Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
96P754
Nº Convencional: JSTJ00031014
Relator: LOPES ROCHA
Descritores: INTERPOSIÇÃO DE RECURSO
PRAZO
MINISTÉRIO PÚBLICO
MULTA
PRINCÍPIO DA IGUALDADE
IGUALDADE
Nº do Documento: SJ199612110007543
Data do Acordão: 12/11/1996
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL.
Decisão: PROVIDO.
Indicações Eventuais: SALVADOR DA COSTA IN CCJ61 7ED 1989 PAG20 PAG250.
Área Temática: DIR PROC PENAL - RECURSOS. DIR PROC CIV.
Legislação Nacional:
Jurisprudência Nacional:
Sumário : I - O Ministério Público, enquanto tal, está isento do pagamento da multa prevista nos ns. 5 e 6 do artigo 145 do Código de Processo Penal.
II - A desigualdade traduzida na isenção do Ministério Público e na exigência desse pagamento aos outros interessados é materialmente fundada: O Ministério Público é o representante do Estado, encarregado de, nos termos da lei, defender a igualdade democrática, exercer a acção penal e promover a realização do interesse social.
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:
1. A Excelentíssima Magistrada do Ministério Público junto do Tribunal da Relação de Lisboa interpos recurso de acórdão do mesmo Tribunal que decidiu que, para poder beneficiar da faculdade prevista no artigo 145, n. 5 do Código de Processo Civil (aplicável por força do disposto no artigo 107, n. 5 do Código de Processo
Penal, na redacção introduzida pelo Decreto-Lei 317/95, de 28 de Novembro) teria de efectuar o pagamento de multa prevista no mesmo preceito legal, do qual não está isento ou dispensado, sob pena de, a não se entender assim, isso se traduzia no alargamento unilateral dos prazos em favor do Ministério Público, com o consequente agravamento da diferenciação entre as diversas partes do processo. Em consequência deste entendimento foi ordenada a remessa dos autos à 1. instância a fim de se dar cumprimento ao disposto no n.
6 do artigo 145 do Código de Processo Civil.
Conclui o recurso nestes termos:
1.1. A multa prevista nos ns. 5 e 6 do artigo 145 do
Código de Processo Civil cujo pagamento permite validar o acto praticado nos três dias subsequentes ao termo do prazo reveste a natureza de uma sanção e o seu pagamento é da responsabilidade da parte e não do representante desta.
1.2. A intervenção do Ministério Público em Processo
Judicial não se faz a título pessoal mas sim como representante do Estado e de outras entidades a quem o
Estado confere protecção.
1.3. Não existindo qualquer disposição legal que imponha ao Magistrado do Ministério Público, funcionalmente considerado, a responsabilidade pelo pagamento de multas, muito menos se compreenderia que incorresse em tal pagamento enquanto órgão do Estado que é e actuando no exercício funcional de defesa dos interesses que a lei lhe comete.
1.4. A interpretação acolhida pelo Acórdão recorrido, além de desprovida de fundamento legal, implicaria o pagamento da multa pelo Estado, único credor desse pagamento.
1.5. A prática pelo Ministério Público de acto processual dentro dos três dias estes subsequentes ao terminus do prazo dentro do qual o acto devia ter sido praticado, sem pagamento de multa, não traduz qualquer violação dos princípios constitucionais da igualdade ou da identidade de crimes uma vez que a desigualdade de tratamento é materialmente justificada pela natureza da intervenção processual que aquele cumpre enquanto órgão do Estado.
1.6. Ao decidir diversamente, violou o acórdão recorrido o disposto no artigo 3 da Lei n. 47/86 de 15 de Outubro e os artigos 137, 145, ns. 5 e 6 do Código de Processo Civil, pelo que, dando-se provimento ao recurso deve ser revogado.
2 - É o seguinte o texto do acórdão impugnado "A decisão impugnada (folha 52) foi notificada ao
Ministério Público em 18 de Dezembro de 1995 (folha
53).
