Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
450/07.1TTCSC.L1.S1
Nº Convencional: 4ª SECÇÃO
Relator: ANTÓNIO LEONES DANTAS
Descritores: RETRIBUIÇÕES INTERCALARES
PEDIDO
CONDENAÇÃO EXTRA VEL ULTRA PETITUM
Data do Acordão: 06/18/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Sumário :
1 – Nos termos do artigo 437.º, n.º 1, do Código do Trabalho de 2003, o trabalhador que tenha sido visado por despedimento ilícito tem direito a receber as retribuições que deixou de auferir desde a data do despedimento até ao trânsito em julgado da decisão do tribunal.

2 – O direito referido no ponto n.º 1 tem natureza disponível não sendo possível o respectivo reconhecimento sem a formulação de um concreto pedido nesse sentido, não tendo aplicação neste âmbito o disposto no artigo 74.º do Código de Processo do Trabalho.
Decisão Texto Integral:

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:


I

AA instaurou a presente acção emergente de contrato de trabalho contra BB, SA, pedindo, além do mais, a condenação da Ré na sua reintegração, com todos os direitos inerentes, bem como no pagamento do salário até 30 dias antes da entrada da P.I., das férias e subsídios de férias vencidos em 2006 e proporcionais vencidos até Agosto de 2007, do subsídio de alimentação, uso do carro, prémios, telemóvel, seguro de saúde e a indemnização por antiguidade, se por ela viesse a optar em vez da sua reintegração.

Invocou como fundamento da sua pretensão que: - laborou para a R. desde 6.12.99 como delegada da informação médica, tendo recebido telemóvel de que podia fazer uso pessoal, viatura automóvel que podia usar fora do período laboral, seguro de saúde e prémio sobre os objectivos de vendas; - auferia desde 2001 € 1.247/mês, acrescidos de subsídios de férias, Natal e almoço e que a Ré lhe instaurou um primeiro procedimento disciplinar e depois um segundo, ambos arquivados na sequência de parecer de improcedência da CITE e que em 5.6.2007 a R. lhe instaurou um terceiro procedimento, acusando-a de factos ocorridos em Setembro e Dezembro de 2006, numa parte relativos à retenção de subsídios de maternidade e noutra a conversas e comentários relatados por terceiros, nem sequer devidamente localizados no espaço e no tempo, e despediu-a, aliás ilicitamente, o que lhe causou danos não patrimoniais.

Em articulado autónomo, apresentado já após a realização da audiência de partes, conforme resulta de fls. 125 e ss., veio aclarar, corrigir e acrescer «ao resumo do pedido formulado na petição omisso», concluindo no sentido de o «resumo do pedido passa a ter a seguinte redacção final:

a) a reintegrar a A. com todos os direitos inerentes:

b) pagar-lhe o vencimento até 30 dias antes da entrada deste requerimento em juízo – 1.846 €;

c) pagar-lhe as férias, subsídio de férias vencidos em 2006, 3.692,00 € - proporcionais vencidos até 23/08/07, de férias, subsídio de férias e de natal – 8/12= 1.230,66€x3= 3.691,98 €;

d) a pagar-lhe o subsídio de alimentação a partir de 23/08/07 – 44 diasx11,50€ = 506,00 €;

e) valor do uso do carro, dos prémios, telemóvel e seguro de saúde;

f) a pagar-lhe a indemnização por antiguidade, a optar entre a reintegração, no montante de 9 anosx1,5= 13,5 meses x 1.846,00 € =  24.921,00 €;

 g) danos morais a atribuir pelo  julgador;

h) de juros à taxa legal sobre os valores vencidos e vincendos;.

i) Custas e procuradoria pela R.

j) o  subsídio de Natal vencido em 2006 no valor de - 1.846,00€;

l) salários dos meses de Maio, Junho, Julho e 23 dias do mês de Agosto, férias e subsídio de férias, - 12.491,26 €».

