Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
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| Nº Convencional: | 1.ª SECÇÃO | ||
| Relator: | MARIA JOÃO VAZ TOMÉ | ||
| Descritores: | CONTRATO DE ARRENDAMENTO RESOLUÇÃO INCUMPRIMENTO USO PARA FIM DIVERSO PROSTITUIÇÃO PRÉDIO URBANO FUNDAMENTOS | ||
| Data do Acordão: | 12/16/2025 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | REVISTA | ||
| Decisão: | NEGA-SE A REVISTA | ||
| Sumário : | I. A gravidade do incumprimento há-de aferir-se pela própria natureza da infração - conduta substancialmente grave -, pelas consequências que implica - e que conferem gravidade a esse incumprimento - ou pela reiteração da conduta violadora das obrigações assumidas - que, desse modo, é igualmente suscetível de ser qualificado como grave -, de modo que não seja razoavelmente exigível ao senhorio a manutenção do arrendamento. II. A promoção da prostituição de terceiros configura em si mesma um incumprimento grave do contrato de arrendamento. III. As hipóteses exemplificativamente enunciadas no art. 1083.º n.º 2, do CC, não atuam automaticamente, sendo necessária a sua harmonização prática com a cláusula geral contida no corpo do mesmo preceito. | ||
| Decisão Texto Integral: | Processo n.º 18001/22.6T8PRT.P1.S1 Acordam no Supremo Tribunal de Justiça, I - Relatório 1. AA e Mulher, BB, intentaram contra Palco Exótico, Unipessoal, Lda., ação declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, formulando os seguintes pedidos: a) a declaração da resolução do contrato de arrendamento celebrado com a Ré e, consequentemente, o respetivo despejo e condenação da Ré a entregar de imediato aos Autores o imóvel, livre de pessoas e bens; b) a condenação da Ré a demolir todas as obras de inovação ou de alteração do imóvel que tenha realizado entre a data do embargo e a data da perícia que a final for requerida; c) o pagamento aos Autores da quantia de 250.000,00 €, correspondente ao valor necessário para repor o prédio no estado anterior à execução das obras pela Ré ou, então, e caso não se demonstre tal valor, subsidiariamente, o valor que vier a ser fixado em perícia que a final se requer; d) a condenação da Ré a pagar aos Autores a quantia de 2.500 € ou aquela que corresponder ao valor locativo comercial do imóvel, caso as obras não tivessem sido executadas pela Ré, desde a declaração de resolução até à entrega efetiva do imóvel, livre de pessoas e bens; e) a condenação da Ré a pagar aos Autores a quantia de 2.500 € ou aquela que corresponder ao valor locativo comercial do imóvel, desde a entrega do imóvel, livre de pessoas e bens, e durante o período de tempo necessário à execução das obras necessárias a repor o prédio no estado anterior, e com licença de utilização e para o exercício de atividade de residencial/hotel, sendo que se estima e fixa tal período em 24 meses, mas que se aceita seja substituído na condenação da Ré pelo período de tempo que a perícia a requerer fixar; f) a condenação da Ré a pagar aos Autores a quantia de 25.000 € a título de danos não patrioniais. 2. Para o efeito, alega o seguinte: - celebraram com CC, ou sociedade por esta a constituir, contrato de arrendamento pelo período de 20 anos, com início a 1 de maio de 2013 e termo a 30 de abril de 2033, relativamente a prédio urbano sito na Rua 1; - a finalidade da locação era residencial/hotel, não podendo mudar de ramo de negócio ou ser sub-arrendado, pagando a Ré atualmente de renda mensal a quantia de 760,86 €; - CC constituiu a sociedade Ré, para a qual transferiu a titularidade do arrendamento; - os Autores autorizaram a arrendatária a realizar obras de conservação e reparação, com ressalva daquelas que alterassem a estrutura do prédio; - no início de setembro de 2021, os Autores souberam que a Ré estava a realizar obras de pedreiro e trolha no imóvel, que alteravam profundamente a estrutura do prédio; - efetuaram-se construções que não foram autorizadas pelos Autores, designadamente a aplicação de janelas em alumínio onde antes existiam janelas em madeira, e uma parede em tijolos e betão, a dividir compartimentos e a encerrar uma janela do prédio para a rua, encrustada no piso de madeira, parede essa que não existia à data do arrendamento; - foi elaborado auto de embargo extrajudicial de obra nova a 14 de setembro de 2021; - todas as obras, além de não terem sido autorizadas pelos Autores, estão a ser executadas sem prévia elaboração, apresentação e aprovação pela Câmara Municipal do Porto, ou pelas entidades competentes, de projeto de alterações de arquitetura e especialidades de águas, eletricidade e outras indispensáveis e necessárias para licenciar na alteração; - as obras em causa afetam a segurança, o arranjo estético e a linha arquitetónica do prédio; - a sua reposição no estado anterior e originário, mediante a demolição das obras entretanto realizadas, e ainda a necessária obtenção de licença de utilização para o imóvel assim alterado, importará em centenas de milhares de euros; - o imóvel perdeu completamente o valor quer locativo quer de venda, já que os Autores não poderão vender ou arrendar o imóvel sem contratar projeto de arquitetura e especialidades para essas ou outras obras, e sem que as mesmas sejam efetivamente executadas e depois licenciadas pelas entidades competentes; - o referido embargo extrajudicial foi judicialmente ratificado por decisão transitada em julgado; - o imóvel está a ser usado para a exploração de prostituição; - a realização pelo locatário de obras no interior do locado não autorizadas pelo senhorio e que não possam justificar-se nos termos dos arts. 1036.°, 1073.º e 1074.