Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
638/13.6TVLSB.L1.S1
Nº Convencional: 2ª SECÇÃO
Relator: MARIA DA GRAÇA TRIGO
Descritores: TÉCNICO OFICIAL DE CONTAS
RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA
CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇO
SEGURO DE RESPONSABILIDADE PROFISSIONAL
DIREITO À INDEMNIZAÇÃO
LIMITES DO CASO JULGADO
ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA
DANO
FACTO NEGATIVO
MEIOS DE PROVA
CONFISSÃO
PROVA PLENA
LITISCONSÓRCIO VOLUNTÁRIO
SEGURADORA
Nº do Documento: SJ
Data do Acordão: 04/27/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL - RELAÇÕES JURÍDICAS / EXERCÍCIO E TUTELA DE DIREITOS / PROVAS - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / FONTES DAS OBRIGAÇÕES / RESPONSABILIDADE CIVIL / CONTRATOS EM ESPECIAL.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - PROCESSO / INSTÂNCIA / INCIDENTES DA INSTÂNCIA / INTERVENÇÃO DE TERCEIROS - PROCESSO DE DECLARAÇAO / RECURSOS / PODERES DE COGNIÇÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGO 342.º, N.º 1.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 288.º, N.º 1, 312.º, 463.º, 662.º, N.º 1, 671.º, N.º 1, 674.º, N.º 1, ALÍNEA B), E N.º 3, 679.º, 685.º, N.º 2.
CÓDIGO DEONTOLÓGICO DOS TÉCNICOS OFICIAS DE CONTAS, APROVADO PELO DECRETO-LEI N.º 310/2009 (ANEXO II): - ARTIGOS 5.º E 19.º.
ESTATUTO DA CÂMARA DOS TÉCNICOS OFICIAIS DE CONTAS, APROVADO PELO DECRETO-LEI N.º 452/99: - ARTIGO 7.º.
ESTATUTO DA ORDEM DOS TÉCNICOS OFICIAS DE CONTAS, APROVADO PELO DECRETO-LEI N.º 310/2009: - ARTIGO 7.º
Sumário :
I - A responsabilidade civil dos técnicos oficiais de contas (TOC) constitui um regime específico de responsabilidade pelo qual todas as modalidades de exercício da actividade de TOC estão abrangidas pelo Estatuto e em todas elas o TOC é pessoal e directamente responsável pelos serviços prestados perante aqueles que os recebem.

II - Por conseguinte, independentemente do contrato de prestação de serviços de contabilidade ter sido celebrado com uma sociedade comercial, o TOC, responsável técnico da sociedade e prestador efectivo dos serviços, é responsável, a título individual (e independentemente da sua qualidade de sócio-gerente), pessoal e directamente, pela não execução ou pela execução defeituosa dos mesmos serviços.

III - Ainda que estejam em causa os mesmos danos, cada um – sociedade e TOC – é responsável pela totalidade da obrigação, a diferente título, respectivamente, contratual e legal, não se colocando o problema da eventual natureza solidária das obrigações.

IV - A condenação da sociedade comercial de contabilidade em acção prévia – na qual o TOC não foi demandado – não constitui obstáculo a que as autoras exerçam os respectivos direitos de indemnização contra o TOC e respectiva seguradora na presente acção, podendo o eventual risco de duplicação da indemnização ser acautelado com recurso ao instituto do enriquecimento sem causa, desde que se prove o efectivo enriquecimento.

V - A prova dos factos negativos de não cumprimento dos deveres do TOC não exige prova documental, podendo ser feita por qualquer meio de prova, incluindo prova testemunhal e depoimento de parte.

VI - A confissão pelo réu/interveniente TOC do incumprimento dos seus deveres respeitantes ao pedido de reembolso de IVA pago pelas autoras, muito embora tenha força probatória plena contra aquele, existindo litisconsórcio voluntário entre a seguradora e o mesmo, não produz efeitos quanto àquela (art. 288.º, n.º 1, do CPC).

Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça



1. AA, Lda. e BB, Lda intentaram acção declarativa, com processo ordinário, contra CC - Companhia de Seguros, S.A., pedindo que esta seja condenada a pagar-lhes, respectivamente, as quantias de € 28.015,63 e € 18.548,26, resultantes dos prejuízos causados com a actuação culposa do Técnico Oficial de Contas (TOC) DD, em clara violação dos deveres profissionais de bom desempenho e zelo.

Para fundamentarem o seu pedido alegaram, em síntese, que celebraram com a sociedade EE - Contabilidade Lda., um contrato de prestação de serviços de contabilidade externa, desempenhado pelo seu TOC DD, e que, com o decorrer dos anos, foram tendo dificuldades no diálogo e recolha de elementos do TOC, tendo este efectuado com atraso um pedido de reembolso de IVA das AA., e sem apresentação dos elementos necessários exigidos pela administração fiscal, pelo que as AA. tiveram de resolver o contrato que as ligava à referida sociedade e contratar outra empresa, suportando prejuízos já reclamados em sede judicial em acção interposta contra a referida firma, que correu termos sob o n° 2495/12.0 TBMAI do 1º Juízo Cível do Tribunal Judicial da Maia, prejuízos estes liquidados em € 28.015,63 e € 18.548,26 para cada uma das AA. Mais alegaram que reclamaram junto da R. pelo ressarcimento destes prejuízos, o que esta recusou.

Citada a R., veio esta, em sede de excepção, invocar excepção de ilegitimidade por existir litisconsórcio necessário entre a seguradora e o segurado TOC DD, mais alegando a inexistência de contrato escrito entre as AA. e o TOC DD, o que o torna nulo, alegando ainda que a referida sociedade, indicada pelas AA., EE - Contabilidade, Lda., não é a beneficiária do seguro em apreço e que, de todo o modo, os actos alegadamente praticados pelo TOC estão excluídos do âmbito da cobertura do seguro, uma vez que a elaboração e entrega do pedido de reembolso do IVA não é uma obrigação do TOC, não requerendo sequer a intervenção de qualquer TOC. Mais alegou que as AA. realizaram operações em Espanha pelo que nunca veriam o seu pedido satisfeito e que, em todo o caso, os factos alegados poderiam consubstanciar actos dolosos do TOC, excluídos das coberturas da apólice. Alega ainda desconhecer se este TOC tem a sua inscrição em vigor, condição essencial para poder ser accionado este seguro.

