Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
98B060
Nº Convencional: JSTJ00037905
Relator: SOUSA INÊS
Descritores: NULIDADE
CITAÇÃO
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
NULIDADE DE ACÓRDÃO
REGISTO DA ACÇÃO
EFEITOS
Nº do Documento: SJ199802260000602
Data do Acordão: 02/26/1998
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: T REL LISBOA
Processo no Tribunal Recurso: 1247/96
Data: 03/11/1997
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA.
Decisão: ANULADA A DECISÃO.
Área Temática: DIR PROC CIV - RECURSOS.
DIR REGIS NOT.
DIR CIV - DIR FAM.
Legislação Nacional: CPC67 ARTIGO 271 N3 ARTIGO 668 N1 D ARTIGO 716 N1 ARTIGO 731 N2.
CRP84 ARTIGO 2 N1 ARTIGO 3 N1 A ARTIGO 5 N1.
CCIV66 ARTIGO 1682.
Jurisprudência Nacional: ACÓRDÃO STJ DE 1992/03/24 IN BMJ N415 PÁG552.
ACÓRDÃO STJ DE 1993/03/09 IN BMJ N425 PÁG448.
Sumário : 1 - A Relação não pode escusar-se a apreciar a questão da nulidade da citação edital do réu para a acção, posta em apelação da sentença da 1ª instância.
2 - O registo da acção a que se refere o art. 3 do CRP84 tem como finalidade a resolução de conflitos entre o autor que obtenha ganho de causa e terceiros que, na pendência da acção, adquiram através do réu, direitos incompatíveis com aquele que se pretende tutelar juridicamente.
3 - A sentença que seja proferida em acção sujeita a registo mas não registada não é nula, nem anulável; produz o seu efeito útil normal, i.e., eficácia entre as partes por força do caso julgado.
4 - O art. 3, n. 1, al. a), do Cód. do Registo Predial, não exige o registo de acção que vise o reconhecimento pelo réu de direito já inscrito a favor do autor. Um tal registo da acção, nem melhoraria, nem pioraria a posição do autor, do réu ou de terceiros. Em relação ao réu porque a sentença sempre será eficaz "inter partes". Em relação a terceiros porque o direito do autor já lhes é oponível por força da inscrição existente.
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

"A Lda." intentou, a 13 de Agosto de 1992, acção declarativa, constitutiva e de condenação, contra B em que pediu:
a) se decrete a resolução do contrato-promessa de compra e venda, assinado pela autora a 16 de Novembro de 1989, por incumprimento definitivo do réu, com efeitos a partir de 13 de Novembro de 1990;
b) a perda a favor da autora de todas as quantias pagas pelo réu por conta desse contrato;
c) a condenação do réu a reconhecer o direito de propriedade da autora sobre as fracções autónomas A e B do prédio urbano designado por lote 5, zona G, da Urbanização do Vale da Amoreira, freguesia da Baixa da Banheira, concelho da Moita;
d) a condenação do réu a entregar à autora, imediatamente, as ditas fracções autónomas, livres de pessoas e bens; e
e) a condenação do réu a pagar à autora indemnização de montante são inferior a vinte cinco mil escudos mensais por cada mês de ocupação desses locais, desde 13 de Novembro de 1990 e até à sua entrega.

O Tribunal procurou citar o réu na morada indicada na petição inicial (e que é aquela que o réu indicara como sendo a sua na "promessa unilateral de compra" que está fotocopiada a fls. 24), primeiro, e nas fracções autónomas a que se refere a acção, depois, mas em vão. Dirigiu-se o Tribunal à entidade policial da zona a indagar qual a residência do réu, mas a diligência não deu resultado positivo. Procedeu-se, então, a citação edital do réu, ao abrigo do disposto no art. 248 do Cód. de Proc. Civil. Para tanto, afixaram-se editais à porta do Tribunal, à porta da primeira residência acima referida e à porta da sede da Junta de Freguesia da mesma área; e publicaram-se dois anúncios, em dias seguidos, no "Diário de Notícias".
O réu manteve-se revel.
Foi citado o M.P. para assumir a defesa do réu o qual, todavia, também não contestou.
Tendo-se procedido a julgamento, o Tribunal de Círculo do Barreiro, por douta sentença de 27 de Abril de 1995, declarou resolvido o contrato-promessa unilateral de compra de 4 de Abril de 1989; e condenou o réu a entregar à autora as fracções autónomas acima aludidas, a pagar-lhe um milhão e cem mil escudos pela ocupação delas até Agosto de 1992 e, ainda, cinquenta mil escudos mensais desde esta data até à efectiva entrega delas.
Foi então que surgiu o réu que atravessou requerimento a apelar, alegando desde logo que houve falta de citação por preterição de formalidades essenciais.

