Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
05B2387
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: PEREIRA DA SILVA
Descritores: CRÉDITO DA SEGURANÇA SOCIAL
HIPOTECA LEGAL
CRÉDITO LABORAL
FALÊNCIA
PRIVILÉGIO CREDITÓRIO
GRADUAÇÃO DE CRÉDITOS
Nº do Documento: SJ200602210023872
Data do Acordão: 02/21/2006
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA.
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA.
Sumário : I. o estatuído na lª parte do art 152º do CPEREF não compreende as hipotecas legais que garantem os créditos devidos à segurança social (art. 12º do DL nº 103/80, de 9 de Maio).
II. O privilégio imobiliário geral concedido aos créditos reconhecidos aos trabalhadores de sociedade falida, a que se re portam o art. 12º nº 1 b) da Lei nº 17/86, de 14 de Junho, e o art. 4º nº 1 b) da Lei nº 96/01, de 20 de Agosto, não goza de preferência relativamente às hipotecas, legais ou contratuais, maxime às primeiras que garantem os créditos da segurança social, por ser aplicável o art. 749º do CC (versão inicial), que não o art. 751º desse Corpo de Leis (redacção inicial).
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:


I. a) Por sentença de 02-08-02, transitada em julgado, proferida no processo de recuperação de empresa registado sob o no 413/01, instaurado a 20-09-01, que ocorre seus termos pelo tribunal Judicial da Comarca de S. João da Madeira, foi decretada a falência de "Empresa-A".

b) Aberto o concurso de credores, foram reclamados os créditos a que se alude no acórdão impugnado, a fls. 63 e segs., os quais aqui se dão por reproduzidos.

c) Entre os reclamantes, conta-se o Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, Delegação de Aveiro, ex-Centro Regional de Segurança Social do Centro, o qual reclamou créditos, nos termos e com os fundamentos seguintes, em síntese:

"Empresa-A" era contribuinte do IGFSS de Aveiro, Delegação de Aveiro, com o nº 116041870.

Estando obrigada ao pagamento de contribuições para a Segurança Social, incidentes sobre salários pagos aos trabalhadores ao seu serviço, nem sempre cumpriu tal obrigação, constituindo-se em dívida, sendo certo que todas as contribuições foram declaradas nas folhas de remunerações enviadas pela requerida ao IGFSS.

A dívida de contribuições ao IGFSS, referente aos meses de Dezembro/2000 a Novembro/2001, é de 55.301.04 euros, a que acrescem juros de mora vencidos até Agosto de 2002, no montante de 8.256,04 euros.

Os créditos vencidos durante o processo de recuperação de empresa e de falência, gozam de privilégios creditórias, ao abrigo do art. 152º do CPEREF.

No referido período a falida não cumpriu com o pagamento de contribuições cujo montante global importa em 11.385,69 euros, "quantum" este acrescido de juros de mora vencidos até Agosto de 2002, estes perfazendo o total de 1150.88 euros.

A dívida de contribuições dos meses de Dezembro de 2000 a Junho de 2001, no montante de 31.999,76 euros e respectivos juros de mora vencidos até Dezembro de 2001, no valor de 3.016,49 euros, num montante máximo de 35.016,25 euros, encontra-se garantida por hipoteca legal, registada na Conservatória de Registo Predial de S.João da Madeira, freguesia de S. João da Madeira, com a descrição predial nº 00774/110288.

Concluiu impetrando que fossem verificados e graduados, no lugar que lhes competir, os seguintes créditos do IGFSS, Delegação de Aveiro, em relação à falida.

1. 55.301,04 euros, por dívida de contribuições respeitantes aos meses de Dezembro de 2000 a Novembro de 2001.

2. 8.256,04 euros, por dívida de juros de mora vencidos até Agosto de 2002.

d) Por sentença de 27-7-03 foi fixada a data da falência em 20-09-01 e, reconhecidos tendo sido todos os créditos reclamados, foram os mesmos graduados pela forma seguinte:

1. "Sobre o produto do bem imóvel" supracitado, integrante da massa falida:

"Em primeiro lugar o crédito de "Empresa-B"., no montante de 194.930,22 euros, que beneficia da hipoteca voluntária sobre o imóvel, conforme artigo 686º, nº 1 do Código Civil.

