Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 6.ª SECÇÃO | ||
Relator: | MARIA OLINDA GARCIA | ||
Descritores: | ALTERAÇÃO DO PACTO SOCIAL DIREITO ESPECIAL À GERÊNCIA SOCIEDADE POR QUOTAS DELIBERAÇÃO DA ASSEMBLEIA GERAL INEFICÁCIA ANULAÇÃO DE DELIBERAÇÃO SOCIAL SÓCIO GERENTE CONSENTIMENTO | ||
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Data do Acordão: | 03/01/2023 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | REVISTA (COMÉRCIO) | ||
Decisão: | REVISTA IMPROCEDENTE. | ||
Indicações Eventuais: | TRANSITADO EM JULGADO. | ||
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Sumário : | I - O facto de a gerência ter sido atribuída, em cláusula do pacto social, a todos os sócios (quatro) de uma sociedade por quotas, não afasta, por si só, a natureza de “direito especial”, previsto no art. 24.º do CSC. II - O direito especial à gerência de uma sociedade por quotas, conferido a um sócio, por estipulação no pacto social, não pode ser suprimido sem o seu consentimento (art. 24.º, n.º 5, do CSC). III - Tendo a assembleia deliberado alterar o pacto social, suprimindo o direito especial de gerência de um dos sócios, sem o respetivo consentimento (art. 257.º, n.º 3, do CSC), tal deliberação é ineficaz, nos termos do art. 55.º do CSC. | ||
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Decisão Texto Integral: | Processo n. 3090/20.6T8VNF.G1.S1 Recorrente: “IMOPEVIDÉM - Comércio, Imobiliária, Transportes e Construções, Ldª” Acordam no Supremo Tribunal de Justiça I. RELATÓRIO 1. AA propôs a presente ação de anulação de deliberação social contra “IMOPEVIDÉM – Comércio, Imobiliária, Transportes e Construções, Ldª”, com sede no concelho de ..., pedindo a declaração de anulabilidade das deliberações sociais tomadas pela Assembleia Geral realizada a 06.03.2020, identificadas nos pontos dois e três da respetiva ordem de trabalhos. A ré contestou a ação, defendendo a improcedência do pedido. 2. Por sentença, de 27.05.2021, a primeira instância proferiu a seguinte decisão: «Termos em que decidindo pela total procedência da ação, anulo as deliberações tomadas relativas aos pontos dois e três da ordem de trabalhos da Assembleia Geral realizada a 6 de março de 2020.» 3. Inconformada com tal decisão, a ré interpôs recurso de apelação, tendo o TRG, por acórdão de 02.06.2022, proferido a seguinte decisão: «julga-se improcedente o recurso interposto; mais se julgam ineficazes as deliberações sociais relativas aos pontos dois e três da ordem de trabalhos da Assembleia Geral realizada a 6 de março de 2020.» 4. Inconformada com o referido acórdão, a ré, IMOPEVIDÉM, interpôs o presente recurso de revista. Nas suas alegações, a recorrente formulou as seguintes conclusões: «A. O presente recurso é interposto do douto Acórdão proferido em 02/05/2022 em que o Venerando TRG, julgou improcedente o recurso interposto pela Recorrente tendo decidido da seguinte forma; “Pelo exposto, julga-se improcedente o recurso; mais se julgam ineficazes as deliberações sociais relativas aos pontos dois e três da ordem de trabalhos da Assembleia-geral realizada a 6 de Março de 2020.” B. O douto acórdão acompanha a fundamentação da 1ª Instância quanto ao direito especial à gerência, discordando de novo a Recorrente de tal posição. C. A decisão da 1ª Instância, no que o douto acórdão recorrido acompanhou, fundamentou a decisão da seguinte forma: “Em suma e interpretando desta forma a disposição estatutária em causa, concluímos estar perante um verdadeiro direito especial à gerência que foi atribuído aos sócios AA, BB, CC e DD e apenas a estes.”, e “Não podiam, por isso, os sócios da sociedade R. ter deliberado a alteração do n.º 2 do artigo 4.º do Pacto Social e a destituição da A. do cargo de gerente sem o seu consentimento” e “É certo que neste momento, porque todos os sócios da sociedade R. são exactamente aqueles que constam da disposição estatutária, a mesma tem a aparência de um direito geral atribuído aos sócios e não de um direito especial. Contudo, a vida das sociedades não é estática, mas sujeita a diversas alterações ao longo do tempo. A qualquer momento, as quotas da sociedade R. podem ser transmitidas. E aí sobressairá a natureza especial do direito à gerência concedido, porquanto os novos sócios não terão direito à gerência só por serem sócios, a qual permanecerá atribuída aos que estão nomeados na disposição estatutária e que mantiverem essa posição.” D. A decisão da 1ª Instância, no que foi acompanhado pelo douto acórdão recorrido, expressamente renunciou à doutrina interpretativa dominante, nomeadamente quando refere: “ Parte da doutrina portuguesa não parece aceitar direitos especiais (ou pelo menos de igual conteúdo) de todos os sócios: assim, entre outros, Brito Correia, Pereira de Cfr. Ferrer Correia, Estudos Jurídicos, II, pág. 96 e Pinto Furtado, Deliberações dos Sócios, pág. 261 In Código das Sociedades Comerciais em Comentário, Volume I, 2ª edição, Almedina, pág. 431 Almeida, Carlos Olavo, Pinto Furtado (numa primeira fase), Olavo Cunha (embora este último autor considere que podem ser atribuídos a todos os sócios direitos só derrogáveis com o respectivo consentimento). E. A proposta de alteração que foi decidida constava da ordem de trabalhos da deliberação que foi anulada pelo Tribunal a quo e foi votada por maioria qualificada. F. Devemos atender que a interpretação de clausulas de pacto social constitui matéria de direito por ter de ser efectuada de harmonia com os critérios legais definidos nos artigos 236.