Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
233/11.4TCGMR.P1.S1
Nº Convencional: 7ª SECÇÃO
Relator: SALAZAR CASANOVA
Descritores: TELECOMUNICAÇÕES
TELEMÓVEL
INCUMPRIMENTO DO CONTRATO
PRINCÍPIO DA CONCENTRAÇÃO DA DEFESA
ERRO VICIO
BASE NEGOCIAL
ALTERAÇÃO DAS CIRCUNSTÂNCIAS
BOA FÉ
ABUSO DO DIREITO
OBJECTO NEGOCIAL
OBJETO NEGOCIAL
Nº do Documento: SJ
Data do Acordão: 09/10/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA EM PARTE A REVISTA DA RÉ; NEGADA A DO AUTOR
Área Temática:
DIREITO CIVIL - RELAÇÕES JURÍDICAS / FACTOS JURÍDICOS / NEGÓCIO JURÍDICO / EXERCÍCIO E TUTELA DE DIREITOS - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / FONTES DAS OBRIGAÇÕES / CONTRATOS / CUMPRIMENTO E NÃO CUMPRIMENTO DAS OBRIGAÇÕES / CONTRATOS EM ESPECIAL.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS / PROCESSO DE DECLARAÇÃO / ARTICULADOS / RECURSOS.
Doutrina:
- Antunes Varela, “Código Civil”, Anotado, vol. I, 4.ª edição, p. 236.
- Assunção Cristas, "Direito ao Cumprimento Contratual: Que Conteúdos?”, Themis, Edição Especial, 2008, p. 292.
- Manuel Gomes da Silva, O Dever de Prestar e o Dever de Indemnizar, Vol. I, p. 220.
- Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, 4ª edição, p. 516.
- Pedro Pais de Vasconcelos, Teoria Geral do Direito Civil, p. 568.
- Vaz Serra, “Obrigação de Indemnização", B.M.J., n.º 84, março de 1959, p. 127.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 251.º, N.º2, 252.º, N.º2, 334.º, 405.º, 437.º, 564.º, N.º1, 762.º, N.º2, 798.º, 799.º, 1154.º.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (NCPC) /2013: - ARTIGOS 3.º, 7.º, 573.º, N.ºS1 E 2, 588.º, N.º1, 635.º, N.º5.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 8-5-2013, PROCESSO N.º 3166/07, DE 18-12-2012, PROCESSO N.º 10339/06, DE 18-6-2013, PROCESSO N.º 291/09.
Sumário :
I - O Supremo Tribunal, atento o princípio da concentração dos meios de defesa que consta do art. 573.º, n.º 1, do NCPC (2013), não pode considerar suscitada a exceção perentória do erro sobre as circunstâncias que constituem a base do negócio (art. 252.º, n.º 2, do CC) se ela não foi invocada na contestação nem tão pouco o foi por via de articulado superveniente considerando factualidade que se revelou na sequência de convite dirigido pelo juiz ao autor.

II - Ainda que se admita que o erro a que alude o art. 252.º, n.º 2, do CC pode ser unilateral, no caso vertente não se justificaria a alteração do contrato nos termos do art. 437.º, n.º 1, do CC, pois não se provou que, nas indicadas condições, a utilização do serviço de sms constituísse grave violação dos princípios da boa fé e o facto de a ré pretender auferir pelos sms excessivos o pagamento de determinada quantia revela que os riscos do contrato se reconduziam exclusivamente à perda dessas quantias que foram contratualmente assumidas pela própria ré, ou seja, a exigência da prestação de serviço ilimitado estava coberta pelos riscos do próprio contrato.

III - Considerando que a ré se obrigou a proporcionar ao autor “acesso gratuito” e “sem limites” para a sua rede, a ré incorre em incumprimento se deixa de prestar esse serviço alegando excesso de utilização do serviço gratuito.

IV - Não estando o autor vinculado por cláusulas contratuais gerais que não constavam do contrato celebrado quando adquiriu a embalagem com o material que lhe dava acesso ao aludido serviço e que nem constavam ao tempo do site da ré, o autor, ainda que haja enviado mensagens em número muito superior ao que é normalmente enviado pelos utilizadores do serviço, não incorre em grave abuso do direito, designadamente quando se reconhece que fez essa utilização tendo em vista a divulgação de serviços de informática que tinha em mente realizar.

V - Tal utilização, ainda que de natureza comercial e executada por via não manual, não estava contratualmente excluída, estando, por conseguinte, abrangida pela obrigação contratualmente assumida pela ré de proporcionar acesso ilimitado e não tinha em vista nenhuma finalidade ilícita, nem se vê que fosse exercida com objetivo de puro desperdício.

