Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1346/10.5TBTMR.C1. S1
Nº Convencional: 7ª SECÇÃO
Relator: SÉRGIO POÇAS
Descritores: ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA
CÁLCULO DA INDEMNIZAÇÃO
DETERMINAÇÃO DO VALOR
OBRAS
BENFEITORIAS
BEM IMÓVEL
LIQUIDAÇÃO ULTERIOR DOS DANOS
Data do Acordão: 01/10/2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA EM PARTE
Área Temática: DIREITO CIVIL - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / FONTES DAS OBRIGAÇÕES / ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - PROCESSO DE DECLARAÇÃO / SENTENÇA (LIMITES DA CONDENAÇÃO)/ RECURSOS
Doutrina: - Antunes Varela e Pires de Lima, "Código Civil", Anotado, Volume I, p.412.
Legislação Nacional: CÓDIGO CIVIL (CC):- ARTIGOS 473.º, 479.º, 480.º.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 273.º, 661.º, N.º2, 662.º, N.º2, 722.º, N.º2, 729.º, N.ºS1 E 2.
LOFTJ: - ARTIGO 26.º.
Jurisprudência Nacional: ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 22/02/2011, REVISTA N.º 81/04.8TBVLF.C1.S1 - 1.ª SECÇÃO;
-DE 14/06/2011, REVISTA N.º 783/07.7TBILH.C1.S1 - 6.ª SECÇÃO;
-DE 09/02/2012, REVISTA N.º 5615/04.5TBSTB.E1.S1 - 1.ª SECÇÃO;
-DE 06/03/2012, REVISTA N.º 4026/07.5TVPRT.P1.S1 - 6.ª SECÇÃO;
-DE 31/05/2012, REVISTA N.º 1332/07.2TBCHV.P1.S1 - 2.ª SECÇÃO.
Sumário :

I - O facto de não haver elementos para determinar a medida do exacto empobrecimento da autora não leva, só por si, à improcedência da acção fundada em enriquecimento sem causa.
II - Tendo resultado provado que as obras (no prédio do réu) foram efectuadas pelo casal, assim também pela autora, tendo igualmente resultado provado que tais obras aumentaram o valor do prédio, não há obstáculo à condenação do réu a restituir à autora o valor do enriquecimento a liquidar em incidente próprio (art. 661.º, n.º 2, do CPC).
Decisão Texto Integral:

                   Acordam no Supremo Tribunal de Justiça

1.Relatório

AA propôs no 2º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Tomar uma acção declarativa sob a forma de processo ordinário contra BB pedindo a condenação deste a pagar-lhe a quantia de € 125.000,00 a título de benfeitorias levadas a cabo pela A. em determinado imóvel.

Para tanto, alega:

Casou com o R. em 23 de Novembro de 1978 e dele veio a divorciar-se, o que deu lugar à instauração de inventário para partilha das respectivas meações no 3º Juízo do mesmo Tribunal Judicial da Comarca de Tomar; nesse inventário foi proferido despacho a remeter os interessados para os meios comuns no que concerne ao crédito da A. por benfeitorias efectuadas em prédio que é bem próprio do R.; durante o casamento, A. e R. procederam à demolição de uma velha casa existente nesse prédio, tendo construído e implantado nesse local uma moderna moradia com piscina, para a qual foram habitar no ano de 1986; as obras de construção de tal moradia foram custeadas com os rendimentos do casal, que as realizaram por administração directa; uma vez que o valor actual da edificação é de € 250.000,00, tem a A. a haver do R., a título de benfeitorias, metade do valor total das obras.

Citado contestou o R. dizendo que só se tornou proprietário da casa em 1998 por doação de seus pais; que foram estes que exclusiva e integralmente custearam as obras de construção da moradia que A. e R. viriam a habitar a partir de 1986 até ao abandono do lar pela A. em 2007, que para aquelas obras em nada contribuiu; que o valor das mesmas deve ser sempre determinado pelas regras do enriquecimento sem causa, o que implica o conhecimento do valor acrescentado ao terreno e o que a A. gastou na construção. Termina com a improcedência da acção.

