enfrentar “a questão prévia” suscitada pela Ex.ma Magistrada do M.º P.º.
3.2.
Conforme supra se referiu (1-5), prende-se tal “questão” com a eventual inadmissibilidade da vertente revista.
Nesse sentido, discorre-se do seguinte jeito no correspondente Parecer:
“Pretende a A. com o presente recurso questionar o facto de a Relação não ter decidido a anulação do julgamento e, assim, impedido o processo de baixar à 1.ª instância para prova dos factos relativos à sua situação profissional (…)
Tendo violado assim, no seu entender, o disposto no art. 712.º, n.º 4 do CPC.
Ora, tendo presentes o objecto do recurso acima referido e as respectivas “conclusões”, verifica-se que o que a A. pretende efectivamente questionar é o não uso pela Relação do poder que lhe é concedido pelo art. 712.º, n.º 4 do CPC, já atrás mencionado.
(…)
Nesta perspectiva,
Poderia entender-se que o recurso da A. deveria ser tido, em princípio, desde logo, como “inadmissível”, face ao disposto no n.º 6 do art. 712.º, dele não se conhecendo”.
Conquanto o douto Parecer em análise conclua no sentido de que “… Se deveria ter por não admissível o recurso da A. ou, se assim se não entender, ser-lhe negado provimento”, a verdade é que a Ex.ma Procuradora-Geral-Adjunta acaba por colocar a questão da “inadmissibilidade” da revista em termos meramente hipotéticos, como logo resulta do trecho reproduzido, cujo entendimento claramente reforça, logo a seguir, ao discorrer que perante o fundamento impugnatório, “… se nos afigura que, nos termos do art. 729.º n.º 3 do CPC supra referido, possa ainda este STJ dele conhecer”.
Vejamos.
Não obstante haver identificado diversos pontos factuais que refutou de contraditórios e até conclusivos, a Relação veio a decidir que “… pelas razões que adiante se explicitarão, não usaremos dos poderes conferidos pelo disposto no art. 712.º n.º 4 do Cod. Proc. Civil”.
Essas razões vêm expressas do seguinte modo:
“Trata-se, portanto, de algo anómalo, mas que extravasa os limites da nossa lei infortunística vigente, sendo certo que só a ela podemos atender:
Daí que as contradições entre factos assentes e o carácter conclusivo de alguma matéria tida também por assente, podendo conduzir à anulação do julgamento, lançando mão a Relação, ainda que oficiosamente, dos poderes contidos no art. 712.º, n.º 4 do Cod. Proc. Civil, ficam prejudicados porque, de qualquer modo, a acção sempre deveria improceder, frente à falta de demonstração dos pressupostos dum acidente qualificável como de trabalho”.
Como se vê, pesem embora os vícios que apontou à decisão factual da 1.ª instância, a Relação veio a concluir pela inutilidade de uma eventual anulação do julgamento, devido à solução que firmou sobre a omissão probatória de um acidente qualificável como laboral.
Trata-se de um juízo decisório que, por virtude do comando no n.º 6 daquele artigo 712.º, não pode ser objecto de sindicância por banda do Supremo.
Sucede, porém, que o artigo 729.º n.º 3 do Código de Processo Civil também confere ao Supremo poderes funcionalmente idênticos àqueles que o artigo 712.º n.º 4 comete à Relação: estamos perante um poder próprio, com natureza igualmente cassatória, e que o Supremo pode utilizar oficiosamente sem constrangimentos, com a única ressalva de que deve limitar a sua intervenção àquelas situações em que os vícios factuais sejam susceptíveis de afectar ou impossibilitar a correcta decisão jurídica do pleito (cfr. Lopes do Rego in “Comentários ao Código de Processo Civil”, página 497).
Sendo assim, nada obstava a que a recorrente viesse a suscitar nesta sede – como fez – a questão em análise, embora já não como censura directa ao veredicto da Relação mas, tão somente, por apelo directo aos poderes próprios de que o Supremo dispõe nesta matéria.
Acresce que o objecto da revista não se confina ao apontado vício adjectivo, abarcando ainda – e de forma autónoma – a questão nuclear da demanda: existência, ou não, de um acidente de trabalho.