°, n.os 2 e 3, do CC, constituem fundamento de resolução do contrato pelo senhorio desde que, objetivamente, produzam alterações relevantes na fisionomia do locado (gravidade da infração) ou provoquem um tal desequilíbrio na relação locaticia (consequências) que tornem inexigível a manutenção do arrendamento; - é, sem mais, o que sucede no caso concreto; - a realização das obras em causa pressupunha o consentimento escrito do senhorio, salvo se as mesmas estivessem previstas no contrato, como determina o art. 1074.º, n.º 2, do CC, autorização que não foi prestada; - o locatário não pode aplicar a coisa a fim diverso daquele a que se destina – artigo 1038.º, al. c), do CC; - nem pode ser usado para fim que atinja negativamente os bons costumes ou a ordem pública; - na reposição do imóvel no estado anterior os Autores despenderão quantia não inferior a 250 000 EUR; - tais obras e licenciamento prolongar-se-ão durante um período de tempo não inferior a 24 meses; - a Ré deve pagar a quantia mensal de 2 500 EUR, correspondente ao período de tempo em que decorrerem tais obras de resposição; - essa quantia corresponde ao valor médio pelo qual os Autores poderiam arrendar o seu imóvel; - os Autores ficaram aborrecidos e tristes por o seu prédio ter sofrido obras de alteração profundas sem que eles as houvessem autorizado previamente. 3. Citada, a Ré contestou, negando a procedência da ação, alegando que todas as obras foram reparações urgentes, sem as quais não seria possível habitar ou utilizar o prédio locado, muito embora a maioria dessas reparações correspondesse a obrigação do senhorio. Em sua opiião, essas reparações não colocaram em causa a traça, a estrutura, a segurança ou a configuração do prédio locado. 4. Dispensou-se a realização de audiência prévia, elaborou-se despacho saneador e enunciou-se o seguinte: Objeto do litígio - resolução do contrato de arrendamento; Temas da prova: 1) saber se a Ré estava a realizar as seguintes obras no prédio dos Autores: a) foram sendo demolidos pavimentos, tetos e derrubadas paredes em diversos locais do imóvel, constituídos por tabique (elementos realizados com grade de madeira delgada e estreita, cujos vãos se enchem de argamassas de saibro ou cal), sendo substituídos por paredes com estrutura em chapa e revestidos a placas de gesso cartonado, com furos nas paredes e tetos; b) foram eliminados elementos originais e de raiz da construção do edifício (rodapés de elevada dimensão, sancas de gesso tradicionais corridas, e outros), assim como foram furados e ocultados com tetos em placas de gesso cartonado; c) estão a ser executados novos quartos de banho, e outros ampliados, com recurso a paredes em pladur, incluindo a execução/ampliação de pavimentos em argamassa de cimento e areia, aplicados sobre os soalhos originais; d) foram elevadas diversas paredes em tijolo e betão, que alteraram a disposição dos espaços interiores e aumentaram esse número, como por exemplo no primeiro andar, em que uma sala foi dividida em duas divisões (quartos) com quartos de banho individuais que se encontravam a ser executados ao tempo da visita; e) foram alteradas as janelas das águas-furtadas e substituídas as originais em madeira por novas em PVC/alumínio; f) estão a ser realizadas alterações na rede de saneamento, cortando-se para o efeito os pisos e paredes; g) o condutor de águas residuais foi alterado e passou a servir dois quartos de banho, tendo sido alterados os ramais de descarga; h) para conseguir a passagem de um condutor de águas, com caimento, foi cortada uma viga em madeira, diminuindo a resistência estrutural dessa viga e do próprio piso; i) toda a instalação de águas, em execução e alterações, é apenas na horizontal, mantendo-se as tubagens verticais; j) a rede de abastecimento e todas as tubagens de água (fria e quente) estão a ser alteradas por tubagens em inox sem qualquer proteção térmica; k) as paredes foram profundamente picadas e danificadas; l) não existe espessura e revestimento suficiente sobre a tubagem, quando os roços e a nova tubagem forem tapados; m) a rede elétrica foi alterada, embora parcialmente, mantendo-se algumas ligações elétricas antigas; n) estão a ser parcialmente alteradas as instalações elétricas e de águas, sendo o resultado final uma combinação de materiais antigos (fios elétricos pré-existentes e tubos de grés) e de materiais novos (fios elétricos novos e tubos em pvc); 2) saber se as referidas obras foram do conhecimento dos Autores e se sua realização foi autorizada pelos Autores; 3) saber se as obras mencionadas afetam a segurança, estética e linha arquitetónica do prédio, e se cessará a licença de utilização nos termos existentes; 4) saber se as obras de alteração à rede de saneamento provocam entupimentos; 5) saber se a Ré, para obter caimento nos tubos condutores de águas residuais que estão a instalar de novo, os trolhas a mando da Ré cortaram uma viga em madeira do edifício, diminuindo a resistência estrutural dessa viga e do próprio piso; 6) saber se a modificação e alteração das instalações elétricas, e a coexistência de instalações novas e antigas pode ser causa de incêndios elétricos, cujas consequências podem comprometer a própria existência do edifício; 7) saber se há projeto para os vários tipos de obras realizados pela Ré; 8) saber se o imóvel dos autos é utilizado pela Ré para o exercício da prostituição; 9) saber se a prática da prostituição importa uma desvalorização do prédio dos Autores; 10) saber qual o valor que a despender para a realização das obras de reposição do imóvel no estado anterior; 11) saber se tais obras se prolongarão por um período de tempo não inferior a 24 meses; 12) saber o valor mensal pelo qual os Autores podiam arrendar o prédio; 13) saber se os Autores. sofreram danos não patrimoniais causadas pela realização das obras e pelo facto de poderem ver a licença de utilização caducada; 14) saber se as obras levadas a cabo pela Ré foram de reparação e urgentes, sem qua alterassem a estrutura do prédio. 