Replicou a A. aduzindo que A. e R. dispuseram do terreno onde construíram a nova casa como se possuidores dele fossem, tratando da documentação necessária. No mais, reitera factualidade já vertida na petição, rematando como no pedido inicial.   

A final veio a acção a ser julgada procedente por provada e, em função disso, condenou-se o R. BB a pagar à A. a importância de € 120.000,00.

Inconformado, o réu interpôs recurso de apelação para o Tribunal da Relação.

Este Tribunal, dando provimento ao recurso, absolveu o Réu.

Inconformada, a autora recorre para o STJ, concluindo da forma seguinte:

a)Tratando-se de um terreno bem próprio de um cônjuge e no qual pelo esforço de ambos foi construída uma casa, tal casa pertence ao património comum do casal;

b)Assim aquela casa é uma propriedade colectiva ou de mão comum.

c)Nesta perspectiva cada um dos cônjuges tem nessa casa, uma vez dissolvido o casal, um direito ou quota ideal que é a sua meação.

d)Cessadas por divorcio as relações patrimoniais pelos ex-cônjuges, o cônjuge que não pode ficar com aquela casa tem direito a receber do ex-cônjuge que fica com a casa, metade do valor desta.

e)Como tal valor foi fixado em 240.000,006, deverá tomar ao cônjuge que na partilha fica sem direito naquela casa, metade daquele valor, isto é, 120.000,00€

Quando assim se não entenda, sem prescindir, e por mero dever de patrocínio, e em alternativa

a)Estando fixado que um casal construiu uma casa num terreno pertencente a um, à custa do esforça de ambos, e sendo ambos casados segundo o regime da comunhão de adquiridos., tal casa constitui uma benfeitoria útil.

b)Não se tendo provado o valor económico das benfeitorias, para assim se saber em concreto quanto é que o proprietário se enriqueceu à custa daquele que é co-titular igual desse bem, deve relegar-se para liquidação em execução de sentença a determinação desse valor, uma vez que foi formulado um pedido concreto de determinada importância.

Foram violados, na primeira hipótese, os arts. 1724.°, 1730.°, al. a) ambos do C. Civil, Na segunda hipótese, os arts. 1273.° e 479.° do C.Civil.

Termos em que deve o douto Acórdão sob recurso ser revogado em consequência:

a) Ser mantida a douta sentença proferida em primeira instância,

ou subsidiariamente

b) Ser relegado para liquidação em execução de sentença a fixação do valor da medida do enriquecimento de um dos cônjuges à custa do outro, valor este que, uma vez advertido fixado, metade desse valor constituirá divida do recorrido à recorrente.

Assim se fará Justiça,

Houve contra-alegações de igual modo devidamente ponderadas.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

Sem prejuízo do conhecimento oficioso que em determinadas situações se impõe ao tribunal, o objecto e âmbito do recurso são dados pelas conclusões extraídas das alegações (artigos 684º, nº 3 e 690º, nº 1 do CPC[1]).

Nas conclusões, o recorrente deve – de forma clara e sintética, mas completa – resumir os fundamentos de facto e de direito do recurso interposto. 

Face ao exposto e às conclusões formuladas importa resolver:

a) da  alteração da causa de pedir;

b) da qualificação da construção levada a cabo pela recorrente e recorrido em prédio;

c) da condenação do réu por enriquecimento sem;

d) da condenação do réu a restituir à autora o valor do enriquecimento a liquidar em incidente próprio.    

