Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JSTJ000 | ||
Relator: | AFONSO DE MELO | ||
Descritores: | PREFERÊNCIA ARRENDAMENTO SIMULAÇÃO INTERPOSIÇÃO FICTÍCIA DE PESSOAS FORMA DE DECLARAÇÃO NEGOCIAL | ||
Nº do Documento: | SJ200405270014426 | ||
Data do Acordão: | 05/27/2004 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | T REL GUIMARÃES | ||
Processo no Tribunal Recurso: | 1693/03 | ||
Data: | 11/19/2003 | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
Meio Processual: | REVISTA. | ||
Decisão: | CONCEDIDA A REVISTA. | ||
Sumário : | 1 - O direito de preferência pressupõe a qualidade de arrendatário proveniente de um contrato de arrendamento rural. 2 - A simulação subjectiva por interposição fictícia de pessoa é relativa. Neste caso o acordo simulatório é trilateral, nele devendo participar o contraente real, a contraparte e o interposto fictício. 3 - Não constando do contrato declarações negociais atribuídas ao contraente real, o respectivo documento não observou a forma exigida por lei quanto ao negócio dissimulado. | ||
Decisão Texto Integral: | Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: Por escritura público de 20/11/2000, A, B e marido C, estes representados pela primeira, venderam pelo declarado preço global de 130 000 000$00, à "D - Investimentos Imobiliários e Mobiliários, S.A.", os prédios aí identificados, descritos na CRP de Braga. Em 9/08/2001, no Tribunal Judicial de Braga, E intentou contra os vendedores e compradora, com fundamento no art.º 28º do D.L. nº 385/88, de 25/10 (LAR), acção em processo comum ordinário, alegando que é arrendatário para fins agrícolas dos referidos prédios desde 14/10/1988 (data do respectivo contrato que celebrou a R. A) e que o preço real da venda foi de 65 000 000$00, tendo os RR. simulado o preço declarado para lhe prejudicarem o exercício do seu direito de preferência, e pedindo o reconhecimento deste direito pelo preço global de 65 000 000$00 ou pelo preço real que se venha a apurar. Os RR contestaram por excepção (extinção da instância por a acção não estar acompanhada de um exemplar do contrato de arrendamento - art.º 35º, nº5, da LAR) e, por impugnação, alegando, além do mais, que o arrendamento rural dos prédios foi negociado com o A. mas o contrato foi assinado pelo seu filho F e extinto posteriormente por denúncia reconhecida judicialmente. Em reconvenção a R. D pediu, no caso de a acção proceder, a condenação do A. a pagar-lhe 1 457 250$00 (despesas feitas com a escritura de compra e venda). O A. replicou e, no despacho saneador, foi remetido para a sentença final, por depender de prova a produzir, o conhecimento da questão da junção de um exemplar de contrato de arrendamento. Na sentença final: a) Procedeu a acção, com o reconhecimento do direito de preferência invocado pelo A., pelo preço global de 6 4837, 26 euros, a ser pago ou depositado por aquele no prazo de 30 dias a contar do trânsito em julgado da decisão, sob pena de caducidade do direito - art.º 28º, nº5 do D.L. 385/88). b) Procedeu a reconvenção, com a condenação do A. a pagar à R. D 7268,73 euros (reembolso das despesas feitas com a escritura de compra e venda). A Relação, negando provimento à apelação dos RR. confirmou a decisão. Nesta revista os RR. concluíram: 1º A acção deve ser considerada extinta nos termos do art.º 35º, nº5, do D.L. nº 385/88, que foi violado pelas instâncias, ao considerarem relevante a junção aos autos na contestação do escrito que titula o contrato de arrendamento rural celebrado entre a R. A e F, filho do A. 2º O direito de preferência não pode ser exercido com base nesse contrato, mas sim num outro, que é causa de pedir que incumbia ao A. alegar e provar - art.ºs 342º, nº1, e 264º do C.P.Civil que, como o art.º 664º do mesmo Código, foram violados. 