Deduziu ainda o pedido de intervenção principal provocada de DD, por ser o TOC alegadamente responsável pela contabilidade das AA. e segurado. Por último, peticionou a condenação por litigância de má fé das AA. e excepcionou o caso julgado, alegando que as AA. obtiveram já a condenação da sociedade EE - Contabilidade, Lda., na acção supra mencionada, imputando as mesmas acções que imputam nestes autos à referida sociedade, pelo que não podem agora vir demandar a R. seguradora com base num seguro de que é pessoa segura apenas o TOC.

Em resposta, vieram as AA. alegar que podem demandar directamente a R. seguradora, uma vez que se trata de seguro obrigatório de responsabilidade civil para o exercício da actividade do TOC, e que não existe qualquer caso julgado, sendo acções distintas.

A fls. 102 e seg. foi proferido despacho, que, ao abrigo do art. 316º, nº 1, do CPC, admitiu a intervenção principal provocada de DD, como associado da R.

Citado, o interveniente apresentou contestação, na qual impugnou os prejuízos, alegando serem-lhe desconhecidos, quer na sua existência quer na forma de cálculo, uma vez que não foi parte na acção interposta contra a referida sociedade. Mais alega que a contabilidade das AA. era assegurada pelo seu pai, até 2002, altura em que este sofreu um AVC e que, a partir de 2003, passou a assegurar esta contabilidade, através da sociedade de contabilidade EE - Contabilidade, Lda., a qual se encontra inscrita na Ordem dos Técnicos Oficiais de Contas, constando o interveniente como seu responsável técnico. Alega ainda que apenas em finais de 2009 é que a gerência da sociedade decidiu efectuar o pedido de reembolso do IVA, sendo, no entanto, verdade que este pedido foi indeferido por falta de elementos contabilísticos de suporte, uma vez que o interveniente por necessidade de acompanhamento do seu pai, deixou de ser tão eficiente no exercício das suas funções, a que acresceu um furto de um dispositivo do seu computador, essencial para aceder ao programa de contabilidade, onde o interveniente tinha os elementos de contabilidade das AA., sendo só por essa impossibilidade de acesso que o processo de reembolso do IVA foi suspenso. Por último, alega que tem a sua responsabilidade transferida para a R. seguradora.

Designada audiência prévia, nesta foi indeferida a excepção de caso julgado e procedeu-se à indicação da matéria objecto de prova.

Julgada a causa foi proferida sentença que: - considerando existir responsabilidade solidária entre a R. CC, o interveniente DD e a sociedade EE – Contabilidade, Lda; - e tendo as AA. demandado, em acção autónoma, esta última sociedade pelos mesmos factos e fundamentos da presente acção, na qual foi proferida sentença transitada em julgado; - concluiu que, nos termos do art. 519º, nº 1, do Código Civil, ficaram as AA. inibidas de proceder judicialmente contra CC, S.A. e contra DD. A final julgou a acção improcedente, absolvendo os RR. do pedido.

Inconformadas, as AA. interpuseram recurso de apelação para o Tribunal da Relação de Lisboa, invocando erro na decisão da matéria de facto (que incorrectamente qualifica com gerando nulidade da sentença), e pedindo a reapreciação da decisão de direito.

A fls. 349 foi proferido acórdão considerando: - não existir nulidade da sentença nos termos do art. 615º, nº 1, do CPC; - que, na medida em que a R. CC – Companhia de Seguros, S.A. celebrou o contrato de seguro dos autos tendo o TOC DD como segurado, e não a sociedade EE – Contabilidade, Lda., não existe qualquer obrigação de a mesma R. assegurar o pagamento de indemnizações devidas por esta sociedade. A final confirmou, com fundamento diferente, a decisão de absolvição do pedido.


2. Vêm as AA. interpor recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, o qual foi admitido após reclamação das Recorrentes, nos termos do art. 643º, do Código de Processo Civil.

     As conclusões do recurso têm o seguinte teor:

1) As Recorrentes interpõem recurso da decisão que julgou a apelação improcedente;

2) A acção foi proposta contra a Seguradora, a R, aqui Recorrida, no âmbito de cobertura do seguro obrigatório;

3) A Seguradora (a R.) não é devedora solidária no sentido de lhe corresponder como pluralidade de sujeitos um cumprimento unitário da prestação;

4) Não lhe sendo aplicável a regra dos seus efeitos quanto ao credor expressa no artigo 519º,1 do CC;

5) O Regime Jurídico do Contrato de Seguro estabelece no seu artigo 1º "que por efeito do contrato de seguro, o segurador cobre um risco determinado do tomador de seguro ou de outrem, obrigando a realizar a prestação convencionada em caso de ocorrência do evento aleatório previsto no contrato, e o tomador obriga-se a pagar o prémio correspondente;

6) E ainda no mesmo diploma no seu artigo 137° "o seguro de responsabilidade civil, o segurador cobre o risco de constituição, no património do segurado, de uma obrigação de indemnizar terceiros";

7) No caso em apreço encontramo-nos perante um seguro colectivo, que assenta num contrato celebrado primeiramente entre a seguradora e o tomador do seguro abrangendo os membros da Ordem dos Técnicos Oficiais de Contas, tornando-se segurados;

8) O que lhe confere a qualificação de contrato a favor de terceiro;

9) E lhe retira a natureza de obrigação solidária;

10) A relação obrigacional resulta do risco coberto e da natureza aleatória do evento;

11) E não da unidade de prestação;

12) A acção referida na douta sentença (1º Juízo Cível do Tribunal Judicial da Maia) foi intentada contra a firma de contabilidade e não contra o sujeito segurado (o Interveniente);

13) O que, por si só, faz tombar a argumentação de que se o credor tem a faculdade de exigir de qualquer dos devedores todas a prestação ou parte dela, fica inibido de proceder contra os outros pelo que ao primeiro tenha exigido.