Tendo a Ré contestado e deduzido pedido reconvencional, a acção prosseguiu seus termos, vindo a ser decida por sentença de 23 de Julho de 2012, que «julgou os pedidos formulados pela autora parcialmente procedentes e, nessa mesma medida», condenou «a ré a pagar àquela:

I. A indemnização legal correspondente a 30 dias de remuneração base e diuturnidades por cada ano completo ou fracção de antiguidade da autora ao serviço da ré, a calcular até ao trânsito em julgado da sentença e a liquidar em incidente posterior, conforme os montantes que se apurem ser os da referida remuneração e diuturnidades, acrescida de juros de mora, à taxa de juros civis, desde a data da sentença de liquidação até integral pagamento.

II. A quantia líquida de Euros 1.500 (mil e quinhentos) euros de salários intercalares, acrescida de juros de mora, à mesma taxa, desde a data dos respectivos vencimentos até integral pagamento.

III. A quantia de Euros 3.500 (três mil e quinhentos euros) de compensação por danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora, a igual taxa, desde a presente data até integral pagamento.

IV. A quantia líquida de Euros 3.741 (três mil setecentos e quarenta e um euros) a título de remuneração de férias, subsídio de férias e subsídio de Natal de 2006, acrescida de juros de mora, à mesma taxa, desde a data dos vencimentos dessas prestações até integral pagamento.

V. A quantia líquida de Euros 2.494 (dois mil quatrocentos e noventa e quatro euros) a título de remuneração de férias e subsídio de férias vencidos em 2007, acrescidos de juros de mora, à mesma taxa, desde 23 de Agosto de 2007 até integral pagamento.

VI. A quantia de Euros 2.421,21 (dois mil quatrocentos e vinte e um euros e vinte e um cêntimos) devida como proporcionais da retribuição de férias, subsídio de férias e subsídio de Natal correspondentes ao trabalho prestado no ano da cessação do contrato (2007), acrescida de juros de mora nos mesmos termos.

VII. A quantia de Euros 4.697 (quatro mil seiscentos e noventa e sete euros) devida pelas remunerações de Maio, Junho, Julho e 23 dias de Agosto de 2007, acrescida de juros de mora, à mesma taxa, desde a data do vencimento de cada uma das prestações até integral pagamento.»

O tribunal julgou também, «na restante parte, improcedente o pedido da autora e do mesmo (…) absolve[u] a ré» e julgou «integralmente improcedente o pedido reconvencional formulado pela demandada», absolvendo do  mesmo a Autora.

Inconformada com o assim decidido, Autora e Ré apelaram para o Tribunal da Relação de Lisboa, que veio a decidir os recursos interpostos por acórdão de 24 de Abril de 2013, cujo dispositivo é do seguinte teor:

«Pelo exposto, o Tribunal julga improcedentes os recursos da A. e da R. e confirma a decisão recorrida.

Custas do recurso da A. pela A. (sem prejuízo do apoio judiciário) e do recurso da R. pela R.»

Irresignada com esta decisão pediu a Autora a aclaração da mesma, pretensão que veio a ser indeferida, por acórdão de 5 de Junho de 2013, proferido em conferência, naquele Tribunal da Relação.

Veio então a Autora interpor recurso de revista excepcional para este Tribunal integrando nas alegações apresentadas as seguintes conclusões:

«1° As decisões proferidas na 1.ª instância e na Relação ao não aplicarem a lei a matéria de facto assente por errada qualificação jurídica, implica a reapreciação pelo Supremo Tribunal de Justiça.

2° A revista excepcional, teve de ser admitida em razão de se estar em presença de questão de relevância jurídica e que se justifica e torna necessário para uma melhor aplicação do direito a) 1) 2) art. 721-A do CPC.

3° Atendendo a que se está em presença de direito laboral, configura-se de grande relevância social aquilatar-se a aplicação do direito, em clara concordância com as largas centenas de decisões que julgaram sobre impugnações de despedimentos e consequentes direitos vincendos e outros conexos b) 1/2 do art. 721-A do CPC.

4° As instâncias violaram as normas contidas no artigo a) 1) 436 e 1) e 4) 437 do Código do Trabalho de 2003 e artigo 74 do CPT.»

Por acórdão de 15 de Janeiro de 2014, da formação a que se refere o n.º 3 do artigo 672.º do Código de Processo Civil, foi considerado que nada obstava à admissão da revista, atenta a data da instauração do processo, que é anterior a 1 de Janeiro de 2008, e o disposto no artigo 7.º da Lei n.º 41/2003, de 26 de Junho, que excepciona a aplicação da restrição do direito ao recurso decorrente do regime da dupla conforme nestes processos.