º n.1 e 238.º n.1 do Código Civil, e em matéria de interpretação de estatutos sociais não são atendíveis elementos estranhos aos próprios estatutos e não referidos por estes. G. Os direitos dos sócios, como tal, podem ser gerais e especiais. Os primeiros competem por igual a todos os sócios; os segundos conferem aos seus titulares uma vantagem especial, um privilégio, uma posição de supremacia frente aos demais associados (cfr. Ferrer Correia, Estudos Jurídicos, II, pag. 96 e Pinto Furtado, Deliberações dos Sócios, pag. 261). H. Quanto a esta última espécie (direitos especiais), refere aquele primeiro Autor (ob. e loc. citados) que se trata de direitos de uma feição singular, pois não se mostram ao serviço de valores sociais ou de interesse comum a todos os sócios, mas de interesses próprios e exclusivos de um ou alguns deles. São, por certo, direitos estatutários, mas a sua função é tutelar o interesse do sócio a quem competem já em relação ao dos outros sócios, já em face do próprio interesse da sociedade. I. A disciplina fundamental dos direitos especiais é objecto do art. 24º do CSC, de que se destaca o direito especial à gerência. J. A Recorrida não concretiza qual o seu interesse protegido concretamente, já que tal interesse em boa verdade não existe uma vez que todos os sócios tinham esse mesmo direito entre eles, e se todos têm direito, a questão é que interesse pretendiam acautelar em relação à própria sociedade. K. A verdade é que, a respeito das sociedades por quotas, se tem doutrinado que se a interpretação objectiva é de exigir no tocante às cláusulas que visam a protecção dos terceiros sociais, mas essa exigência se não impõe nas sociedades por quotas de índole personalista como é o caso concreto, quanto às cláusulas sobre relações corporativas internas e às de natureza jurídica individual, vigorando, então, nesta matéria, os princípios gerais de interpretação dos negócios jurídicos formais (art. 238º do C.Civil), com admissibilidade, portanto, do recurso a quaisquer elementos interpretativos contemporâneos do negócio, ou anteriores ou posteriores à sua conclusão (v. Vaz Serra, RLJ, ano 112, pags. 21 e sgs. e, ainda, pag. 173, nota 2). L. E são essas as relações que estão em causa, visto que, respeitando inteiramente os direitos de terceiros, é o que melhor permite averiguar a intenção que presidiu à formulação de cláusulas pactícias que apenas respeitam aos interesses dos sócios entre si sem qualquer repercussão sobre esferas jurídicas alheias. M. A estipulação estatutária pela qual são nomeados gerentes inclui-se naquelas cuja interpretação se deve fazer recorrendo a todos os elementos interpretativos (cfr. António Caeiro, Destituição do gerente designado no pacto social, em Temas do Direito das Sociedades, pag. 396). N. Mais do que aquilo que as partes declararam, importa aqui descobrir a sua intenção comum, desde que essa intenção tenha um mínimo de correspondência no texto do respectivo documento, ainda que imperfeitamente expresso (art. 338º do C.Civil). O. A interpretação de um contrato consiste em determinar o conteúdo das declarações de vontade e, consequentemente, os efeitos que o negócio visa produzir, em conformidade com essas declarações (Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, 3ª ed., pag. 444). P. O sentido das declarações negociais das partes, nos termos do art. 236º, nº s 1 e 2, será aquele que possa ser deduzido por um declaratário normal colocado na posição do declaratário real, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele, sem embargo de, conhecendo o declaratário a vontade real do declarante, ser de acordo com ela que vale a declaração emitida, consagrou-se, assim, a denominada teoria da impressão do destinatário, (art. 238º, nº s 1 e 2). Q. No domínio da interpretação, são elementos essenciais a que deve recorrer-se para a fixação do sentido das declarações – “a letra do negócio, as circunstâncias de tempo, lugar e outras, que precederam a sua celebração ou são contemporâneas desta, bem como as negociações respectivas, a finalidade prática visada pelas partes, o próprio tipo negocial, a lei e os usos e os costumes por ela recebidos” (Luís Carvalho Fernandes, Teoria Geral do Direito Civil, vol. II, pag. 344). R. Ou, como exemplifica Manuel de Andrade (Teoria Geral da Relação Jurídica, II, pág. 213), “os termos do negócio; os interesses que nele estão em jogo (e a consideração de qual seja o seu mais razoável tratamento); a finalidade prosseguida pelo declarante; as negociações prévias; os hábitos do declarante (de linguagem