O Tribunal da Relação de Lisboa, por douto Acórdão de 11 de Março de 1997, confirmou a sentença.
Inconformado, o réu pede revista.
Dizendo violado o preceituado nos arts. 1682 do Cód. Civil, 3,n.1, al. a), do Cód. do Reg. Predial e 195, n. 1, als. a) e c), do Cód. de Proc. Civil, o recorrente, em douta alegação, conclui que a acção não deveria ter sido recebida, ou que deveria ter sido suspensa por falta de registo; e que se impediu a citação do réu, fugindo-se ao contraditório.
A recorrida, em douta alegação, conclui que a revista deve ser negada.

Cumpre apreciar.
Começa-se pela questão da citação do réu, ora recorrente.
Na alegação apresentada na apelação o recorrente, entre outras razões, sustentou a nulidade da citação com fundamento na circunstância de os anúncios da citação edital terem sido publicados pela recorrida em jornal de Lisboa (o "Diário de Notícias") em lugar de o terem sido em um dos jornais mais lidos do Barreiro, onde se encontra localizada a sua residência, apesar de aí haver dois, o "Jornal do Barreiro" e "A Voz do Barreiro". Ter-se-ia, assim, infringido o disposto no art. 248, ns. 1 e 3, do Cód. de Proc. Civil de 1961; o que constituiria nulidade de falta de citação, atento o disposto nos arts. 194, al. a), 195 ns. 1 al. d), e n. 2, al. e), e 483, todos estes artigos do mesmo Código.
A Relação entendeu que não podia tomar conhecimento desta questão (1). Para tanto, a Relação considerou que o réu deveria ter começado por arguir a nulidade no próprio tribunal recorrido para, depois, caso o despacho que recaísse sobre a reclamação lhe não fosse favorável, interpor recurso desse despacho.
Ora, não é assim.
Logo após a afixação dos editais e a publicação dos anúncios, os autos foram conclusos ao Mmo Juiz que, em obediência ao disposto no art. 483 do Cód. de Proc. Civil, perante a revelia absoluta do réu, verificou-se a citação fora feita com observância das formalidades legais. Não se tendo mandar repetir a citação, ou alguma das suas formalidades, antes se dando continuação, o Tribunal decidiu, pelo menos implicitamente, que a citação edital fora regularmente efectuada.
A seguir, o Tribunal proferiu o despacho saneador em que declarou não haver nulidades o que igualmente significa, ao menos implicitamente, que se considerou regularmente efectuada a citação edital.
Finalmente, foi proferida sentença onde o Tribunal ainda poderia ter conhecido da nulidade da citação, atento o disposto no art. 202 do Cód. de Proc. Civil.
Com a prolação da sentença é que se esgotou o poder jurisdicional do juiz, nos termos do disposto no art. 666, n. 1 do Cód. de Proc. Civil, tendo a arguida nulidade ficado sancionada pela sentença.
Por isto, a partir da sentença, o meio próprio para arguir a nulidade passou a ser o recurso de apelação da sentença, deixou de ser a simples reclamação.
Neste sentido, Manuel de Andrade, in "Noções Elementares de Processo Civil", 1956, pág. 171, Alberto dos Reis, in "Comentário ao Código de Proc. ", II vol, pág. 507 e ss, e "Código de Proc. Civil Anotado", V vol., pág. 424, Antunes Varela, Miguel Beleza e Sampaio e Nora, in "Manual de Processo Civil", 2 edição, pág. 393, e Acórdãos deste Tribunal de 24 de Março de 1992 (Beça Pereira), in "Boletim" n. 415, pág. 552, e de 9 de Março de 1993 (Fernando Fabião), in "Boletim" n. 425, pág. 448.
Desta sorte, a Relação não se podia ter escusado a apreciar a questão que lhe fora colocada pelo réu que vem de apontar-se. Ao omitir pronúncia acerca de tal questão, a Relação cometeu a nulidade a que se refere o art. 668, n. 1, al. d), primeiro segmento, aplicável por força do art. 716, n. 1, ambos do Cód. de Proc. Civil. Isto implica a anulação, na parte pertinente, do Acórdão recorrido e a baixa do processo à Relação para reforma, nos termos do art. 731, n. 2, do Cód. de Proc. Civil.