VI - Não incorrendo o autor num grave abuso do direito, excede todavia manifestamente os limites impostos pela boa fé no exercício do direito que é reclamada no art. 762.º do CC, incorrendo em abuso do direito (art. 334.º do CC) se, aproveitando a possibilidade de acesso gratuito e ilimitado, envia mensagens sms em número mínimo de 2000/dia, ou seja, de 60 000/mês, quantidade esta que ultrapassa a razoabilidade e proporcionalidade de utilização que estão necessariamente implícitas na atribuição do acesso gratuito e ilimitado.

VII - O reconhecimento desse exercício abusivo não exclui o incumprimento da ré que decidiu alterar unilateralmente o contrato, passando a cobrar um determinado valor por chamada em sms sem fixar um mínimo francamente amplo ao qual o autor pudesse continuar a aceder gratuitamente, não atuando a ré também de boa fé quando se propõe fixar discricionariamente em função de referenciados perfis de clientes o número de chamadas que cada cliente pode efetuar gratuitamente sem disso informar o cliente previamente.

VIII - Não tem o réu direito a indemnização por prejuízos resultantes do incumprimento pois não provou que nenhum prejuízo adviesse do incumprimento, não derivando do incumprimento o custo do serviço que a ré suportou e que se obrigou a proporcionar gratuitamente e que, a partir de determinado momento, quis receber do autor.

Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça

1. AA propôs no dia 3-6-2011 ação declarativa com processo comum ordinário contra BB - Comunicações, SA pedindo a sua condenação:

- A prestar ao autor, gratuitamente, o serviço de envio de mensagens e chamadas para outros utilizadores da sua rede de telefones móveis;

- a pagar ao autor a quantia de 77.520 euros a título de danos patrimoniais causados pelo incumprimento do contrato até à data da apresentação desta ação;

- a pagar ao autor a quantia de 120 euros por dia desde o dia seguinte à apresentação desta ação até que se ache restabelecida "para sempre" e gratuitamente o serviço de envio de mensagens e realização das chamadas para outros utilizadores das redes de telefones móveis da ré.


2. Alegou que em 28-7-2008 adquiriu cartão para realizar chamadas por telemóvel e enviar mensagens curtas, utilizando a rede de telecomunicações da ré; o carregamento dos cartões permitia-lhe o acesso a utilizadores das redes telefónicas mediante determinado custo por chamada e por mensagem escrita, salvo no que respeita às chamadas de voz e mensagens escritas para outros utilizadores da rede da ré.

3. Quanto a estas, a ré proporcionava o acesso gratuito " para sempre" e "sem limites".

4. No dia 25-8-2009 a ré deixou de prestar  ao autor o aludido serviço gratuito.

5. O autor, nessa data, recebeu comunicação, informando-o de que o tarifário tinha sido alterado, passando a ré a cobrar o valor de 0,06 cêntimos por cada mensagem escrita dirigida a outros utilizadores da ré.

6. O autor vinha enviando cerca de 2000 mensagens escritas para outros utilizadores da ré.

7. O autor ficou impedido de enviar mensagens por não poder suportar o custo.

8. A indemnização reclamada de 77.520 euros  corresponde ao custo das mensagens diárias correspondentes ao período que decorre de 25-8-2009 a 3-6-2011, data de apresentação da ação.

9. A ré, na contestação, considera que as condições gerais do tarifário se encontravam publicadas no site da ré, referindo-se aí no que respeita a "Comunicações entre BB sujeitas a Política de Utilização Responsável" que "a BB" reserva-se o direito de definir uma Política de Utilização responsável aplicável às comunicações entre BB realizadas por clientes com este tarifário. O valor máximo de utilização responsável será definido com base nos perfis de utilização dos clientes particulares com o tarifário em causa e será revisto periodicamente em função da evolução desses perfis. No âmbito dessa política, a BB notificará, mediante o envio de um SMS, os clientes que excederem o nível de utilização razoável do serviço, reservando-se o direito, após esse aviso, de cobrar as comunicações efetuadas para além do nível de utilização razoável".

10. O autor não cumpriu essa Política de Utilização razoável pois enviava cerca de 3000 SMS/dia.

11. No dia 25-8-2009 o autor foi informado pela ré de que, "dada a situação que tinha excedido o nível e utilização previsto, se ia proceder à alteração do tarifário"

12. A ré procedeu à alteração do tarifário dando indicação ao autor em 8-10-2009 de que as SMS gratuitas ficavam sujeitas a uma Política de Utilização Responsável de 1500 SMS gratuitas por semana; ultrapassado este limite, as mesmas seriam cobradas a 0,115€/SMS, tarifário residencial e para utilização pessoal de serviço.

13. Tal tarifário foi alterado novamente em 28-10-2009 para Livre Base por não ter o autor efetuado a partir de 23-8-2009 os carregamentos a que o Plano de Tarifário obrigava.

14. Houve, pois, incumprimento do autor no que respeita à obrigação de cumprimento da aludida Política de Utilização Responsável e os valores reclamados não constituem danos.

