Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
306/10.0JAPRT.P1.S1
Nº Convencional: 3ª SECÇÃO
Relator: SANTOS CABRAL
Descritores: HOMICÍDIO QUALIFICADO
ADMISSIBILIDADE DE RECURSO
CONFIRMAÇÃO IN MELLIUS
COMPETÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
MOTIVO FÚTIL
ESPECIAL CENSURABILIDADE
ESPECIAL PERVERSIDADE
CULPA
PRINCÍPIO DA LEGALIDADE
ANOMALIA PSÍQUICA
INIMPUTABILIDADE
DUPLA AGRAVAÇÃO DA PENA
ARMA DE FOGO
MEDIDA CONCRETA DA PENA
PREVENÇÃO GERAL
PREVENÇÃO ESPECIAL
Data do Acordão: 01/18/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: REJEITADO O RECURSO
Sumário :

I  -   A denominada confirmação in mellius deverá considerar-se existente quando a decisão do tribunal superior vai ao encontro do pedido formulado e, por essa forma, sempre se pode afirmar que a decisão de recurso confirma a consistência que assiste à decisão recorrida e que a pena aplicada constitui um marco a considerar em termos de recorribilidade. Tal confirmação sucede até ao ponto em que as duas decisões – recorrida e de recurso – convergem, conduzindo a uma situação de não admissibilidade do recurso, nos termos do art. 400.º, n.º 1, al. a), do CPP.
II -  Acresce que é incontornável a constatação de que o sentido literal da al. e) do n.º 1 do art. 400.º do CPP não coincide com a vontade da lei, tal como se deduz da interpretação lógica: há desconformidade entre a letra e o pensamento da lei. Analisando a disposição do ponto de vista lógico, vê-se que resulta outro sentido que não é aquele que das palavras transparece imediatamente.
III - Na situação em apreço, impõe-se uma leitura restritiva da referida al. e), reconduzindo-a não só ao espírito do legislador como à sua interpenetração com o disposto no art. 432.º, n.º 1, al. c), do CPP. A interpretação restritiva aplica-se quando se reconhece que o legislador, posto se tenha exprimido em forma genérica e ampla, todavia quis referir-se a uma classe especial de relações. No caso, cotejando e conjugando as duas mencionadas normas, a contradição existente deve ser resolvida dentro daquele que desde sempre tem sido o propósito invocado pelo legislador de reservar a intervenção do STJ às decisões que o mereçam pela sua relevância e necessariamente decisões emitidas pelo tribunal colectivo e de júri.
IV - Assim, conclui-se que, se por um lado não são admissíveis de recurso as decisões que confirmem a decisão de 1.ª instância, nos termos da al. d) do n.º 1 do art. 400.º do CPP, igualmente é certo que o disposto na al. e) do mesmo normativo deve ser interpretado no sentido de que a recorribilidade para o STJ das decisões que aplicam penas privativas de liberdade está dependente do facto de as mesmas penas se inscreverem no catálogo da al. c) do n.º 1 do art. 432.º do mesmo diploma, ou seja, serem superiores a 5 anos.
V -  A qualificação do homicídio tem como fundamento a culpa agravada que o agente revela com a sua actuação, sendo um tipo de culpa. Indubitavelmente que o apelo a exemplos padrão, como exemplificadores de uma intensidade qualitativa da culpa, reflecte uma técnica de tipos abertos que apenas pode ser compreendida dentro dos limites por alguma forma propostos pelo princípio da legalidade.
VI - Assim, o julgador deverá subsumir à qualificação do artigo em causa apenas as condutas que, embora não abrangidas pelo perfil especificado, normativamente correspondem à estrutura de sentido e ao conteúdo de desvalor de cada exemplo padrão. O que determina a agravação é sempre um acentuado desvalor da atitude do agente, quer o mesmo se exprima numa maior intensidade do desvalor da acção, quer numa motivação especialmente desprezível.
VII - Motivo fútil é o motivo de importância mínima. Será também o motivo “frívolo, leviano, a ninharia” que leva o agente à prática desse grave crime, na inteira desproporção entre o motivo e a extrema reacção homicida, o que se apresenta notoriamente desadequado do ponto de vista do homem médio em relação ao crime praticado; o que traduz uma desconformidade manifesta entre a gravidade e as consequências da acção cometida e o que impeliu o agente a essa comissão, que acentua o desvalor da conduta por via do desvalor daquilo que impulsionou a sua prática.
VIII - Casos existem em que o homicídio surge numa situação em que de todo não era expectável, porquanto os motivos que lhe estão na base são mínimos; são razões menores. A prática do crime surge aqui como resultado de um processo pautado pela ilógica, ou de plena irracionalidade, em que uma culpa do agente acentuada por um alto grau de censurabilidade leva a tirar a vida a alguém por razões fúteis.
IX - No caso vertente, não existe qualquer outra razão explicitada que não o facto de a vítima, após troca de palavras com o arguido, em que proferiu a expressão “Vou-me embora, não estou para aturar malucos que não conheço de lado nenhum”, ter abandonado o local. Significa o exposto que, em termos comunicacionais, o único contacto que existiu entre dois intervenientes resumiu-se a uma breve troca de palavras entre pessoas, até então, desconhecidas, e ao facto de a vítima se ausentar do local.
X -  Inexistindo qualquer processo de perturbação psíquica susceptível de afectar a capacidade do arguido reger a sua vontade de acordo com a realidade percepcionada é manifesto que o quadro factual descrito revela um primitivismo de reacções em que emergem as pulsões mais primárias e uma conduta da vítima com um mínimo de relevância é interpretada como uma ofensa susceptível de justificar a sua morte. Segundo as suas palavras, ao arguido “ninguém voltava costas” e, assim, na sua perspectiva, estava encontrada a justificação para infligir a morte da vítima.
XI - À face do cidadão médio o quadro descrito não só revela uma desproporcionalidade entre o motivo que despoleta o itinerário criminoso, ou seja, entre a ofensa e a reacção, mas consubstancia antes uma ausência de um processo compreensível que minimamente convoque a lógica como explicação da conduta do arguido. Está assim perfeitamente justificada a integração na al. e) do art. 132.º do CP.
XII - Não se vislumbra razão legal, ou imperativo constitucional, que proíba uma dupla agravação da pena, desde que a mesma corresponda a uma diversa dimensão da ilicitude, ou da culpa, e não a uma arbitrária violação do princípio non bis in idem. A particularidade do caso vertente surge com a circunstância de, para além das circunstâncias que se inscrevem no art. 132.º do CP, surgir uma outra qualificativa de carácter geral cominada no art. 86.º da Lei 5/2006. Existe, assim, uma concorrência de qualificativas.
XIII - Mas neste caso não estamos perante uma concorrência de qualificativas dentro do mesmo tipo e susceptíveis de evidenciar uma densidade acrescida de culpa na prática do homicídio, mas sim perante uma agravação de natureza geral que dimana de razões de prevenção geral absolutamente distintas, que radicam na necessidade de conter o recurso às armas na prática de crimes. Não é, pois, uma questão de especial perversidade, ou crueldade, revelada no crime de homicídio que está em causa, mas tão somente o emprego da arma e a carga negativa que tal emprego tem associado e que se revela quer o crime seja de homicídio, quer seja de uma outra qualquer espécie em que seja utilizada a arma.
XIV - O repúdio da consideração em termos de pena da qualificativa constante do referido normativo da Lei das Armas ignora as razões de prevenção que lhe estão subjacentes, sem qualquer razão legal atendível. Aliás, o próprio art. 86.º é expresso quando liminarmente refere que a qualificativa se refere a penas aplicáveis a crimes cometidos com arma, ou seja, num primeiro momento há que aferir dos factores relevantes em termos de medida da pena em relação a um tipo legal que é qualificado e, em função das circunstâncias do mesmo crime, e, em seguida, modela-se a mesma pena de acordo com aquele normativo. Este reflecte uma ilicitude que não tem vasos comunicantes com o tipo de homicídio e cuja existência está apenas dependente da ilicitude revelada pela existência de arma na prática do crime. Não existe, assim, qualquer reparo a fazer à decisão recorrida no que toca à moldura legal encontrada que, assim, se situa entre os 16 e os 25 anos de prisão.
XV - Nos autos foi dado como provado que “O arguido não apresenta qualquer quadro psicopatológico grave que o impeça de se autodeterminar, sendo imputável, apesar de apresentar um nível intelectual total correspondente a uma deficiência mental ligeira”. O agente, no momento da prática do facto, deve ser capaz de avaliar a ilicitude deste e de se determinar de acordo com essa avaliação. No caso sub judice é liminar que o arguido é detentor do necessário suporte biopsicológico que lhe permitiu avaliar o desvalor da sua conduta, ou seja, o mal que praticava. Não obstante, também não se pode colocar exactamente no mesmo plano o agente perfeitamente normal e apto a agir de acordo com a sua vontade com aquele que evidencia uma perturbação nas suas faculdades mentais.
XVI - É certo que aqui subsistirá sempre a questão de saber se, e em que medida, o itinerário criminoso concreto foi condicionado pela deficiência mental existente. Porém, adquirida a existência da mesma patologia, tal dúvida tem a virtualidade de fazer emergir o princípio in dubio pro reo e, assim, deve a mesma ser valorada no sentido de ter potencialidade para afectar globalmente todo o processo de determinação de vontade do arguido.
XVII - A culpa é a razão de ser da pena e, também, o fundamento para estabelecer a sua dimensão. A prevenção é unicamente finalidade da mesma. Na sua essência a pena é retribuição da culpa e, subsidiariamente, instrumento de intimidação da generalidade e, na medida do possível, de ressocialização do agente.
XVIII - A ilicitude e a culpa são conceitos graduáveis entendidos como elementos materiais do delito. Isto significa, entre outras coisas, que a intensidade do dano, a forma de executar o facto e a perturbação da paz jurídica contribuem para dar forma ao grau de ilicitude, enquanto que a desconsideração, a situação de necessidade, a tentação, as paixões que diminuem as faculdade de compreensão e controle; a juventude; os transtornos psíquicos ou erro devem ser tomados em conta para graduar a culpa.
XIX - Para a individualização da pena, tanto na perspectiva da culpa como da prevenção, é essencial a personalidade do agente que, não obstante, só pode ter-se em conta para a referida individualização quando mantenha relação com o facto. O círculo de elementos fácticos de individualização de pena amplia-se substancialmente mediante a consideração da vida anterior do agente e a conduta posterior ao delito. A conduta posterior ao delito pode constituir um elemento importante a propósito da culpa e da perigosidade do arguido.
XX - Sopesando o peso dos factores supra referidos, e considerando as finalidades da pena nos termos enunciados, entende-se com justa retribuição do crime de homicídio praticado a pena de 17 anos de prisão aplicada pelo Tribunal da Relação. Sublinhe-se, mais uma vez, nessa conclusão que a necessidade imperiosa, em termos de prevenção geral, de penalizar com gravidade os crimes em que está em causa a vida ou a integridade física dos cidadãos não pode desmerecer, também, as circunstâncias concretas do caso que, na situação em apreço, se revelam sobretudo pela referida patologia.
Decisão Texto Integral:

               Acordam no Supremo Tribunal de Justiça

   

AA veio interpor recurso da decisão que o condenou nas seguintes penas:-como autor material de um crime de homicídio qualificado, p.p art.º 131º e 132, n.º1 e 2 al.e) do Código Penal, e agravado pelo artigo 86, nº3 da Lei 17/2009,é condenado na pena de dezassete (17) anos de prisão; Como autor material de um crime de detenção de arma proibida previsto e punível nos termos do disposto no artigo 3º, nº 1 e 2, al. l e artigo 86, n.º1, alínea c) da Lei nº 5/2006 de 23 de Fevereiro, com as alterações introduzidas pela Lei n.º 17/2009 de 6 de Maio, é o mesmo Recorrente condenado na pena de oito (8) meses de prisão.

Em cúmulo jurídico, foi condenado na pena única de dezassete (17) anos e quatro (4) meses de prisão.

Em sede de primeira instância o arguido foi condenado como autor material de um crime de homicídio qualificado, p.p. no art.º 131º e 132, n.º1 e 2 al.e) do Código Penal, e agravado pelo artigo 86, nº3 da Lei 17/2009, na pena de dezanove (19) anos e seis (6) meses de prisão; como autor material de um crime de detenção de arma proibida previsto e punível nos termos do disposto no artigo 3º, nº 1 e 2, al. e artigo 86, n.º1, alínea c) da Lei nº 5/2006 de 23 de Fevereiro, com as alterações introduzidas pela Lei n.º 17/2009 de 6 de Maio, na pena de dezoito (18) meses de prisão.

Em cúmulo jurídico foi condenado na pena única de vinte (20) anos de prisão.

São as seguintes as razões de discordância expressas nas conclusões da respectiva motivação de recurso:

1) O nosso sistema penal, em cumprimento dos direitos constitucionalmente consagrados (nº 1 do art. 31 da Constituição da República Portuguesa) estabelece um duplo grau de jurisdição que deve ser entendido como a possibilidade de se obter o reexame de uma decisão no seu todo por um juiz de uma instância superior.

2) Entendeu o Venerando Tribunal da Relação que a moldura penal do homicídio deveria ser agravada por força da aplicação do nº 3 do art. 86° do RJAM com as alterações introduzidas pela Lei 17/2009, de 06 de Maio.

3) Salvo o devido respeito e melhor opinião, andou mal o Tribunal da Relação ao perfilhar a interpretação plasmada no Acórdão do STJ, que nos parece manifestamente inconstitucional e contrária ao plasmado na Lei.

4) Sustentam os Senhores Conselheiros, posição que o Tribunal da Relação sufragou, que o «.. uso e porte de arma não é elemento do crime de homicídio, cujo tipo legal fundamental é o previsto no art. 131 c do CP. ".

5) Perguntamos nós: que crimes no nosso Código Penal têm no seu tipo legal o uso e porte de arma?

6) Se o uso de arma já é considerado um factor de agravação na maioria dos tipos de crime não faz sentido interpretar o nº 3 do art. 86° extensivamente considerando que só não é de accionar aquela agravação se a agravação do tipo de crime for, no caso concreto, o uso de arma, uma vez que estaríamos a agravar um crime que já está agravado. o que constituiria uma dupla agravação, solução inédita no nosso ordenamento jurídico penal.

7) Os elementos que devem nortear o julgador no seu processo de interpretação da norma em causa são:

a) - O elemento literal da letra da lei. O nº 3 do art. 86° prescreve expressamente que a agravação não se aplica quando "".0 porte ou uso da arma for elemento do respectivo tipo de crime ou a lei já previr agravação mais elevada para o crime, em função do uso ou porte de arma. JJ.

b) - O elemento sistémico em que o nosso direito penal se encontra organizado, consignando os tipos simples em primeiro lugar e depois os factores de agravação desses mesmos tipos em segundo lugar.

Em nenhum crime encontramos um duplo grau de agravação, sendo que podem existir vários factos de agravação que serão tidos em conta aquando da graduação da pena.

c) - Por último, parece-nos claramente que a "ratio legis" da Lei 17/2009 de 06 de Maio vai no sentido da prevenção geral, agravando os tipos simples cometidos com recurso ao uso de armas.

8) O Tribunal "a quo" ao ter interpretado o nº 3 do art. 86° da fom1a que interpretou, violou entre o mais a letra da Lei, a organização do nosso sistema Penal e a "ratio legis" do legislador quando estatuiu tal norma.

9) Acresce que a interpretação do nº 3 do art. 86° do RJAM tal qual o Tribunal "a quo" efectuou constitui clara violação do princípio "non bis in idem" e da igualdade consignados nos arts. 29° e 13° da Constituição da República Portuguesa.

10) A pena de homicídio deverá ser reduzida, atendendo ao supra exposto, para uma pena na ordem dos 14 anos de prisão.

            Igualmente o Ministério Publico veio interpor recurso da decisão proferida argumentando da forma seguinte constante da respectiva motivação de recurso:

1. O Tribunal da Relação mantém, no douto acórdão recorrido, a construção dogmática referente à qualificação do crime de homicídio, reproduzindo a que o Tribunal de Mesão Frio havia empreendido, sem no entanto, deixar de reconhecer «( ... ) a controvérsia sobre a presente questão e salvaguardando o devido respeito por opinião contrario>

(2. A questão jurídica nuclear colocada no presente recurso é a da validade, ou não, da qualificação do crime de homicídio já qualificado pela al. e) do nº 2 do art. 132.° do CPenal após a comunicação da alteração efectuada na sessão da audiência de discussão e julgamento de 06-04-2011, pela circunstância do art. 86.°, nº 3 do RJAM.

3. A questão não é académica ou ociosa, dados os relevantes efeitos no plano da moldura penal aplicável consoante se opte por uma ou por outra.

4. E é neste particular que nos afastamos quer da posição do acórdão do tribunal de 1.a instância, quer do acórdão recorrido, convindo, embora, que reconhecemos não ser questão isenta de dúvidas e estar longe de ser incontroversa, sendo esse o motivo pelo qual pretende submeter à mais Alta Instância Judicial a apreciação da mesma, na sua aplicação ao caso vertente.

5. A posição que sufragamos parece-nos mais conforme com os princípios dogmáticos e político-criminais que presidem ao nosso sistema sancionatório, no tocante ao funcionamento de circunstâncias modificativas agravantes, bem como aos propósitos político-criminais das alterações pretendidas com as alterações do RJAM operadas pela introdução da nova redacção do art. 86.0 daquele regime pela Lei n.o 17/2009.

6. O exercício empreendido pelo tribunal a quo, pode, com efeito, encerrar uma forma de "dupla qualificação" do crime de homicídio, que parece não ter sido pretendida nem prevista na nossa ordem jurídica.

7. O tribunal a quo entendeu que as circunstâncias qualificativas do art. 132.0 do CPen estão relacionadas com a culpa, enquanto a agravação do art. 86.°, nº 3 do RJAM respeita à ilicitude, louvando-se no fundamento do douro Ac. do S1] de 31-03-2011 (Relat. Cons. Manuel Braz), curiosamente citado também pelo arguido no seu recurso, que transcreve um trecho do parecer da ExMª magistrada do Ministério Público no STJ, nesse processo, em sentido contrário ao entendimento que fez vencimento no aresto.

8. Estamos, em princípio, de acordo com tal entendimento. Mas afastamo-nos dele quando dai se pretendem extrair consequências prático-processuais, designadamente ao nível da pena abstracta.

9. O crime de homicídio pode vir a ser qualificado pela circunstância da al. h) do nº 2 do art. 132º do CPenal, se o agente revelar especial perversidade ou censurabilidade, que consubstancia a utilização de arma, que é um meio particularmente perigoso e configura-se como um crime de perigo comum (epígrafe da Sec. I do Capo X do RJAM).

10. Fazendo o excurso do que sucedeu nos autos, recorda-se que o arguido foi acusado pela prática do crime de homicídio qualificado, p. e p. nos termos do artigos 131° e 132.°, nº 1 e 2, als. i) e j) do CPen - cfr. fIs. 311 a 317 - 2.° vol.

11. A acusação foi recebida nesses mesmos termos - conf. fls. 435 - 2.° vol ":

12. Foi feita a comunicação de uma alteração não substancial e de uma alteração da qualificação jurídica (que implica a agravação dos limites mínimo e máximo da pena aplicável ao crime de homicídio já qualificado) e que importa a subsunção dos factos ao disposto no art. 86.°, nº 3 do RJAM, efectuada na sessão da audiência de discussão e julgamento de 06-04¬2011, a qual foi tomada em conta para a condenação do arguido nos termos em que o foi.

13. Mantemos, assim, a nossa posição no sentido de que o Tribunal recorrido deveria ter confirmado, antes, a qualificação do crime de homicídio pela al. i) - traduzido na inesperada, capciosa e surpreendente utilização da arma de fogo utilizada na consumação dos disparas que vitimaram o malogrado BB - ou a alteração para o acolhimento da al. e) do mesmo preceito, dando-se como demonstrada a prática de um crime de perigo comum, concomitante com a consumação do homicídio.

14. Simplesmente, o resultado a que o tribunal a quo chega é o de uma «dupla qualificação» do homicídio já qualificado pela al. e) do nº2 do art. 132.° do CPenal, a operar pelo nº 3 do art. 86.° do RJAM.

