Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
08P1722
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: SOUSA LEITE
Descritores: INSOLVÊNCIA
GRADUAÇÃO DE CRÉDITOS
PRIVILÉGIO MOBILIÁRIO GERAL
INSTITUTO DO EMPREGO E FORMAÇÃO PROFISSIONAL
UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
Nº do Documento: SJ200807010017226
Data do Acordão: 07/01/2008
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA
Sumário :
A doutrina decorrente do AUJ n.º 1/2001, de 28/11/2000, é extensível, e mantém a sua plena vigência, no âmbito do art. 97.º, n.º 1, al. a), do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE), aprovado pelo DL n.º 53/2004, de 18/03, mantendo-se o privilégio mobiliário geral do crédito do Instituto de Emprego e Formação Profissional, constante do art. 7.º, al. a), do DL. n.º 437/78, de 28-12.
Decisão Texto Integral:



Acordam no Supremo Tribunal de Justiça

I – Declarada por sentença proferida pelo 2º juízo cível do tribunal da comarca de Braga em 2006/11/02, a insolvência de PBS – PROJECTO BRAGA SOLIDÁRIA, o Instituto de Emprego e Formação Profissional (IEFP) veio, na presente reclamação de créditos apensa àquele processo de insolvência, reclamar o crédito de € 82.905,19.

Reconhecido tal crédito, bem como todos os restantes que haviam sido objecto de reclamação, no despacho saneador-sentença então proferido, e relativamente aos bens móveis que constituíam o exclusivo acervo da massa insolvente, teve lugar a graduação dos referidos créditos, pela forma seguinte:

1 – os créditos reconhecidos dos credores/trabalhadores, em pé de igualdade e rateadamente;
2 – o crédito da Segurança Social que beneficia de privilégio mobiliário geral;
3 – os créditos comuns, incluindo o crédito da Segurança Social que tem tal natureza, na proporção dos seus créditos (art. 176º do CIRE).

Tendo aquele credor IEFP apelado, a Relação de Guimarães confirmou a decisão da 1ª instância.

Do Acórdão proferido vem agora aquele reclamante pedir revista, alegando para tal a violação do AUJ n.º 1/2001, bem como dos arts. 97º do CIRE e 7º do DL n.º 437/78, de 28/12.

Não foram apresentadas contra alegações.

Colhidos os vistos devidos, cumpre decidir.

II – O problema que vem suscitado pelo recorrente traduz-se em determinar se a jurisprudência fixada no AUJ n.º 1/2001 continua a ter aplicação no domínio do estatuído no art. 97º, n.º 1, al. a) do CIRE, como vem pelo mesmo defendido, ou, se, pelo contrário, e como sustentaram as instâncias, com o início da vigência daquela indicada codificação, tal jurisprudência deixou de ter qualquer aplicação.

Com efeito, naquela indicada disposição do CIRE estatui-se, que, “extinguem --se, com a declaração de insolvência, os privilégios creditórios gerais que forem acessórios de créditos sobre a insolvência de que forem titulares o Estado, as autarquias locais e as instituições de segurança social constituídos mais de 12 meses antes da data do início do processo de insolvência.

Por seu turno, no apontado Acórdão Uniformizador, tirado na vigência do CPEREF, firmou-se a seguinte jurisprudência:
Não cabendo o Instituto de Emprego e Formação Profissional, por ser um instituto público, dentro do conceito de Estado usado no artigo 152º do Código de Processo Especial de Recuperação da Empresa e de Falência, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 132/93, de 23 de Abril, a extinção de privilégios creditórios operada por esta disposição não abrange aqueles que garantem, por força do art. 7º do Decreto - - Lei n.º 437/78, de 28 de Abril, créditos daquele Instituto.

Ora, no aludido art. 152º do CPEREF, na redacção que lhe foi dada pelo DL n.º 315/98, de 20/10, dispunha-se que:
Com a declaração de falência extinguem-se imediatamente, passando os respectivos créditos a ser exigidos como créditos comuns, os privilégios creditórios do Estado, das autarquias locais e das instituições de segurança social, excepto os que se constituírem no decurso do processo de recuperação da empresa ou de falência.

Temos, portanto, que, da análise comparativa dos apontados textos das codificações falimentar e de insolvência, a única diferença que dos mesmos ressalta, traduz-se, pura e simplesmente, na existência, na norma actualmente vigente, de determinado período temporal entre a data da constituição do crédito reclamado e a instauração do processo de insolvência, para a prevalência do privilégio creditório de que o mesmo beneficie.

Perante tal similitude literal não se vislumbra as razões que se possam mostrar susceptíveis de conduzir ao afastamento da jurisprudência que foi uniformizada relativamente ao anterior diploma falimentar.