Improcede, deste jeito, a “questão prévia” em apreço.
3.3.1.
Todas as pretensões ressaritórias reclamadas pela Autora na presente acção se acobertam na ocorrência de um acidente de trabalho.
E é justamente essa ocorrência que, desde logo, as duas Rés questionam.
Estruturada deste modo a demanda, bem se compreende a relevância nuclear de uma tal qualificação, tanto quanto é certo que só uma resposta afirmativa a essa questão justificará a subsequente pronúncia sobre a eventual concorrência dos demais pressupostos de que emergem os direitos accionados.
Já sabemos que as instâncias emitiram, neste particular, juízos qualificativos de sinal contrário: a 1.ª instância aceitou a verificação do convocado sinistro, enquanto a Relação concluiu em sentido oposto.
Na parte ora útil, discorreu como segue o Acórdão em crise:
“... dentro dos limites do nosso direito infortunístico vigente, mesmo dando de barato que a proposta de rescisão amigável do contrato de trabalho, o despedimento colectivo e a transferência de posto de trabalho da A. do Porto para Lisboa, constituem o evento que desencadeia o processo causal, certo é que não está demonstrado o nexo causal entre ele e a doença, nem entre a doença e a incapacidade temporária e permanente, mesmo deixando de parte a contradição que resulta da sobreposição temporal de ambos os tipos de incapacidade.
Acresce, porém, que o evento terá de constituir um facto naturalístico ligado às condições de trabalho, seja do equipamento ou ausência dele, à forma de prestação do trabalho, isto é, que tenha como pressuposto uma actividade em execução, seja a realização de uma obra, seja a prestação de um serviço, em suma, algo que respeite a um contrato de trabalho ou equiparado, mas em execução. Porém, os factos elencados respeitam todos à extinção do contrato de trabalho seja pelo acordo, seja pela decisão unilateral da R. BB, por meio do despedimento colectivo, mas sempre com o fito de fazer cessar o vínculo. Trata-se, portanto, de algo anómalo, mas que extravasa os limites da nossa lei infortunística vigente, sendo certo que só a ela podemos atender.
(...).
Assim, e apesar de a única certeza que temos ser a que deriva do imperativo de decidir o caso concreto, pensamos que dentro dos nossos quadros legais vigentes e atentos os factos dados como provados, a hipótese em debate não integra o conceito de acidente de trabalho” (FIM DE TRANSCRIÇÃO).
Em contraponto disso, sustenta a recorrente que:
“os actos praticados pela entidade patronal, quando constituam actos susceptíveis de objectivamente provocar danos físicos ou psicológicos, integram não só o conceito de assédio, estabelecido no art. 24.º do C.T., mas também o tipo legal do crime de coacção agravada, previsto e punido pelo art. 154.º do C.P.;
em qualquer caso, tais actos, quando provoquem lesões, são configuráveis como acidentes de trabalho;
não perdem essa natureza pela circunstância de tais actos terem sido deliberada e reiteradamente praticados, circunstâncias que não só não afastam tal caracterização, como, pelo contrário, qualificam o acto como praticado com dolo directo grave, tal como vem sendo sustentado pela doutrina e jurisprudência italianas, referidas pelo acórdão recorrido”.
3.3.2.
Reportando-se os factos em apreço ao período temporal que decorreu entre Dezembro de 2002 e 31 de Julho de 2003, o quadro normativo atendível é o que se mostra plasmado na Lei n.º 100/97, de 13 de Setembro – “Regime Jurídico dos Acidentes de Trabalho e das Doenças Profissionais” – que entrou em vigor no dia 1 de Janeiro de 2000, conforme decorre do seu artigo 41.º n.º 1 alínea a), conjugado com o disposto no artigo 71.º n.º 1 do D.L. n.º 143/99, de 30 de Abril – “Regulamento da Lei de Acidentes de Trabalho” – na redacção que lhe foi dada pelo D.L. n.º 382-A/99, de 22 de Setembro.