Deliberou-se, pois, no mencionado acórdão daquela formação que o processo fosse apresentado à distribuição, seguindo-se os termos da revista, vindo o recurso a ser admitido como tal, por despacho do relator de 27 de Março de 2014, tendo-se, contudo, previamente, convidado a recorrente a apresentar novas conclusões, uma vez que as inicialmente apresentadas se mostravam direccionadas para o recurso de revista excepcional, vindo aquela a apresentar então as seguintes conclusões:

«1° A recorrente, quando apresentou o requerimento inicial, reclamou e quantificou os valores dos salários desde 30 dias anteriores até à entrada em juízo e vincendos, e que esse pedido não terá sido devidamente expresso, mas decorre de todo o articulado.

2° Na sentença, reconhece-se que a recorrente "teria direito aos salários vencidos desde 15 de Outubro de 2007 até ao trânsito em julgado da sentença".

3° Porém, na parte decisória, condenou-se a recorrida no pagamento dos salários vencidos, excluindo os vincendos, considerando-se que os vincendos são agora disponíveis, não se mostrando que a recorrente expressou, inequivocamente, a renúncia aos salários vincendos - remissão abdicativa.

4° A posição assumida na sentença e acórdão, vem ao arrepio de toda a doutrina e jurisprudência prolatada quanto ao direito aos salários intercalares, desde o despedimento até à decisão final.

5° Neste âmbito, ambos as decisões fizeram errada qualificação do quadro da matéria assente e a respectiva qualificação jurídica.

6° As instâncias violaram as normas contidas no artigo 436°, 1, a) e artigo 437°, 1 e 4) ambos do Código do Trabalho/2003.»

Termina pedindo a anulação da decisão recorrida e a condenação da Ré no pagamento dos salários intercalares.

Neste Tribunal o Exm.º Magistrado do Ministério Público proferiu parecer, nos termos do artigo 87.º, n.º 3, do Código de Processo do Trabalho, pronunciando-se no sentido da confirmação da decisão recorrida, concluindo nos seguintes termos:

«a) a petição inicial, analisada no seu conjunto, não permite concluir que nela se contenha, ainda que de modo imperfeito, o pedido de salários intercalares até ao trânsito em julgado da decisão;

b) vem sendo reiterado pela doutrina e pela jurisprudência que as retribuições vincendas, em que se incluem os salários intercalares de que um trabalhador seja titular pela cessação ilícita do contrato de trabalho, são livremente disponíveis por este pelo que, se não forem formulados os correspondentes pedidos na petição inicial da acção que for proposta contra a entidade empregadora, não deverá o tribunal  lançar mão do disposto no artigo 74.º do CPT e ex officio condenar aquela nas mencionadas prestações.

Termos em que se emite parecer no sentido de ser negada a revista requerida pela Autora, e de ser mantido o acórdão recorrido, por ter feito correta interpretação e aplicação da lei, ao caso em apreço».

Notificado este parecer às partes veio a recorrente tomar posição sobre o mesmo em conformidade com a motivação do recurso apresentada.

Sabido que o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente, nos termos do disposto nos artigos 635.º, n.º 3, e 639.º do Código de Processo Civil, aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho, ressalvadas as questões de conhecimento oficioso, está em causa na presente revista saber se a Autora deduziu pedido relativamente às retribuições intercalares no período posterior à propositura da acção.

 


II

As instâncias fixaram a seguinte matéria de facto:

«1. A autora é sócia do Sindicato dos Trabalhadores da Química, Farmacêutica, Petróleo e Gás do Centro, Sul e Ilhas [art.º 11º da p.i assente por acordo].

2. A autora foi admitida ao serviço da ré em 6 de Dezembro de 1999, conforme teor do escrito junto de fls. 168 a 175, que aqui se dá por reproduzido, para, sob direcção, autoridade e fiscalização da segunda exercer as funções de delegada da informação médica [artºs 1º e 2º da p.i assentes por acordo].

3. A mesma exercia a sua actividade profissional predominantemente nos concelhos de Cascais e Oeiras [resposta ao art.º 3º da p.i].