15. A ação foi julgada parcialmente procedente, condenando-se a ré a prestar ao autor, gratuitamente, o serviço de envio de mensagens e chamadas para outros utilizadores da sua rede de telefones móveis e a pagar ao autor o que se liquidar em execução de sentença relativamente aos prejuízos provocados com a alteração do tarifário desse 25-8-2009 até que se ache restabelecido, para sempre e gratuitamente, o serviço de envio de mensagens e realização de chamadas para outros utilizadores das redes de telefones móveis da ré.

16. O Tribunal da Relação do Porto alterou a matéria de facto e, com voto de vencido, julgou parcialmente procedentes as apelações interpostas, condenando a ré a pagar ao autor a título de indemnização por danos não patrimoniais por este sofridos em consequência da atuação ilícita da ré a quantia de 2000 euros, acrescida de juros de mora que venham a vencer-se desde a data da presente decisão à taxa atualmente em vigor ou outra que venha entretanto a vigorar até integral pagamento; confirmou a sentença recorrida na parte em que condenou a ré a "prestar ao autor, gratuitamente, o serviço de envio de mensagens e chamadas para outros utilizadores da sua rede de telefones móveis, relativamente ao cartão com o número 93...43".

17. Do acórdão foi interposto recurso pela CC -Comunicações, SA (anteriormente com a designação BB-Comunicações, SA) e também pelo autor.

18. A CC considera que se justifica ampliar a matéria de facto aditando-se os seguintes factos:

a) As 3000 mensagens enviada diretamente a custo zero pelo autor para outros utilizadores da rede da ré eram feitas com recurso a um sistema informático

b) Tais mensagens destinavam-se à divulgação dos serviços de informática que o autor pretendia realizar.

c) O tarifário contratado pelo autor à ré era residencial, pressupondo, portanto, uma utilização pessoal

19. Tais factos, segundo a recorrente, são factos confessados pelo autor, relevando enquanto confissão judicial escrita nos termos do artigo 358.º/1 do Código Civil e resultaram de declaração do autor na sequência de convite que lhe foi dirigido pelo Tribunal após os articulados.

20. A CC sustenta ainda que se está em face de um caso de erro sobre as bases do negócio (artigo 252.º/2 do Código Civil) visto que desconhecia, quando celebrou o contrato, porque o autor disso não a informou, que ele iria utilizar um sistema informático (SPAM) para o envio de mensagens, limitado àquelas que eram gratuitas, circunstâncias essas que, por isso, não foram tomadas em consideração pela ré; o serviço não estava a ser utilizado para fins pessoais do autor, mas também para fins comerciais, constituindo esta situação um caso de abuso ou utilização indevida do serviço contratado que originou a excessiva onerosidade económica da prestação devida pela ré que não estava coberta pelos riscos próprios do contrato, devendo imperar a modificação do contrato, ou seja, passando o seu tarifário a ficar sujeito ao pagamento de 0,06 euros por cada mensagem escrita dirigida aos outros utilizadores da rede da ré.

21. Considera ainda a recorrente que estão verificados os requisitos exigidos pelo artigo 437.º do Código Civil, atuando, por conseguinte, a recorrente no exercício do direito ao modificar o contrato, o que importa a sua absolvição do pedido, violando o acórdão recorrido os artigos 358.º/1, 252.º/2 e 437.º do Código Civil.

22. O autor, por sua vez, interpôs recurso de revista limitado à questão da fixação do montante da indemnização a suportar pela ré pela reparação dos danos causados pelo autor com o seu comportamento ilícito.

23. O recorrente discorda do entendimento de que por não se ter demonstrado que, em resultado da conduta da ré, ele acabou por não suportar nenhum custo com as mensagens escritas, a indemnização não é devida, sugerindo esse entendimento que, se acaso tivesse suportado o custo do envio de 2000 mensagens por dia, a indemnização seria fixada de acordo com esse custo.

24. Ora uma vez provado que o autor ficou impedido de enviar aquelas mensagens por não ter dinheiro para suportar o custo imposto, não há dúvida de que o autor deixou de beneficiar do valor que o envio das mensagens representa, valor que deve ser fixado por referência ao seu custo, para mais se este for o custo considerado pela própria ré.

25. Argumento este que é similar ao que decorre da reparação do dano da privação do uso dos bens que se há de encontrar por referência ao valor locativo das coisas.

26. A decisão proferida constitui, para o recorrente, um prémio para o inadimplente, pois não existe justificação legal para exigir do lesado, como condição para haver o valor substitutivo do serviço em falta, a comprovação de que suportou o custo equivalente ou sequer a demonstração do uso que pretendia fazer do serviço em falta e das vantagens isso lhe traria. A recomposição da situação danosa reclama que, pela única via então possível, ou seja, pela atribuição de um equivalente pecuniário, o lesado consiga ser reintegrado "a posteriori".