ou outros); os usos da prática, em matéria terminológica, ou de outra natureza que possa interessar, devendo prevalecer sobre os usos gerais ou especiais (próprios de outros meios ou profissões), etc.". S. É nesse sentido que se procedeu a constituição do direito especial de gerência a todos os sócios por acordo a fim de todos os sócios serem tratados de igual forma pela sociedade e decidiram por maioria das decisões executivas necessárias à gestão do dia a dia da sociedade. T. Uma vez que, antes de tal acordo, a Recorrida, procedeu à transformação da sociedade anónima em sociedade limitada, instituindo-se ela própria com direito especial à gerência, e nomeando-se única gerente não dando nem prestando contas aos restantes sócios e tomando decisões lesivas do escopo e interesse da sociedade para beneficio próprio. U. Tendo procedido à venda de património da empresa de valor avultado, apesar de saber da oposição de todos os restantes sócios; V. Assim o direito especial de todos os sócios, foi a única forma de repor a normal gerência democraticamente eleita de uma sociedade e não a especial protecção de interesses de qualquer sócio entre si. E tal resultou de acordo extra-judicial após a interposição de acção de anulação de deliberações sociais, interposta pelos sócios EE e FF, e que correu com o nº 4352/1..., do ... - Juízo de Comércio - Juiz 1; W. Tendo sido alterados os Artigos 2º, 4º (os sócios têm direito especial à gerência.) e 8º, pondo fim à acção judicial acima referida por inutilidade superveniente; X. O princípio geral sobre a destituição de gerentes das sociedades por quotas, sejam eles sócios ou não, decorre do disposto no art.º 257º, nº 1, do CSC, normativo segundo o qual “Os sócios podem deliberar a todo o tempo a destituição dos gerentes”. Y. Este princípio tem como consequência prática mais relevante a de que, não havendo disposição em contrário no contrato, basta aos sócios uma maioria simples do capital para afastar os gerentes que se encontrem funções. Z. Não há, por conseguinte, na lei uma exigência de justa causa nem, tão pouco, de uma mínima fundamentação ou motivação para que essa destituição possa avançar sem restrições. AA. A destituição dos gerentes é inteiramente livre em homenagem ao interesse social avaliado pelos sócios em cada momento. BB. Escreve Paulo Olavo Cunha sobre os direitos especiais dos sócios das sociedades por quotas: CC. “Os direitos especiais são aqueles que são atribuídos pelo contrato de sociedade a um ou mais sócios (cfr. art.º 24, nº 1), conferindo-lhes uma vantagem relativamente aos demais. O nº 1 do art.º 24 do CSC estabelece com total clareza, que só pelo contrato esses direitos podem ser criados. (…) O critério que nos permite distinguir estes direitos dos direitos gerais reside, precisamente, no facto de só poderem ser atribuídos a alguns sócios, estando, por isso, primordialmente afectos a interesses próprios do seu titular. A especialidade destes direitos sociais radica, pois, nessa característica – de satisfação de interesses pessoais – e na qualidade relativa, de só poderem ser concedidos a alguns sócios. Por isso, os direitos especiais não podem ser atribuídos à totalidade dos sócios, sem prejuízo da sua essência; podem é ser atribuídos a todos sócios direitos que sejam apenas derrogáveis com o seu consentimento. (…) Os direitos especiais que revestirem natureza patrimonial são, em regra, “transmissíveis com a quota, sendo intransmissíveis os restantes direitos (art.º 24, nº 3)” DD. Daqui resulta que sendo todos os sócios nomeados gerentes não há nisso uma vantagem de qualquer deles sobre os outros, razão pela qual não se pode falar coerentemente de um direito especial de qualquer deles em relação aos demais. EE. A Recorrida da presente acção no seu artigo 15º refere “posição privilegiada de todos os sócios em confronto com os demais”, ou seja, se a todos forem atribuídos os direitos especiais de gerência tal posição privilegiada fica completamente esvaziada pois, não existe privilégio em relação a nenhum deles. FF. Ainda que se admita que o direito especial à gerência de todos os sócios pode ser o resultado da manifestação de uma vontade colectivamente convergente de que a respectiva cláusula contratual não seja eliminada ou modificada em relação a qualquer deles sem o seu consentimento, salvo se sobrevier justa causa demonstrada em acção para tanto intentada seria então suficiente para caracterizar esse “direito especial” a constatação da presença, não de um interesse destacadamente pessoal em cada um dos designados, mas de um escopo comum de proteger ou garantir a vontade de todos eles de fazer depender a sua participação social do acesso ao controlo gestionário do ente societário. GG. É apodítico que uma visão deste jaez dos “direitos especiais” é idónea a gerar graves bloqueios, ou, pelo menos, sérios obstáculos à gestão da sociedade, visto que, por depender do seu consentimento, a necessidade de superação do direito especial de algum dos sócios (à gerência) que por qualquer causa a dada altura se viesse a fazer sentir tornar-se-ia extremamente difícil senão impossível de concretizar. HH. Ao contrário do que fez no douto acórdão, deveria ter sido seguida a definição de direitos especiais perfilhada por Paulo Olavo Cunha, de harmonia com as duas dimensões que acima se deixaram aludidas, nomeadamente quanto ao aspecto da sua clara relatividade. II. Não havendo um direito especial à gerência de que a Recorrida se pudesse arrogar aquando da deliberação da respectiva destituição da gerência, vale então o princípio geral da livre destituição dos gerentes por deliberação dos sócios proclamado no art.