O requerimento de interposição do recurso foi pelo
Ministério Público apresentado em 17 de Janeiro de 1996
(folha 57), logo foi excedido o prazo do artigo 411, n.
1, do Código de Processo Penal que terminava no dia 12 de Janeiro de 1996.
Não está invocado justo impedimento.
Consequentemente, a prática do acto que ocorreu no 3. dia útil seguinte ao termo do prazo, teve certamente por base o disposto no n. 5 do artigo 107 do Código de
Processo Penal, introduzido pelo DL n. 317/95, de 28 de Novembro.
Simplesmente, e conforme sempre entendemos, a faculdade concedida pelo artigo 145, n. 5 do Código de Processo
Civil, está dependente do pagamento de uma multa, da qual o Ministério Público não está isento ou dispensado
- cf. artigo 3 n. 1 alínea c) do C.C.J..
Com efeito, quer o Estado quer o Ministério Público apenas estão isentos de custas (e aquele nem sempre, veja o n. 2 do citado artigo), existindo até meios próprios para a arrecadação de multas da responsabilidade do Estado, v.g. no caso das devidas pela circulação de veículos de sua propriedade. aliás, se se entendesse que o Ministério Público está isento do pagamento de multas, a conclusão só poderia ser então a de que o citado artigo 145, n. 5, não lhe era aplicável, como é evidente. Na verdade, a atribuição do benefício ao Ministério Público sem a contrapartida competente mais não faria do que agravar a diferenciação entre as partes, ao invés de consagrar a pretendida equiparação, por se traduzir no alargamento unilateral de todos os prazos por parte do
Ministério Público - sem motivo que o justifique, mesmo de lege ferenda.
Nestes termos, acordam em ordenar a descida dos autos ao tribunal a quo, a fim de se dar cumprimento ao disposto no n. 6 do artigo 145 do Código de Processo
Civil".
3 - Conforme se alcança da certidão de folha 2, o acórdão impugnado foi proferido sem custas de recurso crime registados sob o n. 175/3/96, em que é recorrente o MP e recorrido José Júlio Carvalho Varela.
Não resulta da mesma certidão que a questão ora em causa tenha sido suscitada na 1. instância.
Justifica-se, por conseguinte, a competência deste
Supremo Tribunal para decidir o recurso, face ao disposto nos artigos 399, 400, n. 1, alínea d) e 432, alínea a) do Código de Processo Penal, que visa exclusivamente matéria de direito, a decidir em conferência nos termos dos artigos 417, n. 3, alínea b) e 419, n. 4, alínea c) do mesmo Código.
Cumpre apreciar e decidir.
4 - Como sublinha o Ministério Público no recurso interposto, o decidido no acórdão impugnado contraria a jurisprudência deste Supremo Tribunal, e do Tribunal Constitucional.
Com efeito e para citarmos apenas o nosso acórdão de 9 de Outubro de 1996 (Processo 803/96 - 3. Secção), com abundantes referências à jurisprudência deste Supremo, da Relação de Lisboa e do próprio Tribunal Constitucional sobre a questão de saber se, inexistindo disposição legal expressa que isente o Ministério
Público de pagar as multas processuais previstas no artigo 145, ns. 5 e/ou 6, do Código de Processo Civil, sob pena de invalidade dos actos praticados e de reconsiderar definitivamente perdido o direito de os praticar, ponderou-se o seguinte.
"Salvador da Costa opina: A isenção de custas não abrange, obviamente, a multa. Mas no que concerne ao
Estado e ao Ministério Público, órgãos daqueles, deve entender-se estarem isentos de condenação em multa porque se confundem as posições do sujeito activo e passivo da relação (ou situação) jurídica. Tal condenação significaria a prática de acto, pelo menos inútil, que a lei proíbe (artigo 137 do Código de
Processo Civil (Código das Custas Judiciais, Anotado e
Comentado, 2. Edição, 1989, página 20, artigo 10).