27. Equilibrado se mostra, segundo o recorrente, a fixação dos valores pedidos à razão de 0,06 euros por mensagem que o autor ficou impedido de enviar, o que representa 120 euros por dia, ou seja, uma quantia total de 77.520 euros no que respeita ao vencido até à data de propositura da ação a que acresce a quantia de 120 euros/dia desde o dia seguinte à apresentação da ação até ao restabelecimento do serviço contratado, mostrando-se, assim, violado o disposto nos artigos 566.º/3 e 564.º/2 do Código Civil.

28. Factos provados:

1. A ré é uma sociedade anónima que tem por objeto a prestação de serviços de telecomunicações, designadamente de comunicações de voz e dados através de telemóveis.

2. Para aquele objetivo, a ré detém uma rede de distribuição de sinal de telemóvel espalhada pelo país.

3. Em 28 de julho de 2008, o autor deslocou-se a uma loja da ré na Avenida da Liberdade, da cidade de Braga, pretendendo adquirir um cartão para realizar chamadas e enviar mensagens curtas, utilizando a rede de telecomunicações da ré.

4. Ali chegado, e entre outros, a ré, contra o recebimento da quantia de 9,90€ (nove euros e noventa cêntimos), entregava dois cartões de telemóvel com 20.00 (vinte euros) em chamadas, sendo 10,00€ (dez euros) em cada cartão, sendo 5,00€ (cinco euros) de saldo inicial em cada um e outros 5,00€ (cinco euros) após o primeiro carregamento a efetuar até quinze dias após a ativação de cada cartão.

5. […] Com a possibilidade de escolha do tarifário "BB zero", através do qual se obrigava a proporcionar aos seus clientes o serviço de telefone móvel.

6. […] Cobrando a quantia de 0,599€ (cinquenta e nove vírgula nove cêntimos) por minuto por comunicações de voz para utilizadores de outras redes telefónicas.

7. […] Cobrando a quantia de 0,112€ (onze vírgula dois cêntimos de euro) por cada mensagem escrita para utilizadores de outras redes telefónicas.

8. As comunicações da Voz e SMS para outros utilizadores da rede da ré eram a 0 cêntimos para sempre e sem limites (matéria de facto constante do acórdão da Relação)

9. O cliente tinha acesso a este tarifário de acordo com os carregamentos efetuados.

10. Assim, caso carregasse o seu cartão ou cartões com 5,00€ (cinco euros) podia fazer chamadas e enviar mensagens àqueles preços, durante oito dias; caso carregasse o seu cartão ou cartões com 7,50€ sete euros e cinquenta cêntimos) podia fazer chamadas enviar mensagens àqueles preços, durante doze dias; caso carregasse o seu cartão ou cartões com 10.00€ (dez euros) podia fazer chamadas enviar mensagens àqueles preços, durante dezasseis dias; caso carregasse o seu cartão ou cartões com 15,00€ (quinze euros) podia fazer chamadas enviar mensagens àqueles preços, durante vinte e quatro dias; e, caso carregasse o seu cartão ou cartões com mais de 15,00€ (quinze euros), mas sempre em múltiplos de 5,00€ (cinco euros) podia fazer chamadas por mais oito dias por cada 5,00€ (cinco euros).

11. O autor adquiriu aqueles cartões os quais trouxe consigo no mesmo dia.

12. Nos quinze dias seguintes, o autor ativou um dos cartões que adquiriu.

13. E a ré passou a prestar-lhe o serviço de telecomunicações nos termos anteriormente referidos, começando a cumprir a sua obrigação.

14. Em 25 de agosto de 2009, a ré decidiu deixar de prestar ao autor o serviço em que se comprometeu "para sempre".

15. Nesse dia, o autor recebeu uma mensagem escrita da ré dando-lhe conta de que tinham alterado o tarifário do seu telemóvel, passando a cobrar-lhe o valor de EUR 0,06 (seis cêntimos) por cada mensagem escrita dirigida a outros utilizadores da rede da ré.

16. O autor nunca deu o seu consentimento para qualquer alteração do tarifário.

16-A. Após constatar o número diário de mensagens enviadas pelo autor para outros utilizadores da ré, esta, em data não concretamente apurada, contactou-o telefonicamente propondo-lhe a alteração do tarifário que permitia o uso de cerca de 1500 mensagens semanais, o que não foi aceite pelo autor. Que, em face de o autor não ter aceitado qualquer esclarecimento da ré e não pretender escolher o tarifário para ser migrado, foi enviada SMS do seguinte teor: "Caro Cliente em seguimento da nossa conversa telefónica o seu plano tarifário foi alterado para Livre Total Bónus. Obrigada."(Matéria de facto dada como provada pela Relação em alteração dos pontos 6 a 9 dos factos não provados)

17. O autor vinha enviando um número não concretamente apurado, mas não inferior a 2000, de mensagens escritas por dia para outros utilizadores da rede da ré (Matéria de facto constante do acórdão da Relação).

18. Desde que a ré, unilateralmente e sem o seu consentimento, lhe alterou o tarifário, o autor ficou impedido de enviar aquelas mensagens, pois não tinha dinheiro para suportar o custo imposto.