º 257º, nº 1, do CSC. JJ. O tribunal a quo tinha de ter apurado, o que só se conseguia em julgamento, as razões porque foi feito o acordo no processo que correu termos com o nº 4352/1..., do ... - Juízo de Comércio - Juiz 1, para se ver qual foi a intenção das partes na modificação do artº 4º, nº 2 do pacto social em que todos os sócios passam e ter poderes especiais de gerência, KK. Deveria ter sido proferido decisão que mandasse prosseguir descer o processo à 1ª instância para se proceder a julgamento a fim de apurar as razões do acordo e se efectivamente as partes quiseram ou não dar um especial direito à gerência. LL. O Tribunal de 1ª Instância, e o douto acórdão acompanhou tal posição, não se pronunciou sobre as outras questões que lhe foram colocadas para decidir nomeadamente quanto ao alegado abuso do direito e fraude a lei. MM. Alegou a Recorrida que não seria possível sindicar a validade da deliberação destitutiva de gerente sem justa causa através do instituto do abuso do direito. NN. Se houver justa causa para a destituição, estará afastado o abuso deliberativo, essa junta causa está devidamente alegada na deliberação impugnada. conforme consta da acta junta aos autos como doc 3, quando aí se diz: “A representante do sócio DD, GG, referiu que a próxima gerência deve ser activa e respeitar o que a Assembleia Geral decidir tendo em conta que a actual gerência não cumpriu uma das decisões da assembleia geral, propondo que seja nomeada nova gerência.” OO. Tal resultava da recusa da recorrida. em dar cumprimento a decisão anterior tomada em assembleia geral em que foi decidido a restituição de suprimentos aos sócios, decisão aprovada por maioria de 75% do capital da sociedade, mas que a Recorrida. se recusava a cumprir, não assinando os respectivos cheques; PP. Conforme aliás já tinha sido objecto de descontentamento por parte da sócia CC, facto esse que ficou vertido na acta de assembleia nº 52 e realizada em 4 de janeiro de 2020 Junta aos autos; QQ. Ao contrário do que é alegado pela Recorrida havia mais do que justa causa para a destituição da gerência e nomeação de nova gerência, sem que a mesma fizesse parte dela. RR. No entanto, não existe o abuso do direito na deliberação em causa por não ter sido alegado pela Recorrida. qualquer prejuízo concreto para a sociedade ou para a sócia que a não votaram, nomeadamente para os sócios-gerentes destituídos. SS. Atenta a factualidade carreada para a acção, para além de alguns juízos de valor e proclamações conclusivas, não se vislumbra a invocação de matéria que consubstancie um qualquer prejuízo para a sociedade ou para os sócios não votantes. TT. O prejuízo que a lei tem em vista para este efeito não pode subsumir-se à perda da remuneração ou outras regalias de gerência, dado que aqui o dano a ressarcir será sempre do gerente mas não do sócio. UU. Nada há que possa ser apontada ás decisões tomadas por maioria qualificada da sociedade na acta posta em causa; VV. Não tendo havido qualquer violação de normas legais, não há qualquer anulabilidade, devendo as decisões manter-se, devendo o douto tribunal em sentença ter declarada a improcedência da acção. WW. Não existe qualquer anulabilidade, nem nenhuma das alegações da Recorrida. até porque o registo das alterações da acta foram devidamente registadas, sem qualquer problema junto da conservatória do registo comercial, que, se tivesse detectado qualquer ilegalidade teria certamente recusado o registo. XX. O douto acórdão decidiu aplicar doutrina em contrário da jurisprudência maioritária sobre a questão a decidir, não tratando de apurar a questão de saber as razões porque todos os sócios tinham direito especial à gerência, razões essa que se mostram essenciais para a boa aplicação do Direito e boa decisão da causa, havendo oposição do presente acórdão com o acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Coimbra, no 8565/18.4T8CBR.C1. YY. Fez assim o douto acórdão errada apreciação dos artºs 24.º, e 257.º do CSC, assim como dos artºs 236.º, 138.º, 338.º do CC e 615.