II. Fundamentos

II.I. De Facto

São os seguintes os factos dados como provados na 1ª instância, sem impugnação:

A - A Autora, AA e o Réu BB contraíram casamento católico em 23 de Dezembro de 1978, sem convenção antenupcial (alínea A) da matéria assente);

B - O casamento celebrado entre autora e réu foi dissolvido por divórcio decretado por sentença de 3 de Dezembro de 2008, transitada em julgado em 15 de Janeiro de 2009 (alínea B) da matéria assente);

C - Encontrava-se descrito na Conservatória do Registo Predial de Tomar, sob o nº 0000000000, o prédio misto sito em “C..............”, Estrada das.............., freguesia de Olalhas, Tomar, composto por casa de habitação de 64 m2 e logradouro de 736 m2 e terra de olival, citrinos e construção rural, com a área de 7.520 m2, a confrontar a Norte com CC, a Sul com DD, a Nascente com ribeiro, e a poente com estrada, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo n.º 1064 e na matriz predial rústica sob o artigo o n.º ..., Secção ...., formado pelo n.º ........., B........ e por prédio não descrito (alínea C) da matéria assente);

D - Pela Ap. 00000000, Av. 000, o referido prédio passou a estar descrito na Conservatória do R egisto Predial de Tomar nos seguintes termos: Casa de habitação com a área de 64 m2 e logradouro com a área de 736 m2, casa de habitação de r/chão e 1º andar com a área de 169 m2, e terra de Olival e citrinos, com a área de 7.351 m2, inscrito na matriz predial urbana sob os artigos nºs 1064 e 1644 e na matriz predial rústica sob o artigo n.º 97, Secção H (alínea D) da matéria assente);

E - Encontra-se inscrita pela Ap. 24/240398, a aquisição do referido prédio a favor de EE, c. c. FF, na Comunhão Geral, por partilha da Herança aberta por óbito de GG, casada com HH, e doação de Maria Jacinto (alínea E) da matéria assente);

F - Por escritura pública lavrada a 28 de Abril de 1998, no ... Cartório Notarial de Tomar, EE e seu marido, FF, que também usa o nome de FF, declararam doar, com reserva para si de usufruto simultâneo e sucessivo, ao seu filho, BB, que declarou aceitar, o prédio misto sito em C.............., freguesia de Olalhas, concelho de Tomar, composto de casa de habitação com 64 m2 e logradouro com 736 m2, e terra de olival, citrinos e construção rural com 00000 m2, descrito na Conservatória do Registo Predial de Tomar sob o n.º 0000, registado a favor dos doadores pela inscrição G-1, e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 1064 e na matriz predial rústica sob o artigo 97, secção H (alínea F) da matéria assente);

G - Encontra-se inscrita pela Ap.00000000000, a aquisição do referido prédio a favor de BB c. c. AA , por doação (alínea G) da matéria assente);

H - Encontra-se inscrita pela Ap. 0000000000, a aquisição do usufruto, a extinguir no todo à morte do último que sobreviver, a favor de EE e marido FF, por reserva doação (alínea H) da matéria assente);

I - Encontra-se inscrito na matriz predial urbana sob o artigo nº 2002, desde 1998, a casa de habitação referida em D), que proveio do antigo artigo matricial 1664, situado no lugar de.............., freguesia de Olalhas, em Tomar (alínea I) da matéria assente); Porém, na Conservatória do Registo Predial mantém-se a referência ao artigo urbano 1644, que agora já não existe (alínea J) da matéria assente);

J - A casa tem a área coberta de 169 m2, e é composta por rés-do-chão, primeiro andar com varanda e sótão (alínea L) da matéria assente);

K - A moradia possui a nível do Rés-do-chão uma divisão, uma cozinha, marquise, uma casa de banho, um corredor e uma garagem (alínea M) da matéria assente);

L - A nível inferior à cozinha do rés-do-chão existe uma meia cave que serve de despensa e arrumos (alínea N) da matéria assente);

M - No primeiro andar, existem quatro divisões assoalhadas, uma casa de banho, um hall, uma cozinha, uma marquise e uma varanda com gradeamento em ferro (alínea O) da matéria assente);

