Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
5168/08.5TBAMD.L1.S1
Nº Convencional: 6.ª SECÇÃO
Relator: JOÃO CAMILO
Descritores: REGULAÇÃO DO PODER PATERNAL
RESPONSABILIDADES PARENTAIS
ALIMENTOS DEVIDOS A MENORES
OBRIGAÇÃO DE ALIMENTOS
DECISÃO JUDICIAL
Data do Acordão: 05/22/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA
Sumário :

Em acção de regulação de exercício do poder paternal deve ser fixada a pensão alimentar devida a menor, mesmo que seja desconhecida a situação sócio-económica do progenitor-pai, a cargo de quem não ficou o menor.

Decisão Texto Integral:



Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:
O Digno Magistrado do Ministério Público propôs em 6-10-2008, no Tribunal Judicial da Amadora – depois seguindo termos na Comarca da Grande Lisboa-Noroeste, no Juízo de Família e Menores da Amadora, após a instalação deste tribunal -, a presente acção de regulação de exercício do poder paternal relativamente ao menor AA, nascido em 18-06-2001, contra os respectivos progenitores BB e CC.
Nela se tentou a conferência dos pais, o que se frustrou por desconhecimento do progenitor que se encontra ausente presumidamente em França, não tendo sido possível a sua citação, senão edital.
Na conferência foi estabelecido um regime provisório para regular o exercício do poder paternal.
Realizado inquérito social, foi proferida decisão que fixou um regime de exercício do poder paternal em que o menor ficou confiado à mãe que ficará a exercer exclusivamente o poder paternal, podendo o pai iniciar convívio com o menor, se comparecer, mas neste regime não se fixou a obrigação de alimentos por parte do progenitor a favor do menor.
Desta decisão apelou o requerente, tendo a Relação de Lisboa julgado improcedente o mesmo recurso.
Mais uma vez inconformado, veio o requerente interpor a presente revista extraordinária que a formação prevista no nº 3 do art. 721º-A do Cód. de Proc. Civil admitiu.
Nas alegações do recurso foram formuladas extensas conclusões que por falta de concisão não serão aqui transcritas.
Das mesmas se deduz que o recorrente para conhecer neste recurso levanta apenas a seguinte questão:
Deve ser fixada uma pensão alimentar a favor do menor e a cargo do requerido pai, apesar de se desconhecer em concreto as condições sócio-económicas do mesmo ?

Não houve contra-alegação.
Corridos os vistos, urge apreciar e decidir.
Como é sabido – arts. 684º, nº 3 e 685º-A, nº 1 do Cód. de Processo Civil a que se referirão todas as disposições a citar sem indicação de origem –, o âmbito dos recursos é delimitado pelo teor das conclusões dos recorrentes.
Já vimos acima a concreta questão que o aqui recorrente levantou.
Mas antes de mais há que especificar a matéria de facto que as instâncias deram por provada e que é a seguinte:
1.AA nasceu em 18 de Junho de 2001 e encontra-se registado como filho de BB e de CC.
2. Os progenitores do menor não são casados entre si, nem nunca viveram maritalmente um com o outro, tendo a criança nascido na sequência de uma relação de namoro vivenciada entre os requeridos.
3. O AA tem vivido sempre com a sua mãe, residindo os dois num apartamento arrendado de tipologia T1, tendo a criança o seu quarto próprio mobilado e equipado adequadamente ao seu gosto e idade.
4. A requerida revela-se uma pessoa capaz de promover pelo sustento do filho bem como de criar “as condições essenciais ao seu equilíbrio moral e educacional” estando atenta às necessidades desenvolvimentais, de saúde e escolares do filho mantendo contacto directo com os professores do AA.
5. A requerida denota ser uma mãe carinhosa tendo estabelecido com o AA uma relação próxima, securizante e de cumplicidade, sendo capaz de impor regras e limites ao filho, que aceita a sua autoridade.
6. A requerida exerce a profissão de empregada de refeitório com vínculo efectivo auferindo o ordenado mensal de € 506,06, recebendo, ainda, a título de prestação social de abono de família do AA, cerca de € 35,03 mensais.