º, alínea d) do CPC. ZZ. Ao alterar a decisão da 1ª Instância “ … julgam ineficazes as deliberações sociais relativamente aos pontos dois e três da ordem de trabalhos da Assembleia Geral realizada a 6 de março de 2020.” AAA. Em vez da declaração de anulabilidade das mesmas conforme requerido. BBB. Tal vai além do pedido, o que consta do pedido é a declaração de anulabilidade das deliberações e não qualquer ineficácia, tal configura uma nulidade já que se deve considerar que se vai além do pedido, e não se trata de mera alteração de qualificação jurídica, mas sim verdadeira alteração do pedido. CCC. A declaração de ineficácia não consta do pedido inicial, que teria de ser então feito claramente, como pedido alternativo, e não foi. DDD. O acórdão recorrido foi além do que lhe foi dado para decidir. EEE. Ou mantinha a decisão na íntegra ou só podia alterar a decisão dentro do que consta do pedido inicial. FFF. Do pedido inicial da Recorrida não consta qualquer declaração de ineficácia das deliberações, mas apenas e só o pedido de anulabilidade das mesmas e daí não de pode decidir a mais, porque tal não foi pedido. GGG. O douto acórdão violou o disposto no artº 609º do CPC, já que “A sentença não pode condenar em quantidade superior ou em objecto diverso do que se pedir.” HHH. O pedido feito foi de anulabilidade das deliberações sociais, pelo que o douto acórdão não pode alterar o objecto e julgar ineficazes as deliberações pois não foi esse o pedido. III. As consequências são diferentes e assim fica prejudicado o direito de defesa da Recorrente que sempre se defendeu de um pedido de anulabilidade e não de ineficácia. JJJ.O douto acórdão violou o disposto no artº 615º, nº 1, al) e parte final, o que implica a sua nulidade. KKK. Pelo que deverá o douto acórdão que ser revogado, sendo a Recorrente absolvida do pedido ou, caso assim se não entenda devem ser devolvidos ou autos ao Venerando TRG para que sejam os autos devolvidos à 1ª Instância para que seja proferidos despacho saneador no sentido de apurar, em julgamento, quais as razões que levaram os sócios a estabelecer o direito especial à gerência de todos os sócios no acordo da acção que correu termos com o nº 4352/1..., do ... - Juízo de Comércio - Juiz 1, devendo assim ser marcado julgamento. Assim se fazendo inteira justiça!» 5. Em acórdão da Conferência, de 03.11.2022, foram conhecidas as alegadas nulidades, as quais foram consideradas improcedentes. Decidiu-se também, neste acórdão, mandar desentranhar as contra-alegações da recorrida, nos termos do art. 642º, n.2 do CPC, porque, ao não pagar a multa para que fora notificada, a recorrida perdeu o direito processual de as apresentar. Assim, considerou-se prejudicado o conhecimento da litigância de má-fé que a recorrida havia alegado. * II. APRECIAÇÃO E FUNDAMENTOS DECISÓRIOS 1. Admissibilidade e objeto do recurso: 1.1. O recurso de revista começou por não ser admitido pelo TRG, por se ter entendido existir dupla conforme, nos termos do art.671º, n.3 do CPC. A recorrente reclamou, nos termos do art.643º do CPC, tendo-lhe sido dada razão, porquanto o acórdão recorrido e a sentença apresentavam fundamentação diversa. 1.2. Sendo o objeto do recurso delimitado pelas conclusões das alegações da recorrente, nos termos do art.635º, n.4 do CPC, as questões em causa são as seguintes: - saber se o acórdão recorrido fez errada aplicação da lei quando considerou ineficaz a deliberação impugnada pela autora; - e, caso assim se entenda, se os autos deverão continuar na primeira instância para ser proferido despacho saneador no sentido de apurar, em julgamento, as razões que levaram os sócios a estabelecer o direito especial à gerência de todos os sócios, no acordo da ação que correu termos com o n. 4352/1.... 2. A factualidade relevante: As instâncias deram como provada a seguinte factualidade: «A. A A. é titular de uma quota de valor nominal de 15.000,00 (quinze mil euros), representativa de 25% do capital social da sociedade IMOPEVIDÉM – COMÉRCIO, IMOBILIÁRIA, TRANSPORTES E CONSTRUÇÕES, LDA. B. Por carta registada com aviso de receção, datada de 10 de fevereiro de 2020, e oportunamente rececionada, foi a A. convocada para a “Assembleia Geral Extraordinária” a realizar numa de duas datas indicadas, a fim de apreciar e discutir a seguinte ORDEM DE TRABALHOS: a) Ponto Um: decidir sobre a remuneração dos gerentes; b) Ponto Dois: alteração do n.º 2 do artigo 4.º do Pacto Social; c) Ponto Três: destituição e nomeação de gerentes; d) Ponto Quatro: outros assuntos de interesse para a sociedade. C. A Assembleia Geral em causa realizou-se no dia 6 de março de 2020, estando presentes todos os sócios da Sociedade R., com exceção do sócio DD, que se encontrava representado por procuradora. D. Na supra mencionada Assembleia, a sócia CC propôs (tendo por referência o ponto dois da ordem de trabalhos) a eliminação do número 2 do artigo 4.