Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
02B3244
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: ABEL FREIRE
Nº do Documento: SJ200211140032442
Data do Acordão: 11/14/2002
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: T REL PORTO
Processo no Tribunal Recurso: 557/02
Data: 05/20/2002
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA.
Sumário :
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

O Exmo. Magistrado do Ministério Público na comarca de Vila Nova de Cerveira, em representação de A, nascida em 30 de Dezembro de 1996, intentou acção de investigação de paternidade contra B, residente em Vila Nova de Cerveira, pedindo se declare que a menor é filha do Réu, alegando, em resumo, que a mesma nasceu das relações de sexo havidas entre este e a mãe da menor, que não manteve tais relações com qualquer outro homem, designadamente, nos primeiros 120 dias dos 300 que precederam o nascimento da menor .
O réu ofereceu contestação, concluindo pela improcedência da acção.
No prosseguimento da acção foi proferida sentença e julgou-se a acção procedente e, em consequência, foi declarado que a menor A é filha do réu B.
Inconformado o réu apelou, mas a Relação manteve o decidido, vindo agora interpor recurso para este Tribunal, alegando:
Da resposta negativa ao quesito 3º ficou afastado o requisito da exclusividade das relações sexuais entre o recorrente e a mãe durante o período legal da concepção;
A prova da exclusividade ou não exclusividade do relacionamento sexual durante o período legal de concepção é um dos requisitos para a procedência ou improcedência da investigação.
Atenta a indisponibilidade do Recorrente em efectuar exame médico ao sangue, inverteu-se o ónus da prova;
Com a inversão do ónus da prova passou a competir ao recorrente provar a não exclusividade do relacionamento sexual;
Provando-se a não exclusividade do relacionamento sexual não poderia ter sido julgada provada e procedente a presente acção.
A decisão violou os art.s 344º n.º 2, 1798º, 1871º, al. e), todos do C. Civil e 519º e 653º, ambos do CPC.
Contra-alegou o Exmo. Magistrado do Ministério Público, sustentando que deve manter-se a decisão recorrida.
Perante as alegações do réu a questão posta reside em saber se está provada a causa de pedir na acção.
Factos.
A, nascida em 30 de Dezembro de 1996, na freguesia de S. João do Souto, concelho de Braga, foi registada no dia 7 de Janeiro de 1997, na Conservatória do Registo Civil de Póvoa de Lanhoso, como filha de C e sem menção de paternidade.
C, solteira, nascida em 29 de Novembro de 1976, é filha de .... e de ... .
B, solteiro, nascido em 28 de Agosto de 1969, é filho de ... e de ... .
O R. B e a mãe da menor, C, conheceram-se em Janeiro de 1996, num salão de jogos, em Vila Nova de Cerveira, onde esta última trabalhava e do qual o R. era cliente habitual.
A mãe da menor e o R. mantiveram relações sexuais do cópula completa no dia 8 de Março de 1996.
A menor nasceu dessas relações sexuais havidas entre sua mãe e o réu.
D trouxe a mãe da menor, colocando-a em Vila Nova de Cerveira, à frente do salão de jogos acima referido.
O R. andava sob a influência do álcool, tendo sido submetido a um tratamento para desintoxicação alcoólica.
C ausentou-se em Maio de 1996 de VN de Cerveira.
O direito.
Prova da causa de pedir.
Entende o réu que deve ser dado como improcedente a acção porque, tendo sido dada como não provada a matéria do quesito 3.º onde se perguntava se "entre 5 de Março de 1996 e 3-7-1996 a mãe do menor unicamente tinha mantido relações sexuais com o réu" foi respondido como não provado.
Este quesito tem em vista a prova por presunção. E, com base neste tipo de prova, o réu tinha razão para dizer que o autor não provou a presunção e que por esta via a acção improcedia.
Mas a falta da prova da paternidade por esta via não significa a inversão do ónus da prova.
É que não é esta a única via para obter a prova da paternidade (ver ac. STJ de 24-9-1996, BMJ 459-543). Pode também fazer-se a prova por via directa (art.1801 do C. Civil). E para a prova por esta via foram formulados os 1.º e 2.º donde resultou provado que o investigado e a mãe da menor mantiveram relações sexuais no dia 8-3-1996 e a menor nasceu dessas relações sexuais.
Como ensina A. Reis (Código Processo Civil anotado, vol. IV pág. 500) "ter alguém nascido de determinadas relações sexuais é manifestamente um facto; por isso se o tribunal colectivo disser que certo investigado nasceu das relações sexuais da mãe com o pretenso pai, não deve a resposta considerar-se não escrita por força da 2.ª alínea do art. 647º".
A procriação é causa de pedir nas acções de investigação, como é jurisprudência corrente (ver v. g. Ac. STJ de 18-4-1996, BMJ 456-334), sendo também jurisprudência corrente que deve interpretar-se restritivamente o assento 4/83 de 21-6-1983, como passou a ser entendimento corrente na doutrina (ver anotação ao acórdão de 18-4-1996 acima indicado) e jurisprudência (ver, v. g., o ac STJ de 18-6-1996, BMJ 458-323).
Provado que se encontra que a menor nasceu das relações sexuais do investigado com a mãe do menor, está provada a causa de pedir da procriação e, como tal, improcedem as conclusões do réu.
Confirma-se a decisão recorrida.
Nega-se revista.
Custas pelo recorrente.

Lisboa, 13 de Novembro de 2002
Abel Freire
Ferreira Girão
Luis Fonseca