14) In casu, os devedores são o Interveniente e a R. Seguradora;

15) Como tal, era indispensável que a primeira acção tivesse sido proposta contra o Interveniente e não foi;

16) Pelo que ao abrigo das Disposições Especiais de Seguro Obrigatório - artigo 146° do Regime Jurídico do Contrato de Seguro atrás mencionado - "o lesado tem o direito de exigir o pagamento da indemnização directamente ao segurador";

17) O artigo 341° do CC aponta para uma definição de prova como resultado, designadamente quando refere que as provas têm por função a demonstração da realidade dos factos;

18) A actividade probatória tem de atender à forma como foi alegada em juízo a matéria de facto, aos factos necessitados de prova e à demonstração que, em sede de instrução, sobre os mesmos foi feita, tudo com a finalidade de apuramento da verdade possível - artigos 410° e 411º do CPC;

19) Os únicos limites legais na apreciação da prova encontram-se expressos nos artigos 368° a 372° do CC;

20) O Tribunal deve apoiar a sua decisão de facto na prova feita pelas partes ou na prova constante do processo (iudex secundum allegata et probata indicare debet);

21) As provas podem livremente ser apreciadas pelo Tribunal, que no que toca à sua admissibilidade, quer no que toca ao seu valor - artigos 5º,6º, 590º/2, 591º/1/al. c) e 607º/5 do CPC;

22) Existindo a obrigatoriedade do Tribunal de motivação da decisão de facto, tendo em atenção o regime previsto no artigo 413° do CPC que se prende com o direito das partes à aquisição das provas admitidas e ao consequente dever do tribunal em considerar todas as provas produzidas;

23) Os factos alegados pelas Recorrentes relativos aos pedidos de reembolso de IVA, o indeferimento destes pedidos e a suspensão dos referidos procedimentos - Pontos 1 a 16 dos Factos Não Provados - não tinham que ser provados por documentos (como nem sequer é fundamentado pelo Tribunal que não refere qual a norma que tal impõe);

24) E se o Tribunal exigia tal grau de prova (prova superior à produzida por via testemunhal e por depoimento de parte), deveria tê-lo referido em sede de Audiência Prévia;

25) O que torna a decisão da matéria de facto nula;

26) O Tribunal a quo não levou em conta são os factos provados nos itens 18 a 23 da matéria de facto provada, ou seja, e principalmente, que o Técnico Oficial de Contas é sócio-gerente da firma EE - Contabilidade, Lda e que é este com a sua cédula profissional número 39... que possibilita a prestação do serviço de contabilidade;

27) A sociedade EE - Contabilidade, Lda é uma entidade sujeita a um regime de transparência pessoal já que é o seu sócio-gerente DD (não mero trabalhador em regime de contrato individual de trabalho) que a personaliza;

28) Este facto nem sequer foi questionado pela Ré, e em boa verdade, bem sabe que se trata da mesma pessoa jurídica - a sociedade é uma estrutura corporativa de uma só pessoa - o técnico oficial de contas DD!

29) Foram violadas as normas dos artigos 146° do Regime Jurídico do Contrato de Seguro, 341°, 368° e 372° do Código Civil   e 5°, 6º, 410º, 411º, 413°, 590º/2, 591º/1/al. c), 595°, 596° e 607º/5 do Código de Processo Civil.


         Não houve contra-alegações.


3. Vem provado o seguinte:

1 - As Autoras e a firma EE - Contabilidade, Lda. acordaram por forma verbal, na prestação de serviços de contabilidade externa, em regime de avença mensal, a partir dos anos de 2003/2004.

2 - O qual englobava toda a organização e apoio contabilístico, nomeadamente, a classificação e lançamento de documentos, elaboração de contas de exploração, preenchimento de formulários e declarações fiscais.

3 - Tais serviços eram prestados pelo TOC FF.

4 - Ao longo dos anos, em especial dos anos de 2007 e 2009, a A. AA deparou-se com dificuldades no diálogo e recolha de documentos por parte do TOC, dos quais constavam balancetes, balanço e demonstração de resultados.

5 - No ano de 2011 e face à falta de entrega de documentos contabilísticos e informações fiscais por parte do TOC, a A. AA Lda. rescindiu os serviços contratados com a firma EE - Contabilidade Lda. e contratou os serviços da firma GG, S.A.

6 - Contratada nova firma de contabilidade e na posse de toda a documentação, verificou-se que a contabilidade da A. AA, Lda. apresentava: a) inexistência de dossiers fiscais, em suporte papel e devidamente organizados, respeitante aos anos de 2007 a 2010 com informação relevante como documentos de prestação de contas completos e devidamente assinados, balancetes antes e após apuramento de resultados, mapas de amortizações e mais/menos valias, inventários no final do exercício e justificação para os diferimentos e garantias associadas às obras em curso; b) falta de conciliações bancárias para os mesmos nos de 2007 a 2010; c) falta de registo do cadastro de imobilizado; d) falta de detalhes das contas de clientes, fornecedores, bancos e caixa, e) os documentos contabilísticos dos anos de 2007 e 2006 não tinham sido contabilizados.

7 - A referida firma de contabilidade procedeu à revisão das declarações fiscais dos anos 2007 a 2010, já que as declarações prestadas careciam de suporte contabilístico.

8 - Pela prestação dos seus serviços a firma GG, S.A. emitiu à A. AA, Lda. as seguintes facturas:

- Factura 179 datada de 22/10/12 - Recuperação contabilística - no valor acrescido de IVA de € 2.196,63;

- Factura 30 datada de 29/02/12 - Recuperação contabilística dos exercícios de 2007 a 2011 - 1/5 da Avença Acordada (Jan e Fev): 2x €2.625,00 - no valor acrescido de IVA de € 6.457,50;

- Factura 51 datada de 26/03/12 - 1/5 da Avença Acordada referente à Recuperação contabilística dos exercícios de 2007 a 2011, (Março) - no valor acrescido de IVA de € 3.228,75;

- Factura 71 datada de 26/04/2012 - 1/5 da Avença referente à Recuperação contabilística dos exercícios de 2007 a 2011, (Abril) - no valor acrescido de IVA de € 3.228,75;

- Factura 93 datada de 25/05/12 - 1/5 da Avença Acordada referente à Recuperação contabilística dos exercícios de 2007 a 2011, (Maio) - no valor acrescido de IVA de € 3.228,75;

- Factura 54 datada de 25/06/12 - Recuperação contabilística dos exercícios de 2007 a 2001, (Junho) - no valor acrescido de IVA de € 1.076,25;

9 - Em 19/12/11, face à falta de prestação de informações fiscais e de entrega de documentos contabilísticos, a A. BB, Lda., rescindiu os serviços contratados com a firma EE, Lda., retirando das instalações do TOC toda a sua documentação contabilística, e contratou os serviços da firma GG, S.A.

