Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
109/13.0TBMLD.P1.S1
Nº Convencional: 1ª SECÇÃO
Relator: HELDER ROQUE
Descritores: INCAPACIDADE PERMANENTE ABSOLUTA
CLÁUSULA CONTRATUAL GERAL
BOA FÉ
DEVER DE ESCLARECIMENTO PRÉVIO
DEVER DE LEALDADE
DIREITO À INFORMAÇÃO
DEFESA DO CONSUMIDOR
DEVER DE INFORMAÇÃO
EXCLUSÃO DE CLÁUSULA
FACTO EXTINTIVO
ÓNUS DA PROVA
Data do Acordão: 06/02/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL - RELAÇÕES JURÍDICAS / FACTOS JURÍDICOS / NEGÓCIO JURÍDICO / EXERCÍCIO E TUTELA DE DIREITOS / PROVAS - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / FONTES DAS OBRIGAÇÕES / CONTRATOS.
DIREITO DO CONSUMO - CLÁUSULAS CONTRATUAIS GERAIS.
Doutrina:
- Almeno de Sá, Cláusulas Contratuais Gerais e Directiva Sobre Cláusulas Abusivas, 2ª edição, revista e aumentada, Almedina, 2001, 60 a 63.
- António Pinto Monteiro, “O novo regime jurídico dos contratos de adesão/cláusulas contratuais gerais”, ROA, Ano 62, Vol. I, Janeiro de 2002, 2, 4.
- Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, I, 1970, 189.
- Calvão da Silva, Banca, Bolsa e Seguros, Direito Europeu e Português, Tomo I, Parte Geral, 2ª edição, revista e aumentada, Almedina, 2007, 22, 170, 174 e 175.
- Joaquim de Sousa Ribeiro, Responsabilidade e Garantia em Cláusulas Contratuais Gerais, Direito dos Contratos, Estudos, Coimbra Editora, 2007, 184.
- Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil Português, I, Parte Geral, T1, 2ª edição, 2000, Almedina, 231 a 239.
- Nelson Nery Júnior, Código Brasileiro de Defesa do Consumidor, Edição Forense Universitária - Biblioteca Jurídica, 1991, 345.
- Oliveira Sá, Clínica Médico-Legal da Reparação do Dano Corporal em Direito Civil, 1992, 90.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 239.º, 342.º, N.º2, 405.º, NºS 1 E 2.
D.L. N.º 446/85, DE 25 DE OUTUBRO (RJCCG): - ARTIGOS 5º, 9.º, 8.º.
LEI DA DEFESA DO CONSUMIDOR (LEI N.º 24/96, DE 31 DE JUNHO): - ARTIGO 9.º, N.º 2, A).
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 14-2-2013, REVISTA N.º 8335/03.4TVLSB.L1.S1.
Sumário :
I - Provando-se que a pessoa segura se encontrava incapaz para todo o serviço da GNR, que o declarou, absoluta e permanentemente, incapaz para o exercício das suas funções, preenche o pressuposto da invalidez, total e permanente, resultante de doença, na subespécie da total e definitiva incapacidade para o exercício da sua profissão, independentemente da sua eventual incapacidade para o exercício de qualquer outra atividade compatível com os seus conhecimentos e capacidades, em que se traduzia o segundo termo da alternativa.

II - Da total e definitiva incapacidade do autor para o exercício da sua profissão resulta uma incapacidade funcional permanente, de grau igual ou superior a 66%, tal como vem definida pela tabela de avaliação de incapacidades permanentes, no Direito Civil vigente, porque se trata de dano definitivo, que deve ser avaliado, relativamente à capacidade integral (100%), representando um compromisso integral da capacidade.
III - Ao autor, pessoa segura, basta alegar, sem ter necessidade de provar, que o sinistro ocorreu, em plena vigência do contrato, cabendo ao réu, entidade seguradora, enquanto facto extintivo da pretensão formulada pelo autor, demonstrar que o sinistro não teve lugar, em plena vigência do contrato, com base no preceituado pelo art. 342.º, n.º 2, do CC.

IV - O regime das «cláusulas contratuais gerais» constitui uma resposta normativa à instauração, por iniciativa privada, de uma ordem contratual, significativamente, divergente dos critérios legais, orientados para uma equilibrada composição de interesses, em prejuízo de um amplo círculo de contraentes, porquanto a autonomia privada apenas pode ser exercida “dentro dos limites da lei”.

V - O princípio da boa fé objetiva impõe às partes contratantes deveres de lealdade, transparência, cuidado e prestação de informações necessárias, com base no qual o proponente deve apresentar contratos redigidos, de forma clara e precisa, e não obscura, dúbia ou contraditória, com caracteres legíveis, destacando as cláusulas que impliquem limitações aos direitos do aderente, por forma a evitar o aparecimento de cláusulas estipuladas no contrato, de natureza imprevisível, ou, mesmo, cláusulas não condizentes com a realidade, e possibilitar ao consumidor o entendimento adequado dos termos do contrato, porque este foi celebrado, sob determinadas circunstâncias, em decorrência da aparência global exibida.

VI - As denominadas “cláusulas-surpresa”, que aparentam ser uma coisa mas, afinal, se revelam outra, podem estar ocultadas, colocadas fora da epígrafe apropriada, desinseridas do contexto sistemático ou racional ou ser redigidas, dissimuladamente, destoando da totalidade do restante clausulado, ofendem o princípio da boa fé do proponente na conclusão do contrato, o direito de informação e esclarecimento adequado do aderente sobre o seu conteúdo e o sistema de proteção do consumidor, como um todo, surpreendendo o aderente real, em prejuízo da sua cognoscibilidade formal e/ou material, por não ser exigível ao aderente, pela forma ardilosa com que as mesmas foram disfarçadas ou pelo modo sub-reptício ou camuflado com que foram apresentadas, o seu conhecimento efetivo.

VII - As «cláusulas-surpresa» são suscetíveis de afetar a cognoscibilidade formal do aderente real, como acontece quando estão colocadas fora da epígrafe apropriada, têm apresentação gráfica desconforme ou surjam num contexto deslocado, ou a sua cognoscibilidade material, quando ocultadas, desinseridas do contexto sistemático ou racional ou redigidas, dissimuladamente, surpreendendo o aderente real.

VIII - Quando a entidade seguradora, no âmbito das “Exclusões” da «cobertura complementar obrigatória» de "Invalidez Total e Permanente", exclui do contrato de seguro de vida, em paralelismo com um bloco de situações lesivas ou de perigosidade que resultam de facto culposo da pessoa segura, determinante do seu desencadeamento e verificação, as indemnizações decorrentes de "Doenças Psiquiátricas (de qualquer natureza) de que a Pessoa Segura seja portadora", que se trata de uma situação objetiva, independentemente de culpa, em que a pessoa segura se encontra num estado de sujeição, não pré-determinado, em que o evento é inevitável e acontece, independentemente da vontade do mesmo, introduz uma cláusula que, do ponto de vista da racionalidade lógico-sistemática, se encontra nos antípodas da previsibilidade lógica do autor e que obsta à sua cognoscibilidade, por ser razoável que tenha passado despercebida a alguém, colocado na posição de contraente real.

IX - Para além do controlo da inclusão das cláusulas constantes dos contratos singulares que, em nome da transparência e publicidade, impõe a sua comunicação prévia e adequada ao aderente, como especial dever de informação e esclarecimento, sob pena de se consideram excluídas do contrato, conjuntamente com as designadas cláusulas-surpresa, existe, também, um controlo do conteúdo das cláusulas legitimadas pelo processo de inclusão nos contratos singulares, que impõe restrições à liberdade de estipulação, vertente da liberdade contratual mais, impressivamente, posta em causa pela técnica da contratação por adesão a condições, unilateralmente, predispostas e impostas pela contraparte.