Em segundo lugar e rateadamente os créditos acima indicados sob os nºs 9, 10 e 11, bem como o crédito do credor AA, no valor de 3.135,70 euros, os quais, por se tratarem de créditos emergentes de contratos de trabalho, gozam de privilégio imobiliário geral.

Em terceiro lugar o crédito do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, vencido durante o processo de recuperação de empresa e de falência, que beneficiando do disposto no artigo 152º do CPEREF, mantém o privilégio imobiliário geral, no valor de 11.385,69 euros, e juros de mora até Agosto de 2002, no montante de 1.150.88 euros.

Em quarto lugar e rateadamente todos os demais créditos (entre os quais se incluem os créditos do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social que não beneficiam do disposto na última parte do artigo 152º e de Empresa-B que excedesse o limite da hipoteca voluntária)."

2. "Sobre o produto dos demais bens (móveis):

Em primeiro lugar e rateadamente os créditos acima indicados sob os nºs 9,10,11, bem como o crédito do credor AA, no valor de 3.150,70 euros, os quais, por se tratarem de créditos emergentes de contratos de trabalho, gozam de privilégio mobiliário geral.

Em segundo lugar, o crédito do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social vencido durante o processo de recuperação de empresa e de falência, que beneficiando do disposto no artigo 152º do CPEREF, mantém o privilégio mobiliário geral, no valor de 11.385,69 euros, e juros de mora até Agosto de 2002, no montante de 1.150,88 euros.

Em terceiro lugar e rateadamente todos os demais créditos (entre os quais se incluem os créditos do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social que não beneficiam do disposto na última parte do artigo 152º e da credora "Empresa-B", se para pagamento do seu crédito não tiver sido suficiente o valor garantido pela hipoteca)."

e) Inconformado com o assim decidido, o Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social apelou, sem êxito, pois o TRP, por acórdão de 05-03-01, com o teor que fls. 63 a 75 mostram, negou provimento ao recurso, confirmando, consequentemente, a sentença recorrida.

f) Irresignado, traz o IGFSS revista do predito acórdão, na alegação oferecida, em que sustenta a bondade da correcção "do despacho de verificação e graduação de créditos", com graduação do seu crédito, como privilegiado, no lugar competente, tendo tirado as seguintes Conclusões:

1. Tanto a decisão proferida pelo Tribunal "a quo" como a decisão proferida pelo Tribunal da Relação do Porto, violaram o art. 152º do CPEREF.

2. No douto Acórdão da Relação denota-se uma certa confusão!

3. Ora se diz que a jurisprudência, designadamente do Supremo Tribunal perfilha o entendimento contrário, de que o mencionado artigo 152º apenas se aplica aos privilégios creditórios ora se diz exactamente o contrário!

4. Fundamentando a sua decisão, o Douto Acórdão, nos argumentos, nomeadamente do Acórdão do STJ, de 27/05/2003.

5. Contudo o teor deste Acórdão transmite exactamente o contrário:

(...) "1. O disposto na primeira parte do art. 152º do CPEREF, como norma excepcional, não comporta aplicação analógica e não há identidade ou maioria de razão, que justifique a sua interpretação extensiva de forma a fazê-la abranger também as hipotecas legais.

2. Assim, o disposto na primeira parte do referido art.152º não compreende as hipotecas legais que garantam os créditos do Estado, autarquias locais e instituições de previdência social, que não passam a meros créditos comuns e continuam a beneficiar da correspondente garantia.

3. O regime de garantias aplicável aos privilégios imobiliários gerais é o dos privilégios mobiliários gerais, definido no art. 749º do Cód. Civil.

4. O privilégio imobiliário geral concedido aos créditos reconhecidos aos trabalhadores de sociedade falida, não goza de preferência relativamente ás hipotecas legais, que garantem os créditos de instituições de previdência social." (...)

(...) "Postas estas considerações gerais, há que apreciar a questão em apreço, mormente qual a ratio legis que levou à adopção daquela norma legal; a contida no 1º segmento do mencionado art. 152º.

Subjacente a esta norma legal, na parte que agora importa considerar, estão, entre outras finalidades, aliviar os processos de recuperação de empresas e falimentares da influência muito negativa da reclamação, por grande número de credores privilegiados quase sempre entidades públicas ou de utilidade pública) a reclamar créditos de montantes muito elevados e, principalmente, de fazer participar no sacrifício comum as entidades com especiais deveres de solidariedade social e económica, que é exigido à generalidade dos credores que vão àqueles processos reclamar o que lhes é devido (7).