E ainda: "As entidades que gozam de isenção subjectiva de custas também não são dispensadas do pagamento da multa salvo se, como é o caso do Estado e, consequentemente do Ministério Público, lhe couber arrecadar o respectivo produto" (Obra Citada página
250, artigo 7).
Prosseguindo, diz o acórdão:
"Por outro lado, resulta evidente que, em processo penal, as faltas processuais do Ministério Público nunca são cominadas com multa (cf. artigos 91, parágrafo 6 e 417, parágrafo 1, do Código de Processo
Penal de 1929 e 116, n. 3 e 330, n. 1, do Código de
Processo Penal de 1987 e que, em processo civil, inexiste, do mesmo modo, norma que preveja, expressamente, a aplicabilidade de multas processuais
àquela entidade. O próprio sistema assenta, pois, no pressuposto de que o Ministério Público está isento de multas processuais (certamente pelas razões aduzidas nos artigos e doutrina citados). Daí, por um lado, a desnecessidade de qualquer norma expressa nesse sentido e, por outro, rectius para se afirmar, genericamente, tal isenção; e, por outro, a imprescindibilidade de norma expressa que, pontualmente, a afaste, para se poder concluir que, em certo e determinado caso, o MP não está isento de multa.
Ou seja: o Ministério Público só não estaria isento de multa processual quando a lei, expressamente, o declarar passível dela.
Sendo assim, uma vez que o artigo 145 do Código de
Processo civil não impõe, expressamente, o pagamento da multa que prevê, também ao Ministério Público (multa que, aliás, é calculada a partir da taxa de justiça que seria devida a final pelo processo, da qual está igualmente isento), este deve considerar-se isento do seu pagamento". A inferência seguinte é a de que,
"logo, praticado o acto, pelo Ministério Público, dentro dos três dias úteis seguintes ao termo do respectivo prazo, o acto é válido independentemente do pagamento da multa".
Não deixou o mesmo acórdão de examinar o velho inquérito da hipotética violação do princípio da
"igualdade de armas".
Mas para julgar que não. "A igualdade de que se trata, não sendo matemática nem lógica, deve avaliar-se no contexto global da estrutura lógico-material da acusação e da defesa e da sua dialéctica e não, propriamente, em cada acto processual. Logo, relativamente a um acto concreto, a mera constatação de que não são exactamente iguais os direitos e deveres do
Ministério Público e os do arguido (ou do outro sujeito do processo), só por si, não é suficiente para se ter como necessariamente violado o aludido princípio; uma tal violação só existirá se a desigualdade for arbitrária, irrazoável ou intoleravelmente discriminatória, por carecer de fundamento material bastante. Ora, no caso, a desigualdade traduzida na isenção do pagamento de multa do Ministério Público e na exigência desse pagamento aos outros interessados é
(como se escreve no citado Acórdão 59/90, do T.C.) materialmente fundada: o Ministério Público é o representante do Estado, encarregado de, nos termos da lei, defender a legalidade democrática, exercer a acção penal e promover a realização do interesse social".
Embora mais sucintamente, é o mesmo o entendimento do acórdão de 10 de Julho de 1996, proferido no Processo
46450, também deste Supremo Tribunal.
Acresce que, no caso vertente, nem uma real situação de
"igualdade de armas" se verifica, posto que o único e errante foi o Ministério Público (cf. ainda a entidade de folha 2).
5 - Pelo exposto e sem necessidade de mais desenvolvidas considerações, decide-se conceder provimento ao recurso e revogar o acórdão recorrido, que deverá ser substituído por outro que conheça do interposto pelo Magistrado da 1. instância.
Não é devida taxa de justiça.
Lisboa, 11 de Dezembro de 1996.
Lopes Rocha,
Augusto Alves,
Leonardo Dias.
Decisão Impugnada:
Tribunal da Relação de Lisboa - 3. Secção - 175/96 - de
27 de Março de 1996.