Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
07B3036
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: PEREIRA DA SILVA
Descritores: RECURSO
CONCLUSÕES
DESPACHO-CONVITE
PODERES DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
AMPLIAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
Nº do Documento: SJ200711150030362
Data do Acordão: 11/15/2007
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA.
Decisão: ANULADO O JULGAMENTO.
Sumário : I. O artº 508º do CPC não se aplica aos recursos, aos quais se aplica o exarado no artº 690º nº4 do supracitado Corpo de Leis, normativo este que se reporta, tão só, à falta das especificações elencadas no nº 2, atinentes a matéria de direito, não abrangendo, consequentemente, as consignadas no artº 690º - A do mesmo diploma legal.

II. A ampliação a que alude o artº 729º nº3 do CPC só pode acontecer no tocante a factos de que ao tribunal seja lícito conhecer ou articulados pelas partes (artº 264º do CPC) que se revelem essenciais para o plasmado no primeiro dos nomeados comandos legais.
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:


I. a) Com distribuição, a 03-09-22 (cfr. carimbo aposto a fls. 2 e art. 267º nº 1 do CPC), à 2ª Secção da 1ª Vara Cível da Comarca de Lisboa, nos termos e com os fundamentos que ressaltam de fls. 2 a 14, AA intentou acção declarativa de condenação, com processo comum, ordinário, contra "Montepio Comercial e Industrial - Associação de Socorros Mútuos", impetrando a condenação da ré a pagar-lhe:

1'. Pensões de invalidez no montante mensal 688,32 euros, desde Julho de 2002 até à presente data, o que perfaz, até ao final de Setembro, a quantia de 10.324.80 euros;
2'. As pensões mensais "que entretanto se vencerem, desde Setembro de 2003 para a frente";
3'. A subvenção anual de 2002, no montante de 41.300,50 euros, bem como as subvenções anuais que entretanto se vencerem nos anos subsequentes.
4'. Juros de mora que entretanto se venceram sobre o capital em dívida, bem como os vincendos, em 2.409,18 euros importando os já caídos;
5'. 10.000 euros, a título de danos não patrimoniais;
6'. 4.130,02 euros, a título de lucro cessante, resultante da não realização de aplicações pelo autor com a rentabilidade de 12% anual, "que lhe teriam proporcionado aquela importância".

b) Contestou a ré, pugnando pela improcedência da acção, com consequente absolvição sua do pedido.
c) Replicou o autor, "inter alia" requerendo que além dos lucros cessantes referidos em 6', contabilizados até à data da instauração da acção, seja a ré condenada a pagar-lhe os lucros cessantes vincendos, até à data do pagamento integral e efectivo.
d) No despacho saneador, quanto ao demais tabelar, foi julgado improcedente o deduzido incidente de verificação do valor da causa e indeferida "reclamação" da ré, por via do oferecimento da réplica, nos termos acontecidos, "mantendo-se plenamente eficaz o mencionado articulado" do autor.
Procedeu-se à selecção da matéria de facto tida como assente e organizou-se a base instrutória.
e) Observado o demais de lei, procedeu-se à audiência de discussão e julgamento, na parcial procedência da acção tendo sido a ré condenada a pagar a AA:

1'. A pensão mensal vitalícia, por invalidez, no valor mensal de 688,32 euros, devida desde 20/05/2002, e paga postecipadamente.
2'. A quantia de 41.299,2 euros, a título de "Subvenção Anual", relativa ao ano de 2002.
3'. As quantias referentes às "Subvenções Anuais" relativas aos anos de 2003 e seguintes.
4'. A quantia de 5.000 euros, a título de indemnização por danos não patrimoniais.
5'. Juros de mora, sendo os vencidos até 30/04/2003 calculados à taxa legal de 7% ao ano, e os vencidos e vincendos desde 01/05/2003 calculados à taxa legal de 4% ao ano e correspondentes taxas legais subsequentemente em vigor:
- sobre cada um dos montantes mensais referidos em 1', desde o primeiro dia do mês àquele a que respeitam, até integral pagamento;
- sobre as Subvenções referidas em 2' e 3', desde a data da distribuição de cada uma delas à generalidade dos associados da ré, até integral pagamento.