Se pode dizer-se que esta última razão também existe no caso das hipotecas legais de que os créditos de tais entidades beneficiem, já o mesmo não se verifica relativamente à primeira razão, pois os casos em que se constituem hipotecas legais e se reclamam naqueles processos créditos com tal garantia são pouco numerosos. Parece ser também de chamar à colação a diferença que há entre as duas garantias: Uma é um direito real de garantia, dotado de direito de sequela e sujeito a registo (que, aliás, tem natureza constitutiva da hipoteca legal) e é, portanto, visível, para qualquer interessado diligente; Os privilégios creditórios são meras garantias patrimoniais, destituídas de direito de sequela e não sujeitas a registo e formando uma parte substancial dos chamados ónus ocultos, que escapam normalmente aos olhos dos credores comuns.

Parece-nos que se pode dizer que o legislador, que não ignorava a existência das hipotecas legais, nem no texto original, nem no que reformou a norma, consagrou a sua extinção imediata na declaração da falência, tê-lo-à feito propositadamente, por entender que ao transformar os numerosos créditos garantidos por privilégios creditórios de todos os tipos em meros créditos comuns, já punha as entidades que deles beneficiavam a participar, em medida suficiente, no esforço comum que se pede nos processos de recuperação de empresa e falimentar a todos os credores.

Assim, não se vê que haja entre a situação prevista expressamente na primeira parte do mencionado art.152º do CPEREF e as hipotecas legais de que sejam beneficiárias as mesmas entidades, uma identidade ou maioria de razão, que justifique a sua interpretação extensiva, de forma a fazê-la abranger também estas últimas (8).

Parece-nos, por outro lado, que contra a sua eventual interpretação extensiva milita o facto de não haver um suporte mínimo, para tanto, na letra daquela norma legal.

Por tudo quanto se disse, consideramos que o disposto na primeira parte do referido art. 152º não compreende as hipotecas legais que garantam os créditos daquelas entidades, não passando eles a créditos comuns e continuando a beneficiar da correspondente garantia."

6.Assim, entende o ora recorrente que, foi erradamente, graduado como comum, o crédito da Segurança Social, relativamente ao produto da liquidação sobre o imóvel registado na Conservatória do Registo Predial de S. João da Madeira, com a descrição predial nº00774/110288, bem esse integrante da massa falida.

7. Salvo o devido respeito, ao confirmar-se esta decisão, decidiu-se erroneamente, sendo algo incompreensível esta graduação uma vez que, o citado art. 152º do CPEREF nada dispõe relativamente às hipotecas legais constituídas por quem quer que seja, detendo-se apenas em regulamentar a extinção dos privilégios creditórios do Estado e das instituições de Segurança Social.

8. Se verificarmos o disposto no art. 152º chegamos à conclusão de que os privilégios creditórios (também estas garantias reais consagradas no art. 733º e 744º do Código Civil) se extinguem passando os respectivos créditos a ser exigidos como comuns, excepção feita aos que se constituem no decorrer do processo de recuperação de empresa ou de falência.

9. No que diz respeito às hipotecas legais, tais garantias reais, são constituídas para garantir uma obrigação e consequentemente a possibilidade de ser pago pelo valor de certos bens imóveis, com preferência sobre os demais credores (conforme art.s 686º, 687º, 705º e 708º do Código Civil).

10. Não se podem englobar no disposto no art. 152º do CPEREF, as hipotecas legais, uma vez que, salvo o devido respeito, nada da lei aplicável prevê que aquelas se extingam com a declaração de falência.

11. Tal extinção das hipotecas legais seria desvirtuar o instituto prescrito no Código Civil, mais concretamente o disposto nos art.s 686º, 704º, 705º e 708º.

12. Além de que, salvo melhor opinião, não parece que a omissão no art.152º CPEREF, seja de todo inócua nem tão pouco se resuma a um mero esquecimento do legislador.

13. Ter-se-à de ponderar o incontornável elemento literal da norma 152º do CPEREF, buscar a "ratio legis", pois que, sendo diferentes os universos de ambas as garantias - privilégios creditórios e hipoteca legal - apesar de ambas resultarem da lei (cfr.Arts. 704º, 705º e 733º e seguintes do CC) se o legislador pretendesse trata´-las da mesma forma (extinguindo ambas as garantias) tê-lo-ia dito expressamente, e não o fez, prevendo apenas a extinção dos privilégios creditórios (com a excepção da parte final do art. 152º).