3º O reconhecimento do direito de preferência com base naquele contrato, destinado a defraudar a lei, constitui abuso do direito - art.º 334º do C. Civil. 4º O abuso do direito foi fundamento do recurso de apelação de que a Relação não conheceu, verificando-se a nulidade de omissão de pronúncia - art.º 668º, nº1, d), do C.P.C. O recorrido contra-alegou sustentando a improcedência do recurso. A Relação fixou a seguinte matéria de facto: "1º - Em escritura pública outorgada em 20/11/2000, no 10 Cartório Notarial de Braga, os réus A, B e marido, C declararam vender à ré "D - Investimentos Imobiliários e Mobiliários, S.A." declarou comprar, pelo preço global de cento e trinta milhões de escudos, os seguintes prédios: a- prédio misto composto de casa de rés do chão, primeiro andar e eido junto, denominado Casa do Coucinheiro de terra lavradio e mato, sito no Lugar do Coucinheiro, Palmeira, Braga, descrito na C.R.P. sob o n. 40352, inscrito na matriz predial urbana sob o art. 352 e na rústica sob o art. 391; b- prédio rústico denominado Campo do Coucinheiro, sito no Lugar do Coucinheiro, Palmeira, descrito na C.R.P. sob o art. 33.761, inscrito na matriz predial rústica sob o art. 389; c- prédio rústico denominado Bouça dos Eidos Velhos, sito no Lugar do Coucinheiro, Palmeira, descrito na C.R.P. sob o art. 40.354, inscrito na matriz predial rústica sob o art. 393; d- prédio rústico denominado Bouça das Grovas, sito no Lugar do Coucinheiro, Palmeira, descrito na C.R.P. sob o art. 40.355, inscrito na matriz predial rústica sob o art. 1250; e- prédio rústico denominado Campo das Poças, sito no Lugar do Coucinheiro, Palmeira, descrito na C.R.P. sob o art. 40.353, inscrito na matriz predial rústica sob o art. 702-A; 2°- Em escrito particular de 14/10/88, a ré A declarou dar de arrendamento a F, que declarou tomar de arrendamento, e com início no dia 1/1 1/88, pelo prazo de seis anos, renovável por períodos de três anos, mediante o pagamento da renda anual de seis carros de milho `traduzidos em escudos, a pagar em dinheiro, sendo dividida em partes iguais a produção das uvas, os prédios referidos no anterior número - B; 3°- A ré A sempre teve conhecimento que o acordo referido no anterior número não tinha validade - 9°; 4°- Foi negociado pelo autor com a anuência da ré A e destinando-se apenas à obtenção de regalias de que então auferiam os jovens agricultores - 10°; 5° O autor e a ré A quiseram celebrar foi acordo no qual esta declarava dar de arrendamento ao autor os prédios referidos nos anteriores factos 1 ° e 2°, para fins agrícolas, com início no dia 1/11/88, convencionando o pagamento da renda anual de seis carros de milho, a pagar em dinheiro, sendo dividida, em metade a produção de uvas, pelo prazo de seis anos, renovável por período de três anos - l', 2°, 3°, 4°, 5° e 11 °; 6° O preço da escritura referida no facto lº, suportado pela ré "D - Investimentos Imobiliários e Mobiliários, S.A.", importou em 1.457.250$00-18°; 7º Em escrito particular de 27/06/96, assinado pela ré A e pelo autor, intitulado "Declaração", foi declarado: os abaixo assinados proprietário e arrendatário do terreno que foi cedido para proceder ao alargamento do caminho no lugar do Coucinheiro. Declaram estar de acordo que o muro existente em pedra e que vai ser derrubado em toda a sua extensão, seja reconstruído com blocos de 0,20, chapiscado a argamassa em cimento tanto pela parte interior como exterior, com a mesma altura do referido muro a derrubar. Palmeira, 26 de Julho de 1996; 8°- Em escrito particular de 30/09/99, assinado pela ré A, pelo autor e pelo presidente da Junta de freguesia de Palmeira, foi declarado: os abaixo assinados, A, proprietária e E, arrendatário do terreno, sito no lugar de Coucinheiro, Palmeira, Braga, declaram estar de acordo com a Junta de Freguesia de Palmeira para proceder ao alargamento do caminho, será colocada uma malha sol para