15. Lendo bem o aresto do STJ que fundamenta o acórdão e que atrás se fez referência, constata-se que a situação de facto que lhe subjaz é bem diversa: trata-se, ali, de um homicídio simples, relativamente ao qual se discute a possibilidade de agravação dos termos de punibilidade, pelo facto de haver sido cometido com ama de fogo. 

16. No caso dos autos, ao contrário, funcionou uma outra circunstância do art. 132º, nº 2 do CPen, apesar de não nos parecer a mais acertada - que, como se disse, nos pareceria ser a aI. e), uma vez que a utilização da arma revestiu característica reveladora de brutalidade, insensibilidade para com a vida humana, por parte do arguido, o que preenche o requisito da especial perversidade ou censurabilidade.

17. Isso seria suficiente, quanto a nós, para afastar a agravação, baseada na ilicitude, conforme se refere no acórdão recorrido, e de operar, assim, a dupla agravação da incriminação, comportando o que nos parece ser uma potencial violação do princípio non bis in idem, em que o limite mínimo da pena encontrada é igual ao limite máximo do crime de homicidio simples - dezasseis (16) anos de prisão.

18. E, no fundo, se virmos bem a letra da lei, parece ser esse o escopo da norma agravante do art. 86.0, nºs 3 e 4 do RJAM: o de evitar a dupla qualificação;

19. Também nos parece sufragar essa opinião ARTUR VARGUES, em anotação ao art. 86.0 do RJAM, quando refere que «O nº 3 com o escopo de especialmente reprimir a utilização de armas na prática de crimes e dar resposta tida como adequada e proporcional à criminalidade violenta e mais grave, consagrou a agravação especial de um terço, nos seus limites mínimo e máximo para os crimes cometidos com recurso a arma C ... ) mas estabelece uma cláusula de subsidariedade ao referir que "esta agravação só funciona se outra mais grave não estiver consagrada para o crime em causa em função do uso e porte da arma ou se estes não forem já elementos desse tipo de ilícito", afastando-se, por isso, desde logo, desta agravação os crimes de furto qualificado e roubo agravado em que a qualificação e agravação ocorram por via de circunstância "trazendo, no momento do crime, arma aparente ou oculta"

20. Assim, o tribunal a quo, ao estabelecer um duplo grau de agravação do crime de homicídio, ao fazer operar a circunstância do art. 132.°, n.o 2, al. e) do CPen e do art. 86.°, nº 3 do RJAM, fixa um limite mínimo da moldura legal em 16 anos de prisão, o que se afigura desiderato não pretendido pela lei.

21. Antes, deveria, na economia e raciocino ínsito no acórdão, funcionar a circunstância modificativa agravante mais adequada e funcionar o uso e utilização da arma como agravante geral dentro da moldura do homicídio qualificado, ou, como nos pareceria mais indicado, fazer-se funcionar as circunstâncias qualificativas das alíneas e) (motivo fútil) e h) (prática de crime de perigo comum), implicando uma a agravação da moldura penal para 12 a 25 anos e a outra como agravante geral dentro dessa moldura.

22. Com estas considerações nada briga a autonomização da punição da detenção da arma (proibida) utilizada na prática do crime, dado que a tutela da sua detenção ilícita e punível excede a conferida à realização do homicídio.

23. Como tal, parece-nos que, a acolher-se a tese da Relação, no sentido de confirmar a qualificação do crime de homicídio nos termos em que o fez o Tribunal de 1º instância, o seu resultado - no sentido da redução da pena parcelar por tal crime, de 19 Anos e 6 Meses de prisão para 17 anos de prisão - parece-nos algo injustificado, devendo a pena manter-se, caso se sancione tal entendimento, em medida sempre superior.

24. A sufragar-se a posição do acórdão ora recorrido, a medida concreta da pena não pode deixar de ser considerada algo branda, uma vez que se situa - apesar de toda a saliência atenuativa das circunstâncias encontradas pela relação - em medida apenas um ano acima do limite mínimo da moldura penal, que é de 16 anos de prisão (sendo 25 anos o limite máximo). 

25. A Relação sobrevalorizou o quadro de alcoolismo do arguido, o seu «bom comportamento prisional» e a «Deficiência mental ligeira» que apresenta, enquanto factores que mitigam a responsabilidade do mesmo.

26. Não podem esses factores ter o pretendido (e excessivo) efeito atenuativo.

27. Já o mesmo não diríamos se o arguido tivesse demonstrado querer minorar o (acentuado) mal do crime. Mas, infelizmente, nada disso se demonstrou.

28. Assim, a pena fixada na decisão recorrida - na construção efectuada pela Relação - relativamente ao crime de homicídio (qualificado) é manifestamente desajustada, por diminuta, devendo manter-se a medida aplicada no Tribunal de 1. a instância.

29. O Tribunal a quo entendeu - apesar de o arguido no seu recurso aludir apenas à desproporção de tal pena parcelar, sem mencionar ou impetrar uma concreta redução - fazer uso dos seus poderes de rejormatio in melius, reduzindo tal pena de 18 meses para 8 meses de prisão, aludindo aos graus de culpa e de ilicitude já sopesados no tocante ao crime de homicidio.

30. Tal decisão viola frontalmente a lei, por aplicar pena concreta de medida inferior ao mínimo legal, que é de um ano de prisão- cfr. art. 86.°, nº 1, al. c) da da Lei nº 5/2006, de 23-02 (com as alterações da Lei nº 17/2009, de 06-05).

31. Se por um lado, vendo a uma nova óptica, num quadro de moldura pena entre um ano e cinco anos de prisão, não nos parece que possa entender-se como excessiva a pena concreta de 18 meses de prisão.

32. Por outro lado, a redução da pena (parcelar) aplicada ao crime de detenção de arma proibida, p. p. no art. 3.°, nº 1 e 2, al. 1) e art. 86.°, n.o 1, al. c) da Lei nº 5/2006, de 23-02 (com as alterações da Lei nº 17/2009, de 06-05) para uma medida inferior à sua metade, e que é ilegal, causa alguma surpresa, se não mesmo perplexidade.

33. A opção por pena de prisão, não questionada pelo Tribunal da Relação - já que a moldura penal contempla a hipótese de opção por multa - não poderia levar a aplicar pena inferior a um ano de prisão.

34. Parece-nos, no entanto, justificada a aplicação da pena fixada na decisão do tribunal de 1.a instância, que fora de 18 meses de prisão, relativamente ao crime de detenção de arma proibida, p. p. no art. 3.°, nºs 1 e 2, aI. ~ e art. 86.°, n.o 1, aI. c) da Lei n.o 5/2006, de 23-02 (com as alterações da Lei nº 17/2009, de 06-05).

35. Assim, o Tribunal a quo terá excedido - para menos - a indicada margem de liberdade de determinação da pena, face ao quadro circunstancial concreto dos crimes pelos quais o arguido foi condenado, afigurando-se, pois, ajustadas as penas parcelares de 19 anos de prisão pelo crime de homicídio a não se acolher o nosso entendimento sobre a não qualificação autónoma do homicídio nos termos do art. 86.°, nº 3 do RJAM, caso em que a pena se deveria fixar em medida não inferior a 17 Anos e 6 Meses - bem como a pena de 18 meses de prisão, relativamente ao crime de detenção de arma proibida, sendo ilegal a medida (de 8 meses) fixada por tal crime, nunca podendo resultar em medida inferior ao limite mínimo da moldura penal (que é de um ano ou doze meses de prisão).

36. Ao decidir como decidiu, o Tribunal recorrido fez errada interpretação e violou o disposto nos artigos 40.°, 71.°, 72.°, 132.°, nº 1 e 2, als. e), i) e j) do CPenal, e 86,°, 1, al. c) e nº 3 e 4 da Lei nº 5/2006, de 23-02 (com as alterações da Lei 17/2009, de 06-05), ou seja

37. ao considerar o crime de homicídio qualificado - nos termos do art. 132.°, nº 2, al. e) do CPenal - agravado, ainda, nos termos do art. 86.°, nº 3 do RJAM, bem como,

38. ao condenar o arguido pelo crime de detenção de arma proibida, p. p. no art. 86.°, nº 1, aI. c) da Lei n.o 5/2006, de 23-02 (com as alterações da Lei nº 17/2009, de 06-05) em pena concreta (8 meses de prisão) cuja medida é inferior ao mínimo da moldura legal (de um ano de prisão).

Termina pedindo que seja revogada a decisão recorrida nos termos propostos.

               Foram produzidas respostas nos termos constantes dos autos.

Neste Supremo Tribunal de Justiça o ExºMº Sr Procurador Geral Adjunto emitiu proficiente parecer em que se pronuncia pela improcedência do recurso.

                                          Os autos tiveram os vistos legais.

                                                                *

                                                      Cumpre decidir.   

    São os seguintes os factos considerados provados em sede de decisão recorrida:

1.1.1 No dia 28 de Fevereiro de 2010, cerca das 22horas, BB entrou no café "C...", sito em Vila Marim, do Concelho e Comarca de Mesão Frio, dirigindo-se à zona do balcão.

1.1.2 O arguido AA já se encontrava no interior do mencionado café, sentado a uma mesa e, apesar de não conhecer o BB, levantou-se e dirigiu-se ao balcão, mais concretamente ao local onde a vítima se encontrava.

1.1.3 Aí chegado dirigiu-lhe umas palavras de teor não concretamente apurado.

1.1.4 O BB, depois de uma troca de palavras com o arguido, também de teor não concretamente apurado, abandonou o café, tendo para tal virado as costas ao arguido, proferindo a seguinte expressão: "Vou-me embora, não estou para aturar malucos que não conheço de lado nenhum".

1.1.5 Acto contínuo, o arguido seguiu o BB, proferindo a seguinte expressão: "Ao B... ninguém vira as costas", quando ainda se encontrava dentro do café.

1.1.6 Já no exterior do café, e sempre seguido pelo arguido, a vítima dirigiu-se à sua viatura, onde entrou, sentando-se no banco frontal, no lugar do condutor.

