Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
4941/20.0T8BRG.S1
Nº Convencional: 1.ª SECÇÃO
Relator: OLINDO GERALDES
Descritores: CONFLITO DE COMPETÊNCIA
Data da Decisão Sumária: 04/13/2021
Votação: --
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: CONFLITO DE COMPETÊNCIA
Decisão: CONCEDIDA
Indicações Eventuais: TRANSITADO EM JULGADO
Sumário :
O tribunal que determinou a penhora em relação à qual foram deduzidos embargos de terceiro é o competente, em razão da matéria, para conhecer dos mesmos, devendo os embargos ficar apensados à respetiva execução.
Decisão Texto Integral:


I – Através de apenso à execução a correr termos no Juízo Central Criminal do Porto, Comarca do Porto (sob o n.º 881/16.6…), AA deduziu contra BB, CC, DD, EE, FF, GG, HH e II embargos de terceiro contra a penhora da metade indivisa do prédio descrito, sob o n.º 1016/2018031 (…), na Conservatória do Registo Predial de … ..

No Juízo Central Criminal do Porto, depois de recebidos liminarmente tais embargos, foi proferido despacho, a 6 de julho de 2020, a declarar a incompetência do Tribunal, em razão da matéria, ao abrigo do disposto no art. 80.º da Lei n.º 60/2013, de 26 de agosto.

No Juízo Local Cível de Braga, Comarca de Braga, para onde os embargos de terceiro foram remetidos, foi proferido despacho, em 21 de dezembro de 2020, a declarar-se também incompetente (funcionalmente), com fundamento no disposto no art. 344.º, n.º 1, do CPC.


Ambos os despachos transitaram em julgado.

 

O Juízo Local Cível de Braga, confrontado com o conflito negativo de competência, determinou a subida dos autos ao Supremo Tribunal de Justiça, para a sua resolução.

No Supremo Tribunal de Justiça, ouvidas as partes, pronunciou-se apenas a Embargante, no sentido de que o tribunal competente é o da execução.


Por sua vez, o Ministério Público emitiu o parecer de fls. 191/193, nomeadamente no sentido de ser declarado competente, para os embargos de terceiro, o Juízo Central Criminal do Porto, Comarca do Porto.


Nada obstando ao conhecimento do mérito da causa, cumpre apreciar e decidir sumariamente.


II - 2.1. Descrita a dinâmica processual relevante, importa então conhecer e resolver o conflito negativo de competência, suscitado entre o Juízo Central Criminal do Porto e o Juízo Local Cível de Braga, quanto ao conhecimento dos deduzidos embargos de terceiro.

Perante o caso, como resolver o suscitado conflito negativo de competência?

Na verdade, os autos tipificam um claro conflito negativo de competência, porquanto dois tribunais da mesma ordem jurisdicional consideraram-se ambos incompetentes para conhecer dos embargos de terceiro deduzidos contra a penhora determinada num deles (art. 109.º, n.º 2, do CPC).

O tribunal criminal, onde pende a execução, declarou-se incompetente, em razão da matéria, com fundamento no art. 80.º da Lei n.º 60/2013, de 26 de agosto, enquanto o tribunal cível, por sua vez, declarou-se também incompetente, por força do disposto no art. 344.º, n.º 1, do CPC.

Não se questionando a competência material para a execução, a questão subjacente aos autos passa pelo disposto no art. 344.º, n.º 1, do CPC, segundo o qual “os embargos são processados por apenso à causa em que haja sido ordenado o ato ofensivo do direito do embargante”.

Esta norma corresponde, sem alterações, ao art. 353.º do anterior CPC, o qual, quanto à dependência dos embargos de terceiro, mantém o sentido normativo originário do mesmo Código (art. 1039.º).

Fixou-se, então, uma competência por conexão, de modo a competência, para conhecer dos embargos de terceiro, caber ao tribunal do processo onde tiver sido ordenado ou determinado o ato ofensivo do direito do embargante.

Esta norma específica sobrepõe-se, pois, à norma geral que define a competência material do tribunal.

Por esse motivo apresenta-se despropositada a invocação, como fundamento para uma das decisões referidas, do disposto no art. 80.º da Lei n.º 60/2013, o qual fixa, residualmente, a competência material dos tribunais de comarca.

Independentemente da competência especializada, entende-se, com o estabelecimento da norma do art. 344.º, n.º 1, do CPC, que o tribunal em melhores condições para conhecer dos embargos de terceiro é aquele que determina o ato ofensivo do direito do embargante, nomeadamente a posse ou qualquer direito incompatível com a realização ou o âmbito da diligência de apreensão lato sensu ou de entrega (SALVADOR DA COSTA, Os Incidentes da Instância, 11.ª edição, 2020, pág. 172).

Por outro lado, a correlação dos embargos de terceiro com o processo no qual foi determinado o ato ofensivo do direito do embargante é tão apertada, nomeadamente quanto aos efeitos do recebimento dos embargos e da sua procedência, que bem se justifica a apensação em relação àquele processo.

De resto, e não obstante alguma controvérsia, decidiu já o Supremo Tribunal de Justiça, em acórdão de 28 de outubro de 1986, que “deduzidos embargos de terceiro a arrolamento requerido no tribunal de família, por qualquer dos cônjuges, como preliminar de ação de divórcio, é aquele o tribunal competente, em razão da matéria, para conhecer dos referidos embargos” (Boletim do Ministério da Justiça, n.º 360, pág. 551).

Neste contexto, é patente que o tribunal que determinou a penhora em relação à qual foram deduzidos embargos de terceiro é o competente, em razão da matéria, para conhecer dos mesmos, devendo os embargos ficar apensados à respetiva execução.


Por isso, o conflito negativo de competência resolve-se no sentido de caber ao Juízo Central Criminal do Porto, Comarca do Porto, que ordenou a penhora, a competência para os embargos de terceiro.


2.2. Em conclusão, pode extrair-se de mais relevante:

O tribunal que determinou a penhora em relação à qual foram deduzidos embargos de terceiro é o competente, em razão da matéria, para conhecer dos mesmos, devendo os embargos ficar apensados à respetiva execução.


2.3. Não há lugar ao pagamento de custas – art. 527.º, n.º s 1 e 2, do CPC.


III - Pelo exposto, decide-se:

Resolver o conflito negativo de competência no sentido de que a competência, para os embargos de terceiro, cabe ao Juízo Central Criminal do Porto, Comarca do Porto.


Lisboa, 13 de abril de 2021


O Vice-Presidente do Supremo Tribunal de Justiça,

Olindo dos Santos Geraldes (relator)