19. Em consequência do comportamento da ré, o autor deixou de enviar o número de mensagens escritas por dia que até então enviava.

20. Os dois cartões pré-pagos entregues ao autor, aludidos em 10, tinham os números 93...43 e 93...44, respetivamente.

21. A ativação do tarifário BB Zero no cartão com o nº 93...44 ocorreu logo em 28/07/2008, pelas 22:06:24.

22. Em 27/08/2008, pelas 09:50:38, o plano de tarifário BB Zero foi alterado para Livre Base por o autor não ter cumprido a obrigação de efetuar o carregamento dentro do prazo previsto.

23. O autor foi avisado desta alteração através de SMS, enviadas em 07/08/2008, 12/08/2008 e 22/08/2008, com os seguintes conteúdos, respetivamente:

SMS 07/08/2008 - O prazo de carregamento do seu cartão está a terminar. Para continuar a falar e manter o seu tarifário deverá carregar um mínimo de 7.5 Euro até dia 12/08.

SMS 12/08/2008 - O prazo limite de carregamento do seu cartão termina hoje, dia 12/08. Para poder continuar a falar e manter o seu tarifário deverá carregar um mínimo de 7.5 Euro.

SMS 22/08/2008 - Caro Cliente para poder realizar chamadas e para manter o seu tarifário atual deverá efetuar um carregamento nos próximos 4 dias.

24. Uma vez que esses prazos não foram cumpridos, na data da alteração de plano tarifário (27/08/2008), a ré enviou ao autor novo SMS com o conteúdo "Caro Cliente por ter ultrapassado o prazo de carregamento o seu tarifário foi alterado para 0.32EUR por minuto e a 0.15EUR para todas as redes nacionais", referindo desta forma as novas tarifas que passavam a ser aplicadas a partir daquele momento.

25. Não tendo o cartão com o nº 93...44 sido carregado pelo autor a partir daquela data.

26. No cartão com o nº 93...43 - em causa nos autos - a ativação do tarifário BB Zero ocorreu em 12/08/2008, pelas 10:22:30.

27. Em 25/08/2009, pelas 17:23:18, o plano de tarifário BB Zero relativo a esse cartão (nº 93...) foi alterado para Livre Total Bónus.

28. O cartão com o nº 93...43 não mais foi carregado pelo autor a partir de 23/08/2009.

29- Em 9-9-2009 a ré tomou conhecimento da reclamação apresentada pelo autor junto do CIAB - Centro de Informação, Mediação e Arbitragem de Consumo.

Factos não provados:

1. Que as Condições Gerais do tarifário BB Zero se encontravam publicadas no site da ré.

2. Que eram as seguintes tais Condições Gerais: "Condições Gerais:

- Faturação em períodos de 10 segundos após 1º minuto.

- Valores com IVA incluído.

- Comunicações entre BB sujeitas a Política de Utilização Responsável.

- A adesão a este tarifário implica a desativação do extra sms BB.

- As chamadas efetuadas deste tarifário para os tarifários com bónus pelas chamadas recebidas, não geram bónus.".

3. Que uma dessas condições era que as comunicações entre BB estavam sujeitas a uma Política de Utilização Responsável, de forma a garantir a prestação de um serviço de qualidade a todos os seus clientes, definindo um volume máximo de utilização com base no perfil do Cliente.

4. Que era a seguinte a POLÍTICA DE UTILIZAÇÃO RESPONSÁVEL BB ZERO divulgada no site da Ré: “De forma a garantir a prestação de um serviço de qualidade a todos os seus Clientes, a BB reserva-se o direito de definir uma Política de Utilização Responsável aplicável às comunicações entre BB realizadas por Clientes com este tarifário. O valor máximo de utilização responsável será definido com base CC perfis de utilização dos Clientes Particulares com o tarifário em causa e será revisto periodicamente em função da evolução desses perfis. No âmbito desta política, a BB notificará, mediante o envio de um SMS, os Clientes que excederem o nível de utilização razoável do serviço, reservando-se o direito, após esse aviso, de cobrar as comunicações efetuadas para além do nível de utilização razoável.".

5. Que a alteração do tarifário a que se alude em III-A27 deveu-se ao facto de o autor não ter cumprido a Política de Utilização Responsável associada a este plano de tarifário e que, como tal, o autor aceitara cumprir.

6 a 9. Após constatar o número diário de mensagens enviadas pelo autor para outros utilizadores da ré, esta, em data não concretamente apurada, contactou-o telefonicamente propondo-lhe a alteração do tarifário que permitia o uso de cerca  de 1500 mensagens semanais, o que não foi aceite pelo autor. Que, em face de o autor não ter aceitado qualquer esclarecimento da ré e não pretender escolher o tarifário para ser migrado, foi enviada SMS do seguinte teor: "Caro Cliente em seguimento da nossa conversa telefónica o seu plano tarifário foi alterado para Livre Total Bónus. Obrigada."(Matéria de facto alterada pela Relação).