1.1.7 Quando ai se encontrava sentado e com a porta dianteira lateral esquerda aberta, o arguido dirigiu-lhe umas palavras não concretamente apuradas, ao mesmo tempo que, sem que nada o fizesse prever, munido de uma pistola semi-automática, calibre 6,3Smm Browning, transformada, introduziu o braço no interior do habitáculo da viatura e apontou a mencionada pistola à parte lateral esquerda do tronco de BB, e com a mesma a uma distância não concretamente apurada, mas não superior a 50 cm, da mencionada região, e sem que este se pudesse defender, tendo em conta a posição em que se encontrava, bem como o facto de ter sido colhido de surpresa, efectuou quatro disparos, atingindo-o com dois dos projécteis disparados, na região dorso-lombar esquerda e no membro superior esquerdo, tendo o BB tombado para o banco frontal direito, voltando o arguido a proferir a expressão: "Ao B... ninguém vira as costas".

1.1.8 De seguida, o veículo onde se encontrava a vítima descaiu, indo embater numa outra viatura de marca Citroên, de matrícula ...¬-AV, propriedade do arguido.

1.1.9 Após, e ainda na posse da arma, o arguido foi detido por CC, agente da Polícia de Segurança Pública, que embora não estando no exercício das suas funções, compareceu no local.

1.1.10 O projéctil que atingiu BB na região dorso - lombar esquerda provocou-lhe as lesões descritas no relatório de autópsia (junto a fls. 268 a 284 e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido), nomeadamente lesões torácico abdominais, tais como a laceração da face anterior do pólo superior do rim esquerdo e a laceração completa da gandula supra renal esquerda, tendo ainda o projéctil atravessado a hemicúpula diafragmática esquerda entrando na cavidade torácica, onde atravessou a artéria aorta e seguiu o seu trajecto em direcção ao pulmão direito, onde atravessou o lobo inferior e o médio, tendo ficado alojado na cavidade pleural direita, das quais resultaram a sua morte.

1.1.11 O arguido sabia que a arma que detinha estava carregada com projécteis, tal como sabia que ao accionar a referida pistola, apontando a uma curta distância sobre uma zona vital do corpo de BB, lhe provocaria a morte, como veio a acontecer.

1.1.12 Actuou o arguido com o propósito concretizado de tirar a vida a BB.

1.1.13 O arguido detinha a arma mencionada há já alguns meses, a qual tinha adquirido a individuo não identificado, apesar de saber que não a podia deter, pelo facto da mesma ser uma arma transformada, não sendo possível a sua legalização.

1.1.14 Usou a mesma, sabendo que estava a recorrer a um meio perigoso e letal.

1.1.15 O arguido actuou conforme descrito, nomeadamente em 7), pelo facto da vítima lhe ter virado as costas no café C... e abandonado o mesmo, agindo com sangue frio, demonstrando ser insensível ao valor da vida humana.

1.1.16 Em todas as circunstâncias actuou o arguido de forma livre, voluntária e consciente, sabendo que a sua conduta revelava censurabilidade e perversidade.

1.1.17 Sabia que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.

1.1.18 O arguido em 2001 sofreu um acidente de viação, tendo sido internado e intervencionado várias vezes por causa desse acidente.

 1.1.19 O arguido foi sujeito a várias intervenções cirúrgicas no Hospital de Santo António e nos hospital de Trás - os - Montes e Alto Douro. 1.1.20 O arguido foi sujeito a anestesias gerais.

1.1.21 De acordo com a declaração emitida pelo Directo do EP, onde se encontra o arguido, este, desde a sua entrada, tem mantido bom comportamento prisional, cumpre as regras instituídas, não tem registo de punições e não é conflituoso.

1.1.22 O arguido trabalhava na agricultura.

1.1.23 Aufere uma reforma por invalidez de cerca de  €303,00 mês.

 1.1.24 O arguido até 2001 consumia bebidas alcoólicas em excesso.

1.1.25 Deixou de beber em 2001, em virtude do acidente que sofreu, tendo em Outubro de 2009, voltado aos consumos de álcool, apesar de apresentar um funcionamento cognitivo que não o incapacitava de compreender que devia abster-se de consumir bebidas alcoólicas.

1.1.26 O arguido tomava xanax à noite.

1.1.27 O arguido não apresenta qualquer quadro psicopatológico grave que o impeça de se autodeterminar, sendo imputável, apesar de apresentar um Nível Intelectual Total correspondente a uma Deficiência Mental Ligeira.

1.1.28 O arguido tem a 4ª classe.

1.1.29 Do CRC do arguido não constam quaisquer antecedentes.

 1.1.30 A vítima nasceu em 14.08.1966.

1.1.31 Na altura dos factos encontrava-se desempregada.

1.1.32 Anteriormente tinha trabalhado em Espanha para a empresa R...M...G...I...,  entre 27 de Agosto de 2007 e 30 de Setembro de 2009, como motorista, auferindo, em média, o salário de €1.300,00.

1.1.33 Residia com a mãe.

1.1.34 Era uma pessoa bem integrada social e familiarmente.

1.1.35 Viveu com os demandantes e em união de facto com a mãe destes até Outubro de 2008.

1.1.36 Até essa data dividia as despesas do agregado.

1.1.37 A partir da data da separação contribuía com a quantia de €400,00jmês, a título de alimento para os menores.

1.1.38 Contribuindo ainda com roupas e outras prendas, num montante nunca inferior a €240jano, para cada um.

1.1.39 Era uma pessoa alegre, feliz e optimista.

1.1.40 A vítima tinha uma grande ligação com os demandantes.

1.1.41 Depois de separado da mãe dos demandantes a vítima visitava estes com regularidade, sempre que podia, especialmente aos fins¬de-semana.

1.1.42 Telefonava-lhes com frequência.

1.1.43 Os demandantes depois dos factos passaram a carecer de acompanhamento psicológico.

1.1.44 O demandante DD depois dos factos passou a demonstrar inibição afectiva, por vezes cognitiva, a par de inquietação motora. 1.1.45 A mãe dos demandantes é professora.

1.1.46 Aufere cerca de €1.699,81/mês.

1.1.47 Reside em Valpaços e lecciona em Murça.

1.1.48 Actualmente os demandantes vivem dos rendimentos da mãe e de alguma ajuda dos avós.

1.1.49 O ISS, em consequência dos factos, pagou aos demandantes a quantia de €2 515,32 a título de subsídio por morte, e entre Março de 2010 e Fevereiro de 2011 pagou a cada um dos demandantes a quantia de 82,44 a título de pensão de sobrevivência.

1.2 FACTOS NÃO-PROVADOS

1.2.1 Que o arguido na data dos factos estivesse sob o efeito do álcool; 1.2.2 Que no dia dos factos tivesse ingerido grandes quantidades de bebidas alcoólicas;

1.2.3 Que o arguido na altura dos factos não tivesse controlo efectivo sobre os seus actos;

1.2.4 Que o arguido devido ao álcool e às anestesias que sofreu não tivesse a percepção da gravidade dos factos e o controlo sobre as suas capacidades intelectuais e volitivas.

1.2.5 Que a vítima auferisse um subsídio de €629,00€

1.2.6 Que o arguido se tenha ausentado do café enquanto a vítima permaneceu no seu interior.

1.2 FACTOS NÃO-PROVADOS

1.2.1 Que o arguido na data dos factos estivesse sob o efeito do álcool; 1.2.2 Que no dia dos factos tivesse ingerido grandes quantidades de

bebidas alcoólicas;

1.2.3 Que o arguido na altura dos factos não tivesse controlo efectivo sobre os seus actos;

1.2.4 Que o arguido devido ao álcool e às anestesias que sofreu não tivesse a percepção da gravidade dos factos e o controlo sobre as suas capacidades intelectuais e volitivas.

1.2.5 Que a vítima auferisse um subsídio de €629,00€

1.2.6 Que o arguido se tenha ausentado do café enquanto a vítima permaneceu no seu interior.

                                                                  *

I

Como questão prévia importa apreciar a admissibilidade do recurso interposto pelo Ministério Publico em relação ao crime do artigo 3º, nº 1 e 2, al. l e artigo 86, n.º1, alínea c) da Lei nº 5/2006 de 23 de Fevereiro, com as alterações introduzidas pela Lei n.º 17/2009 de 6 de Maio. No que concerne àquele tema importa referir a nossa convicção de que estamos perante uma situação que configura uma confirmação pelo tribunal da relação em relação á decisão de primeira instância. Significa o exposto que somos reconduzidos á questão da denominada “reformatio in mellius”

Tal questão, suscitad a propósito da admissibilidade de recurso-artigo 400 nº1 alínea f) do CPP- tem sido objecto de um tratamento maioritário por parte da jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, afirmando a existência de uma confirmação parcial em situações similares, pelo menos até ao patamar em que se situa a sua convergência. A denominada confirmação in mellius viu-se sustentada pelos Acórdãos deste STJ de 16.01.2003 (CJ Acs. STJ, XXVIII, 1, 162 e de 11.03.2004, in CJ Acs. STJ, XII, 1, 224). e no Ac. do Tribunal Constitucional nº 20/2007

Deverá considerar-se existente tal confirmação, para efeito do normativo em causa, quando a decisão do tribunal superior vai ao encontro do pedido formulado e, por essa forma, sempre se pode afirmar que a decisão de recurso confirma a consistência que assiste á decisão recorrida e que a pena aplicada constitui um marco a considerar em termos de recorribilidade. Tal confirmação sucede até ao ponto em que as duas decisões-recorrida e de recurso-convergem conduzindo a uma situação de não admissibilidade do recurso nos termos do artigo 400 nº 1 alínea d) do CPP.

Para além de tal fundamento de inadmissibilidade importa, ainda, considerar que, tal como já se referiu em diversos Acórdãos deste Supremo Tribunal de Justiça,  uma outra questão fundamental na análise de tal questão incide  na interpretação da alínea e) do artigo 400 e da sua conjugação com o artigo 432 alínea c) do Código de Processo Penal. Tal tarefa reconduz-se á aplicação de princípios fundamentais, visando a consagração de uma interpretação permitida pela lei e arredando a possibilidade de uma analogia proibida por situada á margem do princípio da legalidade

 Na tarefa interpretativa a elaborar a primeira conclusão que se pode extrair é a de que a redacção atribuída á referida alínea e) não está de acordo com princípios que desde sempre regeram o sistema de recursos pois que permite, em última análise, que da decisão de juiz singular alterada pelo Tribunal da Relação, e impondo uma pena privativa de liberdade de qualquer dimensão quantitativa, se possa recorrer para o Supremo Tribunal de Justiça. Tal admissibilidade viola frontalmente aqueles princípios.