X - Devendo excluir-se do contrato as “cláusulas-surpresa” que não respeitaram os requisitos necessários à sua inclusão, quer ao seu conteúdo, afetando, quer a cognoscibilidade formal, quer a cognoscibilidade material do aderente real, evidenciando, por si só, a falta de uma verdadeira concordância da sua parte, relativamente ao desequilíbrio do conteúdo regulativo nelas consagrado, de que resulta um prejuízo desproporcionado, rejeitado pelo princípio da boa fé, mantendo-se, não obstante, o contrato, na parte restante, com recurso às normas supletivas aplicáveis e, se necessário, às regras de integração dos negócios jurídicos, consagradas no art. 239.°, do CC, em conformidade com o preceituado pelo art. 9.°, do DL n.º 446/85, de 25-10.

XI - A pré-formulação unilateral da parte predisponente coloca, por via de regra, o “sujeito passivo” que a recebe numa situação de desigualdade, quer formal, quer substancial, que não é eliminada pelo ato, quase sempre de natureza mecânica, da não colocação imediata de dúvidas ou questões sobre o seu conteúdo, que pressupõe algum estudo e reflexão sobre o respetivo texto.
Decisão Texto Integral:

ACORDAM OS JUÍZES QUE CONSTITUEM O SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA[1]:

           AA e BB propuseram a presente acção declarativa, com processo comum, sob a forma ordinária, contra “CC Seguros - …, SA”, todos, suficientemente, identificados, pedindo que, na sua procedência, o réu seja condenado a reconhecer a nulidade da cláusula 2.4.1.15 da apólice de seguro contratado entre os autores e o réu, que exclui o pagamento do capital segurado, caso o sinistro seja devido a doenças psiquiátricas, de qualquer natureza, de que a pessoa segura seja titular [I], a pagar a indemnização/capital em dívida, relativo à apólice de seguro de vida, no valor de €87.477,53 [II], a indemnizar os autores, por danos não patrimoniais, no valor de €5.000,00 [III], a pagar a quantia de €4.870,08, a título de indemnização correspondente ao valor que os autores despenderam, desde a data da verificação da invalidez do autor, até à presente data [IV] e a pagar os juros, à taxa legal, sobre a quantia peticionada [V].

           Como fundamento da sua pretensão, os autores alegam, em síntese, que, em 13 de Novembro de 2009, subscreveram com o réu um contrato de seguro de vida, por ocasião da celebração de um contrato de mútuo com hipoteca, sendo certo que não lhes foi prestada qualquer informação sobre as condições gerais e especiais, nomeadamente, relativas ao âmbito da cobertura dos riscos da apólice, ou seja, sobre as cláusulas de limitação e exclusão da mesma, para além da obrigatoriedade da subscrição de um seguro de vida que tivesse a ré como beneficiária, cobrindo os riscos de morte e invalidez, absoluta e definitiva, ou outros riscos, por acidente e/ou doença.

           Porém, tendo sido diagnosticado ao autor, em 15 de Fevereiro de 2011, a doença de perturbação bipolar, a Junta Superior de Saúde deliberou, em 23 de Fevereiro de 2012, que o autor se encontrava incapaz para todo o serviço da GNR.

Interpelado o réu para que garantisse o pagamento integral do capital em dívida, este comunicou-lhe que a doença psiquiátrica evidenciada e de que padecia se encontrava excluída do âmbito da cobertura da apólice, o que excede, manifestamente, segundo os autores, os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes e, sobretudo, pelo fim social e económico do direito.

            Na contestação, o réu alega, em suma, que a doença do autor é uma doença psiquiátrica, pelo que se encontra excluída do contrato de seguro firmado, o que é do conhecimento dos autores, bem como as demais cláusulas, pois que, antes da subscrição da proposta, foram-lhes entregues a informação pré-contratual, as condições gerais e as condições especiais, sendo que a cláusula que exclui do âmbito das coberturas os sinistros decorrentes de doenças psiquiátricas, encontra-se vertida, tanto na informação pré-contratual, como nas condições especiais, cujo teor lhes foi comunicado e que os autores assinaram, em dois locais distintos, a que acresce que o autor, antes da celebração do contrato, já sabia que a referida doença o afectava, tendo omitido tal informação, razão pela qual sempre o sinistro estaria fora do âmbito de cobertura do seguro.

           Na réplica, os autores impugnam os factos excetivos alegados pelo réu.

A sentença julgou a acção, totalmente, improcedente e, em consequência, absolveu o réu dos pedidos contra si formulados pelos autores.

Desta sentença, os autores interpuseram recurso, tendo o Tribunal da Relação “na procedência do recurso, mantido a absolvição no que concerne aos danos não patrimoniais pelos autores peticionados, condenando a ré a pagar a indemnização/capital em dívida relativa à apólice de seguro de vida no valor de 87.477,53 € e a pagar aos autores 4.870,08 €, valor que os autores despenderam desde a data da verificação da invalidez do autor, acrescida de juros, à taxa legal”.

Do acórdão da Relação do Porto, o réu interpôs agora recurso de revista, terminando as alegações com o pedido da sua revogação e absolvição, formulando as seguintes conclusões, que, integralmente, se transcrevem:

1ª – O Tribunal recorrido alterou a resposta aos pontos 17 e 18 da matéria de facto, dando-os como não provados.

2ª - Julgou assim não provado que "os autores, previamente à subscrição da proposta de fls. 80 a 85 junta aos autos, tomaram conhecimento da informação pré-contratual (para a cobertura obrigatória: "invalidez total e permanente", excluem-se indemnizações decorrentes de: (...) doenças psiquiátricas (de qualquer natureza) de que a pessoa segura seja portadora", e da cláusula 2.4.1 .15. das condições especiais com o mesmo teor, do alcance das mesmas tendo sido esclarecidos.".

3ª - O douto acórdão recorrido decidiu ainda pela exclusão da cláusula 2.4.1.15 das condições especiais que excluía das coberturas as doenças psiquiátricas, nos termos do disposto nas alíneas a) e b) do artigo 8o da LCCG.

4ª - O recorrido não alegou nem consequentemente provou que se encontrava total e definitivamente incapaz para o exercício de qualquer outra atividade compatível com os seus conhecimentos e capacidades, bem como que seja portador de uma incapacidade funcional permanente de grau igual ou superior a 66%, tal como definida pela Tabela de Avaliação de Incapacidades Permanentes em Direito Civil.

5ª - O que se impunha, face ao que resulta da página 2 da apólice individual (doc. 6 da contestação e doc. 5 da contestação - condições especiais) e do facto provado n° 19 - "Para efeitos desde seguro complementar, entende-se por Invalidez Total e Permanente quando, consequência de doença ou acidente, a coberto das garantias do contrato, e no decurso de um período máximo de trezentos e sessenta dias que se lhe seguirem, em que a pessoa segura, cumulativamente: a) se encontre total e definitivamente incapaz para o exercício da sua profissão ou qualquer outra actividade compatível com os seus conhecimentos e capacidades; b) seja portadora de uma incapacidade funcional permanente de grau igual ou superior a 66%, tal como definida pela Tabela de Avaliação de Incapacidades Permanentes em Direito Civil em vigor".

6ª - Com efeito, só ficou provado que o Recorrido se encontra incapaz para todo o serviço da GNR, tendo sido declarado absoluta e permanentemente incapaz para o exercício das suas funções.