5. Realizou-se audiência de julgamento, tendo sido proferida sentença que julgou a ação totalmente improcedente, absolvendo a Ré de todos os pedidos. 6. Não conformados, os Autores interpuseram recurso de apelação. 7. A Ré contra-alegou, pugnando pela improcedência do recurso e defendendo a manutenção da decisão do Tribunal de 1.ª Instância. 8. Por acórdão de 20 de março de 2025, o Tribunal da Relação do Porto decidiu o seguinte: “Pelo exposto, julga-se parcialmente procedente o presente recurso e, em consequência, decide-se: 1). Declarar a resolução do contrato de arrendamento referido em 2 a 4, dos factos provados, devendo a Ré entregar aos Autores o respetivo imóvel, livre de pessoas e coisas. 2). Condenar a Ré a pagar aos Autores a quantia de 760,86 EUR desde a notificação da declaração de resolução do contrato de arrendamento até ao momento da restituição do locado, por cada mês completo em que não se efetive a entrega. Absolver a Ré dos restantes pedidos. Custas do recurso a cargo de recorrentes e recorrida, na proporção de 4/6 e 2/6, respetivamente. Registe e notifique.” 9. Não conformada, a Ré interpôs recurso de revista, formulando as seguintes Conclusões: “26. O Artigo 1083º, n°1 e nº 2 alínea c) do Código Civil dispõe: “1 - Qualquer das partes pode resolver o contrato, nos termos gerais de direito, com base em incumprimento pela outra parte (*). 2 - É fundamento de resolução o incumprimento que, pela sua gravidade ou consequências (*), torne inexigível à outra parte a manutenção do arrendamento, designadamente, quanto à resolução pelo senhorio: (…) c) O uso do prédio para fim diverso daquele a que se destina, ainda que a alteração do uso não implique maior desgaste ou desvalorização para o prédio; (…)” (*) sublinhado nosso 26. Resulta claramente do n°1 do dito artigo supramencionado que a resolução do Contrato só pode decorrer de um incumprimento pessoal de uma das partes signatárias do contrato de arrendamento e por conseguinte não pode emergir da atuação de terceiros ao contrato em causa. 27. Mais pode-se inferir sem dúvidas do n°2 que o incumprimento para poder justificar a resolução do contrato de arrendamento tem de ser qualificado de grave ou causar consequências impeditivas da manutenção do contrato. 28. Advém que o Douto Tribunal de Relação do Porto não podia deduzir a resolução do contrato do “incumprimento” sem gravidade ou consequências resultantes da atuação de terceiros ao contrato de arrendamento. 29. Em consequência, força é de concluir que o artigo 1083º, nº 2, alínea c) do Código Civil, foi violado no sentido em que foi aplicado sem ter demonstrado que o uso do prédio pelo arrendatário era usado pela arrendatária para fim diverso daquele a que se destina e sem ter fundamentado qualquer gravidade ou consequência. 30. Com efeito, a atividade explorada pela recorrente limitava-se à atividade cumprida no contrato de arrendamento e, não lhe podia ter sido imputado uma atividade exercida por terceiros e não diretamente explorada pela própria. 31. A interpretação do artigo pelo douto acórdão do Tribunal da Relação do Porto desnaturou o sentido do dito artigo, dando uma abrangência demasiado extensiva que não concorda com os princípios mais basilares do estado de direito e que exclui a possibilidade de responsabilizar os sujeitos jurídicos pela atuação de terceiros. 32. Por conseguinte, a condenação da recorrente carece de fundamento legal et está alicerceado sobre o erro de interpretação e de aplicação da lei substantiva. 33. Decorre que o douto Tribunal da Relação do Porto deveria ter confirmado a sentença proferida pelo Tribunal de Primeira Instância. 34. Por esse motivo, vem a recorrente interpor recurso contra o acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto com a referência 19160682, de 20 de março de 2025, que alterou a sentença prolatada pelo Tribunal de Primeira Instância, na parte em que decidiu declarar a resolução do contrato de arrendamento e condenar a recorrente à entrega do imóvel aos recorridos, 35. Bem como, condenou a recorrente ao pagamento aos recorridos de €760,86 desde a notificação da declaração de resolução do contrato de arrendamento até ao momento da restituição do locado por cada mês completo em que não se efetive a entrega; 36. Entendeu o Tribunal da Relação que ao locado foi dado uso diverso daquele a que o mesmo se destina; 37. Porém, o Tribunal da Relação fundou erradamente a sua convicção num documento impugnado pela recorrente e ignorando, na sua apreciação, os documentos juntos por esta que provam o contrário e que não foram impugnados pelos recorridos; 38. Ademais, o Tribunal da Relação repete incessantemente a palavra “promover” quando se refere à prostituição no locado e nada nos autos permite concluir que recorrente exercesse economicamente uma atividade de promoção da prostituição e que recebia parte de rendimentos dessa atividade; 39. Deste modo, sendo a finalidade do arrendamento destinar o locado à exploração económica de um hotel/residencial e não podendo ser entendido que a recorrente promovesse, no sentido de explorar ativamente uma atividade, daí retirando proveitos económicos distintos da contraprestação devida pela ocupação dos seus quartos ao preço tabelado e igual para todos, não pode, de todo, concluir-se que o locado foi afeto a fim diverso; 40. E, como tal, não havendo causa justificativa para a resolução do contrato de arrendamento, o Tribunal da Relação do Porto aplicou erradamente o artigo 1083º, nº 2, alínea c) do Código Civil; 41. Deverá, pois, o acórdão do Tribunal da Relação do Porto ser alterado, determinando a absolvição da recorrente quanto à entrega do locado; 42. Sem prescindir do que acaba de ser alegado, o acórdão do Tribunal da Relação erra, também, quando condena a recorrente a pagar aos recorridos a quantia de €760,86 até à entrega do locado, porquanto o valor da renda mensal para pela recorrente é de €570,64; 43. Pelo que, caso se admitisse a manutenção da condenação da recorrente, sempre o valor mensal da renda teria de ser corrigido; Pelo exposto, Deverá ser dado inteiro provimento ao presente recurso e, em consequência, ser revogada a parte do acórdão do Tribunal da Relação do Porto que condenou a recorrente à entrega do locado aos recorridos, bem como ser alterado o valor mensal da renda para o valor correto e que é de €570,64, só assim se fazendo inteira JUSTIÇA.” 