f) Com o sentenciado se não tendo conformado, apelou a ré, sem êxito, embora, já que o TRL, por acórdão de 07-02-08, como flui de fls. 583 a 606, julgou improcedente a apelação, confirmando a decisão impugnada.
g) É do predito acórdão que, ainda irresignada, traz revista a demandada, a qual, na alegação oferecida, em que defende a justeza da revogação da decisão sob recurso, tendo formulado as conclusões seguintes:

1. Rejeitou o Tribunal da Relação a apelação, considerando que o Recorrente, nas conclusões recursórias, não observou as regras processuais estabelecidas nos artigos 522º-C nº 2 e 690º-A, ambos do C.P.C..
2. O artigo 690º-A do Código de Processo Civil impõe um ónus especial de alegação quando se pretenda impugnar a decisão sobre a matéria de facto, que envolve a indicação dos concretos pontos de facto que se considera incorrectamente julgados e dos concretos meios probatórios em que se baseia a impugnação, e que se destina a garantir que a parte fundamente a sua discordância em relação ao decidido, identificando os erros de julgamento que ocorreram na apreciação da matéria de facto.
3. Ora, tratando-se de um ónus afirmatório, pode ser satisfeito no próprio texto das alegações.
4. Ao rejeitar o recurso de apelação por as conclusões não respeitarem o disposto nos artigos 690º-A e 522-C nº 2, cometeu o Tribunal da Relação erro na aplicação do direito, violando os mencionados normativos.
5. Já que, ainda que se entenda por aplicação do princípio geral ínsito no art. 690º do CPC, que o Recorrente, quando impugna a matéria de facto não está dispensado de formular conclusões, estas apenas poderão ter o efeito de delimitar, de forma precisa e sintética, o objecto do recurso, identificando as questões que nele se pretendem ver discutidas.
6. E, ainda que se entendesse que tal indicação foi insuficiente, deveria o julgador, sob pena de violação dos princípios essenciais do Código de Processo Civil, da cooperação entre as partes e da prevalência da matéria sobre a forma, acolhidos entre outros nos artigos 266º, 266º-A e 519º do mesmo Código, ter convidado o Recorrente a aperfeiçoar a sua peça processual.
7. Como reconhece o douto Acórdão impugnado, o art. 690º-A, ao remeter para o art. 522º-C, ambos do Cód. Proc. Civil, obriga o Recorrente a especificar, sob pena de rejeição, os meios de prova em que se baseia o seu recurso com a indicação do início e termo da gravação de cada depoimento com referência à acta.
8. Na apelação, o Recorrente indicou nas suas alegações, os pontos concretos dos depoimentos, os nomes das testemunhas, o número da cassete, o seu lado, os minutos de início e seu termo, pelo que respeitou as exigências que sobre ele pendem, dispostas naqueles dois normativos, não se conformando que lhe seja imputada a falta de cumprimento do aí previsto.