7ª - Assim, a exclusão da cláusula que excluía da cobertura da invalidez total e permanente as doenças psiquiátricas, por incumprimento do dever de comunicação e informação pela Recorrente, não é suscetível de determinar a sua condenação no pagamento de indemnização peticionada, pois que não estão provados os pressupostos cumulativos da cobertura de invalidez total e permanente tal como definidos no facto provado n° 19.

8ª - Foi dado como não provado que "B. A doença de que padece o A. apenas lhe foi diagnosticada em 15 de fevereiro de 2011n, tendo apenas sido provado que o mesmo padece de doença bipolar (facto provado nº 6).

9ª - A propósito dos factos não provados, explanou o tribunal de 1a instância que "a verdade é que em relação à data em que foi diagnosticada ao A. marido a doença de que padece, a prova resumiu-se às declarações do médico psiquiatra que o acompanhou, DD, que referiu que diagnosticou ao A. tal doença em 29 de junho de 2010, mas por ter sido nesta altura que pelo mesmo foi consultado, pois que o A. já vinha de outro colega psiquiatra e até medicado, a que acresce que em sede de informação clínica, nomeadamente de fls. 196, resulta que o A. já há cerca de pelo menos um ano que teria sintomas.".

10ª - Esta remissão para um ano atrás, reporta-se a data aproximada a junho de 2009, data anterior à subscrição do seguro. Sendo ainda de referenciar que, o psiquiatra que acompanhava o Autor anteriormente ao psiquiatra DD, invocou o sigilo para não depor e os Autores não autorizaram o levantamento do mesmo.

11ª - Competia aos Recorridos demonstrar que o sinistro ocorreu na vigência do contrato de seguro, o que não lograram fazer, e portanto, também por esta via, a Recorrente não podia ser condenada a cobrir um sinistro cuja verificação não ficou provado ter ocorrido em plena vigência do contrato.

12ª - O acórdão recorrido considerou que a cláusula que exclui as doenças psiquiátricas do âmbito da cobertura da invalidez total e permanente é uma cláusula surpresa, por fugir à lógica contratual ditada pelos interesses que justificam a efetivação do seguro e por figurar em local pouco explícito do contrato, surgindo num contexto em que passa despercebida a qualquer segurado, devendo ser excluída do contrato nos termos do artigo 8o, alínea c) da LCCG.

13ª - A alínea c) do artigo 8o da LCCG refere-se a cláusulas que, pelo contexto em que surjam, pela epígrafe que as precede ou pela sua apresentação gráfica, passem despercebidas a um contraente normal, colocado na posição do contraente real.

14ª - A cláusula que exclui as doenças psiquiátricas encontra-se prevista na informação pré-contratual (doc. 3 da contestação) no ponto "4. EXCLUSÕES E LIMITAÇÕES DE COBERTURA", que está imediatamente após o ponto "3. GARANTIAS/COBERTURAS". Dentro do ponto "4. EXCLUSÕES E LIMITAÇÕES DE COBERTURA", consta o ponto "4.2. Exclusões específicas", e no ponto "4.4.4. Para a cobertura complementar obrigatória: "Invalidez Total e Permanente" (...) excluem-se indemnizações decorrentes de:", prevendo o subponto "4.2.2.15. Doenças psiquiátricas (de qualquer natureza) de que a Pessoa Segura seja portadora”.

15ª - Por sua vez, nas condições especiais do contrato (doc. 5 da contestação), consta o ponto "2. COBERTURA COMPLEMENTAR INVALIDEZ TOTAL E PERMANENTE POR DOENÇA OU ACIDENTE', que contém o ponto "2.4. Riscos excluídos", e "2.4.1. A Seguradora não garante o pagamento das importâncias seguras, por este seguro complementar, caso o sinistro seja devido a:", "2.4.1.15. Doenças psiquiátricas (de qualquer natureza) de que a Pessoa Segura seja portadora".

16ª - Da própria apólice individual (doc. 6 da contestação), consta "Exclusões das Coberturas", e segue-se um tópico para a cobertura principal "morte" e de seguida "Para a cobertura complementar obrigatória de "Invalidez Total e Permanente", excluem-se indemnizações decorrentes de:", "o) Doenças psiquiátricas (de qualquer natureza) de que a Pessoa Segura seja portadora".

17ª - Ora, tratando-se de uma exclusão da cobertura de invalidez total e permanente do seguro de vida, que está devidamente prevista no local específico das "Exclusões" da referida cobertura, dentre o elenco das demais exclusões.

18ª - A cláusula surge no contexto em que deveria surgir e é precedida da epígrafe que deveria constar, e tem uma apresentação igual às demais cláusulas do contrato, pelo que não passaria despercebida a um contraente normal colocado na posição do contraente real.

19ª - Na verdade, qualquer pessoa, medianamente instruída e diligente, ao celebrar um contrato de seguro, seja ele de que ramo e de que tipo for, sabe que o cerne do mesmo são as "coberturas" e as "exclusões".

20ª - O homem médio, tendo por referência o critério do bom Pai de família, não assina um contrato de seguro sem ler e sem se informar das suas "coberturas" e das "exclusões", que constituem, afinal, o aspeto determinante deste tipo contratual.

21ª - Por último, não se pode considerar que o "contexto em que surge" constitui uma surpresa pois a epígrafe que a precede e sua apresentação gráfica, não passam despercebidas a um contraente normal, colocado na posição do contraente real.

22ª - Quanto à falta de lógica de exclusão das doenças psiquiátricas da cobertura de riscos trata-se de uma usual exclusão dos contratos de seguro.

Nas suas contra-alegações, os autores sustentam que deve ser mantido o acórdão recorrido.

O Tribunal da Relação entendeu que se devem considerar demonstrados os seguintes factos, que este Supremo Tribunal de Justiça aceita, nos termos das disposições combinadas dos artigos 674º, nº 3 e 682º, nº 2, do Novo Código de Processo Civil (CPC), mas reproduz:

1. Os autores celebraram, no dia 13 de Novembro de 2009, no âmbito de um contrato de compra e venda, um contrato de mútuo com hipoteca, relativamente ao prédio referente à fracção autónoma, designada pela letra …, correspondente ao rés-do-chão, do qual faz parte uma garagem na cave, assinalada com a letra …, e ainda uma área descoberta afecta a estacionamento, identificada com a letra …, destinado, exclusivamente, a habitação, pertencente ao prédio urbano, sito na Rua …, Edifício ..., n.º …, …., freguesia de …, concelho da …, descrito na Conservatória do Registo Predial da …, sob o n.º … da referida freguesia.

2. Nos termos do número dois da cláusula 10.ª do referido contrato de compra e venda e mútuo com hipoteca, os autores obrigaram-se a “subscrever apólice de seguro de vida que tenha a IC como beneficiário, cobrindo, os riscos de morte e invalidez absoluta, até ao limite do capital mutuado e nas demais condições constantes do presente contrato”.

3. Foi celebrado entre os autores e a ré um contrato de seguro de vida com cobertura de morte e invalidez, com a apólice n.º …., junta a fls. 47-51, com o teor que dela consta.

4. Tal contrato iniciou a produção dos seus efeitos, em 13 de Novembro de 2009.

5. A subscrição do contrato foi efectuada, no balcão do Banco CC, em …, nos ….

6. O autor padece de doença bipolar.

7. Em sessão de 22 de Fevereiro de 2012, a Junta Superior de Saúde da GNR deliberou que o autor se encontrava incapaz para todo o serviço da GNR, assim o declarando, absoluta e, permanentemente, incapaz para o exercício das suas funções.

8. Por despacho de 2 de Agosto de 2012, da Direcção da Caixa Geral de Aposentações, foi reconhecido ao autor o direito à aposentação, tendo sido considerada a situação existente, em 22 de Fevereiro de 2012, nos termos do artigo 43.º do Estatuto da Aposentação, aprovado pelo Decreto-Lei 498/72, de 9 de Dezembro, na redacção dada pelo Decreto-Lei 238/2009, de 16 de Setembro.