10. Por seu turno, os Autores apresentaram contra-alegações com as seguintes Conclusões: “1. No caso do Supremo Tribunal de Justiça, trata-se de uma revista, regulada pelo artigo 671.º do CPC, conjugado com o artigo 674.º. O limite de alçada da Relação é o critério determinante para saber se há ou não revista admissível. Tendo a recorrente atribuído á causa o valor de € 17.119,20, não é admissível revista. Sem prescindir, 2. O acórdão recorrido não incorreu em qualquer erro de julgamento ou violação de lei, tendo feito correta aplicação do artigo 1083.º do Código Civil à matéria provada. 3. O recurso de revista interposto é inadmissível por não reunir os pressupostos do artigo 674.º, n.º 1, al. a) do CPC, e improcedente, por carecer de qualquer fundamento. Nestes termos, requer-se a V. Exas.: Que seja negado provimento ao recurso de revista, confirmando-se integralmente o acórdão do Tribunal da Relação do Porto; Com as legais consequências, incluindo custas a cargo da Recorrente.” 11. O Senhor Desembargador-Relator admitiu o recurso: “O valor tributário atribuído pelo recorrente não altera o valor da ação que, no caso, em muito suplanta a alçada do tribunal da Relação. Assim, por estar em tempo, ser recorrível, apresentado por quem tem legitimidade, admite-se o recurso interposto pela Ré, o qual é de revista, a subir de imediato, nos próprios autos, com efeito devolutivo – artigos 629.º, n.º 1, 631.º, n.º 1, 671.º, n.º 1, 675.º, 676.º, n.º 1, a contrario, todos do C. P. C.. Subam os autos ao Supremo Tribunal de Justiça.” II – Questões a decidir Atendendo às conclusões do recurso que, segundo os arts. 608.º, n.º 2, 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1, do CPC, delimitam o seu objeto, e não podendo o Supremo Tribunal de Justiça conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser em situações excecionais de conhecimento oficioso, conforme o art. 608.º, n.º 2, do mesmo corpo de normas, estão em causa as seguintes questões: - da resolução do contrato de arrendamento; - da retificação ou não do valor mensal da renda. III – Fundamentação A) De Facto Após as alterações introduzidas pelo Tribunal da Relação, foram julgados provados os seguintes factos: “1. Os Autores são os donos e legítimos possuidores de um prédio urbano sito na Rua 2, correspondente a um prédio em propriedade total, sem andares nem divisões suscetíveis de utilização independente, composto de casa de 4 pavimentos, tendo a cave 1 divisão, 3 divisões o r/c, 3 divisões no 1.º andar, 3 divisões nas águas furtadas, quintal com 254 m2 e dependência com 1 divisão de 28 m2, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º ...50 da freguesia do Bonfim e inscrito na matriz da referida freguesia sob o artigo ...21. 2. Os Autores, nessa qualidade de proprietários, deram de arrendamento, pelo período de 20 anos, com início em 01 de maio de 2013 e termo em 30 de abril de 2033, a Maria Isabel Macedo Teixeira, ou a sociedade por esta a constituir, o referido imóvel; 3. A CC constituiu a sociedade Ré, para a qual transferiu a titularidade do arrendamento, nos termos do contrato celebrado; 4. O prédio arrendado destina-se a residencial/hotel, com alvará de licença de utilização n.º...24/14, emitido em nome da Ré, em 28 de agosto de 2014, possuindo o prédio alvará de licença de abertura de estabelecimento de residencial com 2 estrelas, emitido em 7 de novembro de 1988, não podendo mudar de ramo de negócio ou ser sub-alugado, pagando a Ré atualmente de renda mensal a quantia de €760,86. 5. Os Autores autorizaram, no contrato referido em 2), a arrendatária a realizar todas as obras de conservação e reparação, desde que não alterassem a estrutura do prédio. As canalizações de águas e esgotos, assim como todas as instalações sanitárias e de luz e respetivos acessórios, bem como as persianas, encontravam-se, à data do arrendamento, em bom estado, tendo a Ré se obrigado a assim as manter conservadas. 6. A CC comunicou aos Autores que iria transmitir a DD e à sociedade Pigmento Vibrante Unipessoal, Lda., as quotas que detinha em tal sociedade, tendo comunicado tal cessão aos Autores através de carta com data de 26/04/2021 (aditamento que se efetua por se tratar de um claro lapso de escrita, data que resulta do documento n.º 5 junto pelos próprios Autores na petição inicial). 7. No início do mês de setembro de 2021, veio ao conhecimento dos Autores que a Ré estava a realizar obras de pedreiro e trolha no imóvel que lhes pertence. 8. Os Autores pediram a pessoa sua conhecida que visitasse o imóvel, cuja venda entretanto estavam a promover, e averiguasse o estado do mesmo e as obras que estavam em curso. 9. Tal pessoa visitou o imóvel, no dia 13 de setembro, e verificou que estavam a decorrer trabalhos de construção civil no seu interior, tendo avisado os Autores e o seu filho do mesmo. 