10 - Nessa ocasião verificou que a sua contabilidade apresentava várias irregularidades a saber:

a) falta de diários de abertura e de regularizações em todos os exercidos fiscais desde 2007 a Setembro de 2011;

b) falta de dossiers fiscais em suporte papel, para os anos de 2007 a 2010 com informação relevante como documentos de prestação de contas completos e devidamente assinados, balancetes antes e após apuramento de resultados, mapas de amortizações e mais/menos valias, inventários no final do exercício e Justificação para os diferimentos e garantias associadas as obras em curso;

c) falta de conciliações bancárias para os mesmos nos de 2007 a 2010;

d) falta de registo do cadastro de imobilizado;

e) falta de detalhes das contas de clientes, fornecedores, bancos e caixa.

11 - A referida firma procedeu à revisão das declarações fiscais dos anos 2007 a 2010 já que as informações prestadas careciam de suporte contabilístico.

12 - Pela prestação dos seus serviços a firma GG, S.A. emitiu à BB, Lda. as seguintes facturas:

- Factura 180 datada de 22/10/2012 - Recuperação contabilística- no valor acrescido de IVA de € 876,38;

- Factura 31 datada de 29/02/2012 - Recuperação contabilística dos exercícios de 2007 a 2011 - 1/5 da Avença Acordada (Jan e Fev): 2x €875,00- no valor acrescido de IVA de € 2.152,50;

- Factura 52 datada de 26/03/12 - 1/5 da Avença Acordada referente à Recuperação contabilística dos exercícios de 2007 a 2011, (Março) - no valor acrescido de IVA de € 1.076.25;

- Factura 72 datada de 26/04/12 - 1/5 da Avença referente à Recuperação contabilística dos exercícios de 2007 a 2011, (Abril) - no valor acrescido de IVA de € 1.076,25;

- Factura 94 datada de 25/05/12 - 1/5 da Avença Acordada referente à Recuperação contabilística dos exercícios de 2007 a 2001, (Maio) - no valor acrescido de IVA de € 1076,25;

- Factura 52 datada de 25/06/12 - 1/5 da Avença Acordada referente à Recuperação contabilística dos exercícios de 2007 a 2001, (Junho) - no valor acrescido de IVA de € 1.076,25;

13 - Pelas AA. foi instaurado contra EE - Contabilidade Lda., uma acção que correu termos sob o n° 2495/12.0TBMAI, pelos mesmos factos alegados nesta acção, peticionando a final a condenação desta firma "a pagar às Autoras a quantia a liquidar em execução de sentença resultante dos prejuízos causados com a sua actuação culposa em clara violação dos deveres profissionais de bom desempenho e zelo."

14 - Não tendo a acção sido contestada foi proferida sentença transitada em julgado em 03/08/12, que condenou a R. a pagar às AA. "a quantia que vier a ser liquidada a titulo de prejuízos causados às AA, com a actuação da R."

15 - Deduzido Incidente de liquidação pelas AA., foi proferida sentença, transitada em julgado a 11/04/2013, que liquidou os prejuízos sofridos pela A, AA, na quantia de "€ 28.015,63" e os prejuízos sofridos pela A. BB, Lda. na quantia de "€ 18.548,26".

16 - As AA reclamaram à R. o pagamento de uma Indemnização no âmbito da apólice n° 5….

17 - Por carta datada de 07/12/12 a R. comunicou às AA. Que : "Da análise efectuada foi possível verificar que a indemnização reclamada decorre de uma acção judicial já transitada em julgado e contra entidade que não a pessoa segura. Esta entidade desconhece em absoluto os factos em causa já que também não foi parte interveniente no processo. Anotamos especialmente que a apólice apenas dá cobertura a indemnizações que sejam legalmente exigíveis ao segurado. Pelo exposto e sem qualquer outro tipo de avaliação, estamos impedidos de atender à vossa reclamação, mantendo-se o nosso processo encerrado."

18 - O TOC DD tem como cédula profissional o n° 3… e está inscrito como Técnico Oficial de Contas desde 30/01/1998.

19 - É sócio gerente da firma "EE - Contabilidade Lda." e seu responsável Técnico.

20 - Em 27/03/2004, foi celebrado entre a Câmara dos Técnicos Oficiais de Contas, na qualidade de tomador de seguro, e a Companhia de Seguros HH, S.A., actual CC - Companhia de Seguros S.A., um Contrato de Seguro de Responsabilidade Civil Profissional e titulado pela apólice 50….

21 - O referido seguro, assumindo a natureza de contrato de seguro colectivo, tem como segurados todos os técnicos oficiais de contas com Inscrição em vigor na Câmara dos Técnicos Oficiais de Contas.

22 - Esta apólice cobria um capital máximo por sinistro e por ano de €50.000,00 por aderente e com uma franquia de 10% do valor da indemnização no mínimo de €49,88.

23 - Nos termos do ponto 2 das "Condições particulares destas apólices, sob a epígrafe "SEGURADO", considera-se como tal o "Técnico Oficial de Contas, inscrito na Câmara dos Técnicos Oficiais de Contas, cuja obrigação de subscrição deste seguro se encontra estabelecida pelo n°4 do art° 52 do ECTOC."

24 - Nos termos do ponto 3 das "Condições particulares" desta apólice, sob a epígrafe "ÂMBITO DE COBERTURA", estabelece-se que "Para além do que se expressa nas Condições Gerais da Apólice, o âmbito de cobertura da mesma, compreende:

"As Indemnizações que legalmente sejam exigíveis ao Segurado, em consequência de danos patrimoniais causados a Clientes e ou Terceiros, desde que resultem de actos ou omissões cometidos durante o exercício da actividade de Técnico Oficial de Contas. As indemnizações legalmente exigíveis ao Segurado, decorrentes do pagamento de Coimas. Fianças, Taxas Administrativas e Juros Compensatórios ou de Mora (de natureza não penal), aplicados aos seus Clientes em consequência de erro profissional do Segurado.

Danos patrimoniais e não patrimoniais decorrentes de lesões corporais e/ou materiais causados a Clientes ou a Terceiros, na qualidade de proprietário ou arrendatário do imóvel ou fracção onde o segurado exerce a sua profissão, bem como os causados por objectos que Integrem as ciadas instalações."

25 - Nos termos do ponto 4 das "Condições particulares" desta apólice, sob a epígrafe "EXCLUSÕES", estabelece-se que; "Para além das exclusões referidas nas Condições Gerais, fica ainda excluída a responsabilidade: Emergentes de actos dolosos do segurado, que constituam violação da legislação em vigor."