9. Em 9 de Maio de 2012, o autor interpelou a ré para que esta garantisse o pagamento integral do capital em dívida, com fundamento na sua incapacidade permanente.

10. A ré, por escrito datado de 25 de Junho de 2012, comunicou ao autor não poder “dar seguimento ao pedido” por a “doença que motiva a incapacidade se encontrar excluída neste contrato”.

11. A ré remeteu ao autor as cartas, juntas a fls. 58 verso e 59, com o teor que delas consta.

12. O autor, por intermédio de advogado, remeteu à ré a carta de fls. 57, que esta recebeu.

13. A pensão de reforma atribuída ao autor foi de €825,75.

14. Os autores subscreveram, em 29 de Outubro de 2009, a proposta de seguro de fls. 80-85, com o teor que dela consta.

15. As condições gerais e especiais do contrato firmado entre as partes são as que constam de fls. 93-104.

16. Os autores continuam a pagar a prestação bancária decorrente do empréstimo contraído junto do CC e, em 31 de Outubro de 2010, o capital ainda em dívida era de €87.477,53.

19. Resulta ainda das condições especiais contratadas, nomeadamente da cláusula “2.3.3. Para efeitos deste seguro complementar, entende-se por invalidez Total e Permanente quando, em consequência de doença ou acidente a coberto das garantias do contrato e no decurso do período máximo de trezentos e sessenta dias que se lhe seguiram, em que a pessoa segura, cumulativamente: 2.3.3.1. Se encontre total e definitivamente incapaz para o exercício da sua profissão ou qualquer outra actividade compatível com os seus conhecimentos e capacidades; 2.3.3.2. Seja portadora de uma incapacidade funcional permanente de grau igual ou superior a 66%, tal como definida pela tabela de avaliação de incapacidades permanentes em direito civil em vigor".

Por seu turno, não foram dados como provados os seguintes factos:

A) O autor marido, por diversas vezes, se deslocou aos balcões da ré, solicitando as condições especiais da apólice e as mesmas não lhe foram facultadas, só o tendo sido, após as solicitações descritas a 11. e 12. dos factos provados.

B) A doença de que padece o autor apenas lhe foi diagnosticada, em 15 de Fevereiro de 2011.

C) Com a recusa da garantia do pagamento do capital seguro, os autores sofreram aborrecimentos, desilusões e constrangimentos.

D) [17]. Os autores, previamente à subscrição da proposta de fls. 80 a 85, junta aos autos, tomaram conhecimento da informação pré-contratual de fls. 87 a 92, das condições gerais de fls. 93 a 97 e das condições especiais de fls. 98 a 104, cujo teor se dá aqui por, integralmente, reproduzido, inclusive da cláusula 4.2.2.15 da informação pré-contratual (Para a cobertura obrigatória: "invalidez total e permanente", excluem-se indemnizações decorrentes de: (¼) doenças psiquiátricas (de qualquer natureza) de que a pessoa segura seja portadora) e da cláusula 2.4.1.15 das condições especiais com o mesmo teor, tendo-lhes sido entregues tais condições.

E) [18] Os autores foram esclarecidos das exclusões inerentes ao contrato e respectivas condicionantes de resolução.

                                                    *

Tudo visto e analisado, ponderadas as provas existentes, atento o Direito aplicável, cumpre, finalmente, decidir.

As questões a decidir, na presente revista, em função das quais se fixa o objecto do recurso, considerando que o «thema decidendum» do mesmo é estabelecido pelas conclusões das respectivas alegações, sem prejuízo daquelas cujo conhecimento oficioso se imponha, com base no preceituado pelas disposições conjugadas dos artigos 5º, 608º, nº 2, 609º, 635º, nºs 4 e 5, 639º e 679º, todos do CPC, são as seguintes:

I – A questão da verificação dos pressupostos da atribuição da indemnização/capital, no contrato de seguro de vida.

II – A questão da natureza de «cláusula surpresa» da cláusula que exclui as doenças psiquiátricas do âmbito da cobertura da invalidez, total e permanente, no contrato de seguro de vida.

 I. DOS PRESSUPOSTOS DA INDEMNIZAÇÃO/CAPITAL NO CONTRATO DE SEGURO DE VIDA

I. 1. Alega o réu que a exclusão da cláusula que afasta da cobertura de invalidez, total e permanente, as doenças psiquiátricas, por incumprimento do dever de comunicação e informação, não é suscetível de determinar a sua condenação no pagamento de indemnização peticionada, pois que não se provou que o autor se encontrava, total e definitivamente, incapaz para o exercício de qualquer outra atividade compatível com os seus conhecimentos e capacidades, bem assim como que seja portador de uma incapacidade funcional permanente, de grau igual ou superior a 66%, tal como vem definida pela Tabela de Avaliação de Incapacidades Permanentes em Direito Civil, porquanto, apenas, se demonstrou que “se encontra incapaz para todo o serviço da GNR, tendo sido declarado absoluta e permanentemente incapaz para o exercício das suas funções”, não se provando, igualmente, que o sinistro tenha ocorrido na vigência do contrato de seguro.

Está provado que «resulta ainda das condições especiais contratadas, nomeadamente da cláusula “2.3.3. Para efeitos deste seguro complementar, entende-se por invalidez Total e Permanente quando, em consequência de doença ou acidente a coberto das garantias do contrato e no decurso do período máximo de trezentos e sessenta dias que se lhe seguiram, em que a pessoa segura, cumulativamente: 2.3.3.1. Se encontre total e definitivamente incapaz para o exercício da sua profissão ou qualquer outra actividade compatível com os seus conhecimentos e capacidades; 2.3.3.2. Seja portadora de uma incapacidade funcional permanente de grau igual ou superior a 66%, tal como definida pela tabela de avaliação de incapacidades permanentes em direito civil em vigor"».

A invalidez, total e permanente, resultante de doença, entendida esta como alteração involuntária do estado de saúde, susceptível de comprovação médica, para efeitos do contrato de seguro complementar de vida controvertido, ocorre quando, em consequência dessa doença e, no decurso do período máximo dos trezentos e sessenta dias que se lhe seguiram, a pessoa segura, cumulativamente, se encontre, total e definitivamente, incapaz para o exercício da sua profissão ou de qualquer outra actividade compatível com os seus conhecimentos e capacidades [a] e seja portadora de uma incapacidade funcional permanente, de grau igual ou superior a 66%, tal como se encontra definida pela tabela de avaliação de incapacidades permanentes, no Direito Civil em vigor [b].

A este propósito, ficou, igualmente, provado que, com início de produção de efeitos, em 13 de Novembro de 2009, foi celebrado, em 29 de Outubro próximo anterior, entre os autores e o réu, um contrato de seguro de vida, com cobertura de morte e invalidez, sendo certo que, na sessão de 22 de Fevereiro de 2012, da Junta Superior de Saúde da GNR, em consequência de doença bipolar de que padecia, mas cuja génese temporal não ficou demonstrada, foi deliberado que o autor se encontrava incapaz para todo o serviço da GNR, assim o declarando, absoluta e permanentemente, incapaz para o exercício das suas funções, tendo, por despacho da Direcção da Caixa Geral de Aposentações, datado de 2 de Agosto de 2012, considerando a situação existente, em 22 de Fevereiro de 2012, sido reconhecido ao autor o direito à aposentação.