14. "A lei é bem clara: escreveu-se "privilégios creditórios"!

15. Parece, de todo, inconcebível que o legislador não distinga privilégio creditório e hipoteca legal!

16. Tem de presumir-se que ele se sabe exprimir com correcção - artigo 9º, nº 3 do CC - designadamente quando usa expressões da técnica jurídica". - cfr.Ac.STJ de 3 de Março de 1998. P. 71/98, in BMJ 475 (1998) - pags. 548 e sgs.

17- E, sendo assim, se o legislador deixou "no olvido as hipotecas legais, se o legislador "entendeu por bem não se pronunciar" sobre essa "omissão", a interpretação correcta é que estamos perante um "caso não regulado" (intencionalmente), que não um "caso omisso" - por outras palavras, justifica-se concluir que deparamos com um silêncio "eloquente", significativo de que o legislador não quis abranger aquelas garantias (as hipotecas legais), de que as quis excluir da extinção que decretou , em suma, de que quis restringir essa extinção aos privilégios creditórios e só a eles". - Ac.STJ. - Revista nº 1141/02.

18. Assim, desprotegeu - se, quer na 1ª Instância quer na 2ª Instância, o crédito da Segurança Social da garantia de que vem acompanhado!.

19. Sacrificando-se a Segurança Social, e, possivelmente, potenciando o favorecimento em relação aos restantes credores.

20. Pelo que, pelo produto do bem imóvel apreendido para a massa falida e, atendendo à não aplicação do regime do art. 152º do CPEREF. à hipoteca legal, nos termos expostos, deverá graduar-se a hipoteca legal constituída pelo então Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, ex-Delegação de Aveiro, e ora Centro Distrital de Segurança Social de Aveiro, pelo produto da liquidação do imóvel supra identificado, como crédito privilegiado.

21. Vejam-se os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 18/06/2002, Revista nº 1141 e de 27/05/2003, no processo 03B198: in www.dgsi.pt.

22. Pois a não ser assim, adoptar-se-à uma interpretação manifestamente "contra legem".

23. Proporcionando-se um nítido favorecimento de credores com violação grosseira do princípio de igualdade de tratamento de credores, subjacente ao diploma legal 132/93, de 23 de Abril, com a redacção dada pelo D.L. 315/98, de 20 de Outubro.

24. Como se refere no Acórdão do STJ, acima citado, "a referida norma do art. 152º do CPEREF, tem como alcance prático deixar intocadas a generalidade das garantias dos vários créditos reclamados naqueles processos e extingue os privilégios creditórios pertencentes a entidades públicas ou de utilidade pública (Estado, autarquias locais e instituição de segurança socail); Ou seja, ela cria um regime legal de sentido oposto ao regime geral, que ficou intocado, tendo, por isso, a natureza de uma norma legal excepcional (1).

Ora, nos termos do art. 11º do Cód. Civil, as normas excepcionais "não comportam aplicação analógica, mas admitem interpretação extensiva", pelo que, mesmo que se considerasse que havia identidade de razões entre a situação dos privilégios creditórios daquelas entidades e as hipotecas legais constituídas para garantias dos seus créditos, não seria lícito aplicar por analogia o regime legal criado por aquele art. 152º a estas últimas."

g) Contra-alegações não houve.

h) Colhidos que foram os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

II. Estando-se ante a hipótese prevista no art. 713º nº 6, aplicável por via do plasmado no art. 726º, ambos do CPC, remete-se para a matéria de facto apurada, descrita no acórdão recorrido.

III. O DIREITO:

1. O Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, aprovado pelo DL nº 53/04, de 18 de Março, não é aplicável ao concurso de credores em apreço (cfr. art.s 12º nº 1 e 13º do referido DL), antes, isso sim, o Código dos Processos Especiais de Recuperação da Empresa e de Falência, aprovado pelo DL nº 132/93, de 23 de Abril.