9. No recurso interposto observou o Recorrente as normas processuais aplicáveis, cometendo erro da aplicação do direito o Acórdão do Tribunal da Relação que, com base nos dois normativos invocados, rejeitou a apelação.
10. Acresce que o litigio situa-se no domínio da relação jurídica estabelecida entre o R. e o A., seu associado, resultante da subscrição por este de pensões de invalidez em 27/12/1999, 10/03/2000 e 5/05/2000.
11. Ao contrário do invocado pelo Réu na sua contestação, não se provou que o A., aquando da subscrição das pensões de invalidez, já sabia que se encontrava afectado de uma incapacidade de 93%, tendo ocultado, deliberadamente, tal facto ao Réu.
12. Provou-se, porém que o A. sofre de doença de crohn desde 1992 padecendo, igualmente, de psicose depressiva desde data não concretamente apurada, tendo sido estas doenças que determinaram a incapacidade que lhe veio a ser atribuída pelo atestado médico de incapacidade multiuso a que se refere o ponto 20 dos factos provados.
13. Concluiu a sentença de 1ª instância, mantida pelo Tribunal da Relação, que o atestado médico em causa não permite reportar o início da incapacidade do A. a 1992 uma vez que resultou provado que o seu estado de saúde só se agravou em 2001 e que na junta médica apenas foram examinados dois documentos clínicos datados de 2002.
14. Constata-se, porém, da matéria de facto dada como assente que, dos dois documentos clínicos datados de 2002, examinados na junta médica que deu origem ao atestado médico de incapacidade multiuso datado de 26.02.2002 resultou que a situação de grave incapacidade então detectada ocorreu em data anterior a 2002, sendo que, pelo menos, remonta a 2001 - data em que ficou assente a ocorrência do agravamento da situação clínica do A.
15. Admitindo a douta sentença de 1ª instância que o estado de saúde do A. se agravou em 2001, resulta dos documentos clínicos avaliados pela junta médica, datados de 2002, aos quais expressamente a douta sentença de 1ª instância se reporta e que integram as fls. 156 a 161 dos autos, um quadro clínico grave que determinou directamente em 2002 a atribuição de 93% de incapacidade permanente global.
16. É, assim, descrito o quadro clínico do Autor nos documentos datados de 2002 para que remete a resposta à matéria de facto: "O doente já esteve internado no Serviço de Gastroenterologia por cinco vezes, uma em 1998 e as últimas quatro vezes em 2001. Tendo inclusivamente sido submetido a ressecção parcial do cólon sigmoide -em 22 de Outubro- devido a estenose não tratável medicamente ou com dilatações (...). Após a cirurgia o doente ficou incontinente para fezes e apresenta disfusão sexual eréctil e anejaculação, apesar de alguns progressos não está recuperado. O doente apresenta sinais e sintomas marcados, contínuos e que traduzem disfunção permanente e acentuada, só controláveis com medicação com carácter permanente ou cirurgia".
17. Também do relatório médico de fls. 158, datado de 6 de Maio de 2002, resulta que o A., com diagnóstico de Perturbação Depressiva Recorrente, apresenta uma incapacidade de "Grau III - acentuada alteração de comportamento (longos períodos de grave inibição psico-motora) requerendo a assistência durante períodos prolongados no último ano necessidade de apoio permanente em casa e de apoio médico continuado."

18. Ficou, pois, assente que o estado de saúde do A. se agravou, nos termos acima expostos, em 2001.
19. Porém estabelecendo a cláusula 5ª nº2 do Regulamento de Benefícios do MCI, que "O estado de invalidez reportar-se-à (...) à data do pedido de exame médico para a sua verificação", considerou ao Acórdão impugnado que, no caso vertente, tendo decorrido dois anos entre a data da subscrição das pensões de invalidez e o pedido de exame médico para a sua verificação, assistia direito ao Autor o direito à pensão por invalidez.
20. Ora, com todo o merecido respeito, entende padecer tal decisão mantida pelo Tribunal da Relação de erro de julgamento, resultando directamente violada a norma consagrada no nº 1 do artigo 16º do Regulamento de Benefícios do R. junto por linha aos autos.
21. Decorre deste normativo que "O subscritor de Pensões de Invalidez e Reforma só tem direito à pensão por invalidez permanente se ela ocorrer dois ou mais anos após a subscrição".
22. Dispõe o nº 2 que "(...) se a invalidez ocorrer nos dois primeiros anos de subscrição, as quotas puras pagas serão devolvidas ao subscritor, ficando a subscrição sem efeito."
23. Esclarece, ainda, o nº 3 do artigo 17º do mesmo Regulamento de Benefícios que "O relatório médico ou o parecer da junta médica deverão definir o grau e a data do início da respectiva incapacidade tendo em conta o disposto no nº 2 do artigo 5º".
24. Resulta, pois, dos documentos acima invocados e que fundamentaram a resposta aos quesitos 1º, 27º a 29º da base instrutória, que a incapacidade ocorreu antes de completados dois anos sobre a data da subscrição das pensões de invalidez, o que não deveria ter deixado de determinar a aplicação do disposto no nº 1 do artigo 16º do Regulamento de Benefícios do R. com a consequente devolução ao A. das quotas pagas, ficando a subscrição sem efeito.
25. Não sendo nesta situação aplicável o disposto na cláusula 5ª nº 2 do Regulamento de Benefícios do MCI, nos termos da qual "O estado de invalidez reportar-se-à (...) à data do pedido de exame médico para a sua verificação".
26. Pois, ao contrário da posição sustentada no Acórdão recorrido, o decurso do prazo de carência não se pode bastar com a mera consideração formal da data da apresentação do pedido do exame médico para a verificação da incapacidade uma vez que tal consideração conduziria claramente a resultados fraudulentos, revelando-se contrária aos fins que a mesma pretende prosseguir, importando atender à data do início da respectiva incapacidade, conforme resulta do nº 3 do artigo 17º do Regulamento de Benefícios.
27. Ao atender à data de pedido de exame médico para concluir pela verificação do decurso do prazo de dois anos sobre a data da subscrição das pensões de invalidez violou a sentença de 1ª instância bem como o Acórdão recorrido as normas acolhidas nos artigos 16º e 17º e ainda no artigo 5º, nº2 do Regulamento de Benefícios do Montepio Comercial e Industrial.
28. Acresce, ainda, que a invocação da aplicação do disposto no artigo 16º do Regulamento de Benefícios ao caso vertente, ao invés do sustentado no Acórdão da Relação, não é uma questão nova, que não possa ser atendida em sede de recurso, uma vez que resulta da aplicação das normas regulamentares do R. à matéria dada como provada com base na prova documental trazida aos autos e no depoimento prestado pelo médico assistente do A.

