Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
085965
Nº Convencional: JSTJ00025301
Relator: MACHADO SOARES
Descritores: COMPRA E VENDA
BEM IMÓVEL
SIMULAÇÃO
NULIDADE DO CONTRATO
DIREITO DE PREFERÊNCIA
INEPTIDÃO DA PETIÇÃO INICIAL
Nº do Documento: SJ199410180859651
Data do Acordão: 10/18/1994
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO.
Decisão: NEGADO PROVIMENTO.
Área Temática: DIR PROC CIV.
Legislação Nacional: CPC67 ARTIGO 193 N2 C.
Jurisprudência Nacional: ACÓRDÃO RP DE 1931/06/25 IN RT ANO49 PAG266.
ACÓRDÃO STJ DE 1939/05/16 IN COL OF ANO38 PAG211.
ACÓRDÃO RC DE 1938/04/27 IN RLJ ANO82 PAG632.
Sumário : I - O exercício do direito de preferência, após efectuada a terceiro a alienação da coisa, pressupõe sempre a validade deste acto.
II - É inepta a petição inicial em que simultaneamente se pede a nulidade da alienação por simulação e o exercício do direito de preferência na mesma alienação, por os pedidos serem substancialmente incompatíveis, nos termos do artigo 193 n. 2 alínea c) do Código de Processo Civil de 1967.
III - Tal ineptidão, porém, não existe se o autor se limita a pedir a nulidade da alienação e o simples reconhecimento do direito de preferência na compra da coisa com base em notificação para preferência feita pelo alienante antes da venda, nos termos do artigo 1461 do Código de Processo Civil de 1967.
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:
A, veio propor a presente acção, com processo ordinário contra:
1. B;
2. C;
3. D; e
4. E; alegando em síntese:
Que é arrendatária da parte de um prédio sito, na Praia de Santa Ana, arrendamento que se iniciou com um trespasse cujo selo é datado de 16 de Julho de 1970.
Que a partir de 1971, tomou de arrendamento, no mesmo prédio, o lado sul do primeiro andar.
Que o prédio pertencia a F, o qual, faleceu em 1 de Março de 1988, tendo-lhe sucedido a primeira Ré, casada com o segundo Réu.
Que o falecido F vendeu o prédio à terceira Ré, em 3 de Abril de 1987.
Que tal negócio é nulo por simulado a "fraudem legis"
Que a simulação foi de valor, tendo sido declarado o valor de 13500000 escudos, quando, na verdade, o valor entregue foi de 7000000 escudos.
Que além disso foi simulada a pessoa do comprador, tendo a terceira Ré intervindo em lugar do verdadeiro adquirente, o quarto Réu.
Que o falecido F, pretendendo vender o prédio, notificou a Autora e a terceira Ré, como arrendatárias de parte do prédio nos termos do artigo 461, do Código de Processo Civil, para declararem se pretendiam usar do direito de perferência, pelo preço de 9500000 escudos.
Que a Autora impugnou os termos em que o requerimento foi formulado.
Que após o despacho que rectificou o valor da causa, o processo nunca mais teve andamento, mas está pendente, embora tenha sido requerida a suspensão da instância, por virtude do óbito do F.
Que em 10 de Março de 1987 estando pendente o requerimento, feito nos termos do artigo 146, do Código de Processo Civil (em 31 de Maio de 1985) - recebeu enviada pelo F uma carta, datada de 10 de Março de 1987, em que ele informava que pretendia vender o prédio ao quarto Réu por 13500000 escudos.
Que a Autora comunicou, então ao F, que preferia na venda referida.
Que recebeu então do F uma carta em que este comunicava que venderia o prédio à terceira Ré, por ela também ser arrendatária do mesmo e pagar uma renda mais alta.
Em 3 de Abril de 1987, foi efectuada a escritura da venda à terceira Ré.
Venda que a Autora considera nula com base em simulação e fraude à lei.
Perante este facto a Autora pede:
A - Deve ser declarado nulo e de nenhum efeito por simulado o contrato de compra e venda celebrado em 3 de
Abril de 1987, entre F e D, tendo por objecto o prédio urbano sito em Lagos, inscrito na matriz predial da freguesia de Santa Maria, sob o artigo 1159, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lagos sobe o número 13406, a folha 12, do Livro B-35;
B - Deve em consequência ser ordenado o cancelamento da inscrição de aquisição do mesmo prédio a favor da dita D, o qual tem o número 24820 do Livro J-42, e bem assim de todas as demais inscrições e averbamentos daquela dependentes;
C - Deve, ainda, em consequência, ser declarado o direito de preferência da ora Autora na aquisição do prédio com base na notificação para preferência requerida em 31 de Maio de 1985 por F.
D - E deve a Autora ser admitida a exercer a preferência pelo preço de 9500000 escudos, indicado num processo de notificação salvo se a Autora provar que o preço efectivamente ajustado e pago for inferior.
Os Réus contestaram impugnando os factos alegados na petição.
No despacho saneador, considerou-se inepta a petição inicial nos termos do artigo 193, n. 2, alínea c), do
Código de Processo Civil o que determina a nulidade de todo o processo e absolvição dos Réus da instância, em conformidade com o disposto nos artigos 193, n. 1, 494, n. 1, alínea a), 493, n. 1 e 2 e 495, daquele mesmo diploma.
Na base desta decisão está o seguinte raciocínio:
A procedência do pedido de nulidade do contrato efectuado impossibilita a efectivação da pretensão de preferência. Efectivamente "não pode alguém pretender substituir-se a outrém numa relação que não existe".