10. Que, em face de o autor não ter aceitado qualquer esclarecimento da ré e não pretender escolher o tarifário para ser migrado, foi enviada SMS do seguinte teor: "Caro Cliente em seguimento da nossa conversa telefónica o seu plano tarifário foi alterado para Livre Total Bónus. Obrigada.".

11. Eliminado (Matéria de facto alterada pela Relação)

12. Que no dia 07/10/2009 o autor foi contactado pela ré, CC seguintes termos: "Contactei Cliente facultei indicação relativamente à PUR e à utilização residencial e que faremos alteração para BB Zero com um valor máximo definido para utilização do serviço que serão 1500 mensagens semanais. Cliente indicou que este não é plano que adquiri. Indiquei que a política de utilização responsável está associada a esta plano de tarifário, Este indicou que já havia ligado para a ANACOM e que este indicaram que o plano de tarifário não podia ter sido alterado pelo que referiu o processo já estar em andamento e que fizéssemos como entendêssemos. Indiquei que iremos efetuar a alteração e que será enviada SMS caso seja ultrapassado o que consideremos ser uma utilização razoável do serviço.".

13. Que a ré acedeu a alterar o plano de tarifário novamente para BB Zero, dando indicação ao autor de que as SMS gratuitas ficavam sujeitas a uma política de utilização responsável de 1500 SMS por semana e que ultrapassado o limite, as mesmas eram cobradas a 0,115/SMS€ (valor das SMS para outras rede que não a da ré).

14. Que a ré indicou ainda ao autor de que tarifário era residencial e para uma utilização pessoal do serviço, pelo que não pressupunha o envio de 3000 mensagens diárias.

15. Que a alteração do tarifário a que se alude em III-A27 foi efetuada na condição acima descrita.

16. Que, em 2009/10/28, pelas 01:59:21, o tarifário foi alterado para Livre Base, o que se deveu ao incumprimento por parte do autor em efetuar os carregamentos a que o plano de tarifário BB Zero obrigava.

17. Que o autor foi avisado desta alteração através de SMS enviada em 28/10/2009, consoante o seguinte quadro, do qual constam todas as SMS e seus conteúdos enviadas para o nº 93...43 a propósito do cumprimento dos carregamentos.

Apreciando

A) Recurso interposto pela ré

29. A ré pretende que se considere ampliada a matéria de facto, por via de confissão judicial, relativamente às questões de facto referidas em 18 a), b) e c) supra.

30. O Tribunal da Relação não aditou esta matéria - a das alíneas a) e b), únicas a que a recorrente se referia na apelação - por considerá-la irrelevante. No entanto a ré invocava para justificar o aditamento a confissão de tais factos. Com efeito, tais factos tinham sido mencionados pelo autor (fls. 112) na sequência de convite para esclarecimento feito pelo Tribunal. Ora, assim sendo, devem considerar-se adquiridos por via de confissão judicial que " pode ser feita em depoimento de parte ou em prestação de informações ou esclarecimentos ao tribunal" (artigo 356.º/2 do Código Civil). Não vale o que se acabou de expor para o facto mencionado na alínea c) visto que não consta de nenhum esclarecimento prestado pelo autor. Procede, nesta medida, o recurso.

31. Sustenta a ré que estes factos seriam determinantes para a celebração do contrato e, não tendo sido tomados em consideração pela ré ao celebrar o contrato com o autor, o autor não podia deixar de os aceitar " como um condicionamento do negócio sob pena de violação do princípio da boa fé". Estamos, assim, face a um caso de erro sobre a base do negócio (artigo 252.º/2 do Código Civil) a impor a modificação do negócio segundo juízos de equidade (artigo 437.º do Código Civil).

32. Os requisitos previstos no artigo 437.º do Código Civil justificam-se, a seu ver, considerando que:

a) o cartão do autor associado ao tarifário BB Zero não era para ser colocado em máquinas/computadores para o envio automático de mensagens (spam) congestionando a segurança da rede e os sistemas do operador;

b) o serviço não estava a ser utilizado para fins pessoais do autor mas essencialmente para fins comerciais, originando uma situação de abuso ou utilização indevida do serviço contratado;

c) a utilização do serviço por parte do autor acarretou uma excessiva onerosidade económica da prestação devida pela ré que não estava coberta pelos riscos próprios do contrato.