O conceito de “acidente de trabalho” é fornecido, basicamente, pelo artigo 6.º da Lei n.º 100/97, que o define como “... aquele que se verifique no local e no tempo de trabalho e produza directa ou indirectamente lesão corporal, perturbação funcional ou doença de que resulte redução na capacidade de trabalho ou de ganho ou a morte”.
A referida L.A.T. não alterou substancialmente o quadro normativo vindo do pretérito (Lei n.º 2.127, de 3 de Agosto de 1965): sem embargo de abranger agora causas indirectas de dano, evidenciando uma tendência de socialização do risco empresarial, e de alargar o âmbito subjectivo da reparação, a verdade é que a noção do próprio “acidente”, enquanto tal, permanece incólume.
O Acórdão desta Secção de 28 de Março de 2007, proferido na Revista n.º 3957/06, cuidou de discorrer aprofundamente sobre o conceito em análise.
Ali se escreveu:
“Em geral, considera-se acidente o acontecimento repentino, fortuito e desagradável (cfr. Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira, Volume I, Editorial Enciclopédia, Ld.ª, Lisboa, Rio de Janeiro, Agosto de 1978, pág. 259, e Dicionário da Língua Portuguesa, Dicionários Editora, 8.ª edição, Porto Editora, 1998, pág. 22).
Discorrendo sobre o conceito de acidente de trabalho, Mário Bigotte Chorão (Direito do Trabalho, Volume II, lições policopiadas, Instituto de Estudos Sociais, Lisboa, 1970-1971, pág. 127-128) define-o “como uma alteração do organismo determinada por uma causa violenta que actua por ocasião do trabalho e que provoca a morte do trabalhador ou a sua incapacidade para o trabalho”, logo acrescentando, no que respeita ao requisito “ocasião do trabalho”, que este requisito se considera preenchido nos chamados acidentes “in itinere”, “aduzindo-se que o trabalhador se expõe ao risco do trajecto para cumprimento das obrigações laborais, em suma, por motivos do trabalho”, por isso, “ainda de algum modo, neste caso, a causa violenta e danosa actuará por ocasião do trabalho”.
Por seu lado, Feliciano Tomás Resende (Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais, Legislação Anotada, Coimbra Editora, Coimbra, 1971, pág. 16-18), dando conta das redacções ensaiadas durante os trabalhos preparatórios da Lei n.º 2.127, de 3 de Agosto de 1965, e em anotação à Base V daquela Lei (conceito de acidente de trabalho), refere que o texto final desse preceito “corresponde ao da proposta governamental, depois de substituída a palavra “evento” por “acidente” e de eliminada a expressão “salvo quando a este inteiramente estranho”, conforme uma proposta de eliminação e de substituição apresentada por um grupo de deputados e largamente discutida na Assembleia Nacional (v. Diário das Sessões, de 22-4-1965, págs. 4805 a 4809), constando da intervenção de um dos autores da proposta de alteração que se eliminou a expressão “salvo quando a este inteiramente estranho”, “por se entender que esse elemento descaracterizador tinha assento noutro local e já aí estava compreendido tudo quanto pode descaracterizar o acidente”.
Por outro lado, parece depreender-se da discussão havida que se reputou a palavra “evento” de significado inconvenientemente amplo, preferindo-se, com prejuízo do rigor formal da definição (tautologia), o termo acidente, com o sentido, em geral aceite pela doutrina e pela jurisprudência, de acontecimento ou evento súbito, inesperado e de origem externa (v., por ex., os acórdãos do STA de 16-11-1933, 26-5-1953 e 9-3-1954, respectivamente, na Colecção II, 381, IX, 285, e XVI, 122) – [sublinhado nosso].
Para Melo Franco (“Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais”, Direito do Trabalho, B.M.J., Suplemento, Lisboa, 1979, pág. 62), citando Sachet, acidente é “o acontecimento anormal, em geral súbito, ou pelo menos de uma duração curta e limitada, que acarreta uma lesão à integridade ou à saúde do corpo humano” – [sublinhado nosso].