Com efeito, os pressupostos cumulativos da verificação da invalidez, total e permanente, resultante de doença, nos termos em que se coloca a questão decidenda, ocorrem quando a pessoa segura se encontre, total e definitivamente, incapaz para o exercício da sua profissão ou de qualquer outra actividade compatível com os seus conhecimentos e capacidades e seja portadora de uma incapacidade funcional permanente, de grau igual ou superior a 66%, tal como se encontra definida pela tabela de avaliação de incapacidades permanentes, em face do Direito Civil em vigor.

Porém, aquele primeiro pressuposto da verificação da invalidez, total e permanente, resultante de doença desdobra-se em alternativa, como resulta da conjunção coordenativa disjuntiva «ou» e não da conjunção coordenativa copulativa «e», isto é, a incapacidade para o exercício da profissão da pessoa segura ou de qualquer outra actividade compatível com os seus conhecimentos e capacidades.

Assim sendo, tendo-se provado que o autor se encontrava incapaz para todo o serviço da GNR, que o declarou, absoluta e permanentemente, incapaz para o exercício das suas funções, preenche o aludido primeiro pressuposto da invalidez, total e permanente, resultante de doença, na sub-espécie da total e definitiva incapacidade para o exercício da sua profissão, independentemente da sua eventual incapacidade para o exercício de qualquer outra actividade compatível com os seus conhecimentos e capacidades.

I. 2. Por seu turno, relativamente ao segundo dos analisados pressupostos, ou seja, ser a pessoa segura portadora de uma incapacidade funcional permanente, de grau igual ou superior a 66%, tal como vem definida pela tabela de avaliação de incapacidades permanentes, no Direito Civil vigente, a mesma resulta, logicamente, do primeiro destes pressupostos, isto é, da total e definitiva incapacidade do autor para o exercício da sua profissão, porquanto esta incapacidade reflete uma incapacidade funcional permanente, de grau igual ou superior a 66%.

Com efeito, a situação de incapacidade permanente geral, total e definitiva, sofrida pelo autor e de que padece, ocorre quando, apesar dos cuidados clínicos e dos tratamentos de reabilitação, subsiste no lesado um estado deficitário, de natureza anatómico-funcional ou psico-sensorial, a título de dano definitivo, que deve ser avaliado, relativamente à capacidade integral [100%], quando significa uma incapacidade total e permanente, como sucede na hipótese em apreço, representando um compromisso integral da capacidade[2].

E a incapacidade permanente ou definitiva suportada pelo autor, porque apresenta um nível absoluto ou total, enquanto dano definitivo ou permanente, deve, por definição, permanecer por toda a restante vida da vítima.

I. 3. Diz ainda o réu que não se provou que o sinistro tenha ocorrido na vigência do contrato de seguro.

Efetivamente, não ficou demonstrado que a doença de que padece o autor, apenas, lhe tenha sido diagnosticada, em 15 de Fevereiro de 2011, sendo certo que consta do documento de folhas 52, subscrito pelo médico psiquiatra assistente do autor que, em 15 de Fevereiro de 2011, tinha voltado a observá-lo e que se encontrava “psiquicamente compensado da sua doença bipolar….devendo ser ocupado em serviços administrativos (adjuvante terapêutico) e sem recurso a arma de fogo”, havendo, inclusivamente, registo de uma informação clínica do mesmo psiquiatra, com data de  15 de Julho de 2010, como decorre do teor do documento de folhas 129 e 130.

Porém, não se tendo provado a data em que foi desencadeada a perturbação mental que conduziu a que, na sessão de 22 de Fevereiro de 2012, da Junta Superior de Saúde da GNR, esta, em consequência de doença bipolar de que o autor padecia, tenha deliberado que o mesmo se encontrava incapaz, para todo o serviço da GNR, assim o declarando, absoluta e permanentemente, incapaz para o exercício das suas funções, e que culminou com a sua aposentação, datada de 2 de Agosto de 2012, mas reportada à situação existente, em 22 de Fevereiro de 2012, ao réu caberia essa demonstração, enquanto facto extintivo da pretensão formulada pelo autor, uma vez que a este bastava alegar, sem ter necessidade de provar, que o sinistro tinha ocorrido, em plena vigência do contrato, com base no preceituado pelo artigo 342º, nº 2, do Código Civil (CC).

Deste modo, estão preenchidos os requisitos cumulativos da verificação da cobertura de invalidez, total e permanente, resultante de doença sofrida pelo autor, no âmbito do quadro contratual definido pelo réu.

II. DA NATUREZA DA CLÁUSULA EXCLUDENTE DAS DOENÇAS PSIQUIÁTRICAS DO ÂMBITO DA COBERTURA DA INVALIDEZ, TOTAL E PERMANENTE, DO CONTRATO DE SEGURO DE VIDA

II. 1. Alega, também, o réu que a cláusula que exclui as doenças psiquiátricas do âmbito da cobertura da invalidez, total e permanente, não é uma «cláusula surpresa», pois que se encontra prevista, na informação pré-contratual, nas condições especiais do contrato e, na própria apólice individual, mostrando-se, devidamente, prevista, no local específico das "Exclusões" da referida cobertura, dentro do elenco das demais exclusões, não podendo ser considerado o "contexto em que surge", como constituindo uma surpresa, pois que a epígrafe que a precede e a sua apresentação gráfica, não passam despercebidas a um contraente normal, colocado na posição do contraente real.

O acórdão recorrido, a este propósito, a folhas 345, diz que “Assim, no que particularmente concerne ao estado de invalidez absoluta e definitiva, não se compreende a cláusula complementar constante das condições especiais da apólice que exclua a motivada por doença psiquiátrica. A qual contraria a referida lógica contratual. Assim colhendo de surpresa os que, como os autores, após a sua incapacitação se vêm a deparar com esse artificioso acrescento, arredio dos interesses de garantia que ditaram o contrato. Já que a capacidade de o segurado cumprir o contrato de mútuo é afectada da mesma maneira, quer a doença que o afecte seja psiquiátrica quer tenha qualquer outra origem.

E anote-se que, ao invés do que sucede com esta, as restantes dezasseis causas de exclusão constantes do ponto 4.2.2. da informação pré-contratual, colhem algum sentido, quer porque despoletadas por actuação culposa ou criadora de risco acrescido por parte do sinistrado, quer porque ligadas a eventos com alto grau de anomalia.

Podemos, pois, concluir que a referida restrição não passa de um artifício pelo qual a seguradora, predisponente da cláusula, intenta sub-reptícia e encapotadamente restringir o alcance normal da cobertura do seguro. Surgindo num contexto em que qualquer mutuário dificilmente poderia contar com ela, tal cláusula deve considerar-se abarcada pela previsão da referida alínea c) do artigo 8º do DL nº 446/85”.

II. 2. A liberdade contratual vem definida, no artigo 405º, nºs 1 e 2, do CC, como sendo a faculdade que as partes têm de fixar, livremente, dentro dos limites da lei, o conteúdo dos contratos, celebrar contratos diferentes dos previstos neste código ou incluir nestes as cláusulas que lhes aprouver, e bem assim como reunir no mesmo contrato regras de dois ou mais negócios, total ou parcialmente, regulados na lei.

Embora o principio da autonomia da vontade encontre a sua máxima expressão, nas figuras do contrato de tipo clássico, existem hoje novas categorias contratuais, que se individualizam pelas particularidades do seu modo formativo e pela maior ou menor debilitação do aspecto voluntarista, como acontece, entre outros, com os contratos de seguros, bancários, de locação financeira (“leasing”), informáticos, de transporte, de fornecimento de energia eléctrica, água e gás, de prestação de serviço telefónico ou, até, com os contratos pelos quais se adquire, hoje em dia, um eletrodoméstico ou outro bem de consumo corrente[3], que se incluem nos denominados contratos de adesão, em que a liberdade dos contraentes quase se elimina, tornando-se problemática a inclusão de tais hipóteses no conceito de contrato, porquanto os consumidores são indeterminados, limitando-se a aceitar ou a rejeitar o contrato proposto e o respectivo clausulado constante de modelo impresso, prévia e unilateralmente, redigido para todos os que não têm hipótese de o discutir[4].