29. Ao rejeitar o seu conhecimento violou o douto Acórdão recorrido o disposto no artigo 664º do C.P.C..
30. E, ainda que tal não seja concedido, sempre deverá ser assumido que o facto de a incapacidade do A., com o grau assinalado, anteceder o decurso do prazo de carência, constitui matéria de facto articulada controvertida e de grande relevância, carecida de investigação em ordem a constituir base suficiente para a decisão de direito.
31. Pelo que pode o Supremo anular o julgamento e ordenar a baixa do processo ao abrigo do disposto no nº 3, do artigo 729º do C.P.C. se - ao decidir do fundo ou mérito da acção - entender que a decisão de facto pode e deve ser ampliada em ordem a constituir base suficiente para a decisão de direito já que o Supremo, ao apreciar em recurso a questão de mérito, tem sempre a possibilidade de ordenar a ampliação da matéria de facto, se entender que não foram quesitados factos alegados pelas partes, indispensáveis para a decisão da causa.
32. Acresce ainda que a douta sentença de 1ª instância, mantida pelo Acórdão impugnado, na parte em que o condenou ao pagamento da quantia de 41.299,20 € a título de subvenção anual reportada ao ano de 2002, padece de erro na aplicação do direito já que tendo o Autor direito a seis meses de pensão no referido ano, o valor da subvenção seria correspondente a cinco vezes o valor recebido.
33. E não a cinco vezes o valor da pensão anual,
34. Já que para o ano de 2002, foi definida e aprovada pela Assembleia Geral do R. uma Subvenção de 63.597,60 € a ser distribuída pelos pensionistas, proporcionalmente às quantias que estes recebem a título de pensão anualmente e correspondente a 5x a quantia anual.
35. Pelo que, no caso do A., esta deverá ser calculada tendo em conta os montantes que o A. terá efectivamente direito a receber a título de pensão relativos a 2002, tendo sido dessa forma calculada para o restante universos dos Associados, tomando, invariavelmente e sem excepção, como medida efectiva do valor a distribuir por cada associado o valor da pensão que cada um recebeu no ano em causa.
36. Pelo que nunca a condenação poderia ser superior à quantia de 20.649,60 €, correspondente a cinco vezes seis meses de pensões.
37. Por último, não se conforma o Recorrente com a condenação ao pagamento de 5.000,00 € por danos não patrimoniais, entendendo que a mesma viola o disposto no nº 1 do artigo 496º do C.C..
38. Sustentou a douta sentença de 1ª instância, mantida pelo Acórdão ora impugnado, que a recusa do R. em pagar as pensões de invalidez bem como a subvenção anual a que este teria direito, constitui violação do contrato mutualista entre ambos celebrado.
39. E que tendo o ora Recorrente invocado como fundamento da recusa de pagamento que o próprio A. havia dolosamente ocultado ao R., aquando da subscrição das pensões, a sua incapacidade de 93%, interpelando-o ainda a renunciar à sua qualidade de associado, cometeu grave ofensa da honra e consideração do A., constituindo-se na obrigação de indemnizar o mesmo.
40. Porém devendo a indemnização ser fixada de acordo com critérios de equidade, não se deverá deixar de tomar em consideração que a afirmação de que a incapacidade de 93% remonta a 1992 não foi ficcionada pelo ora Recorrente tendo antes decorrido directamente do teor do atestado de incapacidade multiuso apresentado pelo A., conforme alínea U dos factos assentes.