Especificamente sobre o actual âmbito de reparação dos danos emergentes de acidente de trabalho Romano Martinez (Direito do Trabalho, 2.ª edição, Almedina, Coimbra, 2005, pág. 779), citando Cunha Gonçalves e Carlos Alegre, salienta que o acidente de trabalho “pressupõe que seja súbito o seu aparecimento, assenta numa ideia de imprevisibilidade quanto à sua verificação e deriva de factores exteriores” – [sublinhado nosso].
Nesta linha de entendimento, refira-se que o Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.º 99/2003, de 27 de Agosto, veio a acolher como noção de acidente de trabalho, “o sinistro, entendido como acontecimento súbito e imprevisto, sofrido pelo trabalhador que se verifique no local e no tempo de trabalho” (artigo 284.º, n.º 1).
(...)
Tudo para concluir que a noção de acidente de trabalho se reconduz a um acontecimento súbito de verificação inesperada e origem eterna, que provoca directa ou indirectamente lesão corporal, perturbação funcional ou doença de que resulte a morte ou redução na capacidade de trabalho ou de ganho ou a morte do trabalhador, encontrando-se este no local e no tempo de trabalho, ou nas situações em que é consagrada a extensão do conceito de acidente de trabalho” [sublinhado nosso] (FIM DE TRANSCRIÇÃO).
3.3.3.
Compulsando a factualidade relevante, verifica-se que:
- a Ré Patronal começou por propor à Autora a rescisão do seu contrato de trabalho (ponto n.º 3);
- transferiu entretanto o seu posto de trabalho para Lisboa e acabou por inclui-la num despedimento colectivo, que apenas envolveu mais uma trabalhadora (pontos n.ºs 6 e 8);
- a Autora entrou em situação de baixa médica, tendo-lhe sido diagnosticada uma “reacção mista ansiosa/depressiva prolongada”, que resultou da incerteza sobre a sua situação profissional, na sequência das sobreditas transferência e proposta de rescisão contratual, podendo advir ainda do mencionado processo de despedimento colectivo, cuja patologia lhe provocou uma incapacidade de 19% para o exercício da profissão habitual (pontos n.ºs 5, 7, 8 e 10).
Embora a referida factualidade não o esclareça cabalmente, infere-se que o comportamento desenvolvido pela empregadora – transferência e posterior despedimento – surgiu na sequência da recusa, por banda da Autora, em aceitar a rescisão do seu contrato de trabalho.
Também se verifica que a patologia sofrida pela Autora se desenvolveu entre Dezembro de 2002 e final de Julho de 2003.
À semelhança do que concluiu a Relação, também não lobrigamos como poderia o descrito acervo factual viabilizar o entendimento de que a Autora foi vítima de um acidente laboral.
Perante o ordenamento positivo atendível – já o vimos – é inerente à noção actual de “acidente de trabalho” a sua produção ocasional, súbita e com origem externa.
A subitaneidade ou imprevisibilidade constitui a característica essencial da noção de “acidente”, entendendo-se esse pressuposto como reportado ao surgimento do sinistro no tempo e não já à sua concreta verificação (que tem a ver com o ciclo causal).
Aliás, é essa característica que permite distinguir, desde logo, o “acidente” da “doença profissional”, já que esta, em contraponto daquele, exige o desenvolvimento de um processo temporalmente continuado.
Já a Câmara Corporativa, apreciando o projecto que desembocou na Lei n.º 2.127, caracterizava os acidentes de trabalho como “aqueles que se manifestam normalmente por forma súbita e imprevista” e as doenças profissionais como “aquelas que agem de modo lento e insidioso”.
O que a factualidade alegada – que não provada – poderia ilustrar era uma situação de “mobbing” ou assédio moral, como avisadamente aponta a Relação.
A esta referência se apegou, de resto, a própria recorrente nas suas alegações de revista.
Convém precisar, antes de mais, que a figura do “mobbing” foi consagrada positivamente no Código de Trabalho de 2003, que não é aplicável ao caso, face à temporalidade dos factos atendíveis: apesar disso, e porque tal consagração legislativa veio corresponder àquilo que alguma doutrina já reclamava no pretérito, não deixaremos de lhe dedicar a pronúncia devida.