26 - Nos termos do art. 2 das Condições Gerais deste seguro, sob a epígrafe "Objecto do contrato"

"1, O presente contrato tem por objecto a garantia da responsabilidade civil que, ao abrigo da legislação aplicável seja imputável ao segurado, na qualidade ou no exercido da actividade expressamente referidas nas respectivas Condições Especiais e/ou Particulares."

27 - Nos termos do disposto no art. 3º das Condições Gerais deste seguro, sob a epígrafe "Garantia do contrato" O presente contrato garante, de harmonia com o estipulado nas presentes Condições Gerais e nas Condições Particulares e/ou Especiais Aplicáveis o pagamento das indemnizações emergentes da responsabilidade civil que legalmente sejam exigíveis ao segurado, pelos danos patrimoniais e/ou não patrimoniais, decorrentes de lesões corporais e/ou materiais causadas a terceiros por eventos fortuitos. imprevisíveis e independentes da sua vontade ou de pessoas por quem seja civilmente responsável e, quando tais eventos resultem de actividade ou qualidade expressa e taxativamente enumeradas nas condições particulares ou especiais."

28 - Nos termos do disposto no art. 4º das Condições Gerais deste seguro, sob a epígrafe "Exclusões Absolutas": "Ficam sempre excluídos da garantia deste contrato os seguintes danos: a) Decorrentes de actos ou omissões dolosos do Tomador de seguro, do Segurado ou de pessoas por quem estes sejam civilmente responsáveis."

29 - A viatura do TOC DD, foi objecto de um furto ocorrido no dia 06/08/2011.

30 - Entre os objectos furtados constava um Hardlock do programa informático de gestão e contabilidade Artsoft.


Entre os factos dados como não provados contam-se os seguintes:

1 - Em Outubro de 2009, junto com a declaração periódica de IVA, a Autora AA, Lda. solicitou à Administração Fiscal o reembolso de 140.000,00 € (cento e quarenta mil euros) de IVA referentes aos exercícios fiscais de 2007, 2008 e 2009.

2 - lniciado o procedimento de Inspecção fiscal que visava o reembolso do IVA acumulado, o mesmo concluiu pelo indeferimento desse pedido em virtude da falta de elementos contabilísticos necessários para aferir dessa realidade.

3 - O que a Autora veio a saber é que o TOC não exibiu aos serviços de inspecção fiscal os documentos e informações necessárias à verificação do crédito de IVA.

4 - E isto no espaço temporal de 6 meses que foi o tempo que mediou entre o início do procedimento para o reembolso de IVA e a decisão de indeferimento desse mesmo pedido.

5 - A Autora AA, mantendo o propósito de solicitar á Administração Fiscal o reembolso dos 140.000,00 € de IVA a que tinha direito - e que muito falta fazia à sua tesouraria - solicitou em Março de 2011 um segundo pedido para o mesmo reembolso de IVA.

6 - O que determinou o inicio de novo procedimento administrativo fiscal,

7 - O TOC ignorou essa diligência inspectiva e novamente deixou de prestar as informações devidas para o efeito da aprovação do pedido de reembolso de IVA.

8 - O que levou a Administração Fiscal a comunicar, por ofício recepcionado em 14 de Novembro de 2011, que o procedimento se encontrava suspenso a aguardar a disponibilização dos elementos contabilísticos por parte do TOC.

9 - A Autora BB solicitou em Outubro de 2009 à Administração Fiscal o reembolso de IVA respeitante aos anos fiscais de 2007, 2008 e 2009 no valor de 60.000,00 €,

10 - Tendo tido início o respectivo procedimento administrativo fiscal em 3 de Setembro de 2010.

11 - Achando a Autora BB que o TOC - como era sua obrigação - estava a diligenciar junto da Inspecção Fiscal o envio de todas as Informações.

12 - Veio a ser surpreendida (passados 6 meses) com o indeferimento desse mesmo pedido de reembolso de IVA,

13 - Devido à falta de entrega dos seus elementos contabilísticos por parte do TOC,

14 - Nessa circunstância, a Autora BB solicitou em Março de 2011 à Administração Fiscal novo pedido de reembolso de IVA!

15 - E tal procedimento de verificação desse crédito foi iniciado pelos Serviços de Inspecção Fiscal em Novembro de 2011.

16 - E de igual modo - como anteriormente acontecera - o TOC retinha a informação contabilística que devia prestar à autoridade inspectiva.


Cumpre decidir.


4. As Recorrentes enunciam as seguintes questões como objecto do recurso (cfr. art. 635º, nº 4, do Código de Processo Civil):

- Natureza não solidária da obrigação da seguradora perante as AA.;

- Nulidade da decisão da sentença relativa à matéria de facto;

- Existência da obrigação da R. Seguradora indemnizar as AA.


Deve, porém, esclarecer-se que a primeira questão, que as Recorrentes apresentam como questão autónoma – natureza não solidária da obrigação da seguradora perante as AA. –, não o é verdadeiramente. O acórdão recorrido considerou não existir qualquer obrigação da R. CC perante as AA., entendimento que estas, aqui Recorrentes, impugnam. Incidindo os recursos sobre a decisão impugnada (art. 662º, nº 1, do CPC) e o recurso de revista sobre a decisão da Relação (art. 671º, nº 1, do CPC), não pode suscitar-se uma questão autónoma apreciada na sentença, mas não no acórdão da Relação.

Assim, a natureza solidária ou não da obrigação só poderá ser ponderada se vier a concluir-se pela existência da obrigação de a R. CC indemnizar as AA., e na medida em que tal seja relevante para a decisão do caso. O que pressupõe que se esclareça se o segurado da R., aqui o interveniente TOC DD, é ele mesmo responsável perante as AA.

Quanto à alegada nulidade da decisão da sentença relativa à matéria de facto, suscitada na apelação das AA., e que estas retomam em sede de revista, assinale-se que, para além das situações previstas no art. 615º, do CPC, não há outras causas de nulidade da sentença. Compulsadas as alegações recursórias e respectivas conclusões, constata-se que as Recorrentes pretendem antes que se aprecie a alegada violação ou errada aplicação da lei de processo (art. 674º, nº 1, alínea b), do CPC) pelo facto de a sentença ter exigido que a prova dos pontos 1 a 16 dos factos não provados fosse feita documentalmente. Ao abrigo do art. 193º, nº 3, do CPC, é esta a questão objecto do recurso.