N - O sótão, que está dividido, é composto por dois quartos, uma sala, casa de banho e arrumos (alínea P) da matéria assente);

O - A casa possui um acesso exterior ou escadaria que se desenvolve em curva, do rés-do-chão para o primeiro andar, possuindo também acesso ao interior da casa pela porta a nível do rés-do-chão e pela traseira do mesmo prédio (alínea Q) da matéria assente);

P - Como resulta da fotografia, a construção é em estrutura de betão armado, com paredes duplas de alvenaria de tijolo com caixa-de-ar, rebocado e pintado, com caixilharia de alumínio e estore de pvc, sendo a estrutura da cobertura em vigas de pré esforçado, cobertas a telha lusa (alínea R) da matéria assente);

Q - A casa está murada junto à estrada, com um muro de betão pintado a branco e onde existe um portão em ferro, de acesso ao quintal, de duas folhas, com uma largura de cerca de 3,50 metros e outro portão de correr, em ferro, de acesso à garagem (alínea S) da matéria assente);

R - Os réus construíram igualmente uma piscina rectangular, em betão armado, revestida no seu interior a azulejo com as dimensões de cerca de 10m por 6m (alínea T) da matéria assente);

T - Tal piscina, que é rampeada, desenvolve-se entre uma altura máxima de cerca de 1,80 até 1 metro (alínea U) da matéria assente);

U - Circundando a piscina, foi colocado um rebordo em pedra, branco, com cerca de 0,60m de largura (alínea V) da matéria assente);

V - A dita piscina está implantada num relvado também criado para embelezar o conjunto, e a proteger a privacidade daquele local e a delimitá-lo existe uma sebe também plantada (alínea X) da matéria assente);

X - Com o consentimento dos proprietários do prédio, seus pais e na perspectiva de ali instalarem a sua residência, o réu iniciou a demolição e a reconstrução do prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo 1644, sito no lugar de.............., freguesia de Olalhas, concelho de Tomar (resposta ao nº 1 da base instrutória);

Z - Após o seu casamento, a autora e o réu viveram durante um período não concretamente apurado, mas num período de cerca de 6 anos, na Barragem de Bouçã (resposta ao nº 2 da base instrutória);

AA - A autora e o réu mandaram proceder à demolição de uma casa velha existente no prédio urbano inscrito na matriz 0000 da freguesia de Olalhas e aí foram implantando a vivenda murada com piscina referida em I) e L) da matéria assente (resposta ao nº 3 da base instrutória);

AB - Autora e réu foram habitar aquela vivenda no ano de 1986 (resposta ao nº 4 da base instrutória);

AC - Mas as obras na referida vivenda prolongaram-se até 1998 (resposta ao nº 5 da base instrutória);

AD - A autora e réu viveram nessa casa até há cerca de quatro ou cinco anos (resposta ao nº 6 da base instrutória);

AE - A autora agia como se aquela fosse a casa do casal constituído por si e pelo réu (resposta ao nº 7 da base instrutória);

AF - As referidas obras foram custeadas com o dinheiro do casal (resposta ao nº 8 da base instrutória);

AG - A autora e o réu, ao realizarem tais obras, fizeram-nas na convicção de que não lesavam, direitos de terceiros (resposta ao nº 9 da base instrutória);

AH - O valor actual da referida moradia ascende a 240.000,00 euros (duzentos e quarenta mil euros).

II.II. De Direito

1.Da decisão da matéria de facto

Como se sabe, o STJ conhece, em regra, somente de matéria de direito, aplicando aos factos provados pelo Tribunal da Relação o regime jurídico que julgue adequado – artigos 26.º da LOFTJ e 729.º, n.º 1, do CPC. Consequentemente, e como resulta nítido dos artigos 722.º, n.º 2, e 729.º, n.º 2, do CPC, está vedado a este Tribunal apurar eventual erro na apreciação das provas e na fixação dos factos, salvo se houver ofensa de disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova.