Atento o que baliza o âmbito do recurso (art.s 684º nº 3 e 690º nº 1 do CPC), a lª questão nuclear, ora, decidenda, coloca-se nos seguintes termos:

Face ao disposto no artº 152º do CPEREF, com a formulação que lhe foi dada pelo DL nº 315/98, de 20 de Outubro, a declaração de falência determina, tão só, a extinção, imediata, dos privilégios creditórios do Estado, das autarquias locais e das instituições de segurança social, passando os respectivos créditos a ser exigidos como créditos comuns, excepto os que se constituir no decurso do processo de recuperação da empresa ou de falência, que não, consequentemente, outrossim, a imediata extinção das hipotecas legais de que gozem os entes públicos em tal normativo aludidos?

Respondemos afirmativamente a tal questão, ao contrário do entendido pelas instâncias, no que não estamos, manifestamente, sós, como flui do propugnado nos seguintes Acs. deste Tribunal: de 03-03-98 (BMJ 475-548), 18-06-02 (Revista nº 1141/02-1ª), 27-05-03 (doc. nº SJ200305270001982, disponível in www.dgsi .pt/js tj) e 19-10-04 (Revista nº 3324/04-7ª "Sumários" Nº 84, pág.46).

Efectivamente:

A norma do art. 152º do CPEREF, dado o seu carácter excepcional (vide Salvador da Costa, in "O Concurso de Credores", 1998, pág.329), não comporta aplicação analógica, como determina o art. 11º do CC.

E também não há motivos para, com acerto, entenda-se, fazer uma interpretação extensiva da 1ª parte do último normativo convocado, por forma a abarcar, igualmente, a extinção imediata das hipotecas legais das mesmas entidades, contra aquela militando, desde logo, o facto de não haver um suporte mínimo, para tanto, na letra de tal preceito, urgindo não olvidar o exarado no art. 9º nº2 do CC, a letra da lei sendo, como recorda Oliveira Ascensão, não só o ponto de partida, mas elemento irremovível de toda a interpretação, o texto funcionando" também como limite de busca do espírito" "0 Direito, Introdução e Teoria Geral",Lisboa, 1978, pág. 350).

Por outro lado, o art. 9º nº 3 do CC impõe ao intérprete que presuma que o legislador soube exprimir o seu pensamento em termos adequados, mormente quando usa expressões da técnica jurídica (cfr. Baptista Machado, in "Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador", 2ª Reimpressão, Coimbra, 1987, pág. 182).

O legislador não podia, é apodíctico, ignorar a diferenciação entre privilégios creditórios e hipoteca legal!...

Por- assim ser, como destacado no à colação já chamado Ac. de 18-06-02:

" E se deixou" no olvido as hipotecas legais", se o legislador "entendeu por bem não se pronunciar" sobre essa omissão, a interpretação correcta a fazer é que estamos perante um "caso não regulado" (intencionalmente), que não um "caso omisso - por outras palavras, justifica-se concluir que deparamos com um silêncio "eloquente",significativo de que o legislador não quis abranger aquelas garantias (as hipotecas legais), de que as quis excluir da extinção que decretou, em suma, de que quis restringir essa extinção aos privilégios creditórios e só a eles...

Nenhum elemento de que o intérprete pode legitimamente socorrer-se conduz à conclusão, com a segurança que se exige, de que o legislador disse menos do que queria, de que a letra da lei está aquém do seu espírito.

Ao invés, afigura-se que o legislador, conhecedor da temática envolvente, não quis ir mais além na extinção que operou."

Ainda:

Ponderada a "ratio legis , o (s) porquê (s) da adopção da norma contida no lº segmento do art 152º do CPEREF, tal sendo, iniludivelmente,"a de aliviar os processos de recuperação de empresas e falimentares da influência muito negativa da reclamação, por grande número de credores privilegiados (quase sempre entidades públicas ou de utilidade pública) a reclamar créditos de montantes muito elevados e, principalmente, de fazer participar no sacrifício comum as entidades com especiais deveres de solidariedade social e económica, que é exigido à generalidade dos credores que vão aqueles processos reclamar o que lhes é devido"(cfr. dito Ac. de 26-06-02), há-de convir-se, que a primeira das relatadas razões, ao contrário da segunda, não se verifica, mas seguramente, nas hipotecas de hipotecas legais de que os créditos de tais entidades beneficiem, indúbio como é serem bem pouco numerosos os casos em que se constituem hipotecas legais e se reclamam, com tal garantia, créditos nos processos citados.