4. Para o desempenho da profissão foi entregue à autora um telemóvel com um plafond mensal para utilização profissional, tolerando a ré a sua utilização pessoal dentro de determinados limites [resposta ao art.º 4º da p.i].

5. E uma viatura automóvel para utilização profissional, tolerando a ré a sua utilização em período pós-laboral, fim-de-semana e férias, dentro de determinados limites [resposta ao art.º 5º da p.i].

6. Foi ainda atribuído à autora um prémio sobre os objectivos de vendas efectuados [resposta ao art.º 7º da p.i].

7. Auferindo a mesma, pelo menos nos anos de 2005 e de 2006, o vencimento mensal líquido de Euros 1.247,00 [resposta ao art.º 8º da petição inicial].

8. Acrescido de subsídio de Natal e de subsídio de almoço de Euros 5,75 por cada dia útil de trabalho [respostas aos art.º 9º e 10º da petição inicial].

9. A autora entrou de baixa em 20 de Março de 2006 em razão de gravidez de alto risco [resposta ao art.º 18º da petição inicial].

10. O filho menor nasceu em 7 de Abril de 2006 [resposta ao art.º 19º da petição inicial].

11. A autora entrou de licença de maternidade a partir dessa data, tendo essa licença terminado em 4 de Agosto de 2006 [resposta ao art.º 20º da petição inicial e art.º 21º assente por acordo].

12. A mesma retomou as funções em 7 de Agosto de 2006 até 11 de Agosto de 2006 e após o gozo de férias entrou em funções em 11 de Setembro de 2006 [artºs 22º e 23º da p.i assentes por acordo].

13. A ré instaurou à autora o procedimento disciplinar que faz fls. 199 a 450 dos presentes autos, vindo a deduzir a nota de culpa que faz fls. 397 a 406, que aqui se dá por integralmente reproduzida [resposta aos art.º 25º, 26º, 27º e 28º da contestação].

14. Com a dedução da nota de culpa, datada de 18 de Outubro de 2006, a autora foi suspensa do exercício de funções até à data do despedimento [artºs 24º da p.i assente por acordo].

15. No âmbito do referido procedimento disciplinar a autora viria a apresentar a resposta de fls. 410 a 413 dos autos, que aqui se dá por integralmente reproduzida [resposta aos artºs 29º e 30º da p.i].

16. No âmbito do referido procedimento disciplinar veio a ser elaborado o relatório final de fls. 430 a 445, bem como a decisão final de fls. 449 e 450, que aqui se dão por integralmente reproduzidos [resposta aos artºs 31º a 33º da p.i].

17. Em virtude do supra exposto a autora ficou deprimida, com angústias, ansiedade e insónias, tendo que recorrer ao serviço de psiquiatria [resposta ao art.º 36º da contestação].


III

1 - As instâncias convergiram no sentido da decisão relativamente ao direito da Autora às retribuições intercalares.

Assim na 1.ª instância decidiu-se sobre essa específica questão o seguinte:

«O disposto no nº 1 do art.º 437º do Código do Trabalho confere à autora direito aos salários intercalares, vencidos e vincendos, desde a data em que o despedimento se tornou eficaz – 23 de Agosto de 2007 – até ao trânsito em julgado da sentença.

Tendo a acção sido intentada em 15 de Novembro de 2007, a autora teria direito aos salários vencidos desde 15 de Outubro de 2007 até ao trânsito em julgado da sentença, de acordo com a previsão do nº 4 da mesma norma.

Verifica-se, contudo, que a autora peticiona apenas um salário e o valor do subsídio de alimentação durante 44 dias, pedido cujos limites devem ser respeitados, uma vez que os créditos laborais são agora disponíveis.

Como assim, irá a ré condenada, a esse título, no pagamento à autora da quantia líquida de Euros 1.500 [Euros 1.247 + (Euros 5,75 x 44)].»

Por sua vez, o acórdão recorrido confirmou a decisão da 1.ª instância, com os seguintes fundamentos:

«Resume-se a questão, deste modo, a saber se a A. formulou o pedido do pagamento de salários intercalares até ao trânsito da sentença.

Considerando que a al. b) do pedido se limita a pedir o pagamento do “vencimento até 30 dias antes da entrada deste requerimento em juízo - € 1.846,00”, é evidente que não o fez.