vedação. Braga, 30 de Setembro de 99 D; 9°- Os escritos referidos nos dois anteriores números foram elaborados pela Junta de Freguesia de Palmeira - 18; 10°- Foram apresentados à ré A com vista a autorização de alargamento de caminho sem contrapartidas - 19; 11°- A ré A assinou os escritos sem a presença do autor - 20; 12°- Por sentença proferida em 9/07/99 no processo 383/98, do 2° Juízo Cível deste Tribunal (em que eram partes a aqui co-ré A e F), confirmada por acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 3/4/2001, foi reconhecida como válida a denúncia do contrato de arrendamento referido no anterior número 2° - artigo 170 da contestação e certidão junta a fls. 248 e seguintes". É nulo o acórdão da Relação que não se pronuncia sobre questões que foram submetidas à sua apreciação, salvo se a respectiva decisão estiver prejudicada pela solução dada a outras- art.ºs 660º, nº2, 668º, nº1 d), 713º, nº2, e 716º, nº1, do C.P.C. Na apelação os recorrentes suscitaram a questão do abuso do direito - art.º 334º do C. Civil -, com o fundamento de que foi reconhecido ao recorrido o direito de preferência com base em contrato considerado em vigor porque ainda não denunciado, a despeito de decisão judicial transitada em julgado constante de certidão junta aos autos. A Relação decidiu que o contrato denunciado foi o simulado (nulo) mas não o dissimulado celebrado entre a R. A e o A., que assim se manteve em vigor por automaticamente se ter renovado - art.ºs 18º e 20º da LAR. Resulta daqui que ficou prejudicado o conhecimento da questão do abuso do direito fundada na extinção por denúncia do contrato de arrendamento, que a Relação decidiu que não se verificou nos termos referidos. Não foi cometida assim a arguida nulidade. 2 - O arrendatário rural, com pelo menos três anos de vigência do contrato, tem direito de preferência na transmissão no caso de venda ou dação em cumprimento do prédio arrendado- art.º 28º, nº1, da LAR. O A. fundamentou o pedido na sua qualidade de arrendatário, há mais de três anos, para fins de exploração agrícola, dos prédios vendidos em 20/11/2000. Alegou que essa qualidade deriva de contrato que celebrou com a R. A em 14/10/1988, com início em 1 de Novembro do mesmo ano. E também que, na mesma data, foi celebrado ficticiamente, com a anuência da mesma R, um outro contrato de arrendamento rural dos mesmos prédios em nome do seu filho, consigo residente, F, que se destinava apenas a obter as regalias de que auferiam os jovens agrícolas, constituindo mera pró-forma. Com a contestação os RR. juntaram fotocópia do contrato de arrendamento rural dos prédios celebrado em 14/10/1988 entre a R. A e suas irmãs, que representava, e o F. Confrontado com a defesa por excepção, o A. alegou na réplica que "a falta do contrato celebrado entre ele e aquela R. se deve a esta, a quem entregou, que recebeu e guardou, antes do contrato com o F, o original reduzido a escrito pelo seu próprio punho". A partir de 1/07/1989 todos os contratos de arrendamento rural, mesmo os já existentes à data do início da vigência do D.L. nº 385/03, têm de estar reduzidos a escrito - art.ºs 3º, nº1, e 36º, nº3, da LAR. A exigência desta formalidade ad substantiam destina-se a tutelar o arrendatário considerado a parte mais fraca. A petição inicial foi recebida não estando sujeita a controlo jurisdicional limiar. O nº5 do art.º 35º da LAR não permite o prosseguimento da acção judicial e determina a extinção da instância, se aquela não for acompanhada de um exemplar do contrato, a menos que se alegue que a falta é imputável à parte contrária. Teve em vista as acções fundadas em contrato de arrendamento rural não reduzido a escrito que, por falta desta formalidade, não pode ser invocado em juízo, a menos que se alegue que a falta se deve à parte contrária. Ora, como se viu, o A. alegou que o contrato tinha sido reduzido a escrito. Sendo questão cuja decisão dependia de produção de prova, não podia ser declarada a extinção da instância. Não provou o A. que celebrou com a R. A o contrato de arrendamento rural que alegou na petição inicial (respostas aos art.