7. A requerida despende mensalmente com renda de casa € 250,00 ( montante que inclui os encargos doméstocos com água, gás e electricidade), bem como € 100,00 com alimentação, € 10,00 de telemóvel, € 27,80 com o seu passe social, € 20,00 com medicação para a asma e alergias para o AA, € 13,00 com passe social do menor, € 76,00 com mensalidades do A.T.L. frequentado pela criança e € 15,00 com refeições escolares do mesmo.
8. O AA beneficia do A.S.E. escolar, 2º escalão, e de algum vestuário que lhe é fornecido por parte de familiares e pessoas amigas.
9. O AA frequenta o 3º ano de escolaridade na Escola Básica Padre Himalaia na Damaia, revela dificuldades de aprendizagem e alguma desmotivação perante as matérias escolares, mantendo, todavia, uma postura respeitadora na sala de aulas sendo sociável e colaborante com os seus colegas.
10. O menor denota ser uma criança feliz, revelando boa disposição e simpatia e apresenta-se sempre cuidado em termos de higiene.
11. O AA mantem convivio com tios e primos da linha materna e conhece os avós paternos convivendo com eles quando os mesmos se encontram, nomeadamente por razões de saúde, em Portugal.
12. O menor conviveu com o requerido por algumas vezes por ocasião de umas férias que foi passar com a mãe a Cabo Verde e manteve até há cerca de 3 ou 4 anos com aquele contactos telefónicos semanais promovidos em exclusivo pela requerida.
13. O requerido residiu em Cabo Verde, de onde é natural, chegou a tabalhar nesse país como cabeleireiro, encontrando-se desde há alguns anos ausente em parte incerta provavelmente em território francês, não se lhe conhecendo nesse país morada e desconhecendo-se igualmente qual o seu actual modo de vida, situação pessoal, profissional e económica.
14. Na sequência de diligência que teve lugar a 12-02-2009 nestes autos foi proferida a decisão provisória sobre parte da matéria objecto desta causa, a qual consta de fls. 11, que aqui se considera reproduzida.

Vejamos agora a concreta questão levantada como objecto deste litígio.
A questão aqui em causa tem sido objecto de controvérsia jurisprudencial que está retratada nas alegações do recorrente apresentadas quer no recurso de apelação quer no presente recurso.
Também a sentença de 1ª instância e o acórdão recorrido dão notícia das divergências jurisprudenciais que a questão aqui em causa tem ocasionado.
Está aqui em causa a questão de saber se numa acção de regulação do exercício do poder paternal em que se desconhece a situação pessoal, profissional e económica do requerido progenitor, deve ser fixado a cargo deste uma pensão de alimentos a favor do menor seu filho.
As Relações, e em especial a de Lisboa, têm tomado decisões divergentes sobre a questão defendendo uns que em face da carência absoluta de elementos de facto sobre a situação sócio-económica do progenitor requerido e atento o disposto no art. 2004º do Cód. Civil, o tribunal se deve abster de fixar tal pensão - cfr. acórdãos de 18-01-2007, no processo nº 10081/2007-2 ( de que consta cópia a fls. 78 e segs. dos autos ); de 4-12-2008, no proc. 8155/2008-6 e de 5-05-2002011, no proc. 4393/08.3TBAMD.L1.S1, todos da Relação de Lisboa.
Já outros acórdãos entendem que “o Tribunal deve sempre proceder à fixação de alimentos a favor do menor, ainda que desconheça a concreta situação da vida do obrigado a alimentos, visto que o interesse do menor sobreleva a questão da indeterminação ou do não conhecimento dos meios de subsistência do obrigado a alimentos cabendo a este o ónus de prova da impossibilidade total ou parcial de prestação de alimentos” - transcrição do recentissimo acórdão do STJ de 29-03-2012, no processo 2213/09.OTMPRT.P1.S1.