O facto de referir no art.º 43 da narração, al. b) que “reclama da R. …o …pagamento dos salários vencidos e vincendos” é irrelevante: em sede de pedido a A. não os demandou. E não cabe ao Tribunal a tarefa de verificar se a parte manifestou em sede imprópria o desejo de deduzir outras pretensões (o que, no atual mundo forense, em que se topa de ordinário com peças processuais com largas centenas de artigos, seria o mesmo que isentar as partes de qualquer dever de cooperação – ao arrepio do disposto no art.º 266/1, Código de Processo Civil – e de responsabilidade na condução do processo).

Mas o caso até se torna mais simples e menos dado a dúvidas se tivermos em atenção que em 8.4.2008 a A. apresentou um articulado dito de aclaramento e aditamento ao requerimento inicial no qual, depois de afirmar que no n.º 43 e nas al. da pi enumerou o pedido, e que as verbas não foram bem discriminadas, conclui que “o resumo do pedido passa a ter a seguinte redação final:

a) na sua reintegração, com todos os direitos inerentes; e no pagamento;

b) do salário até 30 dias antes da entrada da petição inicial, no valor de Euros 1.846,00;

c) e ss. (…)”

Com efeito, não resulta do pedido retificado quaisquer salários intercalares.

Acresce que a A. optou pela indemnização de antiguidade em lugar da reintegração.

Não é, assim, a sentença que se apoia numa ideia de remissão abdicativa (que não tem de existir: se a trabalhadora pode, como efetivamente pode, deixar de impugnar judicialmente o despedimento, também pode só reclamar créditos laborais por trabalho prestado, ou só indemnização de antiguidade ou só salários intercalares); a recorrente é que intenta deixar no ar a ideia de que os salários de tramitação poderiam ser irrenunciáveis.

Mas não são: as especiais garantias do salário existem “na pendência do contrato de trabalho” (art.º 270/1 CT2003; também com interesse cfr. art.º 267/3), o que bem se compreende: com receio de perder o posto de trabalho ou na mira de se efetivar, o trabalhador poderia ser levado a abrir mão daquilo que lhe pertence; mas, finda a relação, e a inerente subordinação jurídica, nenhum motivo há já para se deixar levar por ameaças ou promessas do ex empregador. Logo não há motivo para subsistirem tais garantias especiais, podendo o trabalhador nomeadamente transigir quanto aos seus créditos. É o que acontece aqui, discutindo-se exatamente o despedimento da A.

E não se queira argumentar com a norma adjetiva do art.º 74 do Código de Processo do Trabalho, que se reporta precisamente às situações materiais de indisponibilidade de direitos (por todos pense-se nos direitos das vitimas de acidentes de trabalho). Sobre o exposto, por todos, cfr. o acórdão desta Relação de Lisboa de 16-01-2008, Processo: 7884/2007-4: “A condenação extra vel ultra petitum é uma decorrência natural do princípio da irrenunciabilidade, da inalienabilidade e da impenhorabilidade de determinados direitos do trabalhador. Cessada a relação de trabalho, mesmo que se trate de uma cessação de facto, o trabalhador adquire plena autonomia, podendo sem qualquer pressão, dispor livremente dos seus direitos de natureza pecuniária”.

Pelo que improcede o recurso da A.»

2 - Conforme referem ANTUNES VARELA e Outros, «a petição inicial é precisamente o acto processual pelo qual o titular do direito violado ou ameaçado, nas acções de condenação, requer do tribunal o meio de tutela jurisdicional destinado à reparação da violação ou ao afastamento da ameaça. E a sua importância basilar resulta precisamente de não haver acção sem petição, ou seja, de não haver compensação oficiosa da tutela jurisdicional»[1].

De acordo com o disposto no artigo 552.º, n.º 1, alínea e) do Código de Processo Civil «na petição com que propõe a acção, deve o autor: e) formular o pedido».

O pedido concretiza o meio de tutela jurisdicional pretendido pelo Autor, materializando a forma de realizar o direito cujo reconhecimento se pretende.