41. Foi o A. quem se apresentou, em 26-06-2002, perante o R. reclamado o direito a pensões de invalidez uma vez que lhe fora atribuído um grau de incapacidade permanente global com efeitos a 1992 (alínea O) dos Factos Assentes).
42. E se é certo que não se provou a tese do R. de que aquando da subscrição de pensões de invalidez o A. já padecia da incapacidade que lhe foi atribuída pela Junta Médica, tendo o mesmo ocultado tal facto ao A., também não foi provada a tese do Autor, isto é, que não foi elaborado qualquer questionário clínico antes da subscrição das mencionadas pensões de invalidez.
43. Face ao exposto não se tendo provado a tese do Autor há que reconhecer que subsiste a dúvida sobre o efectivo comportamento deste aquando da subscrição das pensões de invalidez, afigurando-se excessiva face à matéria dada como assente a condenação verificada.
h) Contra-alegou o autor, batendo-se pela confirmação do julgado.
i) Colhidos que foram os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

II. Eis como se configura a materialidade fáctica dada como assente no acórdão impugnado, doravante como "decisão" denominado:

1. As associações mutualistas são instituições particulares de solidariedade social com um número ilimitado de associados, capital indeterminado e duração indefinida, que essencialmente através da quotização dos seus associados, praticam no interesse destes e de suas famílias, fins de auxílio recíproco.
2. A ora ré é uma associação mutualista, que tem estatutariamente por fim, proporcionar aos seus associados benefícios de Previdência, tais como pensões de reforma ou invalidez, capitais de Previdência a Prazo e Subsídio de Funeral.
3. Apesar da sua pequena dimensão, com cerca de 1.200 sócios, a ora ré tem uma situação financeira considerada sólida.
4. De acordo com os estatutos da ora ré, podem ser associados do Montepio, pessoas nacionais ou estrangeiras, que tenham residência no país e com idade até aos 65 anos.
5. As propostas de subscrição de planos deverão ser realizadas por um associado o pleno gozo dos seus direitos, não havendo limitações para o número de propostas formuladas por cada associado.
6. Para qualquer pessoa se tornar associado da ora ré, terá que subscrever um dos planos ou produtos daquela.
7. O autor tornou-se associado da ré em 29 de Setembro de 1994, tendo subscrito nessa data uma Pensão de Reforma para um capital de € 718,27, pagando uma quota mensal de € 10,47.
8. Em 27 de Dezembro de 1999, o autor subscreveu um Subsídio de Funeral para um capital de € 4.987,98, pagando uma quota mensal de € 4,17.
9. Subscrevendo igualmente um Capital de Providência a Prazo para um montante de € 4.987,98, pagando uma quota mensal de € 11,51.
10. E ainda uma Pensão de Invalidez para um capital de € 2.992,79, pela qual pagava mensalmente € 46,62 (vd. o mesmo doc. de fls. 47 dos autos).
11. Em 10 de Março de 2000 o autor veio a efectuar uma nova subscrição de uma Pensão de Invalidez, no montante de € 2.992,79, assumindo uma quota mensal de € 33,36.
12. Em 5 de Maio desse mesmo ano de 2000 realizou uma terceira subscrição de Pensão de Invalidez, desta vez para um capital de € 2.274,52, com uma quota mensal de € 25,34.
13. Pelas três subscrições de invalidez subscritas o autor suportou uma quota mensal de € 105,32.
14. As pensões de invalidez destinam-se a pessoas com idades compreendidas entre os 14 a 65 anos, proporcionando aos subscritores o recebimento de uma pensão, a partir de uma idade pré-determinada ou de uma situação de invalidez permanente, consoante a que primeiro ocorreu.
15. Sabendo o autor, desde o momento das aludidas subscrições, que os planos de invalidez que subscreva no M.C.I. lhe permitiriam antecipar o recebimento de uma pensão com um grau e incapacidade igual ou superior a 70%, o mesmo autor entregou à ora ré, em 26.06.02, uma cópia do Atestado Médico de Incapacidade, por forma a despoletar o processo junto daquela instituição (cfr. doc. de fls. 19 dos autos).
16. Na sequência desse pedido formulado pelo autor, a ora ré comunicou àquele, através de carta datada de 3 de Julho de 2002, que deveria solicitar por escrito um pedido de concessão de Pensão de Invalidez, dirigido ao Conselho de Administração, para assim poder dar seguimento ao processo (cfr. doc. de fls. 20 dos autos).
17. Poucos dias após o autor apresentou requerimento por escrito por forma a permitir accionar as coberturas dos planos de reforma por invalidez que subscrevera.
18. Face ao silêncio da ré durante mais de quatro meses o autor apresentou nos serviços daquela uma carta datada de 30.10.2002, questionando a falta de resposta (cfr. doc. de fls. 21/22 dos autos).
19. Numa sequência a ré respondeu ao autor através da carta documentada a fls. 33 dos autos, datada de 31.10.2002, pela qual lhe indeferiu o pedido de pagamento das pensões de invalidez, por ele subscritas, tudo isto com referência ao corpo do art. 11º do Regulamento dos Benefícios do Montepio Comercial e Industrial.