No sentido desta jurisprudência, citam-se os acórdãos da Rel. do Porto de 22-04-2004, no proc. 0432181 e da Rel. de Lisboa de 26-06-2007, no proc. 5797/2007-7 e de 9-11-2010 no proc. 6140/07.8TBAMD.L1-1.
Já este Supremo Tribunal, tanto quanto conseguimos apurar, já se pronunciou três vezes sobre esta questão e em todas, com decisão unânime, adoptou a segunda daquelas correntes jurisprudenciais.
Assim, no acórdão proferido em 12-07-2011, no proc. 4231/09.OTBGMR.G1.S1, no acórdão de 27-09-2011 constante de certidão de fls. 96 e segs. dos autos e, ainda, no recentissimo acórdão de 29-03-2012 já citado, se decidiu no sentido de que em processo de regulação de exercício de poder paternal em que se desconhece a situação sócio-económica do progenitor-pai do(s) menor(es), se deve fixar uma pensão alimentar a cargo daquele a favor do(s) menor(es).
Pensamos que a solução da questão não é muito líquida e que há argumentos fortes em ambos os sentidos, sendo que em nossa opinião os argumentos usados na defesa da opinião que tem seguido este STJ sobrelevam os argumentos em sentido contrário.
Assim o argumento principal dos que defendem a abstenção de nessa situação fáctica de fixar a pensão de alimentos consistente na inverificação dos elementos de factos com que se preencha o disposto no art. 2004º do Cód. Civil tem de ser afastado por outras razões mais fortes, em nosso entender.
Com efeito, o art. 2004º referido, no seu nº 1, ao regular a medida dos alimentos prescreve que estes serão proporcionados aos meios daquele que houver de prestá-los e à necessidade daquele que houver de recebê-los.
Desconhecendo-se a situação sócio-económica do progenitor, seria, à primeira vista, de abster-se de fixar tal pensão alimentar, por carência de factos fundamentadores.
Porém, há que ponderar outras razões.
O art 1878º do (…)Cód. Civil prescreve que compete aos pais , no interesse dos filhos (…) prover ao seu sustento,(…).
Assim são responsáveis por todas as despesas ocasionadas com a educação, saúde, alimentação, vestuário e instrução dos seus filhos menores, devendo sustentá-los, satisfazendo as despesas relacionadas com o seu crescimento e desenvolvimento, participando, com iguais direitos e deveres, na manutenção, atento o estipulado pelo art. 36º, nºs 3 e 5 da Constituição da República, ainda que não seja, necessariamente, idêntica a forma do cumprimento desta obrigação.
Os alimentos devidos a menores integram-se no instituto das responsabilidades parentais, atento o disposto nos arts. 1877º, 122º, 123º, 124º e 132º a 135º do Cód. Civil.
Os pais na qualidade de ascendentes dos filhos estão incluídos, também, na obrigação geral de alimentos que o art. 2009º do Cód. Civil impõe.
A obrigação de alimentos por parte dos pais em relação aos filhos menores está também prevista no art. 27º, nº 2 da Convenção sobre os Direitos das Crianças – aprovados pela Resolução da Assembleia da República nº 20/90 ratificada pelo Decreto do Presidente da República nº 49/90, de 12 de Setembro, publicados no D.R. I série de 12 de setembro de 1990.
Desta forma, esta obrigação de alimentos reveste tamanha importância que encontra expressão quer na ordem constitucional quer ao nível ordinário, mesmo a nível de tutela criminal - cfr. art. 250º do Cód. Penal.
E esta obrigação reveste natureza tão fundamental que o legislador estabeleceu uma garantia para a sua efectivação, ao criar o Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores, pela Lei nº 75/98, de 19/11 regulamentada pelo Decreto-lei nº 164/99 de 13/05.
O funcionamento desta garantia tem como pressuposto a fixação judicial da respectiva obrigação de alimentos – cfr. art. 1º da Lei nº 75/98 referida.
Desta forma, o entendimento adoptado no acórdão recorrido inviabiliza o recurso à referida garantia, o que contraria a intenção do legislador em que a mesma obrigação seja efectivamente cumprida mesmo que sob a forma da garantia, tudo no interesse dos menores que o legislador de forma tão insistente pretendeu proteger.