10. Os AA. elaboraram o auto de embargo extrajudicial de obra nova com o seguinte teor: 11. AUTO DE EMBARGO EXTRAJUDICIAL DE OBRA NOVA - Aos 14 de setembro de 2021, no prédio sito à Rua 1, compareceram o advogado EE e as testemunhas FF e GG, para verificar o estado das obras que estão a ser executadas no imóvel pelo arrendatário. Apresentou-se o encarregado da obra, que autorizou a entrada no imóvel, tendo sido constatado que estão a ser feitas demolições, cortes na madeira e vigas, instalação da nova pichelaria e instalações elétricas e criação de divisórias e quartos de banho novos. A vistoria foi realizada na presença do encarregado e foram tiradas fotos que irão posteriormente ser imprimidas e anexadas ao presente auto. As fotos foram tiradas pela testemunha FF. No quarto da frente estava a dormir um senhor com um cão na sua companhia. O advogado e as testemunhas foram informados pelo encarregado, e telefonicamente pelo seu superior/agente, Sr. HH, que estava a caminho a proprietária da sociedade, D. DD, acompanhada de advogado. A Sra. D. DD não fala português, mas foi-lhe esclarecida pelo seu advogado, que se identificou como Dr. II, que o advogado dos proprietários do imóvel, com poderes para o ato conforme procuração que exibiu, embarga neste momento a obra, devendo ela obstar imediatamente ao seu prosseguimento. Pelo Advogado da Sra. D. DD, e esta, foi dito que não autorizam a entrada no imóvel. Uma vez que a mesma já foi realizada, com a autorização do encarregado, foi notificada a D. DD e o seu ilustre advogado que tal obra causa prejuízo ao prédio e que a deverá suspender imediatamente. Em tempo, o encarregado da obra é o Sr. JJ, que confirmou perante todos os presentes que deu autorização ao advogado do senhorio e testemunhas para entrarem. A proprietária referiu que não deu autorização e declarou, assim como o seu ilustre advogado, que não irão assinar o presente auto, que lhes lido, explicado e vai ser assinado pelo advogado do senhorio e testemunhas presentes. Depois de lido a ambos, gerente da Ré e seu advogado, e traduzido e esclarecido, em língua francesa, pelo signatário da P.I., à referida gerente da Ré, que é de nacionalidade francesa, e aparentava não falar português, o dito auto, ambos recusaram assinar o mesmo. E mais comunicaram que não haviam dado autorização de entrada. 12. O prédio dos Autores possui alvará de licença de utilização n.º ...24/14, emitido em nome da Ré, em 28 de agosto de 2014; 13. Para além disso, o prédio dos Autores possui alvará de licença de abertura de estabelecimento de residencial com 2 estrelas, emitido em 17 de novembro de 1988; 14. O embargo extrajudicial realizado pelos Autores foi ratificado judicialmente, através de sentença proferida nos autos de ratificação extrajudicial de embargo de obra nova que correram termos sob o processo n.º14614/21.1T8PRT, que correu termos pelo Juiz 5 local Cível do Porto. 15. A Ré recorreu de tal decisão, que veio a ser confirmada pelo Tribunal da Relação do Porto; 16. Em 14/09/2021 (na data descrita em 11), a ré procedia à realização de obras de reparação e acabamento de tectos, paredes e pavimentos, bem como a realização de trabalhos relativos às instalações eléctricas e hidráulicas; 17. Tendo efectuado um corte na seção superior da viga de madeira que, entretanto, foi tapado; 18. Bem como a picagem de uma parede na cozinha, para substituição de tubagem, no mesmo local onde existia a tubagem antiga, com a abertura pontual de ranhura para instalação de tubagem; 19. Colocando nova cablagem a alimentar alguma aparelhagem eléctrica, nomeadamente onde ocorreu reabilitação de compartimentos. 20. Com realização de trabalhos na rede de águas, com abertura de roços em paredes para instalação hidráulica; 21. A ré procedeu à substituição dos quatro caixilhos em alumínio dos vãos exteriores do 2ºAndar, por peças novas de alumínio, bem como a realização de uma instalação sanitária para cada um dos quartos da frente do 2º Andar; 22. As obras realizadas pela ré em 2021, não foram objeto de pedido prévio de licenciamento; 23. Sendo que não eram obras urgentes; 24. Todos os restantes compartimentos, instalações sanitárias, peças sanitárias, construção de divisórias em tijolo entre quartos (quartos da frente 1ºAndar e quartos posteriores do 2ºAndar), já existiam à data de 2014; 25. O prédio dos autores foi objecto de processo de licenciamento junto da Câmara Municipal do Porto, na data de Fevereiro de 2014, com a apresentação de novas plantas dos vários pisos do edifício; 26. Existem instalações sanitárias, e compartimentos no prédio, que não serão da sua origem, o que obrigou à realização de novas instalações eléctricas e hidráulicas. 27. Essas alterações são de data anterior a 2014; 28. Tendo como base as plantas constantes no processo, datadas de Fevereiro de 201– “Projecto de Licenciamento”, os compartimentos e o seu uso, na sua grande maioria, estão localizados e em conformidade com as referidas peças desenhadas. 29. Sendo que o objetivo do pedido de licenciamento apresentado em 2014 o de legalizar as obras existentes à data; 30. Comparativamente às Plantas de Licenciamento de 2014, existem no edifício, as seguintes instalações sanitárias, que não estão representadas nas plantas: a) No piso da cave, uma peça de bidé e de lavatório, em cada um dos quartos posteriores; b) No piso do r/c, instalação de tubagem hidráulica, no compartimento indicado com “Recepção”, e instalação sanitária para serviço da “Sala Comum”, onde indica “Circulação”; c) – No piso do 1º andar, não estando bem representada a parede divisória dos quartos da frente, existe um instalação sanitária adicional, para servir um dos quartos da frente, não estando também representada a instalação sanitária do quarto posterior; d) No piso do 2º andar, existe uma instalação sanitária em cada um dos quartos da frente, estando ainda o quarto posterior dividido em dois quartos 31. No prédio dos autores, antes de 2014, foram demolidos tetos, paredes e quartos de banho, e reconstrução com outros materiais, existindo compartimentos sem tectos acabados, sem gesso estuque, bem como tectos de compartimentos realizados com materiais/acabamentos recente 32. Foram