Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JSTJ000 | ||
Relator: | FERREIRA NETO | ||
Descritores: | JUSTA CAUSA DE DESPEDIMENTO | ||
Nº do Documento: | SJ200312030029444 | ||
Data do Acordão: | 12/03/2003 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | T REL COIMBRA | ||
Processo no Tribunal Recurso: | 4173/02 | ||
Data: | 04/24/2003 | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
Meio Processual: | REVISTA. | ||
Decisão: | NEGADA A REVISTA. | ||
Sumário : | É de entender que existe justa causa de despedimento a prática de actos de assédio - não provocados nem consentidos - sobre companheira de trabalho, traduzidos em propostas de relações sexuais, actos esses acompanhados de coacção física tendentes à respectiva consumação. | ||
Decisão Texto Integral: | Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: "AA" intentou contra Empresa-A, a presente acção emergente de contrato individual de trabalho, em que pediu a condenação da Ré a pagar-lhe a indemnização de 25.661,28 euros. Alegou BB, e em síntese que trabalhou para a Ré até 13.11.01 data em que foi despedido sem precedência de processo disciplinar. Após audiência das partes, a Ré veio contestar a acção, dizendo em resumo, que instaurou um processo disciplinar ao A. por factos ocorridos em Novembro de 2001, no qual foi decidido aplicar-lhe a sanção de despedimento com justa causa; e que as cartas que lhe enviou, com a nota de culpa inclusa foram devolvidas, apesar de terem sido remetidas para a residência do A.. Concluiu pelo pedido de condenação da A. como litigante de má fé e pela improcedência da acção. Após julgamento, foi proferida sentença em que se decidiu julgar a acção improcedente, com a consequente absolvição da Ré, em relação à totalidade do pedido, julgando-se também improcedente o pedido de condenação da A., como litigante de má fé. Inconformado o A. interpôs recurso de apelação para o Tribunal da Relação de Coimbra, que foi julgado improcedente. Irresignado ainda o A. interpôs o presente recurso de revista, formulando as seguintes conclusões nas respectivas alegações: "1) A decisão ora em crise fez incorrecta aplicação do direito aos factos provados. Com efeito; 2) Verifica-se a nulidade insanável do processo disciplinar, donde, é ilícito o despedimento na medida em que; 3) O A. foi suspenso antes de iniciado o processo disciplinar. 4) As circunstâncias que rodearam a suspensão do processo disciplinar são bem demonstrativas de que o Autor foi despedido e não suspenso. 5) A suspensão, se o fosse, ou tivesse sido, não justificava que a Ré o fosse esperar à estrada, antes demandava que o A., ora recorrente tivesse sido notificado da suspensão por escrito, e que da mesma constassem as razões que a justificavam, uma vez que o processo disciplinar ainda não tinha sido instaurado. 6) Acresce que, o comportamento do Autor em face processo disciplinar instaurado pela Ré, e também demonstrativo de que o A. tinha sido despedido e não suspenso. 7) Se tivesse sido suspenso, previa o jogo no escuro, como refere a sentença recorrida. 8) A suspensão do trabalhador, ora autor, só podia ser decretada previamente no início do processo disciplinar, se razões objectivas o justificassem, facto que a Ré não alegou nem demonstrou. 9) Por outro lado, ainda que se considere que o processo disciplinar é regular, o que não se concede e apenas se admite por cautela de patrocínio, sempre o despedimento do Autor seria ilícito por inexistência de justa causa, dado que, 10) Falha ou não, está presente a existência de nexo de causalidade entre o comportamento e a impossibilidade de subsistência da relação laboral. 11) Existe desproporcionalidade entre a sanção aplicada ao Autor e a gravidade da sanção, tanto mais que, 12) Atenta a antiguidade do autor, e seu comportamento anterior, se justificava outra sanção. 13) Nesta conformidade, a sentença recorrida violou o disposto nos artigos 9º nº1, 10º e 11º nº1,12º al.a) do DL 64-A/89 de 27/02, e 27º nºs 1 e 2, e 31º, nº2 do RJCIT. Vejamos em que deu o presente recurso obter provimento, fazendo-se justiça. A Ré em contra-alegações, defende o improvimento do recurso. Vem dada como provada a seguinte matéria de facto: 1º - A ré admitiu o autor ao seu serviço, no dia 3.4.1978, para trabalhar sob as suas ordens, direcção e fiscalização, como vendedor e mediante retribuição. 2º - O autor desempenhou as funções de vendedor na filial da ré, em Coimbra. 