De facto, só muito raramente a decisão definitiva da matéria de facto não é uma decisão das instâncias – importa ter presente.

No caso, não tendo sido questionada a decisão da matéria de facto, nos termos excepcionais acima referidos, aquela tem-se como assente, para todos os legais efeitos, tal com foi definida pelo Tribunal da Relação.

2.Do objecto da obrigação de restituir (artigo 479º).

2.1.As partes, designadamente a autora, aceitaram o entendimento 1ª instância quando as obras relativas à construção da casa em terreno próprio do recorrente foram qualificadas como benfeitorias úteis[2].

Como resulta claro do acórdão recorrido (atente-se no conteúdo da nota de roda pé antecedente), este entendimento foi aceite pela Relação e foi ainda entendido que a questão deveria ser equacionada de acordo com o instituto do enriquecimento sem causa.

No entanto e apesar do que articulou e da aceitação da decisão da 1ª instância, a recorrente vem agora alegar, a título principal, que:

«a)Tratando-se de um terreno bem próprio de um cônjuge e no qual pelo esforço de ambos foi construída uma casa, tal casa pertence ao património comum do casal;

b)Assim aquela casa é uma propriedade colectiva ou de mão comum.

c)Nesta perspectiva cada um dos cônjuges tem nessa casa, uma vez dissolvido o casal, um direito ou quota ideal que é a sua meação»

Importa dilucidar:

Primo: Ao contrário do que alegou e discutiu nas instâncias, pretende agora a recorrente, em pretensão principal, o prosseguimento dos autos com o fundamento de que a casa constitui património comum do casal e assim teria direito a metade do seu valor. Ora tendo a questão sido sempre colocada, designadamente pela recorrente, com base no direito à restituição pelas benfeitorias efectuadas (a construção da casa em terreno próprio do recorrido), o que a recorrente verdadeiramente pretende em primeira linha é uma alteração da causa de pedir.

Todavia, e como se sabe, a alteração e ampliação da causa de pedir e do pedido estão previstas nos termos do artigo 273º do CPC e não podem surgir desvios informais, designadamente em alegações de recurso.

Secundo: Tal como emerge da discussão da causa, a casa construída pelo casal em prédio do recorrido não pode ser considerada com um prédio comum do casal, como se reconhecerá.

De facto, aliás tal como a recorrente articulou, aquela construção foi qualificada como benfeitoria útil, qualificação que foi aceite pela Relação e que se manterá, por adequada.    

2. 2.Após se debruçar de modo correcto sobre os requisitos previstos nos artigos 479º e 480º do CC [3] , sustentou a Relação:

«Perante o direito à restituição do valor de uma benfeitoria, são elementos tipicamente constitutivos do direito atribuído ao empobrecido a alegação e prova dos factos que consubstanciem, por um lado, o montante despendido ou perdido pelo autor da benfeitoria, ou seja, a medida do empobrecimento, medida que no caso implica inexoravelmente a demonstração de toda a despesa realizada com as obras para a construção da moradia; e, por outro lado, o incremento de valor do imóvel, ou seja a medida do enriquecimento - conferida à data da citação do enriquecido - medida que, no caso vertente, não pode dispensar a comprovação do valor actualizado do terreno em que foi edificada a moradia para habitação do casal então formado por A. e R., a par do valor da própria construção ali implantada[4](sublinhado nosso).

E de acordo com o que expôs, e que é correcto, conclui a Relação que não tendo sido alegado nem provado o custo das obras levadas a cabo (designadamente a construção da casa), necessariamente à acção teria de improceder.

Terá de ser assim?

Ressalvado o devido respeito, entendemos que não.