A formulação do pedido reveste deste modo a maior importância, porque, por força do disposto no artigo 609.º, n.º 1 do Código de Processo Civil, «a sentença não pode condenar em quantidade superior ou em objecto diverso do que se pedir», dando expressão ao brocardo latino ne eat iudex ultra vel extra petita partium.

 No Código de Processo do Trabalho este princípio sofre restrições, que derivam da natureza dos interesses subjacentes a alguns litígios laborais.

Refere, com efeito, o artigo 74.º do C.P.T que «o juiz deve condenar em quantidade superior ao pedido ou em objecto diverso dele quando isso resulte da aplicação à matéria de provada, ou aos factos de que possa servir-se, nos termos do artigo 514.º do Código de Processo Civil, de preceitos inderrogáveis de leis ou instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho».

Segundo ABÍLIO NETO, «o art. 74.º (…) constitui precisamente um caso em que a lei impõe ao julgador um dever oficioso de aplicar a lei aos factos de que possa servir-se, em homenagem ao interesse e ordem pública que constituem pressuposto das normas imperativas e indisponíveis de natureza laboral, interesse este que é mais vasto do que o interesse individual dos titulares dos inerentes direitos na sua satisfação efectiva e que justifica a impossibilidade de afastamento de aplicação destas normas por livre determinação da vontade das partes».

Prossegue este autor referindo que «têm a doutrina e a jurisprudência feito uma distinção básica entre os direitos de existência necessária, mas que não são de exercício necessário, como é o caso do direito ao salário após a cessação do contrato, e os direitos cuja existência e exercício são necessários, aí situando justamente o caso dos direitos a reparação por acidente de trabalho (…) e, também, do direito ao salário na vigência do contrato. É pacífico que a condenação “extra vel ultra petitum” só se justifica neste segundo tipo de direitos, que têm subjacentes interesses de ordem pública, cabendo ao juiz o suprimento dos direitos de exercício necessário imperfeitamente exercidos pelo seu titular (ou seu representante)»[2].

3 – Analisada a petição inicial apresentada pela Autora tem de se concluir pelo acerto da decisão recorrida quando considerou que a mesma não integra um pedido relativamente à condenação da Ré no pagamento das retribuições intercalares, desde a data da entrada da petição inicial até ao trânsito em julgado da decisão.

Resulta do n.º 1 do artigo 437.º do Código de Trabalho de 2003, sob a epígrafe «compensação», que «sem prejuízo da indemnização a que se refere a alínea a) do n.º 1 do artigo anterior, o trabalhador tem direito a receber as retribuições intercalares que deixou de auferir desde a data do despedimento até ao trânsito em julgado da decisão do tribunal».

À luz deste dispositivo, como princípio geral, as retribuições intercalares são devidas desde a data do despedimento «até ao trânsito em julgado da decisão final do tribunal».

É esta a dimensão do direito às retribuições intercalares em caso de despedimento ilícito, direito este que, como todo e qualquer direito, está sujeito às regras do dispositivo, pelo que terá de ser expressamente pedido pelo Autor na petição inicial da acção em que impugne o despedimento ilícito e que constitui a causa de pedir daquele direito.

Trata-se de um direito que não é de reconhecimento oficioso, impondo-se, pois, que o reconhecimento do mesmo seja expressamente pedido ao tribunal.

O n.º 4 daquele artigo 437.º do Código do Trabalho impõe, por outro lado, a dedução à importância calculada nos termos do n.º 1, do «montante das retribuições respeitantes ao período decorrido desde a data do despedimento até 30 dias antes da propositura da acção», quando esta não for proposta «nos trinta dias subsequentes ao despedimento».

Decorre deste dispositivo que o direito às retribuições intercalares calculadas nos termos definidos no n.º 1 deste artigo sofre a redução prevista nesta norma quando a acção não seja instaurada nos 30 dias subsequentes ao despedimento.

Essa restrição materializa-se na perda das retribuições relativas ao período que medeia entre a data do despedimento e o 30.º dia anterior à propositura da acção.

Ou seja, quando a acção seja proposta para além dos trinta dias posteriores ao despedimento, o direito às retribuições intercalares é balizado pelo 30.º dia anterior à propositura da acção e o trânsito em jugado da decisão que venha a ser proferida.