3º - Ultimamente, o autor auferiu a remuneração base de € 570,94 acrescida do subsídio de isenção de horário de trabalho no valor mensal de € 114,19 e duma parte variável mensal (prémio de vendas), que no mês de Novembro de 2001 foi de € 50,03. 4º - O autor auferia ainda o subsídio de refeição no valor mensal de € 94,27. 5º - No dia 5 de Novembro de 2001, segunda-feira, a CC iniciou as funções de entrevistadora ao serviço da ré. 6º - Para exercer as suas funções de entrevistadora aos clientes da ré, a CC acompanhou o autor na rota dos clientes que lhe incumbia visitar, na semana de 5 a 9 de Novembro de 2001. 7º - Nos dias 7 ou 8, quarta ou quinta-feira, o autor dentro da viatura que conduzia, passou as mãos pelas pernas da CC, que rejeitou tal gesto. 8º - No dia 9 de Novembro de 2001, sexta-feira, depois do almoço, o autor e a CC retomaram a visita aos clientes da ré. 9º - A certa altura, o autor parou o Renault Clio, comercial de 2 lugares, que conduzia, junto a uma fonte. 10º - Saídos da viatura, o autor tentou agarrar a CC e beijá-la, pedindo-lhe para ter relações sexuais com ele. 11º - Perante a recusa da CC, o autor pediu-lhe, então, para lhe fazer uma punheta, puxando-lhe uma das mãos para o meio das suas pernas. 12º - A CC largou da mão do autor e dirigiu-se para a viatura. 13º - Terminada a rota desse dia, a CC informou o DD, chefe de vendas da ré, em Coimbra, do sucedido e pediu-lhe para não mais fazer a rota de clientes com o autor. 14º - O DD, após ter informado o autor do relato da CC, comunicou o sucedido ao seu superior hierárquico. 15º - No dia 13 de Novembro de 2001, no período da manhã, o DD telefonou ao autor, que se encontrava na rota dos clientes, e informou-o que tinha instruções superiores para o suspender do serviço, tendo ambos combinado um local para se encontrarem. 16º - O DD ficou com a viatura e o telemóvel distribuídos ao autor e transportou-o a casa. 17º - Decorridos 2 ou 3 dias, o autor foi convocado para a ir à sede da ré, em Coimbra, onde conversou com os seus superiores hierárquicos sobre a participação da CC. 18º - Volvidos mais 2 ou 3 dias, o autor foi convocado à sede da filial da ré, em Coimbra, onde compareceu acompanhado do seu mandatário forense. 19º - No dia 19 de Novembro de 2001, foram ouvidos em "Auto de Declarações", CC, DD, EE e FF, os três últimos empregados da ré. 20º - Datada de 28 de Novembro de 2001, a ré remeteu a "Nota de Culpa" para a morada do autor que consta do intróito da petição inicial, sob registo postal com aviso de recepção. 21º - A carta, contendo a "Nota de Culpa", não foi recebida na residência do autor, nem reclamada na estação dos correios, tendo sido devolvida à ré, em 21.12.2001. 22º - No dia 4 de Janeiro de 2002, a ré remeteu ao autor, sob registo postal com aviso de recepção, a decisão final proferida no processo disciplinar. 23º - A carta, contendo a decisão final do processo disciplinar, não foi recebida na residência do autor, nem reclamada na estação dos correios, tendo sido devolvida à ré, em 22.01.2002. 24º - A ré decidiu aplicar ao autor a sanção de despedimento com justa causa. 25º - A ré pagou ao autor a retribuição do mês de Novembro de 2001, bem como o subsídio de Natal referente a esse ano. 26º - Os vendedores da ré, quando não estão ao serviço efectivo (nas férias, por exemplo), deixam na sede da empresa, a viatura e o telemóvel que lhes estão distribuídos. 28º - No mês de Novembro de 2001, o autor tem acompanhado a mulher a consultas médicas regulares e ele próprio se tem deslocado também para consultas médicas. Conclusões: A primeira questão colocada tem a ver com o significado do acto praticado pela Ré Empresa-A em 13.12.01:- suspensão do trabalhador em vista do procedimento disciplinar ou despedimento? Ora, a este propósito, e no que mais importa, vem provado o seguinte:- " No dia 13 de Novembro de 2001, no período da manhã, o DD telefonou ao A., que se encontrava na rota dos clientes, e informou-o que tinha instruções superiores para o suspender do serviço, tendo ambos considerado um local para se encontrarem" (ponto 15 da matéria de facto); " O DD ficou com a viatura e com o telemóvel distribuídos ao A. e transportou-o a sua casa" (ponto 16); "Decorridos 2 ou 3 dias, o A. foi convocado para ir à sede da Ré em Coimbra, onde conversou com os seus superiores hierárquicos, sobre a participação da CC" (ponto 17); " No dia 19 de Novembro de 2001, foram ouvidos em "Auto de Declarações "CC, DD, EE e FF, sendo