33. Resulta do artigo 573.º/1 do C.P.C./2013 que "toda a defesa deve ser deduzida na contestação", norma que traduz o princípio da concentração dos meios de defesa. Dele flui que "o lugar e o momento para o réu apresentar a sua defesa é a contestação […]. O corolário do princípio da concentração da defesa é o princípio da preclusão" (ver Ac. do S.T.J. de 23-2-2012, rel. João Trindade, revista n.º 2336/06). No mesmo sentido, Ac. do S.T.J. de 29-1-2014, rel. Fernando Bento, rev. n.º 5509/10, C.J.,1, pág. 81)  

34. A ré na contestação considerou que em 25-8-2008 alterou o plano tarifário contratado por ter constatado que o autor se encontrava a enviar 3000 SMS/dia "o que se deveu ao facto de o autor não ter cumprido a Política de Utilização Responsável" associada a este plano de tarifário. Está, no entanto, no caso aqui em apreço afastada a questão da aplicabilidade ao contrato das regras constantes dessa Política que integrava cláusulas contratuais gerais que não vinculavam o autor - vejam-se os factos 14, 15, 16, 27 e 28 - considerando que tais cláusulas não constavam do pack que adquiriu e considerando ainda que não constavam do site da ré quando o autor aderiu à proposta contratual: ver 4 a 10 e 1 dos factos não provados.

35. Não suscitou a ré na contestação nenhuma questão atinente ao uso abusivo do cartão considerando que o elevadíssimo número de mensagens enviadas não podia obviamente ser efetuada manualmente e/ou considerando ainda que a utilização ilimitada pressupunha que as mensagens não fossem enviadas por via mecânica ou informática; tão pouco alegou que tal utilização afetava a integridade da rede, como agora em alegações de revista menciona (ver 32 supra).

36. Resulta do exposto que a ré, independentemente dos esclarecimentos que foram ulteriormente prestados pelo autor quanto ao modo como as mensagens eram enviadas, dispunha desde logo dos elementos de facto suficientes - o número de mensagens enviadas diariamente excluía a possibilidade de envio manual pelo utilizador - de uma base de facto que viabilizava a alegação de factos e o pedido de modificação do contrato com base em erro sobre as circunstâncias que constituem a base do negócio.

37. Refira-se ainda que o envio de sms em tão grande quantidade não suscitou qualquer dificuldade para a segurança da rede ou para o risco de congestionamento, pois, se assim fosse, a ré não reclamaria alteração do tarifário, mas a impossibilidade de cumprimento da prestação a que se vinculara, a saber: "as comunicações da Voz e SMS para outros utilizadores da rede da ré eram a 0 cêntimos para sempre e sem limites" (8 supra da matéria de facto).

38. É também evidente que a ré não incorreu em erro sobre as circunstâncias de facto que constituem a base do negócio, pois a ré bem sabia, quando publicou no site as condições de Política de Utilização Responsável, ser, para si, inconveniente, no que respeita aos custos a suportar, um serviço gratuito de utilização da rede em que houvesse uma utilização excessiva do utilizador.

39. As circunstâncias de facto, que a ré agora invoca, não relevavam para a formação da vontade de contratar desde que ao contrato fosse aplicável a possibilidade de alteração se não houvesse uma utilização razoável do serviço nos termos que seriam determinados em função dos critérios fixados pela própria ré. Daqui resulta que não era afinal um erro de facto o erro que aqui se poderia considerar, mas o erro de direito, ou seja, a convicção - errada - por parte da ré de que o contrato estava sujeito às cláusulas contratuais gerais em que se estipulava esse condicionamento de Utilização Responsável.

40. Quando se trata da figura do erro sobre os motivos considera-se que deve existir " uma representação comum de ambas as partes da existência de certa circunstância, sobre a qual ambas edificaram, de um modo essencial, a sua vontade negocial "(Teoria Geral do Direito Civil, 4ª edição, Mota Pinto, pág. 516).

41. No caso uma tal representação não existiu nem se provou que pudesse existir considerando desde logo que nem sequer se provou que as referidas condições gerais de tarifário que incluíam a mencionada Política de Utilização Responsável constassem do site quando o contrato foi celebrado.

42. A existência de um erro bilateral - erro bilateral existiria se ambas as partes estivessem convencidas de que as regras sobre o Regime da Política de Utilização Responsável se aplicavam ao contrato - levaria, quando afinal se reconhecesse que esse Regime era afinal inaplicável ao contrato em causa, à necessidade de se ponderar se o contrato devia afinal ser alterado à luz do disposto no artigo 437.º do Código Civil, considerando-se que " a exigência das obrigações por ela assumidas afeta gravemente os princípios da boa fé" não estando "coberta pelos riscos próprios do contrato".

43. Tem-se por certo que o autor aproveitou a possibilidade de utilização gratuita de sms para proceder ao seu envio numa quantidade cujo pagamento não poderia suportar, mas é difícil conceptualizar aqui um uso "gravemente" violador dos princípios da boa fé, como exige o artigo 437.º do Código Civil, quando se provou que o autor afinal não se aproveitou dessa possibilidade contratual sem nenhum propósito útil, pois, tal como o próprio referiu e a ré aceitou, fê-lo para " visar a divulgação de serviços de informática que tinha em mente poder realizar".