Com vista a combater estes desvios ao princípio da liberdade contratual, na tentativa de conciliar o legitimo interesse das empresas na racionalização dos seus negócios e na adequação dos regimes dos contratos à crescente especialização da actividade comercial, com as exigências da justiça comutativa e da protecção devida à parte económica ou, socialmente, mais fraca, surgiu, na legislação portuguesa, o DL nº 446/85, de 25 de Outubro (RJCCG)[5], que consagrou o regime das «cláusulas contratuais gerais», sujeitando-as a uma disciplina tendente à defesa dos aderentes a contratos onde figurassem cláusulas desse tipo[6].

Tratou-se de uma resposta normativa à instauração, por iniciativa privada, de uma ordem contratual, significativamente, divergente dos critérios legais orientados para uma equilibrada composição de interesses, em prejuízo de um amplo círculo de contraentes[7].

Com efeito, quando as pessoas se acham dotadas de capacidade negocial, de modo a poderem participar no tráfico jurídico, devem respeitar, não obstante, na conformação das suas relações jurídicas privadas, os limites legais impostos quanto aos respectivos negócios jurídicos em que intervenham, porquanto a autonomia privada, a que se reporta o artigo 405º, nº 1, do CC, apenas, pode ser exercida «dentro dos limites da lei»[8].

II. 3. O fenómeno designado por «bancassurance» traduz-se na ligação e colaboração entre os Bancos e as Companhias de Seguros, para o desenvolvimento de sinergias e economias de sistema, designadamente, na produção-comercialização de “produtos” concorrentes (seguros de vida, que vencem juros e capitalizam) ou “produtos” complementares (seguros de vida para garantia de empréstimos bancários).

Para além do dever de comunicação integral das cláusulas contratuais gerais, pelo predisponente aos aderentes que se limitem a subscrevê-las ou a aceitá-las, e de informação e esclarecimento, de modo a tornar possível o seu completo e efectivo conhecimento, por quem use de comum diligência, de acordo com o disposto pelos artigos 5º, nºs 1 e 2, do RJCCG, acresce a obrigação do fornecedor de bens e do prestador de serviços, com vista à prevenção de abusos resultantes de contratos pré-elaborados, de redacção, clara e precisa, em caracteres, facilmente, legíveis, das cláusulas contratuais gerais, incluindo as inseridas em contratos singulares, atento o disposto pelo artigo 9º, nº 2, a), da Lei da Defesa do Consumidor (Lei nº 24/96, de 31 de Junho).

Este propósito do legislador nacional, ditado pelo princípio da transparência, destina-se a potenciar a compreensibilidade das condições negociais gerais, desde logo, em face do próprio texto, de modo a ser possível alcançar o seu completo e efetivo conhecimento.

Em consonância com o exposto, preceitua o artigo 8º, corpo, e alínea c), do RJCCG, que “consideram-se excluídas dos contratos singulares as cláusulas que, pelo contexto em que surjam, pela epígrafe que as precede ou pela sua apresentação gráfica, passem despercebidas a um contratante normal, colocado na posição do contratante real;”.

O princípio da boa-fé objetiva impõe às partes contratantes deveres de lealdade, transparência, cuidado e prestação de informações necessárias[9], com base no qual o proponente deve apresentar contratos redigidos, de forma clara e precisa, com caracteres legíveis, destacando as cláusulas que impliquem limitações aos direitos do aderente, por forma a evitar o aparecimento de cláusulas estipuladas no contrato, de natureza imprevisível, ou, mesmo, cláusulas não condizentes com a realidade, e possibilitar ao consumidor, a parte mais débil da relação, o entendimento adequado dos termos do contrato, porque este foi celebrado, sob determinadas circunstâncias, em decorrência da aparência global exibida.

Trata-se das denominadas «cláusulas surpresa», que destoam da totalidade do restante clausulado, ofendem o princípio da boa-fé, o direito de informação adequada do aderente e o sistema de proteção do consumidor, como um todo, são autónomas e não dependem de fatores económicos, enquanto instrumento utilizado com a finalidade exclusiva de salvaguardar o aderente ingénuo e não informado, e que decore, aliás, do ónus de comunicação e de informação, a que aludem os artigos 5º, nºs 3 e 6, do RJCCG, que recaem sobre o predisponente face ao aderente, acerca do conteúdo efetivo do contrato, promovendo, inclusive, os esclarecimentos convenientes sobre as dúvidas razoáveis que se suscitem.

Com efeito, a surpresa sobre determinada circunstância contratual pode decorrer, não só da má-fé do proponente na conclusão do contrato e da falta de esclarecimento adequado sobre o seu conteúdo, mas, também, da redação obscura, dúbia ou contraditória de uma ou mais cláusulas[10], sendo certo, outrossim, que a redação clara e de fácil compreensão constitui, igualmente, um princípio que deve ser observado para que o contrato de adesão tenha eficácia relativamente ao aderente, não inviabilizando a correta informação sobre as suas consequências, não permitindo, deste modo, que o consumidor celebre um contrato de maneira não consciente.

São abrangidas, pelo artigo 8º, c), do RJCCG, as cláusulas que aparentam ser uma coisa mas, afinal, se revelam outra, com vista a impedir que se façam valer, perante o aderente, cláusulas que suscitam, justificadamente, reacções de surpresa, que a lei alemã denomina de «Ü… », por não lhe ser exigível, pela forma ardilosa com que as mesmas foram disfarçadas ou pelo modo subreptício ou camuflado com que foram apresentadas, o seu conhecimento efetivo, ainda que, previamente, comunicadas, de modo a proteger a confiança depositada pelo aderente num conteúdo diverso do real, legitimada pelo comportamento fraudulento de quem as predispôs nesses termos[11].

Estas «cláusulas-surpresa» podem estar ocultadas, colocadas fora da epígrafe apropriada, desinseridas do contexto sistemático ou racional ou ser redigidas, dissimuladamente, surpreendendo o aderente real, em prejuízo da sua cognoscibilidade formal e/ou material[12].

II. 4. Regressando à matéria de facto susceptível de ser subsumida ao Direito aplicável, há que reconhecer que o documento de “Informação Pré-Contratual”, de folhas 87 a 92, a apólice individual do seguro de vida, de folhas 47 a 51, e as condições especiais do documento de seguro-vida-habitação, de folhas 98 a 104, no âmbito das «Exclusões das Coberturas», para a «cobertura complementar obrigatória de “Invalidez Total e Permanente”, excluem-se indemnizações decorrentes de o), 4.2.3.15 ou 2.4.1.15, respetivamente, “Doenças psiquiátricas (de qualquer natureza) de que a Pessoa Segura seja portadora”, no elenco de mais outras tantas quinze situações tipificadas.