º do Pacto Social da Sociedade que dispunha da seguinte redação: “2- É atribuído aos sócios, AA, BB, CC e DD, o direito especial à gerência”. E. A sócia AA, aqui A., votou contra tal proposta. F. Os restantes sócios votaram a favor. G. Tal proposta foi considerada aprovada com os votos a favor dos sócios BB, CC e DD, e com o voto contra da sócia AA. H. Passou-se à discussão do ponto três da ordem de trabalhos e a sócia CC propôs a destituição da gerência. I. Proposta que foi aprovada, mais uma vez, com o voto contra da sócia AA. J. Consequentemente, a sócia CC e o sócio BB propuseram-se a exercer a gerência em conjunto. K. A sócia AA, aqui A., não se opôs à nomeação daquela gerência, desde que, no uso do seu direito especial à gerência, fizesse parte – também – daquela nova gerência. L. Em face do exposto, foi colocada à votação a proposta de nomeação para a gerência dos sócios CC e BB, tendo sido a mesma aprovada com o voto contra da sócia AA.» 3. O direito aplicável: 3.1. Alega a recorrente que o acórdão recorrido teria feito errada aplicação da lei, devendo ser revogado, sendo a recorrente absolvida do pedido. Entende a recorrente, em síntese, que, pelo facto de a todos os sócios ter sido atribuído o direito especial à gerência, no art.4º, n.2 do pacto social, esse direito não poderia ser verdadeiramente um “direito especial”, pois, na sua tese, não poderia ter a natureza de “direito especial” o direito que coubesse a todos os sócios. Consequentemente, não seria necessário o consentimento da recorrida para a supressão desse direito, pois valeria o princípio geral da livre destituição dos gerentes por deliberação dos sócios, nos termos do art. 257º, n. 1, do CSC. No acórdão recorrido entendeu-se que: «A sentença recorrida fez uma análise cuidada das diversas posições doutrinais sobre a possibilidade de os direitos especiais poderem ou não ser atribuídos a todos os sócios, exposição que se acompanha. (…) não temos dúvida (artº 236º, nº1, do mesmo Código Civil) de que foi intenção das partes estabelecer tal direito especial. Daí que se concorde inteiramente com a interpretação feita pelo tribunal recorrido, não havendo que indagar, como defende a recorrente, qual foi a intenção das partes na modificação do artigo 4º, nº2, do pacto social (alínea ii das conclusões de recurso). Como bem refere a sentença recorrida, aliás muito bem fundamentada, “a vida das sociedades não é estática, mas sujeita a diversas alterações ao longo do tempo. A qualquer momento, as quotas da sociedade ré podem ser transmitidas. E aí sobressairá a natureza especial do direito à gerência concedido, porquanto os novos sócios não terão direito à gerência só por serem sócios, a qual permanecerá atribuída aos que estão nomeados na disposição estatutária e que mantiverem essa posição.” Dai que a nossa posição coincida com a sufragada pelo tribunal recorrido, entendendo-se, não só, que nas sociedades por quotas os direitos especiais de gerência podem ser atribuídos a todos os sócios, como também que no caso em análise foi intenção expressa das partes atribuir tal direito especial à gerência. Carece igualmente de sentido a alegação de que não está expressamente vertido no pacto social o princípio da inderrogabilidade dos direitos especiais, consagração que seria necessária. O disposto no artº 24º, nº5, do Código das Sociedades Comerciais estatui precisamente o contrário: tais direitos só podem ser suprimidos ou coartados com autorização expressa do respetivo titular, salvo regra legal ou estipulação contratual em contrário. Ou seja, se esta última existisse é que poderia haver derrogação do direito especial. Sobre a possibilidade de existir suspensão ou destituição daquele a quem cabe o direito especial à gerência, afirma-se no acórdão recorrido: «(…) tal regime resulta expressamente do disposto no artº 257º, n.3, do Código das Sociedades Comerciais, nos termos do qual “A cláusula do contrato de sociedade que atribui a um sócio um direito especial à gerência não pode ser alterada sem consentimento do mesmo sócio. Podem, todavia, os sócios deliberar que a sociedade requeira a suspensão e destituição judicial do gerente por justa causa e designar para tanto um representante especial.” Dos pontos da ordem de trabalhos não consta a destituição da aqui recorrida por justa causa. Sem embargo do exposto, não se verifica a alegada omissão de pronúncia (alínea kk das conclusões) quanto ao alegado abuso de direito e fraude à lei. Tendo-se reconhecido a existência de um direito especial à gerência e demonstrada a impossibilidade de destituição de gerente sem justa causa, não havia que tecer considerações adicionais, sendo aliás certo que sempre tal destituição teria de ser decidida pelo tribunal (artº 257º, nº4 do CSC) e não em assembleia geral. Com efeito, por força da linha de raciocínio seguida pelo tribunal, e face ao disposto nos artigos 608º, nº2, do CPC, ex vi artº 663º, nº2 do mesmo diploma, o conhecimento de tais questões ficou prejudicado. Apenas se discorda do tribunal recorrido quanto à conclusão que extraiu quanto ao tipo de invalidade. Com efeito, entendemos que a consequência jurídica a retirar, face ao supra exposto, é a da ineficácia das deliberações aqui postas em crise, com relação a todos os sócios, e não a simples anulabilidade das mesmas (…)» E concluiu-se nesse acórdão: «Improcedem, assim, as alegações de recurso, improcedendo este, mas altera-se a consequência jurídica quanto às deliberações postas em crise, quanto ao tipo de invalidade, concluindo-se pela respetiva ineficácia.»