demolidos tectos em tabique no 1º Andar; 33. Existe a abertura de um vão de porta, para uma instalação sanitária posterior no 1ºAndar, abertura que não consta nas Plantas de Licenciamento de Fevereiro de 2014, mas que é de data próxima da construção do edifício; 34. Existem ainda no prédio dos autores paredes e tectos em pladur e em material quadriculado, colocados em data anterior a 2014; 35. Foi erigida, antes de 2014, uma parede em tijolos e betão, no quarto com varanda no primeiro andar, a dividir o compartimento, e a encerrar uma janela do prédio para a rua, encrustada no piso de madeira; 36. Parede que consta nas plantas datadas de Fevereiro de 2014 – “Projecto de Licenciamento”, estando, contudo está mal representada; 37. No edifício existem, duas condutas montantes, colunas verticais, das águas residuais, uma localizada no compartimento da “Recepção”, e outra localizada na “IS4,30m2” junto à cozinha. 38. Colunas verticais que não estão desenhadas nas Plantas de Licenciamento de 2014, mas que são de data anterior; 38.1). Para além da autorização constante da cláusula 7.ª, do contrato de arrendamento, não houve outra tomada de posição dos Autores sobre a realização de obras pela Ré. 39. As paredes mestras de pedra e a escada central não foram modificados ou demolidos; 40. À data da perícia, não estavam a ser realizadas obras no prédio, nem alterações às redes de saneamento; 41. Para reversão de instalações sanitárias e redes hidráulicas bem como, no caso dos revestimentos modificados (que não é possível repor), a aplicação de novos revestimentos que tentem replicar as condições originais, será necessário despender a quanta de 50.000,00 €, mais IVA; 42. O prédio pode ser vendido no estado em que se encontra, sendo que a localização e as áreas do prédio são os fatores preponderantes na atribuição do respetivo valor comercial; 43. Os pisos e os corrimões em madeira, tendo em conta os anos do imóvel, estão em estado de conservação aceitável; 44. Pelo menos desde 2014, e até 2023, os quartos existentes no prédio dos autores eram utilizados para a prática da prostituição; 44.1). A Ré promovia o exercício dessa atividade de prostituição. 45. Recebendo a ré o valor pela utilização do quarto; 46. (eliminado). 47. (eliminado). 48. (eliminado). E resultaram não provados: 1. Que a ré tivesse procedido à demolição de pisos; 2. Que, nos trabalhos realizados, tivesse a ré deixado buracos no chão: 3. Que a ré tivesse procedido à demolição de elementos em pedra, integrantes da estrutura do edifício; 4. Ou que tenha procedido à abertura de vãos e construção de janelas em paredes anteriormente encerradas; A Ré realizou as obras que estão na base do licenciamento datado de 20/05/2014. 5. Que os trabalhadores que fizeram as obras por conta da ré não tivessem conhecimentos técnicos; 6. (eliminado) 6.1). Desde há cerca de um ano os quartos passaram a ser cedidos a turistas. 7. Que a prática da prostituição importe uma desvalorização do prédio dos AA. 8. Se os autores ficaram perturbados quer com a realização das obras, e pelo facto de poderem ver a licença de utilização caducada, quer com a utilização do prédio para a prática de prostituição. 9. Que as obras realizadas possam implicar a perda das licenças existentes no imóvel.”. B) De Direito Prolegómenos 1. Os Autores/Recorridos alegaram a inadmissibilidade do presente recurso de revista por a causa não ter valor superior à alçada do Tribunal da Relação. 2. Todavia, o Tribunal da Relação do Porto admitiu o recurso com os seguintes fundamentos: "O valor tributário atribuído pelo recorrente não altera o valor da ação que, no caso, em muito suplanta a alçada do tribunal da Relação. Assim, por estar em tempo, ser recorrível, apresentado por quem tem legitimidade, admite-se o recurso interposto pela Ré, o qual é de revista, a subir de imediato, nos próprios autos, com efeito devolutivo – artigos 629.º, n.º 1, 631.º, n.º 1, 671.º, n.º 1, 675.º, 676.º, n.º 1, a contrario, todos do C. P. C.. Subam os autos ao Supremo Tribunal de Justiça." 3. Como é sobejamente sabido, o valor da causa é determinado pelo pedido. In casu, este valor, tal como calculado pelo Tribunal de 1.ª Instância, ascende ao montante de 357.825,80 €. Estando a alçada do Tribunal da Relação fixada em 30.000,00 € (art. 44.º, n.º 1, da LOSJ), o valor da causa ultrapassa claramente essa quantia, desconsiderando-se agora a medida da sucumbência em virtude da sua indeterminabilidade (art. 629.º, n.º 1, in fine, do CPC). 4. Por seu turno, no que respeita aos fundamentos previstos no art. 674.º do CPC, nada obsta à admissão do presente recurso de revista com base no disposto na al. a) do n.º 1, justamente por se tratar, no caso em apreço, de questão de hipotético erro na interpretação e/ou aplicação aos factos de uma norma de direito substantivo. Da resolução do contrato de arrendamento 1. Na sequência de sentença do Tribunal de 1.ª Instância, os Autores interpuseram recurso de apelação. 2. O Tribunal da Relação do Porto julgou o recurso parcialmente procedente, declarando a resolução do contrato de arrendamento e condenando a Ré a restituir o imóvel e a pagar aos Apelantes a quantia de 760,86 € desde a notificação da declaração de resolução até à restituição do locado, por cada mês completo em que essa entrega não haja sido efetuada. 3. Irresignada, a Ré interpôs recurso de revista do acórdão do Tribunal da Relação do Porto, alegando, em síntese, que o Tribunal a quo não podia ter declarado a resolução do contrato de arrendamento em apreço. em virtude de a conduta consubstanciadora do incumprimento invocado não ser imputável à Recorrente, de um lado e, de outro, por a esse incumprimento não haver sido judicialmente reconhecida gravidade, contrariamente ao que a lei exige para a resolução do contrato. 