20. A aludida recusa do pagamento foi fundamentada pela ré no facto de aquando "das subscrições das pensões de invalidez em 1999 e 2000", (...) era já do conhecimento do autor "que lhe tinha sido conferida uma incapacidade permanente global de 93% desde 1992, facto que ocultou à nossa instituição", nos moldes que se doc. a fls. 23 dos autos.
21. Por "atestado médico de incapacidade multiuso" datado de 26.06.2002, após junta médica, foi atribuído ao autor uma incapacidade permanente global de 93% isto desde 1992 - cfr. documentado a fls. 18 dos autos.
22. Na cláusula 5ª nº 2, do Regulamento M.C.I. expõe-se que "o estado de invalidez reportar-se-à (...) à data do pedido de exame médico para a sua verificação".
23. A ré paga ainda anualmente aos seus associados titulares de pensões, uma denominada Subvenção, por contrapartida dos excedentes técnicos dos fundos da instituição
24. Para o ano de 2002, foi definida e aprovada pela Assembleia-Geral uma subvenção de € 63.597,60, que deverá ser distribuída pelos pensionistas, proporcionalmente às quantias que recebe a título de pensão anualmente e correspondente a 5x a quantia anual.
25. Em datas anteriores mas próximas, o autor já subscrevera planos com a cobertura de invalidez, noutra instituição congénere, o Montepio Geral Associação Mutualista.
26. A data não concretamente apurada o autor pretendendo contrair empréstimo bancário, se deslocou a uma agência bancária, onde foi informado de que estaria iminente a extinção do "crédito bonificado", e que se pretendesse concretizar tal desiderato teria de decidir rapidamente.
27. O autor foi alertado de poderia eventualmente beneficiar do "crédito de deficiente" caso lhe fosse atribuída uma incapacidade de pelo menos 65%.
28. Em data não concretamente apurada o autor decidiu submeter-se a uma junta médica para apuramento do seu grau de incapacidade.
29. O autor requereu submeter-se pela primeira vez a uma junta médica em data não posterior a 20.05.2002.