Como explica Júlio Gomes, “o mobbing ou assédio moral ou ainda, como por vezes se designa, terrorismo psicológico, parece caracterizar-se por três facetas: a prática de determinados comportamentos, a sua duração e as consequências destes” (in “Direito do Trabalho”, volume I, 2007, página 428).
A tal figura é usual associar-se a intencionalidade da conduta persecutória, o seu carácter repetitivo e a verificação de consequências na saúde física e psíquica do trabalhador e no próprio emprego (baixa de produtividade e, quiçá, abandono).
No caso específico dos autos, não se alcança o menor pressuposto fáctico que possa conduzir ao entendimento de que estaríamos perante uma situação de “mobbing”: é que a Autora não logrou provar, desde logo, as específicas condutas persecutórias que aponta à sua empregadora (impedimento de realização de tarefas proibição – recíproca – de falar com colegas, de atender o telefone, de usar o computador e de atender clientes ao balcão, mantendo-a simplesmente sentada junto de uma secretária).
E, mesmo quanto à comprovada transferência de local de trabalho e ao posterior despedimento, também não seria possível extrair daquele acervo qualquer subsídio tendente a integrar a figura do “mobbing”, por omissão do imprescindível requisito da intencionalidade, tal como o enuncia o artigo 24.º daquele citado Código.
A este propósito, escreve ainda Júlio Gomes:
“Antes de analisarmos, mais de perto, o fenómeno do “mobbing”, importa também advertir que nem todos os conflitos no local de trabalho são, obviamente, um “mobbing”, sendo, aliás, importante evitar que a expressão assédio se banalize. Nem sequer todas as modalidades de exercício arbitrário do poder de direcção são necessariamente um “mobbing”, quer porque lhes pode faltar um carácter repetitivo e assediante quer porque não são realizados com tal intenção” (ob. citada, página 436 – sublinhado nosso).
De qualquer modo, convém lembrar que a presente acção tem como pressuposto a verificação de um acidente de trabalho e, pelo menos enquanto perdurar a actual noção normativa de “acidente”, nunca será possível integrar a figura do mobbing – posto que daí resulte afectada, naturalmente, a capacidade de trabalho ou de ganho do trabalhador – em tal conceito normativo.
É dizer que, actualmente, os actos lesivos decorrentes do “mobbing” apenas conferem à vítima, no quadro legal vigente, a reparação, nos termos gerais, dos danos sofridos – artigo 26.º do mesmo Código.
Por isso, esse mesmo pressuposto – que integra a causa de pedir a que nos cabe necessariamente ater – sempre impediria o êxito das pretensões accionadas pela Autora, ainda que preenchidos se mostrassem os requisitos do “mobbing”.
Por idêntico motivo, também essas pretensões estariam necessariamente votadas ao fracasso se, porventura, fosse de direccionar a reparabilidade de (alguns) dos danos elencados para uma hipotética ilicitude da transferência da Autora ou para uma eventual violação do dever de ocupação efectiva, igualmente configuráveis no caso, como exercício teórico, mas também exorbitantes, de forma patente, da causa de pedir convocada no petitório da acção.
3.4.
O juízo firmado sobre a questão anterior – inexistência de um acidente de trabalho – torna absolutamente inútil qualquer indagação sobre a situação profissional e clínica da Autora, durante o período que decorreu entre Dezembro de 2002 e final de Julho de 2003, prejudicando, por isso, o esclarecimento das ambiguidades e contradições que, nesse particular, a Relação já apontou à decisão factual e cujo entendimento corroboramos.
Na verdade, torna-se claro que um tal apuramento só se justificava se provada estivesse a ocorrência de um acidente de trabalho, sendo que o poder anulatório previsto no artigo 729.º n.º 3 do Código de Processo Civil pressupõe que a ampliação ou correcção factuais sejam indispensáveis para a decisão de mérito.

4. DECISÃO
Em face do exposto, nega-se a revista e confirma-se o Acórdão impugnado.

Custas pela recorrente.
Lisboa, 13 de Janeiro de 2010
Sousa Grandão (Relator)
Pinto Hespanhol
Vasques Dinis