Aliás, saliente-se que, no domínio da interpretação de que se discorda, a decisão do juiz singular é susceptível de recurso para o Tribunal da Relação-artigo 427 do Código de Processo Penal- o qual pode ser restrito á matéria de direito. Por seu turno, ainda no domínio da mesma interpretação, a decisão da Relação, se aplicar pena privativa de liberdade, é susceptível de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça. Porém, se a decisão aplicada for emitida pelo tribunal colectivo e se restringir á matéria de direito apenas pode ser dirigida ao Supremo Tribunal de Justiça-artigo 432 nº1 alínea c) do Mesmo diploma. 

A interpretação literal consagra, assim, um duplo grau de recurso em termos de matéria de direito em relação ás decisões do juiz singular alteradas pelo tribunal da Relação e nos sobreditos termos, conferindo-lhes um superior coeficiente garantistico o que, convenhamos, é algo totalmente despropositado na lógica do sistema e reflecte a incorrecção da mesma interpretação.

Já nos Comentários ao Código de Processo Penal Paulo Pinto Albuquerque detectava a evidente aporia referindo que “ A nova regra do triplo grau de jurisdição coloca uma questão adicional conexa com o artigo 432, nº 1, al. c), e nº 2. Esta disposição era consonante com a redacção do artigo 400, nº 1, al. e), da proposta governamental n. ° 109/ X, de acordo com a qual eram irrecorríveis os acórdãos proferidos em recurso, pelas Relações que aplicassem pena de prisão não superior a cinco anos. Contudo, esta disposição do artigo 400, nº 1, al. e)  foi arredado na AR, mas manteve-se o artigo 432 nº1, al. c), e nº 2. Deste modo, surgiu uma discrepância notória entre as duas disposições. O artigo 400 nº1 alínea e) admite o recurso para o STJ de acórdãos do TR proferidos, em recurso em processo por crime a que seja aplicável pena de prisão, mas o artigo nº 1, al. c), e nº 2, só impõe o recurso directo para o STJ dos acórdãos finais proferidos pelo tribunal de júri ou pelo tribunal colectivo que apliquem pena de prisão superior a cinco anos, que visem exclusivamente matéria direito. Ou seja, o recurso da sentença do tribunal singular condenatória da pena de prisão que visa exclusivamente o reexame de matéria de direito deveria ser interposto para o TR e / ou para o STJ. Este tratamento de privilégio dos arguidos julgados pelo tribunal singular não tem nenhum fundo objectivo e, por isso, o artigo 432, nº 1, al. c), deve ser aplicado analogicamente ao recurso da sentença do tribunal singular condenatória em prisão, visando exclusivamente o reexame de matéria de direito.    

Quanto a nós, perfilhamos o entendimento de que é incontornável a constatação de que o sentido literal da referida alínea e) não coincide com a vontade da lei, tal como se deduz da interpretação lógica: há desconformidade entre a letra e o pensamento da lei. Analisando a disposição do ponto de vista lógico, vê-se que resulta outro sentido que não é aquele que das palavras transparece imediatamente.

Como diz Manuel de Andrade as palavras são um meio para tomar reconhecível a vontade, e se é certo que sem alcançar expressão nas formas constitucionais uma vontade legislativa não tem existência jurídica, certo é outrossim que basta uma manifestação defeituosa ou errónea, através da qual se possa reconstruir e vislumbrar essa vontade Pois que o meio deve sacrificar-se ao fim, o pensamento deve triunfar da forma, a vontade da escama verbal: prior atque potentior est quam vox, mens dicentis (7, § 2, Dig. 33, 10).O confronto da interpretação lógica com a literal há-de ter por efeito operar uma rectificação do sentido verbal na conformidade e na medida do sentido lógico. Tratar-se-á de corrigir a expressão imprecisa, adaptando-a e entendendo-a no significado real que a lei quis atribuir-lhe. A modificação refere-se às palavras, que não ao pensamento da lei.

A imperfeição linguística pode manifestar-se de duas formas: ou o legislador disse mais do que queria dizer, ou disse menos, quando queria dizer mais. A sua linguagem pode ser demasiado genérica, e compreender aparentemente relações que conceitualmente dela estão excluídas, ou demasiado restrita, e não abraçar em toda a sua amplitude o pensamento visado. Em suma, o legislador pode pecar por excesso ou por defeito.

A interpretação, para fazer corresponder o que está dito ao que foi querido, procede acolá restringindo e aqui alargando a letra da lei: num caso há interpretação restritiva, e no outro há interpretação extensiva.

No caso concreto impõe-se uma leitura restritiva da referida alínea e) reconduzindo-a não só ao espírito do legislador como á sua interpenetração com o disposto no artigo 432 nº1 alínea c) do Código de Processo Penal. A interpretação restritiva, ainda nas palavras de Manuel de Andrade, aplica-se quando se reconhece que o legislador, posto se tenha exprimido em forma genérica e ampla, todavia quis referir-se a uma classe especial de relações. A interpretação restritiva tem lugar particularmente nos seguintes casos: 1º se o texto, entendido no modo tão geral como está redigido, viria a contradizer outro texto de lei; 2º se a lei contém em si uma contradição íntima (é o chamado argumento ad absurdum); 3º se o princípio, aplicado sem restrições, ultrapassa o fim para que foi ordenado.

É exactamente a primeira hipótese que se verifica no cotejo e conjugação das duas normas em causa pelo que a contradição existente deve ser resolvida dentro daquele que desde sempre tem sido o propósito invocado pelo legislador de reservar a intervenção do Supremo Tribunal de Justiça ás decisões que o mereçam pela sua relevância e necessariamente decisões emitidas pelo tribunal colectivo e de júri.

Assim, conclui-se que, se por um lado não são admissíveis de recurso as decisões que confirmem a decisão de primeira instância, nos termos do nº1 alínea d) do artigo 400 do Código de Processo Penal, igualmente é certo que o disposto na alínea e) do mesmo normativo deve ser interpretado no sentido de que a recorribilidade para o Supremo Tribunal de Justiça das decisões que aplicam penas privativas de liberdade está dependente do facto de as mesmas penas se inscreverem no catálogo do nº1 alínea c) do artigo 432 do mesmo diploma, ou seja, serem superiores a cinco anos.

No caso vertente tal condicionalismo não existe pelo que se determina a rejeição, por inadmissibilidade, do recurso interposto no que concerne - artigos 420º nº1 alínea b) e 414º nº2 do Código de Processo Penal.

 II

Como tivemos ocasião de afirmar em Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça de 27 de Maio de 2010 a qualificação do homicídio tem como fundamento a culpa agravada que o agente revela com a sua actuação sendo um tipo de culpa.[1]

Refere Silva Dias[2] a verificação do exemplo padrão do n° 2 do art. 132° não implica, apenas indicia, a presença de um caso de especial censurabilidade ou perversidade. Tal indício não mais do que isso e tem de ser confirmado através de uma ponderação global das circunstâncias de facto e da atitude do agente nele expressas.

Indubitavelmente que o apelo a exemplos padrão, como exemplificadores de uma intensidade qualitativa da culpa, reflecte uma técnica de tipos abertos que apenas pode ser compreendida dentro dos limites por alguma forma propostos pelo principio da legalidade.

Assim, o julgador deverá subsumir à qualificação do artigo em causa apenas as condutas que, embora não abrangidas pelo perfil especificado, normativamente correspondem á estrutura de sentido e ao conteúdo de desvalor de cada exemplo padrão.

Outro entendimento não podia decorrer do pressuposto de que nos encontramos perante uma qualificação assente no tipo de culpa. O que determina a agravação é sempre um acentuado desvalor da atitude do agente, quer o mesmo se exprima numa maior intensidade do desvalor da acção, quer numa motivação especialmente desprezível  (

Nas palavras de Margarida Silva Pereira[3]  a caracterização do art. 132° do CP passa pela intersecção de três eixos fundamentais, a saber: a exclusão da aplicação automática; a aferição da qualificação por um critério de culpa no sentido de que se utilize os parâmetros consagrados e tipificados para aquilatar se no caso concreto existe de igual forma uma culpa especial e a permissão do recurso á analogia pois que ao juiz cabe sempre a possibilidade de construir em concreto os pressupostos da afirmação de uma especial censurabilidade, ou perversidade, os quais, embora não subsumíveis aos exemplos padrão, constituem, ainda assim, a demonstração de uma especial intensidade da culpa. Todavia, importa salientar que a valoração da culpa operada pelo art. 1321 do CP não aparece desligada de uma ilicitude qualitativamente mais intensa. Como refere a Autora citada o que o legislador comanda não é que se considere uma culpa sem suporte de ilicitude aumentada, mas sim que de tal ilicitude maior não se retirem quaisquer efeitos a menos que se acompanhe de um acréscimo de culpa. A ilicitude superior é aqui um pressuposto de culpa[4]  

O artigo 132 do Código Penal define o tipo de crime de homicídio qualificado constituindo uma forma agravada de crime em relação em relação ao tipo do artigo 131 do mesmo diploma. Objectivamente o tipo de crime assenta nos mesmos factos dos que estão previstos no artigo 131 funcionando a qualificação assente na combinação de um critério de culpa com a técnica dos exemplos padrão.

O critério da qualificação está definido no nº1 do artigo 132 e consiste em tirar a vida a outrem em circunstâncias que revelem uma especial censurabilidade ou perversidade. Algumas das circunstâncias que são susceptíveis de revelar especial censurabilidade, ou perversidade, estão enumeradas no nº1 do mesmo normativo.

A qualificação do homicídio tem como fundamento a culpa agravada que o agente revela com a sua actuação sendo um tipo de culpa. Seguindo Roxin, por tipo de culpa entende-se aquele que, na descrição típica da conduta, contem elementos da culpa que integra factores relativos á actuação do agente que estão relacionados com a culpa mais grave ou mais atenuada. A culpa consiste no juízo de censura dirigido ao agente pelo facto deste ter actuado em desconformidade com a ordem jurídica quando podia, e devia, ter actuado em conformidade com esta, sendo uma desaprovação sobe a conduta do agente. O juízo de censura, ou desaprovação, é susceptível de se revelar maior ou menor sendo, por natureza, graduável e dependendo sempre das circunstâncias concretas em que o agente desenvolveu a sua conduta, traduzindo igualmente um juízo de exigibilidade determinado pela vinculação de cada um a conformar-se pela actuação de acordo com as regras estipuladas pela ordem jurídica superando as proibições impostas. Em suma, o agente actua culposamente quando realiza um facto ilícito podendo captar o efeito de chamada de atenção da norma na situação concreta em que desenvolveu a sua conduta e, possuindo uma capacidade suficiente de auto controlo, e poderia optar por uma alternativa de comportamento.