30. Ao tomar conhecimento do grau de incapacidade que lhe foi atribuído pela junta médica, o autor ficou surpreendido, por não esperar que a mesma fosse tão elevada.
31. O autor ficou ofendido e desgostado com o facto de o réu ter recusado o pagamento das prestações referidas em 19 e 20., nos termos ali mencionados.
32. O autor nasceu em 10.07.1973.
33. Com vista à subscrição dos planos mencionados em 25, o autor preencheu previamente um questionário clínico, que assinou, e no qual consignou expressamente o facto de padecer da "doença de Crohn".
34. Não obstante a situação clínica exposta pelo autor no questionário referido na resposta anterior, o Montepio Geral-Associação Mutualista aceitou a subscrição dos planos referidos em 25.
35. O autor fez uso junto do Montepio Geral-Associação Mutualista do atestado médico de incapacidade multiuso que apresentou no Montepio Comercial e Industrial, que resultou da junta médica a que se submeteu em 26.06.2002.
36. O valor de € 105,32 mensal da quota não é suportado por nenhum outro associado da ré a título de subscrições de pensões de invalidez; sendo que o autor é o associado do réu que paga a quota mais elevada.
37. Em data e circunstâncias não apuradas um médico ao serviço do réu preencheu e assinou o documento intitulado "questionário clínico", que se acha a fls. 26.
38. Na data em que subscreveu os planos e coberturas mencionados em 5. a 12. o autor sabia que padecia das doenças referidas em 39.
39. O autor padece da "doença de Crohn" desde 1992, altura em que apresentou os primeiros sintomas. Provado ainda que o autor padece de psicose depressiva, doença pelo menos em parte associada à doença de Crohn, e que se iniciou em data não concretamente apurada.
40. A situação clínica do autor decorrente da doença de Crohn conheceu melhorias e agravamentos, tendo-se caracterizado por surtos de intensidade variável, que até 2001 se mantinham controlados, mas em 2001 o seu estado de saúde agravou-se, tendo o autor sido sujeito a vários internamentos e submetido a cirurgia.
41. Na junta médica que deu origem ao atestado médico descrito em 21. foram examinados apenas dois documentos clínicos datados de 2002.
42. Às datas referidas em 8., 11., 12., 15 a 19., e 29., achava-se em vigor o Regulamento de Benefícios do Montepio Comercial e Industrial cuja cópia se acha apensa por linha a estes autos (facto provado por acordo das partes e documento mencionado, aditado nos termos previstos no art. 659º nº 3 do C.P.C.).

III. Balizando as conclusões da alegação do recorrente o âmbito do recurso (art.s 684º nº 3 e 690º nº 1 do CPC, Corpo de Leis este a que pertencem os normativos que se vierem a citar sem indicação de outra proveniência), importa o seguinte deixar assinalado:
A) Em sede de apelação, a recorrente impugnou a decisão proferida sobre a matéria de facto, consoante consentido pelos art.s 690º-A nº 1 e 712º nº 1 a).
Na "decisão", em substância, aconteceu a rejeição do recurso, no atinente a tal impugnação, a bondade daquela se tendo filiado na inobservância do vazado no art. 690º-A nºs 1 a) e b) e 2.
Contra tal rejeição, mas sem valimento, adianta-se desde já, se insurge, ora, a ré, "maxime" nas conclusões 1ª e 9ª da sua alegação.

Na verdade:
Antes de mais, é insofismável, como destacado, aliás, na "decisão" que, nas conclusões da alegação da apelação, como se impunha, visto o que aquelas delimitam, mas, enfim, versando sobre a pretendida impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto, "Montepio Comercial e Industrial-Associação de Socorros Mútuos" não observou, como se lhe impunha, o disposto no art. 690º-A nºs 1 a) e b) e 2..
Por outro lado, no âmbito do art. 690º-A, nº 1, proémio, e nº 2, não há lugar a convite prévio, com vista a suprir qualquer omissão do recorrente, tal-qualmente já sustentado em acórdão por nós relatado, de 09-06-05 (Agravo nº 2426 /04-2ª), outra não sendo, sempre se recordará, a tese expandida, quanto ao conspecto em apreço, entre muitos outros, em arestos deste Tribunal de 22-04-04 (Revista nº 965/04-2ª), 20-05-04 (Agravo nº 122/04-7ª) e 02-11-04 (Revista nº 2531/04-6ª).