3.2. Vejamos as principais normas que integram o quadro normativo específico, à luz do qual se procurará a solução do caso concreto. Estabelece o art.24º do Código das Sociedades Comerciais, com a epígrafe “Direitos Especiais”: «1- Só por estipulação no contrato de sociedade podem ser criados direitos especiais de algum sócio. 2 - Nas sociedades em nome colectivo, os direitos especiais atribuídos a sócios são intransmissíveis, salvo estipulação em contrário. 3 - Nas sociedades por quotas, e salvo estipulação em contrário, os direitos especiais de natureza patrimonial são transmissíveis com a quota respectiva, sendo intransmissíveis os restantes direitos. 4 - Nas sociedades anónimas, os direitos especiais só podem ser atribuídos a categorias de acções e transmitem-se com estas. 5 - Os direitos especiais não podem ser suprimidos ou coarctados sem o consentimento do respectivo titular, salvo regra legal ou estipulação contratual expressa em contrário. 6 - Nas sociedades anónimas, o consentimento referido no número anterior é dado por deliberação tomada em assembleia especial dos accionistas titulares de acções da respectiva categoria.» - Estabelece o art.257º, n.3 do CSC: «3 - A cláusula do contrato de sociedade que atribui a um sócio um direito especial à gerência não pode ser alterada sem consentimento do mesmo sócio. Podem, todavia, os sócios deliberar que a sociedade requeira a suspensão e destituição judicial do gerente por justa causa e designar para tanto um representante especial.» - Estatui o art.55º do CSC, com a epígrafe “Falta de consentimento dos sócios”: «Salvo disposição legal em contrário, as deliberações tomadas sobre assunto para o qual a lei exija o consentimento de determinado sócio são ineficazes para todos enquanto o interessado não der o seu acordo, expressa ou tacitamente.» 3.3. Na tese da recorrente, um direito que coubesse a todos os sócios, como o direito à gerência, não poderia ter a natureza de “direito especial”. Não é necessariamente assim. O art. 24º do CSC não fornece a noção de “direito especial”, e também não se encontra qualquer norma que defina o “direito especial à gerência”. Na doutrina identifica-se uma certa tendência (por vezes expressa, por vezes implícita) para considerar o direito especial à gerência como um direito que, em princípio, não cabe a todos os sócios (e que até pode caber a quem não é sócio). Neste sentido, afirma Paulo Olavo Cunha: «(…) temos sérias dúvidas em qualificar como um direito verdadeiramente especial o chamado direito especial de nomeação à gerência, que pode caber a todos os sócios, e que apresenta como principal caraterística assegurar ao seu titular só poder ser destituído com justa causa (…)»1. Sem reservas quanto à possibilidade de o direito à gerência poder ser um direito especial, pronuncia-se Coutinho de Abreu. Afirma o autor: «Pode um direito especial ser atribuído a todos os sócios da mesma sociedade? À primeira vista dir-se-ia que não – o que é especial não pode ser simultaneamente geral, a posição privilegiada conferida pelo direito especial há-de pertencer a um ou a alguns sócios com exclusão dos restantes. Todavia, é possível ligar a especialidade ou privilégio não ao número restrito dos possíveis titulares do direito, mas à maior proteção de que goza o direito. Assim, se é verdade não fazer sentido atribuir alguns direitos especiais (v. g., o direito de duplo voto) a todos os sócios, já faz sentido a atribuição de outros. É o caso do direito especial à gerência. O facto de todos os sócios serem gerentes com direito especial à gerência garante a cada um deles que a respetiva cláusula contratual não pode ser eliminada ou modificada sem o seu consentimento ou que a destituição sem ou contra a sua vontade só pode efetivar-se judicialmente e com base em justa causa.2» Quando colocada a questão em termos genéricos, as dúvidas sobre a natureza do direito especial à gerência poderão ser compreensíveis. Todavia, a conclusão a extrair sobre a natureza do direito não deve confinar-se à dicotomia entre direito geral – aquele que pertence a todos os sócios – e direito especial – aquele que pertence apenas a alguns (embora na generalidade dos casos assim possa acontecer). A abrangência subjetiva de um direito não determina, necessariamente, a sua natureza de direito geral ou especial. Há que decifrar a cláusula que estabelece determinado direito para, à luz dos critérios interpretativos pertinentes, se concluir se, em concreto, se trata, ou não, de um direito especial. Para além do elemento literal de determinada clausula, também o restante clausulado de cada pacto social pode auxiliar o interprete a compreender a natureza do direito convencionado. Embora o elemento literal de uma cláusula do pacto social possa não ser, por si só, decisivo para se concluir pela natureza do direito, no caso a que respeitam os presentes autos, ele assume, porém, um significativo relevo interpretativo, dado que, para além de ter sido designado expressamente como “direito especial à gerência”, no n.2 do art.4º do pacto social, os titulares desse direito foram nominalmente individualizados. Por outras palavras, essa cláusula não se limitou a estabelecer que aquele “direito especial à gerência” cabia a todos os sócios. Mas sim, que cabia àqueles concretos sujeitos. Efetivamente, como consta da factualidade provada, no art.4º, n.2 do Pacto Social estabeleceu-se que: «É atribuído aos sócios, AA, BB, CC e DD, o direito especial à gerência”. Como pertinentemente se afirmou na decisão da primeira instância, se uma das quotas for alienada a terceiro, a coincidência entre a totalidade dos sócios e a totalidade dos gerentes desaparece automaticamente. No caso concreto, assim aconteceria não só porque o direito seria intransmissível nos termos do art.24º, n.5, por não ter caráter patrimonial, mas também por ter uma natureza estritamente pessoal3, decorrente da concreta indicação dos sócios a quem cabia o direito especial à gerência, feita no n.2 do art.4º do pacto social. Pode, assim, concluir-se que o facto de todos os sócios serem simultaneamente designados gerentes de determinada sociedade não retira, por si só, a natureza especial do direito à gerência. Existirá uma situação de coincidência temporal entre as duas qualidades jurídicas, que automaticamente desaparecerá se uma das quotas for alienada a terceiro. Determinante para se concluir pela natureza do direito, em cada caso concreto, é, como supra referido, a interpretação daquilo que se estipulou no pacto social. 