E, se é inquestionável, que, do preâmbulo do DL n.º 53/2004, de 18/03 – CIRE – decorre a total direccionação dos normativos que integram o conteúdo da referida codificação, no sentido da protecção do interesse dos credores – o objectivo precípuo de qualquer processo de insolvência é a satisfação, pela forma mais eficiente possível, dos direitos dos credores; sendo a garantia comum dos créditos o património do devedor, é aos credores que cumpre decidir quanto à melhor efectivação dessa garantia, e é por essa via que, seguramente, melhor se satisfaz o interesse público da preservação do bom funcionamento do mercado; é sempre a vontade dos credores que comanda todo o processo -, da existência de tal interesse prevalente não parece poder extrapolar-se para a inclusão na entidade “Estado”, da titularidade de todos os créditos respeitantes a organismos públicos, pertencentes, quer à administração directa, quer à indirecta.

Com efeito, e desde logo, no âmbito da administração do Estado, encontra-se constitucionalmente estabelecida a actividade de administração directa, dirigida pelo Governo, e a actividade de administração indirecta, em que os poderes daquele órgão são apenas de superintendência e tutela – art. 199º, al. d) da CRP -, donde, portanto, decorre, não só a diversa modalidade de gestão directiva dos serviços integrados em cada uma das mesmas, como, também, a distinta responsabilidade governamental quanto à gestão do património das instituições em cada uma daquelas integradas.

Ora, o recorrente/reclamante é um instituto público, integrado na administração indirecta do Estado, dotado de autonomia administrativa, financeira e património próprio, e gozando, consequentemente, de personalidade jurídica – arts. 1º, 4º e 21º, n.º 1, al. n) da Lei n.º 3/2004, de 15/01 (lei quadro dos institutos públicos) e 1º, n.º 1 do DL n.º 213/2007, de 29/05 (diploma regulamentador da estrutura do IEFP, IP).

Assim, dado que a publicação e entrada em vigor do CIRE ocorreu em momento temporal posterior à prolação do citado AUJ, caso tivesse sido intenção do legislador proceder à alteração das entidades titulares de créditos que gozavam de privilégio creditório em processo de insolvência, e uma vez que se mostra insusceptível de hipotetização que fosse do seu desconhecimento a referida jurisprudência, seria tal diploma a sede ideal para tal se efectivar, nomeadamente tendo em linha de consideração o que anteriormente se dispunha no art. 152º do CPEREF, pelo que, ao expressar-se, quanto a tais créditos, como, aliás, já antecedentemente se referiu, em termos análogos, não pode deixar de concluir-se, sob pena de postergação do princípio vertido no art. 9º, n.º 3 do CC, que foi clara intenção da entidade legífera, manter a interpretação que havia sido jurisprudencialmente consagrada quanto a tais privilégios.
Por outro lado, a abrangência na expressão “Estado” dos créditos das entidades integradas na sua administração directa e indirecta, que é, igualmente, repudiada pela doutrina, relativamente às entidades dotadas de personalidade jurídica – vide Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado dos Drs. Carvalho Fernandes e João Labareda, vol. I, pág. 380 -, o que ocorre, como se referiu, no que respeita ao ora recorrente, também não pode, em nosso entender, colher acolhimento, face à literalidade vertida no aludido art. 97º, n.º 1, al. a) do CIRE.

Com efeito, reportando-se, também, tal normativo aos créditos das instituições de segurança social, cuja gestão compete ao ISS, IP, que assume, igualmente, a natureza de um instituto público integrado na administração indirecta do Estado, dotado de autonomia administrativa e financeira e património próprio – arts. 1º e 3º do DL n.º 214/2007, de 29/05, -, caso se perfilhasse a indicada tese abrangente, seria de todo em todo despicienda de razoabilidade a alusão a tal instituto, por manifestamente tautológica, sendo, por outro lado, provida de maior dose de justificação, sob o ponto de vista lógico, que aquela expressa referência tivesse tido por objectivo específico submeter a tal regime, e de entre as entidades integradas na administração indirecta do Estado, apenas as ligadas à segurança social, no que tange aos créditos de que sejam titulares.

Temos, portanto, que o silêncio do legislador do CIRE, no sentido da manutenção da norma que provinha da codificação anterior, quanto ao privilégio creditório aqui e agora em apreciação, é de molde a conduzir à peremptória conclusão da actual e plena vigência da doutrina constante do AUJ n.º 1/2001, e, consequentemente, do privilégio mobiliário geral do crédito do recorrente, constante do art. 7º, al. a) do DL n.º 437/78, de 28/12, decorrendo, assim, de tal asserção a procedência das conclusões do recorrente.

III – Do que vem de expor-se resulta a seguinte conclusão:

A doutrina decorrente do AUJ n.º 1/2001, de 28/11/2000, é extensível, e mantém a sua plena vigência, no âmbito do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE), aprovado pelo DL n.º 53/2004, de 18/03.

IV – Vai, pois, concedida a revista, e, em consequência, altera-se a graduação de créditos efectuada pelas instâncias, graduando-se, assim, o crédito do reclamante Instituto do Emprego e Formação Profissional em segundo lugar, conjuntamente com o crédito da Segurança Social.

Custas pela massa insolvente, nas instâncias e neste Supremo – arts. 303º e 304º do CIRE.


Lisboa, 1 de Julho de 2008

Sousa Leite (Relator)
Salreta Pereira
João Camilo