Interposto recurso para a Relação decidiu esta inexistir a incompatibilidade assinalada no saneador determinante, segundo este do falado vício de ineptidão da petição inicial.
De harmonia com o acórdão recorrido, a Autora, conforme a redacção dos pedidos formulados não pretende exercer nesta acção o direito de preferência, substituindo-se à compradora no contrato enfocado, visando antes e apenas, que lhe seja declarado tal direito.
Neste contexto, já não ocorreria a aludida incompatibilidade de pedidos, estando assim afastada a verificação da ineptidão da petição inicial.
Inconformados os Réus agravaram para este Supremo
Tribunal tendo concluído as suas alegações do seguinte modo:
1- A intenção da agravada ao requerer que seja admitida a exercer o seu alegado direito de preferência foi a de se substituir à agravante Letícia na sua titularidade.
2- Tal pedido é incompatível com aquele de destruição para todos os efeitos do negócio alegadamente simulado.
3- Não é possível admitir a existência de um direito de preferência, para o que se exige um prévio negócio válido, existente e procedente.
4- O mesmo sucede quando, como é o caso dos autos, se pede igualmente o cancelamento do registo do prédio a favor da parte interveniente no negócio alegadamente simulado.
5- De outro lado, sendo tal negócio nulo, e de nenhum efeito, como pretende a ora agravada, o que só por mera hipótese se admite, então deter tal declaração impossibilite que se declare qualquer direito de preferência e muito menos o seu preço.
6- Quando, como sucede no caso dos autos, se pede a declaração de um alegado direito de preferência com base noutro processo e se destaca um dos seus pressupostos, existe insanável contradição entre ambos os pedidos.
7- Salvo melhor opinião em contrário, o douto Acórdão recorrido fez incorrecta interpretação das normas constantes dos artigos 298, do Código Civil e 193, n. 1 e 2, alínea c), 494 n. 1, alínea a), 493 n. 1 e 2, e
496, todos do Código de Processo Civil.
8- Pelo que deve ser revogado com fundamento em errada interpretação quer da lei substantiva, quer da lei adjectiva.
Na sua contra alegação, a Autora sustenta que deve ser confirmado o Acórdão recorrido.
Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir:
Tem-se entendido desde à muito, que o exercício do direito de preferência, após efectuada a terceiro a alienação da coisa, apresentou sempre a validade deste acto.
Daí, ter entendido a melhor doutrina e a jurisprudência mais significativa, que, ao pedir-se a nulidade da alienação e simultaneamente a sua validade, para efeitos de preferência, se estaria a abrir as portas ao vício da ineptidão, tipicisada no artigo 195, n. 2, alínea c), do Código de Processo Civil, e consistente na cumulação de pedidos substancialmente incompatíveis.
Ao apoiar a critica que Sá Carneiro dirigira, na Revista dos Tribunais (49, página 266 e seguintes), ao Acórdão da Relação do Porto de 25 de Junho de 1931, que considerou como não viciada de ineptidão a petição onde simultaneamente se pedia o reconhecimento do direito de preferência e a anulação da venda, Professor Alberto dos Reis (Comentário, segundo, página 388, em nota) expressou-se do seguinte modo: "Como demonstrou o ilustre Director da Revista dos Tribunais, em anotação ao Acórdão referido, a ineptidão era manifesta: O Autor cumulara dois pedidos incompatíveis. Para que possa exercer-se o direito de preferência, é condição indispensável que a venda subsista, pois a preferência traduz-se numa substituição de comprador; se a venda cair por anulação, é claro que a substituição não pode ter lugar". (ver, também: Pinto Loureiro, em torno da Natureza Jurídica do Direito de Preferência,
B.F.D.U.C., XX, 1944, página 120; Acórdão do Supremo
Tribunal de Justiça de 16 de Maio de 1939, ano 38, páginas 211 e 212;
Acórdão da Relação de Coimbra de 27 de Abril 1948 e anotação do Professor Alberto dos Reis, in R.L.J., 82, página 32; ainda: Simão Saraiva, O Direito de Preferência na Legislação Portuguesa, in ROA, 9, páginas 281 e seguintes).
A bondade desta solução parece-nos irrefragável em face das premissas de que parte: pedido de invalidade do negócio em simultâneo com o pedido de exercício do direito de preferência em termos do autor se substituir ao comprador no mesmo contrato.
Mas, este último pressuposto não ocorre, no caso sub judice, pois, em nenhuma parte, a Autora manifestou a pretensão de se substituir à Ré compradora, no contrato de compra e venda em referência.
Antes, o que ela pretende é tão só que se declare o seu direito de preferência "com base na notificação para preferência requerida em 31 de Maio de 1985", ou seja no âmbito deste requerimento.
Ora, a declaração solicitada em nada conflitua, aspecto substancial, com a pretensão da nulidade do contrato impugnado.
É claro que não cumpre apreciar, aqui, a viabilidade, oportunidade ou pertinência de tal pedido de declaração do direito de preferência, arguido ao requerimento feito, anteriormente, à propositura desta acção, para os fins do artigo 1461 do Código de Processo Civil e, não propositura ao contrato enfocado neste pleito, pois que isso exorbitaria claramente o âmbito deste recurso.
Mas, o que interessa aqui realçar é que o eventual prejuízo de tal pedido em nada briga, do ponto de vista substancial com a solução a dar à pretensão de invalidar o contrato enfocado.
Termos em que se nega provimento ao recurso, confirmando-se o Acórdão recorrido.
Custas pelos agravantes.
18 de Outubro de 1994.
Machado Soares.
Miguel Montenegro.
Fernando Fabião.