O especial tipo de culpa do homicídio qualificado é conformado através da especial censurabilidade ou perversidade do agente. Como refere Figueiredo Dias a lei pretende imputará especial censurabilidade aquelas condutas em que o especial juízo de culpa se fundamenta na refracção ao nível da atitude do agente de formas de realização do acto especialmente desvaliosas e á especial perversidade aquelas em que o juízo de culpa se fundamenta directamente na documentação no facto de qualidades do agente especialmente desvaliosas. Enumera o normativo em análise um catálogo dos exemplos padrão e o seu significado orientador como demonstrativo do especial tipo de culpa que está associado à qualificação  [5]

                                                                        *

Dentro da enumeração elencada pelo recorrente, susceptível de conduzir á qualificação no caso vertente, está o denominado motivo fútil.

Motivo fútil é o motivo de importância mínima. Será também o motivo "frívolo, leviano, a “ninharia” que leva o agente à prática desse grave crime, na inteira desproporção entre o motivo e a extrema reacção homicida", o que se apresenta notoriamente inadequado do ponto de vista do homem médio em relação ao crime praticado; o que traduz uma desconformidade manifesta entre a gravidade e as consequências da acção cometida e o que impeliu o agente a essa comissão, que acentua o desvalor da conduta por via do desvalor daquilo que impulsionou a sua prática.

O vector fulcral que identifica o "motivo fútil" não é pois tanto o que passe por dizer-se que, sendo ele de tão pouco ou imperceptível relevo, quase que pode nem chegar a ser motivo, mas sim, aquele que realce a inadequação e faça avultar a desproporcionalidade entre o que impulsionou a conduta desenvolvida e o grau de expressão criminal com que ela se objectivou:- no fundo, em essência, o que prefigure a especial censurabilidade que decorre da futilidade, sendo que esta pressupõe um motivo por ela rotulável e que dela e por ela se envolva (Ac. do STJ de 4/10/2001, proc. nº 1675/01-5).

O crime de homicídio constitui uma violação do bem mais precioso de qualquer pessoa que é a própria vida e, como tal, será sempre inadmissível. Porém, o processo causal que leva á consumação de tal crime, isto é, a dinâmica de emoções e sentimentos que lhe esta associada assume uma policromia por tal forma plurifacetada que, necessariamente, terá de lhe corresponder uma maior, ou menor, compreensão da sua génese. Por outras palavras dir-se-á que, sendo sempre o objecto da mais viva reprovação jurídico criminal, o homicídio pode ter na sua origem uma situação que face á experiência comum poderia conduzir àquele desenlace (v.g. o confronto extremo para desagravo da honra: a defesa de bens que se consideram essenciais).

Porém, casos existem em que o homicídio surge numa situação em que de todo não era expectável porquanto os motivos que lhe estão na causa são mínimos; são razões menores. A prática do crime surge aqui como resultado de um processo pautado pela ilógica, ou de plena irracionalidade, em que uma culpa do agente acentuada por um alto grau de censurabilidade leva a tirar a vida a alguém por razões fúteis.

No caso vertente não existe qualquer outra razão explicitada que não o facto de a vítima, após troca de palavras com o arguido em que proferiu a expressão   "Vou-me embora, não estou para aturar malucos que não conheço de lado nenhum", ter abandonado o local. Significa o exposto que, em termos comunicacionais, o único contacto que existiu entre dois intervenientes resumiu-se a uma breve troca de palavras entre pessoas, até então, desconhecidas, e ao facto de a vítima se ausentar do local.

Inexistindo qualquer processo de perturbação psíquica susceptível de afectar a capacidade do arguido reger a sua vontade de acordo com a realidade percepcionada é manifesto que o quadro factual descrito revela um primitivismo de reacções em que emergem as pulsões mais primárias e uma conduta da vítima com um mínimo de relevância é interpretada como uma ofensa susceptível de justificar a sua morte. Segundo as suas palavras ao arguido “ninguém voltava costas” e, assim, na sua perspectiva estava encontrada a justificação para infligir a morte da vítima.

Á face do cidadão médio o quadro descrito não só revela uma desproporcionalidade  entre o motivo que despoleta o itinerário criminoso, ou seja, entre a ofensa e a reacção mas, a nosso ver, consubstancia antes uma a ausência de racionalidade ou, dito por outras palavras, uma ausência de um processo compreensível que minimamente convoque a lógica como explicação da conduta do arguido.

Está, assim, perfeitamente justificada a integração na alínea e) do artigo 132 do Código Penal.

III

Definido este ponto prévio importa agora suscitar a questão, por alguma forma equacionada na motivação dos recorrentes, e que ambos reconduzem a uma afirmação de proibição de dupla agravação. No que respeita importa, em primeiro lugar, referir que não se vislumbra razão legal, ou imperativo constitucional, que proíba uma dupla agravação da pena desde que a mesma corresponda a uma diversa dimensão da ilicitude, ou da culpa, e não a uma arbitrária violação do principio “non bis in idem”.

Na realidade, a questão que é normalmente equacionada pelo artigo em causa relaciona-se com o plano da proibição da dupla valoração na concorrência de qualificativas do crime de homicídio e, ainda, da ponderação da circunstância qualificativa na medida da pena aplicada em termos globais .Efectivamente, e como refere Figueiredo Dias[6] , não devem ser tomadas em consideração, na medida da pena, as circunstâncias que façam já parte do tipo de crime, nisto se traduzindo o essencial do princípio da proibição de dupla valoração. Sob esta sua mais simples formulação, adianta o mesmo Autor, o princípio tem uma justificação quase evidente: não devem ser utilizadas pelo juiz para determinação da medida da pena circunstâncias que o legislador já tomou em consideração ao estabelecer a moldura penal do facto; e portanto não apenas os elementos do tipo-de-ilícito em sentido estrito, mas todos os elementos que tenham sido relevantes para a determinação legal da pena.

No que concerne perfilhamos o entendimento de que o concurso de circunstâncias qualificativas do crime de homicídio deve ser ponderado na determinação da medida concreta da pena, isto é, qualificada a conduta com a mais grave circunstância e qualificando o crime, as outras circunstâncias devem ser tidas em conta na determinação da pena concreta nos termos gerais.[7]  Reportando-se a esta questão concreta Teresa Serra[8]   justifica a remessa para a inserção na apreciação global dos factores relevantes da medida da pena no tocante á qualificativa que não relevou como tal, afirmando que é de importância decisiva a referência ao Leitbild dos exemplos-padrão, ao Leitbild próprio de um grupo valorativo de homicídios especialmente censuráveis ou perversos. Este Leitbild retirado da análise das diversas circunstâncias exemplificadas no nº 2 do artigo 132.°, irá permitir delimitar a apreciação necessária à afirmação da especial censurabilidade ou perversidade do agente para a qualificação do homicídio. Não basta, todavia, um aumento essencial da ilicitude e/ou da culpa, que se expressam nas diversas circunstâncias do nº 2. É preciso que, a esse grau de gravidade do facto, acresça uma estrutura valorativa do mesmo facto correspondente ao Leitbild dos exemplos-padrão. Esta estrutura valorativa é extraída precisamente da ideia condutora agravante que subjaz a cada uma das circunstâncias mencionadas no nº2.

Adianta ainda a mesma Autora que se se partir deste ponto de vista, concordando igualmente no facto de que os casos duvidosos deverão ser decididos de acordo com o sentido indicado pelo efeito de indício e, encarado na sua dupla vertente, é posta de parte, na esmagadora maioria dos casos, a necessidade de realizar uma apreciação global do facto e do agente para determinar a moldura penal aplicável. Com efeito, desta maneira, a valoração, a que o juiz não pode subtrair-se, deverá efectuar-se numa esfera bastante mais limitada, recorrendo essencialmente às circunstâncias generalizadoras constantes do nº 2 do artigo 132.°, que depois não deverão ser tomadas em consideração na graduação da pena concreta. Nesta graduação, poderão ser valoradas todas as circunstâncias que não contribuam para a escolha da moldura penal aplicável, desde logo, as agravantes e atenuantes gerais e especiais. Mas também podem ser aproveitadas as circunstâncias generalizadoras -quando se verifique mais do que uma- que não foram decisivas para a selecção da moldura penal agravada.

Esta, constitui a única via que permite, no domínio dos exemplos-padrão, pugnar por princípios de racionalidade na fixação da medida da pena. Assim sendo entende-se que a circunstância de, numa situação como a evidenciada no caso vertente, se demonstrar outras circunstâncias das elencadas no artigo 132 nº2, para além da qualificativa que opera a alteração da moldura legal, deverá ser equacionada em termos gerais na mediada da pena.

No mesmo sentido também se pronuncia Figueiredo Dias (Código Penal Conimbricense Tomo I pag 45) quando refere que, caso concorram os elementos constitutivos de mais de um exemplo-padrão, ambos com relevo para a qualificação da atitude do agente como especialmente censurável ou perversa, um tal concurso só poderá ter efeito, se dever tê-lo, na determinação da medida da pena.

III

            A particularidade do caso vertente surge com a circunstância de, para além das circunstâncias que se inscrevem no citado artigo 132 do Código Penal, surgir uma outra qualificativa de carácter geral cominada no artigo 86 da Lei 5/2006 que dispõe que as penas aplicáveis a crimes cometidos com arma são agravadas de um terço nos seus limites mínimo e máximo, excepto se o porte ou uso de arma for elemento do respectivo tipo de crime ou a lei já previr agravação mais elevada para o crime, em função do uso ou porte de arma. Adianta o número 5 do mesmo normativo que, em caso algum pode ser excedido o limite máximo de 25 anos da pena de prisão. Existe assim uma concorrência de qualificativas nas quais se sustentam os recorrentes para afirmar a impossibilidade de uma dupla agravação.