Assim, são as seguintes as questões a apreciar:

- Obrigação do TOC DD e da R. Seguradora indemnizarem as AA.

- Violação ou errada aplicação da lei de processo (art. 674º, nº 1, alínea b), do CPC) pelo facto de a sentença ter exigido que a prova dos pontos 1 a 16 dos factos não provados fosse feita documentalmente;


5. A apreciação da questão da existência ou não da obrigação de o Interveniente TOC e da R. Seguradora indemnizarem as AA. implica a consideração de diferentes problemas, a saber: Pode o TOC DD ser responsabilizado pessoal e directamente diante das AA? Se a resposta à pergunta anterior for afirmativa, pode a sentença condenatória da sociedade EE - Contabilidade, Lda., na acção n° 2495/12.0 TBMAI, inibir as AA. do exercício do seu direito contra o interveniente? Sendo o interveniente obrigado a indemnizar as AA., tal obrigação encontra-se coberta pelo contrato de seguro dos autos?

      Vejamos.

      A presente acção foi proposta com fundamento na execução defeituosa, pelo TOC DD, dos serviços de contabilidade abrangidos pelo contrato de prestação de serviços, celebrado entre as AA. e a sociedade EE -Contabilidade, Lda. (artigos 1º a 3º da P.I.).

Foi dado como provado que os serviços contratados entre as AA. e a sociedade EE - Contabilidade, Lda. “eram prestados pelo TOC FF” (facto 3), que o “O TOC DD tem como cédula profissional o n° 39… e está inscrito como Técnico Oficial de Contas desde 30/01/1998” (facto 18) e que “É sócio gerente da firma "EE - Contabilidade Lda." e seu responsável Técnico” (facto 19).

Tendo o contrato de prestação de serviços de contabilidade sido celebrado com a sociedade da qual o TOC DD é o sócio-gerente (ainda que simultaneamente seja, não apenas o responsável técnico da sociedade, mas também aquele que efectivamente executa os serviços), em tese geral, e como ajuizou o acórdão recorrido, só aquela sociedade seria responsável directamente perante as AA. pelo cumprimento defeituoso do mesmo contrato. Contudo, há que ter em conta o regime legal específico que regula a actividade dos Técnicos Oficiais de Contas (actualmente denominados como “Contabilistas Certificados”), regime que compreende diferentes períodos:

- Entre 1976 e 1995, vigorou a Portaria nº 420/76, de 14 de Julho, que, pela primeira vez, veio regular a função do “técnico de contas”;

- Entre 1995 e 1999, vigorou o Estatuto dos Técnicos Oficiais de Contas, aprovado pelo Decreto-Lei nº 265/95, de 17 de Outubro;

- Entre 1999 e 2009, vigorou o Estatuto da Câmara dos Técnicos Oficiais de Contas, aprovado pelo Decreto-Lei nº 452/99, de 5 Novembro. Neste período existia também um Código Deontológico dos Técnicos Oficias de Contas, aprovado apenas no âmbito associativo;

- Entre 2009 e 2015, vigorou o Estatuto da Ordem dos Técnicos Oficiais de Contas, aprovado pelo Decreto-Lei nº 310/2009, de 26 Outubro (anexo I), acompanhado do regime do Código Deontológico dos Técnicos Oficiais de Contas, aprovado pelo mesmo diploma legal (anexo II);

- A partir de 2015, passou a regulamentar a função, agora denominada de “Contabilista Certificado”, o Estatuto da Ordem dos Contabilistas Certificados, aprovado pelo Decreto-Lei nº 139/2015, de 7 Setembro (anexo I), acompanhado do regime do Código Deontológico dos Contabilistas Certificados, aprovado pelo mesmo diploma legal (anexo II).

Dos factos provados resulta que o contrato de prestação de serviços dos autos foi celebrado, por forma verbal, tendo em vista a realização da contabilidade das AA. a partir dos anos 2003/2004 (facto provado 1.) e que os serviços defeituosamente cumpridos correspondem a período situado entre 2007 e 2011 (factos provados 4, 5, 6, 7, 8, 10, 11 e 12) pelo que são aplicáveis ao caso: entre 2007 e 2009, o regime legal aprovado pelo Decreto-Lei nº 452/99, de 5 Novembro; entre 2009 e 2011, o regime legal do Decreto-Lei nº 310/2009, de 26 Outubro.

Relativamente aos serviços de contabilidade prestados entre 2007 e 2009, releva o disposto no art. 7º, do Estatuto da Câmara dos Técnicos Oficiais de Contas, aprovado pelo Decreto-Lei nº 452/99, que aqui se reproduz:


Artigo 7.º

Modos de exercício da actividade

1 - Os técnicos oficiais de contas podem exercer a sua actividade:

a) Por conta própria, como profissionais independentes ou empresários em nome individual;

b) Como sócios, administradores ou gerentes de uma sociedade de profissionais;

c) Como funcionários públicos, desde que exerçam a profissão de técnico oficial de contas na Administração Pública ou contratados pela administração central, regional ou local;

d) No âmbito da prestação de um contrato de trabalho individual celebrado com outro técnico oficial de contas, outros profissionais, uma pessoa colectiva ou um empresário em nome individual.

2 - Os técnicos oficiais de contas que exerçam as respectivas funções em empresas de prestação de serviços ou em sociedades de profissionais devem assumir, pessoal e directamente, as correspondentes responsabilidades.


Trata-se de um regime próprio pelo qual todas as modalidades de exercício da actividade de TOC estão abrangidas pelo Estatuto e em todas elas – incluindo a modalidade dos autos em que o TOC DD “É sócio gerente da firma "EE --Contabilidade Lda." e seu responsável Técnico”o TOC é pessoal e directamente responsável pelos serviços prestados (nº 2) perante aqueles que os recebem.

Este regime próprio de responsabilidade do TOC, que se compreende à luz da natureza da actividade de certificação da contabilidade das empresas, faz com que, independentemente do contrato de prestação de serviços ter sido celebrado entre as AA. e a sociedade EE - Contabilidade, Lda., e não entre aquelas e o TOC DD, a título individual, este último seja responsável, pessoal e directamente, perante as AA.