Ora, as dezasseis situações objetivas tipificadas nos aludidos documentos desdobram-se, em dois grupos distintos, num dos quais se compreendem “o facto intencional do Tomador de Seguro, Pessoa Segura ou Beneficiário [a], “a tentativa de suicídio” [b], “doenças ou acidentes que sobrevenham à Pessoa Segura em resultado do consumo de bebidas alcoólicas ou de consumo de qualquer tipo de drogas e/ou medicamentos não prescritos pelo médico” [c], “acidentes que sobrevenham à Pessoa Segura quando se verifique uma taxa de alcoolemia igual ou superior ao limite legalmente estabelecido” [d], “participação, como passageiro ou condutor, em corridas de velocidade, rallies, ou quaisquer outras competições de aeronaves ou veículos a motor, e respectivos treinos” [j], “prática de boxe, alpinismo, aviação, motociclismo, automobilismo, parapente, desportos considerados radicais e outros análogos na sua perigosidade” [k], “acidentes ou doenças anteriores à data da entrada em vigor deste contrato salvo o caso em que tenha havido comunicação formal à Seguradora e expressa aceitação por parte desta, mediante as condições que para o efeito tenham sido expressa e detalhadamente estabelecidas” [l], “consequências de um acto de imprudência temerária ou negligência grave da Pessoa Segura, declarado assim judicialmente, bem como os derivados da participação desta em actos ilícitos, duelos ou rixas, sempre que neste último caso não tenha actuado em legítima defesa ou em tentativa de salvamento de pessoas ou bens” [m], “intervenções cirúrgicas, desde que não resultem necessárias por força de doença ou acidente” [n] e, finalmente, “riscos inerentes à incorporação nas Forças Armadas, Militarizadas, Para-Militarizadas, Policiais e afins” [i], que o réu não invocou, talvez, para evitar a arguição do abuso de direito pelos autores, na modalidade do «venire contra factum propium», dada a profissão do autor de cabo da GNR, patente na documentação subscrita.

Por seu turno, no segundo grupo de situações objetivas tipificadas, incluem-se as hipóteses decorrentes de “tornados, tufões, furacões, ciclones, inundações, maremotos, sismos e erupções vulcânicas” [e], “acidentes nucleares ou contaminação radioactiva” [f], “conflitos armados” [g],assaltos, greves, tumultos, actos de terrorismo, sabotagem, rebelião, insurreição, revolução e guerra” [h], “gripe humana pandémica, doenças infecciosas que resultem de bio terrorismo ou envenenamentos” [p] e “doenças psiquiátricas (de qualquer natureza) de que a Pessoa Segura seja Portadora” [o], obviamente, ocorridas após a data da entrada em vigor do respetivo contrato de seguro, dado o teor da alínea l).

Com efeito, o primeiro bloco de situações lesivas ou de perigosidade reporta-se a facto culposo da pessoa segura, determinante do seu desencadeamento e verificação, ao passo que o segundo grupo contende com situações objetivas em que, indistintamente, a pessoa segura se encontra num estado de sujeição, não pré-determinado, em que o evento é inevitável e acontece, independentemente da vontade da mesma.

Assim sendo, a redacção do artigo 8º, c), do RJCCG, abrange as cláusulas-surpresa suscetíveis de afetar a cognoscibilidade formal do aderente real, como acontece quando estão colocadas fora da epígrafe apropriada, têm apresentação gráfica desconforme ou surjam num contexto deslocado, ou a sua cognoscibilidade material, quando ocultadas, desinseridas do contexto sistemático ou racional ou redigidas, dissimuladamente, surpreendendo o aderente real.

Ora, quando o réu, no âmbito das «Exclusões» da «cobertura complementar obrigatória» de “Invalidez Total e Permanente”, exclui do contrato de seguro de vida as indemnizações decorrentes de “Doenças psiquiátricas (de qualquer natureza) de que a Pessoa Segura seja portadora”, que se trata de uma situação objectiva, independentemente de culpa, ao lado das restantes, a maioria resultantes de actos culposos ou de eventos exógenos para os quais não contribuiu, a não ser pela escolha do local em que se produziram, introduziu uma cláusula que, do ponto de vista da racionalidade lógico-sistemática, se encontra nos antípodas da previsibilidade lógica do autor e que obstou à sua cognoscibilidade, por ser razoável que tenha passado despercebida a alguém colocado na posição de contraente real.

De outro modo, para além do controlo da inclusão das cláusulas constantes dos contratos singulares que, em nome da transparência e publicidade, impõe a sua comunicação prévia e adequada ao aderente, com especial dever de informação e esclarecimento, sob pena de se consideram excluídas do contrato, conjuntamente com as designadas cláusulas-surpresa, em regra, com a subsistência do contrato singular, em sede de integração[13], existe, também, um controlo do conteúdo das cláusulas legitimadas pelo processo de inclusão nos contratos singulares, “impondo restrições à liberdade de estipulação, vertente da liberdade contratual mais impressivamente posta em causa pela técnica da contratação por adesão a condições unilateralmente predispostas e impostas pela contraparte que assim pode abusar da liberdade de organização racional e eficiente da alienação dos seus produtos e da prestação dos eus serviços em massa”[14].

Em qualquer destes casos, pois, a solução ditada pelo artigo 8°, do RJCCG, em coerência com a «ratio» desta forma de controlo, é a de excluir do contrato as cláusulas surpresa que não respeitaram os requisitos necessários à sua inclusão, quer ao seu conteúdo, afetando, neste caso, ou a cognoscibilidade formal, ou a cognoscibilidade material do aderente real, evidenciando, por si só, a falta de uma verdadeira concordância da sua parte, relativamente ao desequilíbrio do conteúdo regulativo nelas consagrado, de que resulta um prejuízo desproporcionado, rejeitado pelo princípio da boa fé, mantendo-se, não obstante, o contrato, na parte restante, com recurso às normas supletivas aplicáveis e, se necessário, às regras de integração dos negócios jurídicos, consagradas no artigo 239°, do CC, em conformidade com o preceituado pelo artigo 9°, n° 1, do RJCCG, impondo-se, porém, atento o respetivo nº 2, a nulidade do contrato singular, quando o recurso aqueles elementos não obste, ainda assim, a «uma indeterminação insuprível de aspectos essenciais» ou a «um desequilíbrio nas prestações gravemente atentatório da boa fé».

Com efeito, a pré-formulação unilateral da parte predisponente coloca, por via de regra, o «sujeito passivo» que a recebe numa situação de desigualdade, quer formal, quer substancial, que não é eliminada pelo ato, quase sempre de natureza mecânica, de não colocação imediata de dúvidas ou questões sobre o seu conteúdo, que pressupõe algum estudo e reflexão sobre o respetivo texto.

Improcedem, assim, com o devido respeito, as conclusões constantes das alegações da revista do réu.

            CONCLUSÕES:

I - Provando-se que a pessoa segura se encontrava incapaz para todo o serviço da GNR, que o declarou, absoluta e permanentemente, incapaz para o exercício das suas funções, preenche o pressuposto da invalidez, total e permanente, resultante de doença, na sub-espécie da total e definitiva incapacidade para o exercício da sua profissão, independentemente da sua eventual incapacidade para o exercício de qualquer outra actividade compatível com os seus conhecimentos e capacidades, em que se traduzia o segundo termo da alternativa.

II - Da total e definitiva incapacidade do autor para o exercício da sua profissão resulta uma incapacidade funcional permanente, de grau igual ou superior a 66%, tal como vem definida pela tabela de avaliação de incapacidades permanentes, no Direito Civil vigente, porque se trata de dano definitivo, que deve ser avaliado, relativamente à capacidade integral [100%], representando um compromisso integral da capacidade.

III – Ao autor, pessoa segura, basta alegar, sem ter necessidade de provar, que o sinistro ocorreu, em plena vigência do contrato, cabendo ao réu, entidade seguradora, enquanto facto extintivo da pretensão formulada pelo autor, demonstrar que o sinistro não teve lugar, em plena vigência do contrato, com base no preceituado pelo artigo 342º, nº 2, do CC.

IV - O regime das «cláusulas contratuais gerais» constitui uma resposta normativa à instauração, por iniciativa privada, de uma ordem contratual, significativamente, divergente dos critérios legais, orientados para uma equilibrada composição de interesses, em prejuízo de um amplo círculo de contraentes, porquanto a autonomia privada apenas pode ser exercida «dentro dos limites da lei».