Na ausência de um critério legal que impeça a existência de uma dupla agravação importa salientar que o excurso supra arranca da circunstância de existir concorrência de elementos qualificativos dentro do mesmo tipo legal qualificado, assumindo qualquer um deles a virtualidade para revelar a especial censurabilidade da conduta do arguido.

No caso vertente não estamos perante uma concorrência de qualificativas dentro do mesmo tipo e susceptíveis de evidenciar uma densidade acrescida de culpa na prática do homicídio, mas sim perante uma agravação de natureza geral que dimana de razões de prevenção geral absolutamente distintas, que radicam na necessidade de conter o recurso ás armas na prática de crimes. Não é, pois, uma questão de especial perversidade, ou crueldade, revelada no crime de homicídio que está em causa, mas tão somente o emprego da arma e a carga negativa que tal emprego tem associado e que se revela quer o crime seja e homicídio; quer seja de roubo quer seja de uma outra qualquer espécie em que seja utilizada a arma.

O repudio da consideração em termos de pena da qualificativa constante do referido normativo da Lei das Armas ignora as razões de prevenção que lhe estão subjacentes sem qualquer razão legal atendível. Aliás, o próprio artigo 86 é expresso quando liminarmente refere que a qualificativa se refere a penas aplicáveis a crimes cometidos com arma, ou seja, num primeiro momento há que aferir dos factores relevantes em termos de medida da pena em relação a um tipo legal que é qualificado e, como é evidente, em função das circunstâncias do mesmo crime e, em seguida, modela-se a mesma pena de acordo com o normativo em causa. Este, como se referiu reflecte uma ilicitude que não tem vasos comunicantes com o tipo de homicídio e cuja existência está apenas dependente da ilicitude revelada pela existência da arma na prática do crime

Não existe, assim, qualquer reparo a fazer á decisão recorrida  no que toca á moldura legal encontrada que, assim, se situa entre os dezasseis e os vinte e cinco anos de prisão

IV

No que concerne á medida da pena a alteração efectuada pelo Tribunal da Relação do Porto o mesmo tribunal justifica-a da seguinte forma Acompanha-se a decisão recorrida quando afasta da ponderação (com sentido da favorabilidade), as circunstâncias da confissão e do arrependimento, visto que a factualidade comprovada não comportou nem este nem aquela.

Não se acompanha a pretensão do Recorrente quando, naquele mesmo sentido atenuativo, invoca o seu estado de “alcoólico”, visto o que, em sentido contrário, resulta da economia dos factos descritos em II, 1.1.24, 1.1 25 e 1.2.1

De igual modo quanto à comprovada toma do XANAX, porquanto, mesmo que comprovado fosse ser pessoa alcoólica, “Não é evidente que a toma de uma benzodiazepina (xanax) possa interferir com o álcool de maneira a o impossibilitar de se poder determinar. O que sucede é habitualmente as pessoas ficarem mais sedadas (dormirem, menos reflexos, crises convulsivas, comas alcoólicos…) nessas situações”. ( )

Diferentemente da decisão proferida, entende-se porém, que não foi levado em conta o comprovado “bom comportamento prisional” [Supra II,1.1.21]

Entende-se, de igual passo, que deverá relevar como circunstância atenuativa da censurabilidade ético-jurídica (culpa) o facto de o recorrente apresentar um nível intelectual total correspondente a uma Deficiência Mental Ligeira.

Necessariamente, uma deficiência mental mesmo ligeira não pode deixar de representar uma menor capacidade quer ao nível da representação quer ao nível da auto-determinação.

Nesta conformidade, sopesando os graus de ilicitude e de culpa (esta, atenuada, em face da anotada deficiência mental ligeira), as consequências gravosas do acto, o bom comportamento prisional, tem-se por mais adequada a cominação ao Recorrente, pela prática do crime de homicídio qualificado, de uma pena de dezassete anos de prisão.

     Em última análise, a diversa percepção em termos de medida da pena feita pelo Tribunal superior resultou da convergência da consideração de um deficiência mental produzindo uma diminuição da pena aplicada pelos crimes imputados.

Na verdade o agente, no momento da prática do facto, dever ser capaz de avaliar a ilicitude deste ou de se determinar de acordo com essa avaliação Como refere Figueiredo Dias pronunciando-se sobre a fronteira entre a capacidade de determinação pela vontade do que verdadeiramente se trata é de uma comparação normativa entre o agir modificado do psiquicamente anómalo e o que poderia esperar-se do homem normal que tem de responder socialmente pelo ilícito praticado. [9]

O que importa é saber como pode a formulação legal ser reconduzida á destruição pela anomalia psíquica  das conexões reais e objectivas de sentido entre o agente e o facto, de tal modo, e em tal grau, que torne impossível a compreensão do facto como facto do agente. Anomalias psíquicas existem por força das quais - mais pela sua gravidade do que pela sua origem - "o agente se torna em objecto passivo de processos funcionais". Ora, nem todo o processo psíquico motivador do facto é objectivamente compreensível segundo o sentido, não permitindo nessa medida uma conclusão sobre a culpa do agente. Adianta aquele Autor que… Nem todos os processos psíquicos se deixam concluir, segundo o sentido, a partir da vida anímica: a "continuidade" do anímico, a sua tradução no facto, pode ser impedida ou destruída por processos biopsicológicos (incluídos os da profundidade e do próprio inconsciente) estranhos aos sentidos, como bem o revelam muitíssimos casos que incluímos nas perturbações profundas da consciência. É precisamente nestes casos (e só neles) que o agente deve ser considerado incapaz de avaliar a ilicitude do facto ou de se determinar de acordo com essa avaliação. O que é de resto confirmado pela circunstância de hoje se reconhecer que os dois braços da alternativa - avaliação versus determinação - não são susceptíveis de distinção precisa nem a nível médico-psiquiátrico, nem a nível normativo, antes inevitavelmente as mais das vezes se entrecruzam de forma inextricável. Faz-se então apelo, as mais das vezes, a uma unitária e global (in)capacidade de controlo , que outra coisa não é senão uma tentativa de racionalização de uma impossibilidade de compreensão das conexões objectivas de sentido que ligam o processo anímico do agente ao facto praticado. O que o perito e o juiz têm pois de fazer - e não no sentido da "repartição de tarefas" que presidia à concepção puramente normativa da inimputabilidade, em que ao perito competia pronunciar-se sobre o substrato biopsicológico e ao juiz sobre o efeito normativo, mas no de uma "tarefa cooperativa" em que a última palavra pertence sempre ao juiz - é tentar uma espécie de racionalização retrospectiva de um processo psiquicamente anómalo.

Falamos assim de uma afectação do suporte bio psiquico ou, numa linguagem informática, do “hardware” que permite a valoração da ilicitude ou seja o “software” da determinação da culpa. No caso vertente é liminar, face á matéria importada para os autos, que o arguido é detentor do necessário suporte biopsicológico que lhe permitiu avaliar desvalor da sua conduta ou seja o Mal que praticava. Não obstante, também temos por adquirido que não se pode colocar exactamente no mesmo plano o agente perfeitamente normal e apto a agir de acordo com a sua vontade com aquele que evidencia uma perturbação nas suas faculdades mentais.

É certo que subsistirá sempre a questão de saber se, e em que medida, o itinerário criminoso concreto foi condicionado pela deficiência mental existente. Porém, adquirida a existência da mesma patologia tal dúvida tem a virtualidade de fazer emergir o principio “in dubio” e, assim, deve a mesma ser valorada no sentido de ter potencialidade para afectar globalmente,  todo o processo de determinação da vontade do arguido

  Conclui-se, assim, que não merece censura a decisão do Tribunal da Relação valorando tal item.

V

Relativamente á questão da medida da pena, e como questão prévia da sua definição, importa que se reitere, no que concerne á finalidade, o entendimento, que já ficou expresso em decisões deste Supremo Tribunal de Justiça, da importância fundamental que assume a justa retribuição do ilícito, e da culpa, compreendendo o princípio da culpa quer uma função fundamentadora, quer uma função limitadora da mesma pena. Ao mesmo nível que a retribuição justa situa-se o fim da prevenção especial.

Estamos em crer que é nunca é demais acentuar o papel da culpa como critério fundamentador da medida da pena, ao invés da preponderância que alguns, entre os quais Jakobs, outorgam á prevenção geral, colocando-a acima da retribuição da culpa pelo delito quando é esta, na realidade, que justifica a intervenção penal. Na verdade, as normas deveriam “ser reafirmadas na sua própria existência como um fim em si mesmas” enquanto o agente, pelo contrário, tem direito a esperar, e espera, sobretudo uma resposta ao facto injusto e culposo que cometeu. Realçando-se a prevenção como critério fundamental desvanece-se, com prejuízo da justiça individual, a orientação que o Direito penal faz da responsabilidade do agente pela sua acção.

Sem embargo, a culpa e a prevenção residem em planos distintos. A culpa responde á pergunta de saber de se, e em que medida, o facto deve ser reprovado pessoalmente ao agente, assim como qual é a pena que merece. Só então se coloca a questão, totalmente distinta da prevenção. Aqui há que decidir qual a sanção que parece apropriada para introduzir de novo o agente na comunidade e para influir nesta num sentido social-pedagógico.

A culpa é a razão de ser da pena e, também, o fundamento para estabelecer a sua dimensão[10]. A prevenção é unicamente a finalidade da mesma.  Reafirmando o ensinamento de Jeschek, a culpa, se é o limite superior da pena, também deve ser co-decisiva para toda a determinação da mesma que se encontre abaixo daquela fronteira. Aliás, e fundamentalmente, ao limitar-se a fixação concreta da pena a fins preventivos, a decisão do juiz perde o ponto de conexão com a qualificação ética do facto que é julgado, e a pena, por esse facto perde também todo a possibilidade de influir a favor daqueles objectivos de prevenção.

Tal posicionamento, apontando para a pena justa, derivada da proporção entre a culpa e o castigo, como criador de consequência a nível de prevenção geral e especial não contende com nenhum dos postulados normativos consagrados na lei. Como refere Lourenço Martins [11] Ora, se do n.º 1 do artigo 40 do Código Penal se extrai sem esforço a indicação de que as finalidades da prevenção geral e especial estão imersas na aplicação das penas já quanto à referência à culpa, embora a interpretação linear aponte para que nunca se imporá sem culpa - aspecto unilateral - não se extrairá a máxima de que se impõe sempre uma pena quando houver culpa (e obviamente de factos ilícitos e típicos).