Este regime manteve-se no período subsequente – no qual se inserem os serviços prestados entre 2009 e 2011 – da evolução do regime legal que regula a actividade em causa. Vejamos o teor do art. 7º, do Estatuto da Ordem dos Técnicos Oficias de Contas, aprovado pelo Decreto-Lei nº 310/2009:


Artigo 7.º

Modos de exercício da actividade

1 - Os técnicos oficiais de contas podem exercer a sua actividade:

a) Por conta própria, como profissionais independentes ou como empresários em nome individual;

b) Como sócios, administradores ou gerentes de uma sociedade profissional de técnicos oficiais de contas ou de uma sociedade de contabilidade;

c) Como funcionários públicos, desde que exerçam a profissão de técnico oficial de contas na Administração Pública ou contratados pela administração central, regional ou local;

d) No âmbito de um contrato individual de trabalho celebrado com outro técnico oficial de contas, com uma sociedade de profissionais, com outra pessoa colectiva ou com um empresário em nome individual.

2 - Com excepção das situações referidas no n.º 6 do artigo 8.º e da prestação de serviços no âmbito de sociedades de contabilidade, os técnicos oficiais de contas celebram, obrigatoriamente, por escrito, com as entidades referidas na alínea a) do n.º 1 do artigo 6.º, o contrato de prestação de serviços referido no n.º 5 do artigo 52.º, devendo assumir, nesse documento, pessoal e directamente, a responsabilidade pela contabilidade a seu cargo.


A diferença de redacção do nº 2 respeita à exigência de forma escrita para a celebração do contrato de prestação de serviços, exigência          que não é aplicável ao contrato de prestação de serviços dos autos, celebrado no ano 2003 ou 2004. Mas a nova redacção do nº 2 em nada altera o regime de responsabilidade pessoal e directa do TOC, que se mantém. Regime de responsabilidade que é reforçado pelo disposto nos arts. 5º e 19º do Código Deontológico dos TOC, aprovado pelo mesmo Decreto-Lei nº 310/2009 (Anexo II):


Artigo 5.º Responsabilidade

1 - O técnico oficial de contas é responsável por todos os actos que pratique no exercício das suas funções, incluindo os dos seus colaboradores.

2 - O recurso à colaboração de empregados ou de terceiros, mesmo no âmbito de sociedades profissionais de técnicos oficiais de contas ou de sociedades de contabilidade, não afasta a responsabilidade individual do técnico oficial de contas.


Artigo 19.º Sociedades profissionais de técnicos oficiais de contas e sociedades de contabilidade

O disposto no presente Código Deontológico relativamente aos técnicos oficiais de contas é aplicável, com as necessárias adaptações, aos profissionais integrados em sociedades profissionais de técnicos oficiais de contas ou em sociedades de contabilidade.


Conclui-se que, independentemente da qualidade jurídica em que o TOC DD desempenhava os serviços de “responsável técnico” da contabilidade das AA., é ele pessoal e directamente responsável perante aquelas pela não execução ou pela execução defeituosa dos mesmos serviços.

Há, porém, que resolver uma dificuldade adicional: saber se pode a sentença condenatória da sociedade EE - Contabilidade, Lda., na acção n° 2495/12.0TBMAI, inibir as AA. do exercício do seu direito contra o interveniente TOC DD e, consequentemente, também contra a R. CC.

Vejamos.

A responsabilidade da sociedade EE - Contabilidade, Lda. pelo cumprimento defeituoso do contrato não é repartida com a responsabilidade do TOC DD pela violação dos seus deveres profissionais previstos na lei. Ainda que estejam em causa os mesmos danos sofridos pelas AA., cada um – sociedade e TOC – é responsável pela totalidade da obrigação de indemnização, a diferente título, respectivamente, contratual e legal. Não se coloca assim o problema da natureza solidária da obrigação ou obrigações.

É certo que, a este propósito, a decisão da 1ª Instância convocou a norma do nº 3, do art. 5º, do Código Deontológico dos Técnicos Oficiais de Contas de 1999, na qual se prevê que “As sociedades de profissionais e as empresas de contabilidade são solidariamente responsáveis com os Técnicos Oficiais de Contas que nelas exerçam funções, quer em regime de trabalho dependente, quer em regime de trabalho independente, pelos prejuízos causados a terceiros e por eles praticados no exercício das suas funções.” Contudo, como se assinalou oportunamente, esta disposição não tem natureza legal, uma vez que este primeiro Código Deontológico foi aprovado apenas no âmbito da associação profissional dos Técnicos Oficiais de Contas. Mais tarde, no Código Deontológico dos Técnicos Oficiais de Contas, aprovado pelo Decreto-Lei nº 310/2009 (anexo II), tal regra foi eliminada.

         Proferida sentença condenatória da sociedade EE - Contabilidade, Lda., o risco de uma eventual duplicação de indemnização a favor das AA. só poderia ser acautelado com recurso ao instituto do enriquecimento sem causa, desde que se provasse o efectivo enriquecimento das mesmas AA.

Conclui-se deste modo não existir obstáculo jurídico de direito substantivo a que as AA. exerçam os respectivos direitos de indemnização contra o TOC, aqui interveniente, desde que se venha a considerar ter sido feita prova dos pressupostos da sua responsabilidade.


Quanto à responsabilidade da R. CC perante as AA. - estando provados os seguintes factos:“20. Em 27/03/2004, foi celebrado entre a Câmara dos Técnicos Oficiais de Contas, na qualidade de tomador de seguro, e a Companhia de Seguros HH, S.A., actual CC - Companhia de Seguros S.A., um Contrato de Seguro de Responsabilidade Civil Profissional e titulado pela apólice 50/014324. 21-O referido seguro, assumindo a natureza de contrato de seguro colectivo, tem como segurados todos os técnicos oficiais de contas com Inscrição em vigor na Câmara dos Técnicos Oficiais de Contas. e 23-Nos termos do ponto 2 das "Condições particulares destas apólices, sob a epígrafe "SEGURADO", considera-se como tal o "Técnico Oficial de Contas, inscrito na Câmara dos Técnicos Oficiais de Contas, cuja obrigação de subscrição deste seguro se encontra estabelecida pelo n°4 do art° 52 do ECTOC." ) - não oferece dúvidas que o contrato de seguro dos autos pode abranger a obrigação do TOC DD indemnizar as AA. pelos eventuais danos causados com a deficiente execução dos serviços abrangidos pelo contrato.