O que se expôs não impede que, desde já, se apreciem, as restantes questões colocadas pelo recorrente.
Alega o recorrente a violação do preceituado no art. 3, n. 1, al. a), do Cód. do Reg. Predial por se não ter exigido à autora o registo da acção.
Nos termos deste preceito legal, estão sujeitas a registo as acções que tenham por fim, principal ou acessório, a constituição (...) de algum dos direitos referidos no artigo anterior.
E, logo na al. a) do n. 1 do art. 2, do mesmo Código se inclui o direito de propriedade.
Há que notar, todavia, que o registo das acções a que se refere o art. 3 do Cód do Reg. Predial tem como finalidade a resolução de conflitos entre o autor que obtenha ganho de causa e terceiros que, na pendência da acção, adquiram através do réu direitos incompatíveis com aquele que se pretende tutelar juridicamente (cfr. Mário Almeida e Costa, in "Rev. de Leg. e de Jur.", ano 127, pág. 216, apoiando-se em Manuel de Andrade).
A falta de registo de uma acção apenas impede que a respectiva sentença tenha força de caso julgado contra aqueles terceiros, em relação aos quais será ineficaz.
A sentença que seja proferida em acção sujeita a registo mas não registada não é nula, nem anulável.
Tal sentença produzirá o seu efeito útil normal, isto é, pela força do caso julgado terá eficácia "inter partes".
O que a sentença, na falta de registo da acção, quando devido, não terá é uma eficácia superior à normal do caso julgado, pois que não produzirá efeitos contra aqueles que adquiram sobre os bens, durante a pendência da acção, direitos incompatíveis com os do autor.
Para que a sentença transitada em julgado tenha esta eficácia alargada aqueles terceiros é que é necessário o registo.
É o que resulta do disposto nos arts. 271, n. 3, do Cód. de Proc. Civil e 5, n. 1, do Cód. do Reg. Predial.
Cfr. Antunes Varela, in "Rev. de Leg. e de Jur.", ano 103, pág. 483 e 484.
Por outro lado, deve entender-se que o art. 3, n. 1, al. a), do Cód. do Reg. Predial não exige o registo da acção que vise o reconhecimento pelo réu de direito já inscrito a favor do autor visto que o direito que o autor pretende fazer valer na acção é precisamente aquele que antes adquiriu e inscreveu. Um tal registo da acção nem melhoraria, nem pioraria a posição do autor, do réu ou de terceiros. Em relação a estes últimos o direito do autor já é oponível por força da inscrição existente.
Quer dizer que o registo da acção em casos deste tipo é inteiramente descabido: em relação ao réu porque a sentença sempre é eficaz "inter partes" mesmo sem registo da acção; em relação a terceiros porque o direito do autor já lhes é oponível por força da inscrição existente.
Desta sorte, no Acórdão recorrido não se mostra violado o disposto no art. 3, n. 1, al. a), do Cód. do Reg. Predial.
Finalmente, o recorrente fundamenta o recurso na alegada violação do disposto no art. 1682 do Cód. Civil.
Este preceito legal dispõe acerca da alienação ou onerção de bens móveis do casal e não se vê em que possa interessar à resolução da lide; nomeadamente, o recorrente não diz, na parte expositiva da sua alegação, a razão da conclusão que tira da violação desta norma.

Pelo exposto, acordam no Supremo Tribunal de Justiça em anular o Acórdão recorrido, na parte em que não conheceu a arguição de nulidade da citação edital do réu, e em mandar baixar o processo à Relação para aí se proceder à reforma do mesmo Acórdão, na parte anulada, pelos mesmos Senhores Desembargadores, se possível.
Custas pelo recorrente e pela recorrida a meias.
Lisboa, 26 de Fevereiro de 1998.
Sousa Inês,
Nascimento Costa,
Pereira da Graça.
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1 Apesar de tal entendimento, a Relação diz, no Acórdão recorrido, que "os autos não evidenciam qualquer nulidade de citação" o que, pelo carácter vago da afirmação, não constitui julgamento da questão que lhe era posta.