3.4. Concluindo-se que a autora era titular do direito especial à gerência, há que apurar quais as consequências de ter sido deliberada a sua destituição como gerente da sociedade recorrente, até porque as instâncias não coincidiram sobre esta matéria, tendo a primeira instância concluído que a deliberação era anulável, e a segunda entendido que se tratava de deliberação ineficaz. Na jurisprudência recente do STJ não se encontram decisões que expressamente se tenham pronunciado sobre esta problemática. A doutrina tem-se pronunciado em sentidos diversos, sendo, porém, maioritário o entendimento que defende a ineficácia da deliberação que suprime direitos especiais, sem o consentimento do visado, o que encontra um respaldo direto na letra do art. 55º do CSC. Para ilustrar este entendimento, podem citar-se, entre outros que se pronunciam no mesmo sentido, por exemplo: Soveral Martins/Ricardo Costa: «uma deliberação dos sócios que suprima ou limite um direito especial de um sócio sem o consentimento deste será uma deliberação ineficaz em relação a todos os sócios: mesmo em relação aos que deram o consentimento. É isso que resulta do artº 55º do CSC, tendo em conta o artº 24º, nº5.» 4. No mesmo sentido, afirma Coutinho de Abreu: «Sem o consentimento, a deliberação que suprima ou coarte direitos especiais é ineficaz (art.55º)»5 Segundo Paulo Olavo Cunha: «As deliberações que, visando eliminar ou coartar direitos especiais, não obtenham o consentimento necessário são ineficazes (art.55º), isto é, irrelevantes para o titular do direito especial afetado. Se este pura e simplesmente ignorar essa deliberação, ela será como que inexistente até ao momento da sua (eventual) confirmação»6. E acrescenta este autor que tal deliberação: «(…) não produz efeitos por falta de um requisito que lhe é extrínseco, o consentimento do sócio-titular do direito especial afetado»7. 3.5. Neste quadro, conclui-se que não podia ter sido tomada a deliberação de alterar o art.4º, n.2 do pacto social, destituindo a autora da gerência, sem o seu consentimento, porquanto, tendo ela um direito especial à gerência, o seu consentimento era exigido pelo art.257º, n.3 do CSC. Assim, não tendo existido consentimento prévio da visada, nem tendo ela manifestado a sua concordância posterior, a deliberação em causa não produz efeitos em relação à autora, tudo se passando como se nunca tivesse sido destituída da gerência. É o que resulta da aplicação do art.55º do CSC ao caso concreto. * 3.6. A recorrente formula ainda uma segunda pretensão, para a hipótese de a primeira não se procedente. Alega que: “caso assim se não entenda devem ser devolvidos ou autos ao Venerando TRG para que sejam os autos devolvidos à 1ª Instância, para que seja proferido despacho saneador no sentido de apurar, em julgamento, quais as razões que levaram os sócios a estabelecer o direito especial à gerência de todos os sócios no acordo da acção que correu termos com o nº 4352/1...”. É manifesto que tal pretensão se apresenta destituída de qualquer fundamento legal. A recorrente não alega que alguma das declarações emitidas pelos quatro sócios (no sentido de a todos caber o direito especial à gerência) tivesse sido falsa, tivesse sido simulada ou que resultasse de algum vício da vontade. Assim, procurar as razões subjetivas pelas quais cada um dos quatro sócios emitiu as respetivas declarações de vontade (tendo sido, provavelmente, razões distintas) revelar-se-ia um exercício cujo resultado seria absolutamente destituído de qualquer relevo normativo autónomo, dado não ter sido alegado qualquer vício da vontade que tivesse de ser corrigido. Também não consta da factualidade provada, nem tal foi alegado, que o direito de gerência atribuído à autora tivesse sido submetido a alguma condição resolutiva, cuja verificação importasse apurar. Aliás, a pretensão da recorrente no sentido de se descobrir, em julgamento, quais as razões que levaram a estabelecer o direito especial à gerência de todos os sócios, não deixa de ser contraditória com a sua tese, pois é a própria recorrente que, no ponto F. das conclusões das suas alegações, afirma: «(…) em matéria de interpretação de estatutos sociais não são atendíveis elementos estranhos aos próprios estatutos e não referidos por estes.» Em resumo, conclui-se que o acórdão recorrido não merece censura, pois fez a correta aplicação do direito à factualidade apurada. * DECISÃO: Pelo exposto, decide-se negar a revista, confirmando o acórdão recorrido. Custas pela ré recorrente. Lisboa, 01.03.2023 Maria Olinda Garcia (Relatora) Ricardo Costa António Barateiro Martins
Sumário, art.º 663, n.º 7, do CPC.
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1. Direito das Sociedades Comerciais (6ª ed.), página 332.↩︎ 2. Curso de Direito Comercial – Das Sociedades, Vol. II, 7ª ed (2021), pág.212↩︎ 3. Em termos gerais, sobre a intransmissibilidade da posição jurídica de gerente, enquanto consequência do caráter intuitos personae da relação de gerência, veja-se: Ricardo Costa/Carolina Cunha, in código das Sociedades Comerciais em Comentário, Vol. IV (2ª ed.), páginas 84 a 86.↩︎ 4. Código das Sociedades Comerciais em Comentário, volume I, 2ª edição, pág. 439. 5. Op. cit., página 213.↩︎ 6. Direito das Sociedades Comerciais (6ª ed.), página 334.↩︎ 7. Op. cit., nota de rodapé n.522, na página 334.↩︎
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