Contudo, ainda que assim seja, as instâncias não chegaram a conhecer das questões relativas às cláusulas de exclusão da cobertura do seguro, não podendo tais questões ser conhecidas, pela primeira vez, por este Supremo Tribunal, uma vez que a regra da substituição ao tribunal recorrido do art. 685º, nº 2, do CPC, vale apenas para o recurso de apelação e não para o recurso de revista, conforme resulta do art. 679º do CPC.

        

6. A questão da violação ou errada aplicação da lei de processo pelo facto de a sentença ter exigido que a prova dos pontos 1 a 16 dos factos não provados fosse feita documentalmente cabe nas competências deste Supremo Tribunal, conforme previsto no art. 674º, nº 1, alínea b), do CPC. Além disso, nos termos do nº 3 deste mesmo preceito, não pode o Supremo apreciar a matéria de facto, “salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova.”

Tendo em conta estes parâmetros legais, vejamos em que termos foram dados como não provados os factos 1 a 16, entre os quais se contam os factos correspondentes ao incumprimento de deveres profissionais do TOC interveniente.

Compulsada a sentença, encontra-se, nesta parte, a seguinte fundamentação da decisão relativa à matéria de facto:

 “- os factos alegados pelas AA. relativos aos pedidos de reembolso de IVA, o indeferimento destes pedidos e a suspensão dos referidos procedimentos, que se consideraram como não provados e referidos nos pontos 1 a 16, são factos a provar por documento, não constando junto aos autos qualquer documento que o comprove, não suprindo essa ausência os docs. juntos com a certidão de fls. 143 e segs. (no incidente de liquidação interposto contra a firma EE Lda.), uma vez que referindo-se à aplicação de coimas (devidas alegadamente pelo pagamento do imposto de selo de viaturas, efectuado fora de prazo, pelo atraso na execução de contabilidade respeitante aos anos de 2007 a 2010, e de coimas e juros compensatórios do IVA), não tendo sido nem a R. nem o TOC parte na referida acção; esta ausência de prova documental não é suprível nem com o depoimento de parte do interveniente, nem com o depoimento das testemunhas da A., II”


Verifica-se que, sendo fundamento da acção a actuação culposa do TOC DD em violação dos deveres profissionais - em particular dos deveres de prática de pedidos de reembolso de IVA perante a administração fiscal -, segundo as regras de repartição do ónus da prova (art 342º, nº 1, do CC), cabe às AA. a prova dos factos negativos de não cumprimento dos deveres do TOC. O que não exige prova documental, antes pode ser feito por qualquer meio de prova, incluindo prova testemunhal e depoimento de parte do interveniente.

Quanto à responsabilidade do TOC, tendo em conta que este, enquanto interveniente principal, ocupa no processo a posição de réu (art. 312º, do CPC), e que a confissão judicial escrita tem força probatória plena contra o confitente, assume relevância probatória, a conhecer por este Supremo Tribunal (art. 374º, nº 3, do CPC), o teor do depoimento do interveniente de fls. 275 e 276, que aqui se transcreve:

Nos termos disposto no art.º 463° do C.P.C., reduz-se a escrito a seguinte parte do depoimento do depoente:

Tendo sido requerido o depoimento de parte à matéria dos art.ºs 1° a 3°, 7°, 8°,10°, 14°, 17°, 21°, 33° e 37° consigna-se que:

Em relação aos factos constantes do art.º 2°, 3°, 10° e 17° já estes constavam como admitidos na contestação do depoente.

Em sede de depoimento de parte e à matéria dos art.s 1 a 3° este depoimento confirmou estes factos, referindo que não se tratava de um contrato formal.

Em relação ao 7º confirma igualmente que efectivamente existiu atraso no pedido de reembolso de IVA e que aquando do primeiro pedido efectuado para reembolso do IVA não remeteu os documentos necessários à verificação deste crédito conforme referido no art.º 10, sendo efectuado novo pedido de reembolso de IVA, o qual veio dar origem à inspecção referida no art.º 14 não tendo sido igualmente exibidos os referidos documentos.

Confirma igualmente o que consta do art.º 17°.

Em relação aos art.º 21º, 33º [“E de igual modo – como anteriormente acontecera – o TOC retinha a informação contabilística que devia prestar à autoridade inspectiva”] e 37º afirmou o depoente que os documentos se encontravam devidamente contabilizados em suporte informático mas não em suporte papel e organizados em dossiês fiscais devidamente assinados, esclarecendo de que por via do furto de uma peça informática necessária ao acesso a esse programa denominado ARLOCK, deixou de poder aceder ao mesmo programa e aos documentos contabilísticos daí constantes.

Lida a assentada ao depoente, este confirmou-a.


Tem a confissão do incumprimento dos deveres respeitantes aos pedidos de reembolso do IVA pagos pelas AA. força probatória plena contra o interveniente DD, sendo este responsável pelos danos sofridos por aquelas, os quais (conforme dado como provado nos factos 13 a 15) ascendem, quanto à A. AA, Lda., a € 28.015,63; e quanto à A. BB, Lda., a € 18.548,26.


7. Existe litisconsórcio voluntário entre a R. CC e o interveniente DD, pelo que a confissão deste último não produz efeitos quanto à primeira (art. 288º, nº 1, do CPC). 

Por esta razão e também por, como se disse, não poderem ser conhecidas pela primeira vez neste Supremo Tribunal as questões relativas às cláusulas de exclusão do seguro dos autos, uma vez que a regra da substituição ao tribunal recorrido do art. 685º, nº 2, do CPC, não se aplica ao recurso de revista (cfr. art. 679º do CPC), o processo terá de baixar à Relação para que estas questões sejam apreciadas.


8. Pelo exposto, julga-se o recurso procedente, revogando-se o acórdão recorrido e decidindo:

a) Condenar o Interveniente a pagar €28.015,63 (vinte e oito mil e quinze euros e sessenta e três cêntimos) à A. AA, Lda., e €18.548,26 (dezoito mil quinhentos e quarenta e oito euros e vinte e seis cêntimos) à A. BB, Lda.;

b) Mandar baixar o processo ao Tribunal da Relação, a fim de que, se possível pelos mesmos Senhores Desembargadores, ser apreciada a questão da cobertura da responsabilidade do interveniente pelo seguro dos autos.


Custas a final.


Lisboa, 27 de Abril de 2017


Maria da Graça Trigo (Relatora)

João Bernardo

Oliveira Vasconcelos