Tendo inquestionavelmente resultado provado que as obras (no prédio do réu) foram efectuadas pelo casal (atente-se na matéria de facto provada, designadamente na que se transcreve em nota de rodapé[5]), assim também pela recorrente, sendo igualmente irrefutável que tais obras aumentaram o valor do prédio, não há obstáculo, ao contrário do entendido pela Relação, à condenação do réu a restituir à autora o valor do enriquecimento a liquidar em incidente próprio (artigo 661º, nº 2 do CPC).    

Como é evidente à autora terá direito apenas a metade do montante das despesas apuradas.

Não acompanhamos assim a Relação quando defendendo que «não há elementos para determinar a medida do exacto empobrecimento da A., empobrecimento que, como se viu, podendo ser inferior ao valor da construção, interfere com o valor a satisfazer pelo R….

Donde que, na procedência desta questão, não reste outro caminho que não seja a absolvição do R. e, desse modo, a sentença não possa ser mantida».         

De facto, estando provado, como acima se expôs, para o que se remete, enriquecimento injustificado[6] do réu e empobrecimento da recorrente, parece claro que de acordo com o disposto nomeadamente nos artigos 473º, 479º do Código Civil e 661º, nº 2 do CPC deverá ser proferida a decisão de condenação à restituição.

Salvo o devido respeito, face ao disposto no nº 2 do citado artigo 662º[7], o facto de não haver elementos para determinar a medida do exacto empobrecimento da A., não leva à improcedência da acção.

As coisas seriam diferentes, como é evidente, se não resultasse provado o empobrecimento da autora, mas tendo este resultado provado, a sua exacta medida não constitui facto essencial à condenação à restituição, face aos normativos acima citados.

Neste sentido, se bem vemos, decidiu o STJ em 22-02-2011, Revista n.º 81/04.8TBVLF.C1.S1 - 1.ª Secção , sendo relator o Cons. Garcia Calejo. Aqui se decidiu:

«O preceito constante do art. 661.º, n.º 2, do CPC, tanto se aplica no caso de se ter inicialmente formulado um pedido genérico e de não se ter logrado converter em pedido específico, como ao caso de ser formulado pedido específico sem que se tenha conseguido fazer prova da especificação, ou seja, quando não se tenha logrado coligir dados suficientes para se fixar, com precisão e segurança, o quantitativo da condenação» (sublinhado nosso)

(Entre outros no mesmo sentido, identificam-se em nota de rodapé[8] alguns Acórdãos do STJ)

III. Decisão

Com a fundamentação exposta, concedendo-se parcial revista, revoga-se a decisão recorrida e condena-se o recorrido a restituir aquilo com que se enriqueceu resultante das obras realizadas, na parte custeadas pela autora, em montante a liquidar ulteriormente.

Custas da acção e do recurso pelos recorrentes e recorridos na proporção de metade a corrigir no ulterior incidente de liquidação.

Em Lisboa, 10 de Janeiro de 2013

Sérgio Poças (Relator) *
Granja da Fonseca
Silva Gonçalves

_________________________


[1] Doravante, se o contrário não for dito os preceitos legais indicados integram o Código de Processo Civil

[2] Escreve-se no acórdão recorrido, nomeadamente: «Indiscutida e assente a natureza das obras como benfeitorias - e dentro desta a sua catalogação como úteis, uma vez que não foi polemizado o acrescento de valor que foi conferido ao terreno incorporador, de acordo como o disposto no nº 3 do art.º 216 do CC - olhemos para a matéria apurada procurando descortinar os pressupostos de que a lei faz depender o ressarcimento do benfeitor»