Mas se deixarmos de lado, neste ponto, a carga doutrinária que estava por detrás do principal mentor da revisão de 95, o Prof. o Dias, e se valorizarmos a declaração de que não se deseja resolver uma tão cortante questão dogmática, muito longe da estabilização então concluiremos sem dificuldade que o inovador preceito, e «emblemático», como lhe chama Sousa e Brito, pouco esclarece

Tanto mais assim será quando o confrontarmos com o artigo 71.°, especificamente de «Determinação da medida da pena».  

Resumindo o exposto, e por outras palavras, na sua essência a pena é retribuição da culpa e, subsidiariamente, instrumento de intimidação da generalidade e, na medida possível, de ressocialização do agente

III

            Em termos dogmáticos é fundamento da individualização da pena a importância do crime para a ordem jurídica violada (conteúdo da ilicitude) e a gravidade da reprovação que deve dirigir-se ao agente do crime por ter praticado o mesmo delito (conteúdo da culpa).

            Não obstante, estes dois factores básicos para a individualização da pena não se desenvolvem paralelamente sem relação alguma. A culpa jurídico-penal afere-se, também, em função da ilicitude; na sua globalidade aquela encontra-se substancialmente determinada pelo conteúdo da ilicitude do crime a que se refere a culpa.

            A ilicitude e a culpa são, assim, conceitos graduáveis entendidos como elementos materiais do delito. Isto significa, entre outras coisas, que a intensidade do dano, a forma de executar o facto a perturbação da paz jurídica contribuem para dar forma ao grau de ilicitude enquanto que a desconsideração; a situação de necessidade; a tentação as paixões que diminuem as faculdade de compreensão e controle; a juventude; os transtornos psíquicos ou erro devem ser tomados em conta para graduar a culpa.

      A dimensão da lesão jurídica mede-se desde logo pela magnitude e qualidade do dano causado, devendo atender-se, em sentido atenuativo ou agravativo, tanto as consequências materiais do crime como as psíquicas. A medida da violação jurídica depende, também, da forma de execução do crime. A vontade, ou o empenho empregues na prática do crime são, também, um aspecto subjectivo de execução do facto que contribui para a individualização. A tenacidade e a debilidade da vontade constituem valores angulares do significado ambivalente da vontade que pode ser completamente oposto para o conteúdo da ilicitude e para a prevenção especial[12].

                                                              *

            O conteúdo da culpa ocupa o lugar preferencial entre os elementos fácticos de individualização da pena que o Código Penal coloca como directriz da actuação do juiz. Os motivos e objectivos do agente, a atitude interna que se reflecte no facto e a medida da infracção do dever são todos eles circunstâncias que fazem aparecer a formação da vontade do agente a uma luz mais ou menos favorável e, como tal, minoram ou aumentam o grau de reprobabilidade do crime.

            Para a individualização da pena, tanto na perspectiva da culpa como da prevenção- é essencial a personalidade do agente que, não obstante, só pode ter-se em conta para a referida individualização quando mantenha relação com o facto.

            O círculo de elementos fácticos de individualização de pena amplia-se substancialmente mediante a consideração da vida anterior do agente e a conduta posterior ao delito. Esta ampliação é indispensável para relacionar de uma maneira de uma forma que seja justo e previna a comissão de delitos.

A conduta posterior ao delito pode constituir um elemento importante a propósito da culpa e da perigosidade do arguido.

                                                               *

            Dentro deste quadro e com relevância para a decisão do caso vertente impõe-se  a consideração de que a decisão recorrida imprime um carácter vincante, na medida da pena, ás necessidades de prevenção geral expressas na perturbação comunitária que provoca este tipo de infracções em que estão em causa valores nucleares da vida em sociedade. Na verdade, não estão em causa bem jurídicos situados na periferia da personalidade, mas a própria Vida. É imperioso que a comunidade esteja certa de que as violações dos laços mais básicos de interacção social sejam penalizadas com adequada punição e, por tal forma, se tenha a noção de que  vida humana é um valor intocável.

    Não se deixa, ainda, de salientar a forma brutal como o arguido dá vazão aos sentimentos mais primários e mata sem qualquer justificação.

Perante crimes desta gravidade só um quadro bem preciso de circunstâncias atenuativas poderá justificar a perspectiva mais benévola da actuação do recorrente. Todavia, neste segmento atenuativo, não se vislumbra qualquer referência digna de nota.

            Sopesando o peso dos factores supra referidos, e considerando as finalidades da pena nos termos enunciados, entende-se com justa retribuição do crime de homicídio praticado a pena de dezassete anos de prisão em que foi condenado pelo Tribunal da Relação. Sublinhe-se, mais uma vez, nessa conclusão que a necessidade imperiosa, em termos de prevenção geral, de penalizar com gravidade os crimes em que está em causa a Vida ou a integridade física dos cidadãos não pode desmerecer, também, as circunstâncias concretas do caso que, no caso vertente, se revelam sobretudo pela referida patologia.

            Nestes termos se julgam-se improcedentes os recursos interpostos pelo arguido e pelo Ministério Publico confirmando-se a condenação do arguido como autor material de um crime de homicídio qualificado, p.p art.º 131º e 132, n.º1 e 2 al.e) do Código Penal, e agravado pelo artigo 86, nº3 da Lei 17/2009 na pena de dezassete (17) anos de prisão; como autor material de um crime de detenção de arma proibida previsto e punível nos termos do disposto no artigo 3º, nº 1 e 2, al. l e artigo 86, n.º1, alínea c) da Lei nº 5/2006 de 23 de Fevereiro, com as alterações introduzidas pela Lei n.º 17/2009 de 6 de Maio, é o mesmo Recorrente condenado na pena de oito (8) meses de prisão.

 Em cúmulo jurídico, é condenado na pena única de dezassete (17) anos e quatro (4) meses de prisão.

            Custas pelo arguido.

             Taxa de Justiça 6 UC

18-01-2012

      
       Santos Cabral (relator)
       Oliveira Mendes
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[1]   Supremo Tribunal de Justiça, Secção Criminal, Acórdão de 27 Mai. 2010, Processo Processo 58/04 Colectânea de Jurisprudência, N.º 224, Tomo II/2010
[2] Confrontar Augusto Silva Dias "Crimes contra a vida e a integridade física" pág. 27
[3] Margarida Silva Pereira" Os Homicídios " pág. 40
[4] No mesmo sentido Fernando Silva Direito Penal Especial Crimes contra as pessoas pág 60 e seguintes; Augusto Silva Dias obra citada pág 20 e seg. Para Teresa Serra- Homicídio Qualificado pág 66- a verificação das circunstâncias previstas no n° 2 do art. 132° seja ela relativa ao facto ou à culpa do agente, significando um amento da culpa ou da ilicitude, só constitui um indicio da existência de especial censurabilidade ou perversidade que fundamenta a moldura penal agravada do homicídio qualificado.
[5] Regelbeispiele lhes chama Jeschek (tratado paga 245) considerando que os exemplos padrão não constituem elementos qualificativos do tipo, mas regras de aplicação de pena. A particularidade dos exemplos regulados é dupla. Por um lado a concorrência dos elementos constantes do exemplo representa só um indício para a apreciação dum caso especialmente grave. 0 juiz pode recusar o efeito indiciário se uma valoração global do facto e do agente revela que o concreto conteúdo do ilícito e da culpa do facto, apesar da realização dos elementos constitutivos do exemplo regulado, não diferem essencialmente da média dos casos da correspondente classe de delito que se apresentam normalmente.
[6] As Consequências Jurídicas do Crime pag 234.

[7] Segundo Teresa Serra  a doutrina alemã divide-se na resposta a esta questão. Refere, assim, que DREHER, que pretende que o principio da proibição do duplo aproveitamento tenha validade sempre que a lei, pressupondo circunstâncias especiais, admite uma moldura penal modificada em relação à moldura do tipo fundamental e, não hesita em considerar que os casos especialmente graves (ou leves) devem merecer um tratamento de excepção em virtude da sua estrutura especial. Por seu turno, BRUNS entende, contrariamente a DREHER, que não existem razões bastantes para ampliar a proibição do duplo aproveitamento de elementos do tipo às circunstâncias formadoras de uma moldura penal agravada Tal como a maioria da jurisprudência alemã e, BRUNS entende não ser criticável a utilização dos mesmos factos na determinação da moldura penal aplicável e, depois, na graduação da medida concreta da pena no interior daquela moldura. Como também nada se opõe a que, dos mesmos factos, se retirem conclusões diversas. Como diz o autor, nestes casos, o juiz não aproveita, mais uma vez, um ponto de vista abstacto que o legislador já antecipou em termos gerais, mas antes retira das circunstâncias concretas do caso individual consequências diferentes, de acordo com o critério das determinações aplicáveis à situação em causa.
[8] Homicídio Qualificado tipo de Culpa e medida da pena pag 106 e seg
[9] Direito Penal I VOLUME PAG 582
[10] Não se ignora, realça Jeschek, a relevância na Alemanha uma interpretação que pretende conceder ao principio da culpa exclusivamente a função de limite superior da pena, enquanto que para precisar a mesma pena concreta só os aspectos preventivos devam ser decisivos Assim se indicava no § 59,  1° do Projecto alternativo de 1966 que “ a culpa pelo facto determina o limite superior da pena”, enquanto que a sua dimensão no caso particular se rege unicamente por objectivos de prevenção. Como justificação, os autores do Projecto argumentaram, de forma negativa, que “queriam prevenir a ideia de retribuição. O Código Penal alemão, sem embargo, não seguiu este Projecto, mas, pelo contrário, converte a culpa no § 46, 1°, 1°no “fundamento para a fixação da pena” e, com isso, não só em fronteira superior da medida da pena, mas também em principio decisivo para a fixação da pena concreta. A razão de ser desta decisão do legislador reside no facto de a pena não dever estar só ao serviço das finalidades preventivas mas, em primeiro lugar, ao serviço da retribuição da culpa, ou seja, a sanção está marcada pelo pensamento de que através dela “o agente experimenta a merecida
[11] Medida da Pena; Finalidades e Escolha pag 83 e seguinte
[12]   Conf. Jeschek  Tratado de Direito Penal” ed espanhola pag 780