Assim não entendeu a recorrente que, como expressamente assume no requerimento de aclaração do acórdão apresentado no tribunal da Relação, afirma que «daí que, no âmbito das normas jurídicas em referência, a apelante só podia reclamar os seus direitos de salários e outros até 30 dias antes da propositura da acção e expressar os valores vencidos até a data da entrada em juízo e não podendo quantificar outros valores que se vencem mês a mês os designados pedidos vincendos».

Entendimento que veio a retomar na resposta que apresentou ao parecer proferido pelo Ministério Público nos termos do n.º 3 do artigo 87.º do Código de Processo do Trabalho, em que referiu o seguinte: «decorre assim, que os direitos inerentes, materializados na vigência da relação jus-laboral, produzem efeitos até à data da audiência e neste âmbito, é lícito a condenação “extra vel ultra petitum”, em consonância com a norma contidas no art. 74.º do CPT, tendo-se em consideração a materialidade assente, fazendo relegar-se para execução de sentença, dado não poder liquidar-se, por falta de elementos suficientes, em conformidade com o disposto no artigo 666.º, n.º 1 do CPC (redacção anterior) sem ofensa da alínea e) l) do artigo 668º do CPC (anterior redacção)».

É em conformidade com este entendimento que a Autora no «aclaramento, correcção e acrescer ao resumo do pedido formulado na petição omisso», apresentado após a audiência de partes, se limita a pedir na alínea b) do novo pedido a condenação da Ré a «pagar-lhe o vencimento até 30 dias antes da entrada do requerimento em juízo – 1.846,00 €».

Embora no artigo 43.º da petição inicial se tenha referido na alínea b) ao pagamento dos salários vencidos e vincendos», o esclarecimento que apresenta coincide com a versão que apresentara na parte final da petição inicialmente apresentada onde referia «b) pagar-lhe o vencimento até 30 dias antes da entrada deste requerimento em juízo – 1.846,00 €».

Face a esta formulação do pedido, na decisão proferida na 1.ª instância referiu-se que «tendo a acção sido intentada em 15 de Novembro de 2007, a autora teria direito aos salários vencidos desde 15 de Outubro de 2007 até ao trânsito em julgado da sentença, de acordo com a previsão do nº 4 da mesma norma» e «verifica-se, contudo, que a autora peticiona apenas um salário e o valor do subsídio de alimentação durante 44 dias, pedido cujos limites devem ser respeitados, uma vez que os créditos laborais são agora disponíveis».

Do mesmo modo, na decisão recorrida referiu-se que «mas o caso até se torna mais simples e menos dado a dúvidas se tivermos em atenção que em 8.4.2008 a A. apresentou um articulado dito de aclaramento e aditamento ao requerimento inicial no qual, depois de afirmar que no n.º 43 e nas al. da pi enumerou o pedido, e que as verbas não foram bem descriminadas, conclui que “o resumo do pedido passa a ter a seguinte redação final:

a) na sua reintegração, com todos os direitos inerentes; e no pagamento;

b) do salário até 30 dias antes da entrada da petição inicial, no valor de Euros 1.846,00;

c) e ss. (…)”

Com efeito, não resulta do pedido retificado quaisquer salários intercalares.»

A Autora limitou, pois, o pedido relativo às retribuições intercalares aos 30 dias anteriores à propositura da acção, não tendo integrado no pedido que formulou o período de tempo que decorreria entre a propositura da acção e o trânsito em julgado da decisão.

Atenta a natureza disponível do direito em causa carece de qualquer sentido o apelo ao artigo 74.º do Código de Processo do Trabalho, conforme acima se referiu, para fundamentar o reconhecimento oficioso do direito não pedido.

Nada há, pois, a alterar na decisão recorrida.


IV

Pelo exposto, decide-se negar a revista e confirmar o acórdão recorrido.

As custas da revista ficam a cargo da recorrente, sem prejuízo do apoio judiciário que lhe foi concedido.

Anexa-se sumário do acórdão.

Lisboa, 18 de Junho de 2014

António Leones Dantas (Relator)

Melo Lima

Mário Belo Morgado

_________________
[1] Manual de Processo Civil, 2.ª edição, 1985 Coimbra Editora, p. 244.
[2] Código de Processo do Trabalho Anotado, 5.ª edição, Ediforum, 2011, p. 193.