[3]Face ao que se mostra exigido pelos art.ºs 479 e 480 e ss. do C.C o objecto da restituição tem o seguinte conteúdo:
1. Deve ser determinado o que foi obtido à custa do empobrecido, isto é, a medida do empobrecimento, que equivale ao dispêndio ou perda patrimonial efectivamente sofrida pelo benfeitor;
2. A medida do empobrecimento do autor da benfeitoria tem como limite máximo a medida do locupletamento ou enriquecimento auferido pelo beneficiado.
3. A partir da citação judicial para a restituição ou do conhecimento da falta de causa do enriquecimento, o beneficiado responderá ainda pelo perecimento, deterioração ou falta de recebimento de frutos por sua culpa, além dos juros legais.
[4] Como lembram A. Varela e P. Lima, in C.C. anotado, V. I, p.412, as benfeitorias podem valer menos do que aquilo que o possuidor despendeu para as realizar e pode verificar-se também a hipótese inversa. O que se pretende é que nem o autor das benfeitorias colha vantagem da mais valia ocorrida, nem o enriquecido fique prejudicado, por ficar obrigado a restituir mais do que efectivamente auferiu com a incorporação.

[5]AE - A autora agia como se aquela fosse a casa do casal constituído por si e pelo réu (resposta ao nº 7 da base instrutória);

AF - As referidas obras foram custeadas com o dinheiro do casal (resposta ao nº 8 da base instrutória);

AG - A autora e o réu, ao realizarem tais obras, fizeram-nas na convicção de que não lesavam, direitos de terceiros (resposta ao nº 9 da base instrutória);

AH - O valor actual da referida moradia ascende a 240.000,00 euros (duzentos e quarenta mil euros).

[6] Não oferece discussão que as diversas construções obras aumentaram o valor da coisa. Parece assim indubitável que, nas circunstâncias concretas descritas, o réu não têm qualquer causa/justificação para obter um enriquecimento (as obras feitas) à custa também da autora, do empobrecimento desta.

Em suma, parece assim cristalino que os requisitos do enriquecimento sem causa acima indicados se verificam.

Sendo assim as coisas, como são, o réu está obrigado à restituição nos termos dos artigos 473º, nº1 e 479º. 
[7] Dispõe-se na norma: Se não houver elementos para fixar o objecto ou a quantidade, o tribunal condenará no que vier a ser liquidado, sem prejuízo de condenação imediata na parte que já seja líquida.  

[8]Não se apurando o valor concreto do dano, mas sendo o dano patrimonial susceptível de ser quantificado, deve aplicar-se o disposto no art. 661.º, n.º 2, do CPC (liquidação de sentença). Só se de todo se mostrar impossível proceder, em ulterior fase executiva, à concretização dos danos, é que se deverá recorrer ao disposto no art. 566.º, n.º 3, do CC; enquanto tal materialização se revelar possível, deve-se optar pelo mecanismo do art. 661.º, n.º 2, do CPC. 

09-02-2012, Revista n.º 5615/04.5TBSTB.E1.S1 - 1.ª Secção , relator Cons. Gregório Silva Jesus.  

Só é possível deixar para liquidação, através da dedução do incidente a que alude o art. 378.º do CPC, a indemnização respeitante a danos relativamente aos quais, embora com existência provada na acção declarativa, não existam elementos, nem sequer recorrendo à equidade, para fixar o seu “quantum.”  31-05-2012 

Revista n.º 1332/07.2TBCHV.P1.S1 - 2.ª Secção, relator Cons, Pereira da Silva. 

A liquidação em execução de sentença é um incidente da instância declarativa com estreita e indissociável ligação à acção onde se reconheceu a existência do crédito, mas não se conseguiu quantificá-lo, por não ter sido possível, ou porque, desde logo, o autor formulou um pedido ilíquido ou genérico, sendo devidos juros de mora desde a citação para a acção, sobre o montante liquidado ulteriormente. 

06-03-2012  Revista n.º 4026/07.5TVPRT.P1.S1 - 6.ª Secção, relator Cons. Fonseca Ramos.  

Sabendo-se que há danos, mas que não puderam ser quantificados, por insuficiência da prova produzida na acção declarativa, é possível relegar a sua liquidação para execução de sentença. 

14-06-2011  Revista n.º 783/07.7TBILH.C1.S1 - 6.ª Secção, relator CONS  João Camilo