Efectivamente:
O convite ao aperfeiçoamento de peças processuais tem lugar quando a lei assim dispuser.
O art. 508º reporta-se à fase posterior aos articulados, que não aos recursos.
A estes aplica-se o exarado no art. 690º nº 4 que tão só se refere à falta das especificações do nº 2, concernentes à matéria de direito, as previstas no art. 690º-A, consequentemente, não abarcando.
Destarte, censura não merece o decretado naufrágio do 1º recurso instalado, outrossim repousante na rejeição já relatada.
Prosseguindo:

B) Conclusões 11ª a 31ª da alegação da revista:
Estamos ante uma hipótese de cumulação real de pedidos, permitida pelo art. 470º.
A decisão jurídica do pleito, no tocante aos pedidos elencados em I. a) 1', 2', 5' e aos juros de mora sobre os "quantuns" peticionados, a título de pensões de invalidez (parte de I. a) 4'), essa, como líquido tal se tem, carece de ampliação da decisão de facto, em ordem ao consignado no art. 729º nº 3, ampliação essa, frise-se, que, com acerto, só pode acontecer no atinente a factos de que o tribunal seja lícito conhecer ou articulados pelas partes (art. 264º) que se revelem essenciais para a supracitada decisão - cfr., sobre a temática, entre plúrimos outros, Acs. de 05-10-20, com relato nosso, proferido nos autos de Revista registados sob o nº 2618/04-02, e de 05-03-17 (doc. nº SJ20050317000317, disponível in www.dgsi.pt/jstj.), bem como Amâncio Ferreira, in "Manual dos Recurso em Processo Civil"- 3ª Edição Revista, Actualizada e Ampliada - Almedina -, pág. 253.
Tal necessidade se afirma, sopesado o teor dos artºs 16º nº 1e 17º nº 3 do "Regulamento de Benefícios" da demandada e o à base instrutória não ter sido levado, como cumpria (art. 511º nº 1), a factualidade seguinte, alegada, é vítreo, pela ré, no momento, para tanto, processualmente azado, a contestação (art. 489º nº 1), como controvertida se devendo ter:
Antes da subscrição das pensões de invalidez, desde, inclusive, 1992, o autor tinha uma incapacidade total como a referida em U)?
As respostas aos nºs 1º, 5º a 8º e 27º a 29º da base instrutória, considerada a significância de resposta (s) restritiva (s) a nº (s) dessa peça processual, não tornam despicienda a supracitada ampliação.

C) Conclusões 32ª a 36ª da alegação da ré:
No concernente ao pedido citado em I. a) 3' e juros de mora sobre o montante pedido, a título de "subvenções anuais", igualmente urge ampliar a decisão de facto, com justo amparo no comando legal à colação já chamado, uma vez que está controvertida a base de cálculo daquela, a saber: 5 x o valor da pensão anual, ou 5 x o valor das pensões recebidas no ano cfr. art.s 48º e 49º da p.i. e art.s 6º a 9º e 18º da contestação)?
Assim, há que aditar à base instrutória o seguinte:
O valor da subvenção definida e aprovada, pela ré, para o ano de 2002, foi o correspondente ao quíntuplo da pensão anual de cada associado seu?
Ou ao quíntuplo do valor das pensões efectivamente recebidas, por cada um dos seus associados, no ano de 2002?

IV. CONCLUSÃO:
Tudo vista, em consonância com o prescrito nos art.s 729º nº 3 e 730º, ordena-se a remessa do processo ao TRL, para aí ser de novo julgado pelos mesmos Exmºs Juízes Desembargadores que intervieram no anterior julgamento, se possível, presente tendo o dilucidado em III. B) e C).

Custas pelo vencido a final.

Lisboa, 15 de Novembro de 2007

Pereira da Silva (Relator)
Rodrigues dos Santos
João Bernardo