ºs 1º a 5º e 7º da base instrutória). Decidiram então as instâncias que pressupondo a acção de preferência a qualidade de arrendatário proveniente de um contrato de arrendamento rural, esse contrato foi o arrendamento paralelo documentado a fls. 95 e verso (nº2 dos factos que a Relação julgou provados). Isto porque: Tratou-se de contrato simulado, sendo a simulação relativa - art.ºs 240º e 241º do C. Civil. Com efeito, por acordo dos intervenientes, houve uma intervenção fictícia de pessoa, pois figurou no texto escrito do contrato como arrendatário o F quando o verdadeiro arrendatário é o A.. O contrato simulado é nulo mas é válido o contrato dissimulado, que tem no respectivo escrito a forma exigida por lei. Foi denunciado o contrato simulado mas não o contrato dissimulado, que assim manteve a sua vigência. A simulação subjectiva que se verifica na interposição fictícia de pessoa é relativa. Neste caso, o acordo simulatório (art.º 240º, nº1, do C. Civil) é trilateral, nele devendo participar o contraente real, a contraparte e o interposto fictício. (1) Ora, não está provado, nem sequer foi alegado, ou inferido pelas instâncias, que no acordo fraudulento entre a R. A e o A., destinado à obtenção por este das vantagens auferidas pelos jovens agricultores, participou o F. (2) De todo modo, a simulação considerada pelas instâncias não permitia a procedência da acção. Do escrito de fls. 95 e verso constam apenas quanto ao arrendatário o nome e a assinatura do F. Esse documento não observou a forma exigida por lei quanto ao negócio dissimulado (art.º 241º, nº2, do C. Civil). Dele não constam, com efeito, declarações negociais atribuídas ao A. E, que a forma prescrita na lei deve compreender. (3) Conheceu-se de questões de direito de livre apreciação pelo tribunal - art.ºs 664º, 713º, nº2, e 726º do C.P.C. Como dizem os recorrentes, cabia ao A. provar o contrato de arrendamento que integrou a causa de pedir - art.ºs 342º, nº1, do C. Civil. Ao contrário do que diz o recorrido nas contra-alegações, não está demonstrada a validade do "contrato dissimulado", nem dele resulta a qualidade de arrendatário que alegou para exercer a preferência. A reconvenção foi condicionada à procedência da acção, não se podendo dela conhecer se a acção improcede. Nestes termos concedem a revista e, revogando o acórdão recorrido e com ele a sentença da primeira instância, julgam a acção improcedente, absolvendo os Réus do pedido, e prejudicado o conhecimento da reconvenção. Custas pelo recorrido, sem prejuízo do apoio judiciário que lhe foi concedido. Lisboa, 27 de Maio de 2004 Afonso de Melo Fernandes Magalhães Azevedo Ramos ----------------------------- (1) M. Casella Simulazione, Dir. Priv. Enciclopedia Del Diritto, LXII p. 604; M. Bianca, Diritto Civile, 3, il contratto (ristampa), p, 663, nota 285. (2) As instâncias não trataram de saber se, considerando o disposto no art.º 243º, nºs 1 e 2, do C. Civil, os interesses da Ré D, cuja boa fé não foi discutida, deviam ser acautelados com a declaração de nulidade do negócio simulado e o reconhecimento da eficácia do negócio dissimulado. (3) No sentido de não estar observada a formalidade exigida por lei para o negócio dissimulado se no respectivo documento não figura o contraente real, v.g, acórdão ac. do STJ de 16/02/1978, B.M.J. 274p. 212, e Vaz Serra, RLJ 103 p. 533 e 111 pág. 247. Quanto à não aplicação do nº2 do art.º 1414º do Codice Civile, que corresponde ao nº2 do nosso art.º 241º, à simulação por interposição fictícia de pessoa, cfr., v.g., Luca Nanni, L´interposizione di persona, p. 129, 130 e 175. |