4. A Ré recorre, assim, do acórdão do Tribunal da Relação do Porto "na parte em que decidiu declarar a resolução do contrato de arrendamento e condenar a recorrente à entrega do imóvel". Pugna ainda, na hipótese de se manter a condenação contida no acórdão recorrido, pela retificação do valor mensal da renda que o Tribunal a quo determinou que pagasse aos Autores/Recorridos desde a notificação da resolução do contrato até à restituição do locado por cada mês de não efetuação da entrega. Em lugar do montante de 760,86 €, preconiza, em seu lugar, o pagamento da quantia de 570,64 €. 5. Segundo o sumário do acórdão recorrido: "1). As obras ilicitamente realizadas pelo arrendatária só fundam a resolução do contrato pelo senhorio, nos termos do artigo 1083.o, nos. 1 e 2, do C. C., se essa realização for de tal modo grave que torne inexigível ao senhorio a manutenção do arrendamento. 2). É dado ao imóvel locado um fim diverso do contratado (hotel/residencial) quando a arrendatária aí promove a prática da prostituição, o que funda o direito de resolução do contrato de arrendamento ao abrigo do artigo 1083.o, nos. 1 e 2, alínea c), do C. C.." 6. Resulta com toda a clareza dos factos provados o incumprimento contratual por parte da Recorrente Palco Exótico, Unipessoal Lda.: de um lado, a realização de obras não autorizadas no locado (art. 1111.º, n.º 1 e n.º 2, a contrario sensu, do CC; cf. factos provados sob os n.os 11, 14 e 15) e, de outro lado, o uso deste para fim ilícito, além de distinto daquele contratualmente estabelecido. A Ré/Recorrente viola, assim, tanto o contrato de arrendamento celebrado com os Autores/Recorridos como o disposto no art. 1027.º do CC. 7. A Ré/Recorrente alega que o art. 1083.º do CC foi objeto de erro na interpretação e aplicação pelo Tribunal a quo. Entende que o Tribunal da Relação do Porto não levou em devida linha de conta a gravidade ou as consequências da conduta incumpridora que lhe imputou e com base na qual declarou a resolução do contrato de arrendamento (art. 1083.º, n.º 2, do CC). Em sua opinião, o comportamento por si individualmente adotado não se traduz em causa de incumprimento do contrato celebrado (art. 1083.º, n.º 1, do CC). 8. Por seu turno, a exigência da conjugação das várias hipóteses previstas no art. 1083.º, n.º 2, do CC, com a cláusula geral consagrada no corpo do mesmo preceito não é ainda inteiramente pacífica na doutrina e na jurisprudência1. 9. Assim: - de um lado: "(…) nas várias alíneas do n.º 2 do art.º 1083º do Código Civil, exemplificam-se as situações em que o incumprimento contratual, pela sua objectivada gravidade ou inerentes consequências, torna inexigível ao senhorio a manutenção do arrendamento"2; e - de outro lado: "(…) para a pretensão resolutiva do arrendamento proceder, terá o autor de demonstrar, não apenas que ocorreu determinada situação de incumprimento contratual culposo, mas ainda de alegar circunstanciadamente que tal situação de incumprimento, imputável à parte que desrespeitou certa cláusula do contrato, deve determinar – num juízo objectivo, proporcional e razoável - a inexigibilidade de manutenção da relação contratual"3. 10. Com efeito, afigura-se discutível que as diversas situações previstas no art. 1083.º, n.º 2, do CC, pressuponham a sua harmonização com a cláusula geral consagrada no corpo da mesma disposição normativa. Na verdade, esta norma estabelece apenas uma enunciação meramente exemplificativa dos fundamentos da resolução do contrato de arrendamento, admitindo a invocação de outros fundamentos que necessitam de uma ponderação casuística para relevarem (v.g., a hipótese de obras não autorizadas não se encontra autonomamente estabelecida no referido elenco), de um lado e, de outro, a al. c) do n.º 2 dispõe que o uso do prédio para fim diverso daquele a que se destina não tem forçosamente de implicar "maior desgaste ou desvalorização para o prédio" para poder operar como fundamento de cessação do contrato por resolução. Poderia dizer-se que isto indicia a desconsideração da gravidade a propósito deste tipo de incumprimento do contrato de arrendamento. 11. Todavia, a confirmação do entendimento que pressupõe a gravidade do incumprimento do arrendatário tem neste caso lugar por outra via, porquanto a alteração do fim do imóvel, sem que tal provoque necessariamente maior desgaste ou desvalorização do mesmo, era passível de ser considerada como não preenchendo o pressuposto da gravidade estabelecido no corpo do preceito. Assim, torna-se claro que ainda que a mudança do fim a que o prédio contratualmente se destina não implique maior desgaste no imóvel, é permitido ao senhorio resolver o contrato. 12. Na elaboração da norma do art. 1083.º, n.º 2, do CC, o legislador recorreu à combinação das técnicas legislativas da cláusula geral e da enunciação meramente exemplificativa de causas de resolução do contrato de arrendamento. 13. Entende-se que, embora aquela exigência de harmonização seja efetivamente objeto de querela, a realização de obras não autorizadas, especialmente do tipo daquelas constantes da matéria de facto no caso sub judice (vide, inter alia, os factos provados sob os n.os 11 e 17) – o que, todavia, não constitui objeto do presente recurso de revista -, assim como a utilização do locado para fim ilícito (cf. facto provado sob o n.º 44) configuram condutas dotadas de gravidade suficiente para tornar inexigível ao senhorio a manutenção do contrato de arrendamento. 14. Parece poder afirmar-se que o art. 1083.º, n.º 2, do CC, prevê as situações em que o senhorio pode resolver o contrato por incumprimento grave do arrendatário, como o uso do imóvel para fins ilícitos ou diferentes do contratado, tornando inexigível a manutenção do arrendamento. Com efeito, no que respeita à resolução do contrato pelo senhorio, aquela norma consagra a necessidade de um incumprimento como que qualificado: id est, o incumprimento que, pela sua gravidade ou consequências, torne inexigível à outra parte a manutenção do arrendamento. 