os três últimos empregados da Ré" (ponto 19); " Datada de 28 de Novembro de 2001, a Ré remeteu a "Nota de Culpa" para a morada do A. que consta do intróito da p.i, sob registo postal e com aviso de recepção" (ponto 20); " No dia 4 de Janeiro de 2002 a Ré remeteu ao A. sob registo postal com aviso de recepção, a decisão final proferida no processo disciplinar" (ponto 22); " A Ré decidiu aplicar ao A. a sanção disciplinar de despedimento com justa causa" (ponto 24); " Os vendedores da Ré, quando não estão ao serviço efectivo (nas férias, por exemplo) deixam na sede da empresa a viatura e o telemóvel que lhes estão distribuídos" (ponto 26). Neste contexto, decorre com suficiência quer da declaração do chefe de vendas, quer da subsequente atitude da entidade patronal, ao intentar apurar a verdade dos factos, que o que ocorreu, efectivamente foi uma suspensão do trabalhador (v. art. 236º, nº1, do C.Civil). Se esta foi ou não realizada em termos regulares, é questão que não importa aqui pois que, como bem se diz no acórdão recorrido, não inquina o acto de despedimento que, sem dúvida foi ulteriormente decretado pelo empregador. Atentemos, então na segunda questão:- Existe ou não justa causa de despedimento? E a resposta, desde já se adianta, é positiva, em consonância, aliás, com as instâncias. Mas vejamos, começando por reproduzir os factos para o efeito mais relevantes, por forma a propiciar um melhor entendimento da situação. Se assim temos que: " No dia 5 de Novembro de 2001, segunda-feira, a CC iniciou as funções de entrevistadora ao serviço da Ré" (Ponto 5 da matéria de facto); " Por exercer as suas funções de entrevistadora aos clientes da Ré, a CC acompanhou o A. na rota dos clientes que lhe incumbia visitar, na semana de 5 a 9 de Novembro de 2001" (ponto 6); " Nos dias 7 ou 8, quarta ou quinta-feira, o A. dentro da viatura que conduzia passou as mãos pelas pernas da CC, que rejeitou tal gesto" (ponto 7); " No dia 9 de Novembro de 2001, sexta-feira, depois do almoço, o A. e a CC, retomaram a visita dos clientes da Ré" (ponto 8); " A certa altura, o A. parou o Renaut Clio Comercial de 2 lugares, que conduzia, junto a uma fonte" (ponto 9); " Saídos da viatura, o A. tentou agarrar a CC e beijá-la, pedindo-lhe para ter relações sexuais com ele". (ponto 10); " Perante a recusa da CC, o A. pediu-lhe então para lhe fazer uma punheta, puxando-lhe uma das mãos, para o meio das pernas". (ponto 11); " A CC largou da mão do A. e dirigiu-se para a viatura". (ponto 12); " Terminada a rota desse dia, a CC, informou o DD, chefe de vendas da Ré, em Coimbra, do sucedido e pediu-lhe para não mais fazer a rota dos clientes com o A." (ponto 13). Decorre daqui que o A. empregado da Ré, em momentos em que se encontrava a sós com a colega CC, deslocando-se em serviço, intentou e insistiu, por palavras e gestos, em ter com ela relações sexuais e outros actos lúbricos. É claro que o A. invadiu por tal forma uma zona reservada, intima, daquela, procurando, contra a sua vontade, praticar actos que, em circunstâncias assim, são socialmente condenáveis e podem mesmo conduzir a responsabilidade penal (v. art. 163º do Cód. Penal. E foi por isso que a CC, na sua atitude que bem se entende, pediu para não mais fazer a rota de clientes com o A. É notória, pois, a gravidade dos factos - com o que o Recorrente até concorda - e a instabilidade que tal tipo de atitude é susceptível de guerar na empresa, por forma a que não seja de exigir a manutenção da relação laboral, apesar de não virem referidos quaisquer antecedentes disciplinares do A.. É caso para dizer, de acordo com o art. 9º, nº1, da LCCT, que o comportamento do trabalhador, assaz grave torne imediata e praticamente impossível, a subsistência da relação de trabalho, sendo que a conduta em causa encontre, a mesma previsão na alínea i) do nº2 do citado preceito. E essa impossibilidade decorre da profunda quebra de confiança entre empregador e empregado, susceptível de criar no espírito do primeiro fundadas dúvidas sobre a idoneidade futura da conduta do último, deixando assim de existir o suporte psicológico mínimo para o normal desenvolvimento da relação laboral. Improcedem assim, as conclusões das alegações do Recorrente. E por tal sorte acorda-se em negar a revista confirmando o acórdão impugnado. Custas pelo Recorrente, sem prejuízo do apoio judiciário concedido. Lisboa, 3 de Dezembro de 2003 Ferreira Neto, Fernandes Cadilha, Manuel Pereira. |