V - O princípio da boa-fé objetiva impõe às partes contratantes deveres de lealdade, transparência, cuidado e prestação de informações necessárias, com base no qual o proponente deve apresentar contratos redigidos, de forma clara e precisa, e não obscura, dúbia ou contraditória, com caracteres legíveis, destacando as cláusulas que impliquem limitações aos direitos do aderente, por forma a evitar o aparecimento de cláusulas estipuladas no contrato, de natureza imprevisível, ou, mesmo, cláusulas não condizentes com a realidade, e possibilitar ao consumidor o entendimento adequado dos termos do contrato, porque este foi celebrado, sob determinadas circunstâncias, em decorrência da aparência global exibida.

VI - As denominadas «cláusulas-surpresa», que aparentam ser uma coisa mas, afinal, se revelam outra, podem estar ocultadas, colocadas fora da epígrafe apropriada, desinseridas do contexto sistemático ou racional ou ser redigidas, dissimuladamente, destoando da totalidade do restante clausulado, ofendem o princípio da boa-fé do proponente na conclusão do contrato, o direito de informação e esclarecimento adequado do aderente sobre o seu conteúdo e o sistema de proteção do consumidor, como um todo, surpreendendo o aderente real, em prejuízo da sua cognoscibilidade formal e/ou material, por não ser exigível ao aderente, pela forma ardilosa com que as mesmas foram disfarçadas ou pelo modo subreptício ou camuflado com que foram apresentadas, o seu conhecimento efectivo.

VII - As «cláusulas-surpresa» são suscetíveis de afetar a cognoscibilidade formal do aderente real, como acontece quando estão colocadas fora da epígrafe apropriada, têm apresentação gráfica desconforme ou surjam num contexto deslocado, ou a sua cognoscibilidade material, quando ocultadas, desinseridas do contexto sistemático ou racional ou redigidas, dissimuladamente, surpreendendo o aderente real.

VIII - Quando a entidade seguradora, no âmbito das «Exclusões» da «cobertura complementar obrigatória» de “Invalidez Total e Permanente”, exclui do contrato de seguro de vida, em paralelismo com um bloco de situações lesivas ou de perigosidade que resultam de facto culposo da pessoa segura, determinante do seu desencadeamento e verificação, as indemnizações decorrentes de “Doenças psiquiátricas (de qualquer natureza) de que a Pessoa Segura seja portadora”, que se trata de uma situação objectiva, independentemente de culpa, em que a pessoa segura se encontra num estado de sujeição, não pré-determinado, em que o evento é inevitável e acontece, independentemente da vontade do mesmo, introduz uma cláusula que, do ponto de vista da racionalidade lógico-sistemática, se encontra nos antípodas da previsibilidade lógica do autor e que obsta à sua cognoscibilidade, por ser razoável que tenha passado despercebida a alguém, colocado na posição de contraente real.

IX - Para além do controlo da inclusão das cláusulas constantes dos contratos singulares que, em nome da transparência e publicidade, impõe a sua comunicação prévia e adequada ao aderente, com especial dever de informação e esclarecimento, sob pena de se consideram excluídas do contrato, conjuntamente com as designadas cláusulas-surpresa, existe, também, um controlo do conteúdo das cláusulas legitimadas pelo processo de inclusão nos contratos singulares, que impõe restrições à liberdade de estipulação, vertente da liberdade contratual mais, impressivamente, posta em causa pela técnica da contratação por adesão a condições, unilateralmente, predispostas e impostas pela contraparte.

X – Devendo excluir-se do contrato as «cláusulas-surpresa» que não respeitaram os requisitos necessários à sua inclusão, quer ao seu conteúdo, afetando, quer a cognoscibilidade formal, quer a cognoscibilidade material do aderente real, evidenciando, por si só, a falta de uma verdadeira concordância da sua parte, relativamente ao desequilíbrio do conteúdo regulativo nelas consagrado, de que resulta um prejuízo desproporcionado, rejeitado pelo princípio da boa fé, mantendo-se, não obstante, o contrato, na parte restante, com recurso às normas supletivas aplicáveis e, se necessário, às regras de integração dos negócios jurídicos, consagradas no artigo 239°, do CC, em conformidade com o preceituado pelo artigo 9°, do RJCCG.

XI - A pré-formulação unilateral da parte predisponente coloca, por via de regra, o «sujeito passivo» que a recebe numa situação de desigualdade, quer formal, quer substancial, que não é eliminada pelo acto, quase sempre de natureza mecânica, da não colocação imediata de dúvidas ou questões sobre o seu conteúdo, que pressupõe algum estudo e reflexão sobre o respetivo texto.

DECISÃO[15]:

Por tudo quanto exposto ficou, acordam os Juízes que constituem a 1ª secção cível do Supremo Tribunal de Justiça, em negar a revista do réu recorrente, confirmando, inteiramente, o douto acórdão recorrido.

                                                                 

                                                                  *

Custas da revista, a cargo do réu.

                                                        *

Notifique.

Lisboa,2 de Junho de 2015

Helder Roque (Relator)

Gregório Silva Jesus

Martins de Sousa

____________________
[1] Relator: Helder Roque; 1º Adjunto: Conselheiro Gregório Silva Jesus; 2º Adjunto: Conselheiro Martins de Sousa.
[2] Oliveira Sá, Clínica Médico-Legal da Reparação do Dano Corporal em Direito Civil, 1992, 90.
[3] António Pinto Monteiro, O novo regime jurídico dos contratos de adesão/cláusulas contratuais gerais, ROA, Ano 62, Vol. I, Janeiro de 2002, 2.
[4] Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, I, 1970, 189.
[5] Com as alterações introduzidas pelos DL´s nºs 220/95, de 31 de Agosto, 249/99, de 7 de Julho, e 323/2001, de 17 de Dezembro.
[6] Calvão da Silva, Banca, Bolsa e Seguros, Direito Europeu e Português, Tomo I, Parte Geral, 2ª edição, revista e aumentada, Almedina, 2007, 22.
[7] Joaquim de Sousa Ribeiro, Responsabilidade e Garantia em Cláusulas Contratuais Gerais, Direito dos Contratos, Estudos, Coimbra Editora, 2007, 184.
[8] STJ, de 14-2-2013, Revista nº 8335/03.4TVLSB.L1.S1, desta conferência, não publicado.
[9] Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil Português, I, Parte Geral, T1, 2ª edição, 2000, Almedina, 231 a 239.
[10] Nelson Nery Júnior, Código Brasileiro de Defesa do Consumidor, Edição Forense Universitária - Biblioteca Jurídica, 1991, 345.
[11] António Pinto Monteiro, O novo regime jurídico dos contratos de adesão/cláusulas contratuais gerais, ROA, Ano 62, Vol. I, Janeiro de 2002, 4.
[12] Calvão da Silva, Banca, Bolsa e Seguros, Direito Europeu e Português, Tomo I, Parte Geral, 2ª edição, revista e aumentada, Almedina, 2007, 170.
[13] Almeno de Sá, Cláusulas Contratuais Gerais e Directiva Sobre Cláusulas Abusivas, 2ª edição, revista e aumentada, Almedina, 2001, 60 a 63.
[14] Calvão da Silva, Banca, Bolsa e Seguros, Direito Europeu e Português, Tomo I, Parte Geral, 2ª edição, revista e aumentada, Almedina, 2007, 174 e 175.
[15] Relator: Helder Roque; 1º Adjunto: Conselheiro Gregório Silva Jesus; 2º Adjunto: Conselheiro Martins de Sousa.