Pelo dilucidado, sem necessidade de considerandos outros, conclui-se que erro de julgamento consubstanciou o ter-se, na graduação especial operada para o bem imóvel apreendido para a massa falida, em obediência ao vertido no art.200º nº2 do CPEREF, graduado o crédito reclamado pelo IGFSS, garantido por hipoteca legal, em quarto lugar, como crédito comum, colhendo, por mor de tal, o vertido nas conclusões 1ª e 6ª a 24ª em abono do mérito da revista.

Prosseguindo:

2. Os privilégios imobiliários gerais concedidos aos créditos reconhecidos aos trabalhadores de sociedade falida pelo art. 12º nº 1 b) da Lei n 17/86, de 14 de Junho, e pelo art. 4º nº 1 b) da Lei nº 96/01, de 20 de Agosto, não gozam de preferência relativamente às hipotecas, legais ou contratuais, maxime, para o que releva, na hipótese sub judice, às legais, que garantem os créditos da segurança social (cfr. art. 12º do DL nº 103/80, de 9 de Maio), como sufragado no já noticiado Ac. de 27-05-03, tese oposta se mostrando defendida no, também chamado Ac. de 19-10-04, ponderado o prescrito no artº 686º nº1 do CC e o não ser aplicável o art.751º (redacção inicial), antes o regime dos privilégios mobiliários gerais estabelecido no art. 749º do CC (versão inicial) -cfr. ainda, neste sentido, os seguintes Acs. deste Tribunal: de 27-06-02 e 19-09-02 (CJ/Acs. STJ-Ano X-tomo II, pág 146 e 147, e tomo III, págs. 54 a 56), 19-10-04 (Revista n 2913/04-6ª "Sumários", nº 84, pág 39), 26-10-04 (Revista nº 2875/04-1ª, in "Sumários", nº 84, pág. 51), 20-09-05 (Revista n 2066/05-1ª in "Sumários", nº93, pág. 39) e 22-09-05 (Revista nº 2220/05-7ª, in Sumários", nº 93, pág.51), outra não sendo a tese defendida por: Menezes Cordeiro ("Salários em atraso e privilégios creditórios", in ROA, ano 58º, Julho de 1998, II, pág. 665), António Nunes Carvalho ("Reflexos laborais do Código dos Processos Especiais de Recuperação da Empresa e de Falência", in RDES, ano VII, nºs 1 a 3, pág. 73), Luís Miguel Lucas Pires ("Os privilégios creditórios dos créditos laborais", in "Questões Laborais", ano IX, nº 2, 2002, pág. 173) e João Leal Amado ("A Protecção do Salário", Coimbra, 1993, pp. 154 e 155).

Na verdade:

Leis avulsas vieram, posteriormente ao CC, criar a figura dos privilégios imobiliários gerais (cfr. DL nº 512/76, de 16 de Junho, o Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, a Lei. n 17/86 e a Lei nº 96/01), nenhuma delas, note-se, resolvendo a questão da determinação da eficácia dos privilégios gerais que conferiram perante direitos de terceiros, como sublinhado, no concernente à Lei nº17/86, no Ac. do TC n 498/2003-Proc. nº 317/2002, in .DR-II Série - Nº 2-3 de Janeiro de 2004.

Ora , não se pode estender a esses privilégios imobiliários gerais o regime do art. 751º do CC, na redacção original, já que se o legislador do CC estabeleceu o consignado no art. 735º n 3, é vítreo que ao referir-se no art. 751º (versão primeira, aqui aplicável) aos privilégios creditórios imobiliários só podia referir-se aos privilégios imobiliários especiais, os únicos que admitia.

Assim:

O crédito (capital e juros) reclamada pelo IGFSS, garantido por hipoteca legal, devia ter sido graduado, para ser pago pelo produto do bem imóvel" apreendido para a massa falida, em 2º lugar, imediatamente antes dos créditos laborais, garantidos por privilégio imobiliário geral, atento, igualmente,o disposto nos art.s 686º nº l, 687º; 688º nº 1 a) e 693º nºs 1 e 2 ,todos do CC, nº4 nº2 e 6º nº1 do CRP.

IV. CONCLUSÃO:

Termos em que se concede a revista, revogando-se, consequentemente, o acórdão recorrido na parte impugnada, graduando-se o crédito reclamado pelo IGFSS, garantido por hipoteca legal, nos moldes já expandidos (cfr. III,"in fine").

Custas pela massa falida.

Lisboa, 21 de Fevereiro de 2006.

Pereira da Silva

Rodrigues dos Santos

Moitinho de Almeida