Pode dizer-se que a referida Garantia constitui uma prestação social a cargo do Estado e encontra o seu fundamento no direito das crianças à protecção, consagrado até de forma constitucionalmente, como apontamos já.
Deste modo se não pode admitir o entendimento de que a dificuldade em fixar a pensão alimentar devida pelo progenitor relapso inviabilizasse o funcionamento do apoio social materializado na referida Garantia, com grave prejuízo dos interesses da criança tão instantemente propalados.
Logo, o entendimento literal do art. 2004º referido mostra-se perfeitamente desadequado às finalidades da lei acima apontadas.
E tanto assim é que estando aqui em causa um processo que reveste a natureza de jurisdição voluntária – art. 150º da OTM e art. 1410º -, vigora neste o principio da prevalência da equidade sobre a legalidade que resulta de critérios puros e rigorosos normativamente fixados que possam levar a soluções social e eticamente condenáveis.
A equidade traduz-se na observância das regras de boa prudência, do bom senso prático, da justa medida das coisas, da criteriosa ponderação das realidades da vida, dos parâmetros de justiça relativa e dos critérios de obtenção de resultados uniformes.
Nesta sequência, recorrendo à equidade se tem de entender que sendo o progenitor-pai um jovem de trinta e seis anos de idade – cfr. certidão de fls. 4 – poderá perceber uma importância salarial não inferior ao salário mínimo nacional.
E nem se tem de atender ao interesse deste em não ser onerado com uma pensão para a qual não tem, eventualmente, capacidade económica.
É que tendo em conta que aquele está onerado – mesmo constitucionalmente, como dissemos - com a referida obrigação de alimentos, incumbia-lhe, razoavelmente, a satisfação espontânea dessa obrigação e mesmo a colaboração com o tribunal no sentido de apurar essa sua incapacidade eventual.
Por outro lado, nada impede que aquele a todo o momento possa acorrer a juízo a fim de solicitar a alteração dessa pensão para a proporcionar às suas reais possibilidades – art. 1411º.
Desta forma, e perante o desconhecimento da situação sócio-económica do progenitor, em processo de regulação de poder paternal se tem de fixar a pensão alimentar a cargo daquele progenitor que não ficou a cuidar do menor, socorrendo-se do tribunal de juízos de equidade, tendo em conta os factos apurados.
Por isso, terá de ser aqui fixada essa pensão de alimentos, de acordo com o disposto no art. 715º, nº 2, aplicável por força da remissão do disposto no art. 726º.
Os dados de factos que estão apurados apontam para uma situação económica muito modesta da requerida mãe tal como resulta dos factos acima constantes sob os números 6, 7 e 8.
As necessidades do menor são as normais de um menor de dez anos, actualmente, mais explicitadas nos referidos factos apontados.
Tudo ponderado e tendo em atenção o valor do salário minimo nacional de € 485,00 mensal que o requerido poderá razoavelmente auferir, pensamos que o valor mínimo pedido pelo requerente de € 100,00 mensais se mostra adequado.
Procede, desta forma, o presente recurso.

Pelo exposto, concede-se a revista pedida e, por isso, se revoga o acórdão recorrido e se fixa em € 100, 00 mensais a pensão alimentar a prestar pelo recorrido BB a favor do menor AA e a remeter para a requerida CC, mantendo-se o mais decretado em relação ao exercício do poder paternal que não foi objecto do recurso.
Custas nas instâncias e na revista em partes iguais pelos requeridos – art. 446º.
*
Satisfazendo o previsto no art. 713º, nº 7, sumaria-se o presente acórdão da seguinte forma:
“Em acção de regulação de exercício de poder paternal deve ser fixada a pensão alimentar devida a menor, mesmo que seja desconhecida a situação sócio-económica do progenitor–pai, a cargo de quem não ficou o menor.”
2012-05-22.
João Camilo ( Relator )
Fonseca Ramos
Salazar Casanova.