15. Por conseguinte, a gravidade do incumprimento há-de aferir-se pela própria natureza da infração - conduta substancialmente grave -, pelas consequências que implica - e que conferem gravidade a esse incumprimento - ou pela reiteração da conduta violadora das obrigações assumidas - que, desse modo, é igualmente suscetível de ser qualificado como grave -, de modo que não seja razoavelmente exigível ao senhorio a subsistência do contrato de arrendamento4. 16. Por essa razão não colhe o argumento invocado, a este propósito, pela Ré/Recorrente. 17. Esta alega também não poder imputar-se-lhe um papel ativo na promoção da prostituição de terceiros associada ao uso do locado. Crê que "nada nos autos [permitir] concluir que [...] exercesse economicamente uma atividade de promoção da prostituição e que recebia parte de rendimentos dessa atividade" (cf. ponto 38 das alegações recursivas). 18. Para além de resultar claramente dos factos provados que o imóvel dado de arrendamento comercial era utilizado para a promoção da prostituição de terceiros, pelo menos desde 2014 e até 2023 (cf. facto provado sob o n.º 44), pode dizer-se que a perceção de montantes pecuniários diretamente resultantes da prática dessa atividade económica não se traduz na única forma de obter benefícios económicos do respetivo exercício. É que, em muitos casos, a promoção e a prática da prostituição tem lugar mediante o recurso a estabelecimentos hoteleiros. 19. Assim, e levando também em devida linha de conta o facto provado sob o n.º 45, que refere o recebimento do valor devido pela utilização dos quartos, pode afirmar-se que a Ré/Recorrente, obrigada a "não proporcionar a outrem o gozo total ou parcial da coisa por meio de cessão onerosa ou gratuita da sua posição jurídica, sublocação ou comodato, excepto se a lei o permitir ou o locador o autorizar" (art. 1038.º, al. f), do CC), foi pelo menos conivente com a atividade de promoção da prostituição de terceiros desenvolvida no locado, incumprindo o contrato de arrendamento. A sua conduta consubstancia também a causa de resolução prevista no art. 1083.º, n.º 2, al. b), do CC: id est, a "utilização do prédio contrária à lei, aos bons costumes ou à ordem pública". Acresce que, de acordo com o art. 1038.º, al. c), do CC, o arrendatário tem como obrigação não aplicar a coisa a fim diverso daquele a que se destina. Se o fizer, incorre em violação contratual suscetível de configurar fundamento de resolução. Tratando-se da promoção da prostituição de terceiros, pode dizer-se que esta constitui em si mesmo um incumprimento grave do contrato5. 20. Assim, as hipóteses exemplificativamente enunciadas no art. 1083.º n.º 2, do CC, não atuam automaticamente, sendo necessária a sua conciliação ou harmonização prática com a cláusula geral contida no corpo do mesmo preceito. 21. Não assiste, pois, razão à Ré/Recorrente neste ponto. Da retificação do valor mensal da renda 1. Mantendo-se a condenação determinada pelo Tribunal da Relação do Porto, a Ré/Recorrente pugna pela retificação do valor mensal da renda que o Tribunal a quo ordenou fosse pago aos Autores/Recorridos por cada mês completo de atraso na restituição do imóvel. 2. Tendo resultado provado o valor mensal da renda de 760,86 € (facto provado sob o n.º 4) tanto no Tribunal de 1.ª Instância como no Tribunal da Relação do Porto, e não podendo o Supremo Tribunal de Justiça, via de regra, reapreciar a matéria de facto (art. 674.º, n.º 3, do CPC), cabendo-lhe aplicar definitivamente o regime jurídico que entenda adequado aos factos fixados pelo Tribunal recorrido (art. 682.º, n.º 1, do CPC), não se descortina qualquer razão para alterar aquele montante. 3. Por conseguinte, nega-se provimento ao recurso de revista regra ou comum interposto pela Ré Palco Exótico, Unipessoal, Lda., confirmando-se o acórdão recorrido. IV – Decisão Nos termos expostos, acorda-se em julgar improcedente o recurso de revista interposto pela Ré Palco Exótico, Unipessoal, Lda., confirmando-se o acórdão do Tribunal da Relação do Porto. Custas pela Ré/Recorrente. Notifique-se. 16.12.2025 Maria João Vaz Tomé (Relatora) Henrique Antunes Nelson Borges Carneiro _____________________________________________ 1. Cf. Albertina Gomes Pedroso, A Resolução do Contrato de Arrendamento no Novo e Novíssimo Regime do Arrendamento Urbano, Coimbra Editora, Julgar, n.º 19 (2013), p. 46.↩︎ 2. Cf. Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 8 de outubro de 2009 (Ezagüy Martins), Proc. n.º 1957/08.9TBSXL.L1-2 – disponível para consulta in www.dgsi.pt.↩︎ 3. Cf. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13 de fevereiro de 2014 (Lopes do Rego), Proc. n.º 43/09.9TCFUN.L1.S1 – disponível para consulta in www.dgsi.pt.↩︎ 4. Cf. Albertina Gomes Pedroso, A Resolução do Contrato de Arrendamento no Novo e Novíssimo Regime do Arrendamento Urbano, Coimbra Editora, Julgar, n.º 19 (2013), p. 45.↩︎ 5. Este é, aliás, um dos exemplos mobilizados por alguma doutrina para ilustrar uma utilização do prédio contrária à lei, à ordem pública ou aos bons costumes simultaneamente suscetível de integrar a cláusula geral prevista no corpo do art. 1083.º, n.º 2, do CC — "não são todas e quaisquer práticas que infrinjam a lei ou os bons costumes que poderão desencadear a resolução do arrendamento, mas apenas situações excepcionalmente graves como actividades criminosas, prostituição, jogo ilícito, etc.". Tal como afirma ser grave, e nessa medida também suscetível de integrar a referida cláusula, a afetação do arrendamento a fim diverso do convencionado. Cf. Luís Manuel Teles de Menezes Leitão, Arrendamento Urbano, Coimbra, Almedina, 2017, p. 137.↩︎ |