44. O autor pretendeu - isso resulta do que se provou - atingir um vasto número de destinatários, publicitando serviços de informática que tinha em vista realizar. Não se vê que haja aqui uma grave violação dos princípios da boa fé considerando que a ré lhe proporcionou um acesso ilimitado e gratuito. Aliás, a ré, como se disse, insurge-se essencialmente pelo facto de o autor fazer do serviço uma utilização comercial. Reconhece-se que assim sucedeu, mas isso não significa que houve uma utilização gravemente abusiva, pois não resultou da obrigação assumida pela ré que uma ampla utilização estivesse vedada e não se vê que ao autor se pudesse representar que a ré, quando fez essa oferta contratual, tivesse em vista apenas mensagens enviadas manualmente e para utilização pessoal. Na verdade, ou uma tal limitação era assumida contratualmente ou não era e, não existindo essa limitação, a contraparte podia utilizar a rede da autora ilimitadamente conquanto para fins lícitos.

45. No que respeita, aos "riscos próprios do contrato" também já se mencionou que o envio de sms em número elevado não afetaria a rede da ré - a rede suportava seguramente esse número, o que a ré não queria era suportar gratuitamente os custos do envio de sms a partir de um número que se lhe afigurasse excessivo - não se verificando, assim, a parte final da previsão constante do artigo 437.º do Código Civil.

46. Saliente-se ainda que a argumentação da ré, no tocante à boa fé, pode ser perspetivada contra si própria e, parece-nos, com algum fundamento: se a ré publicitou uma proposta contratual inserida num pack destinado a ser adquirido e em que se chamava a atenção para uma oferta manifestamente tentadora como a que foi feita, pretender considerar que era "limitado" aquilo que se oferecia como " ilimitado" pode ser visto como um caso de venire contra factum proprium (artigo 334.º do Código Civil). Seria sempre de ponderar, ainda que a ré nesse pack tivesse remetido os compradores para um existente site do qual constassem cláusulas limitativas, se não estaríamos aqui diante de uma publicidade enganosa, pois o declaratário normal assumiria que a utilização dos serviços da ré seria, na sua rede, sempre ilimitada e sem quaisquer condicionamentos. Do ponto de vista de facto recorde-se uma vez mais que as instâncias não deram como provado que tais condições gerais, quando da venda do pack, estivessem publicitadas no site da ré.

47. Assim, ainda que se assumisse que o erro sobre a base do negócio a que alude o artigo 251.2.º/2 do Código Civil (base objetiva) não carece de ser bilateral (ver Teoria Geral do Direito Civil por Pedro Pais de Vasconcelos, pág. 568) - entendimento este que não se seguiu, pois, como refere Antunes Varela " um erro bilateral explica que a lei prescinda do acordo sobre a essencialidade do motivo a que se refere o n.º1 do artigo 252.º" (ver Código Civil Anotado, vol I, 4.ª edição, pág. 236; ver Ac. do S.T.J. de 8-5-2013, rel. Oliveira Vasconcelos, rev. 3166/07, Ac. do S.T.J. de 18-12-2012, rel. Gabriel Catarino, rev. n.º 10339/06, Ac. do S.T.J. de 18-6-2013, rel. Moreira Alves, rev. n.º 291/09, - não se pode concluir, não comprovada a publicitação simultânea das condições gerais que foram inseridas no site que, quando a ré lançou no mercado os referidos packs, tinha em vista proporcionar um acesso ilimitado mas condicionado à sua alteração para um acesso limitado CC termos que discricionariamente à ré se lhe afigurassem preferíveis.

48. Do ponto de vista processual, e retomando o exposto, o esclarecimento prestado pelo autor referenciando esses novos factos poderia viabilizar - mas veja-se o referido em 36. - que a ré apresentasse articulado superveniente, deduzindo a exceção perentória do erro sobre as bases do negócio contemplada no artigo 252.º/2 do Código Civil (artigos 573.º/2 e 588.º/1 do C.P.C./2013). Não o tendo feito, o aproveitamento dos aludidos factos novos não significa que, a seu coberto, o Tribunal possa conhecer de exceção que não foi oportunamente suscitada e que não é do conhecimento oficioso

49. Por isso, e desde logo por razões processuais, o recurso da ré não poderia proceder com fundamento nas previsões constantes dos artigos 251.º/2 e 437º do Código Civil, não relevando as razões que, no plano substantivo, foram mencionadas no voto de vencido que acompanhou em parte a argumentação da própria ré na sua minuta de recurso para a Relação e que justificou a admissibilidade da revista para o Supremo Tribunal de Justiça.

50. Dito isto, parece que se imporia negar a revista interposta pela ré.

51. Afigura-se-nos, porém, que os factos provados e a invocação pela ré de um uso abusivo justifica que se pondere se a utilização de um serviço gratuito e ilimitado de um modo que ninguém nega que seja excessivo - e excessivo sempre seria de considerar a utilização que foi dada pelo réu ainda que paga: veja-se o custo (77. 250€) que o réu teria de pagar se tivesse de pagar os sms enviados - permite considerar que, nestas circunstâncias, o envio de 2000 mensagens sms por dia excede manifestamente os limites impostos pela boa fé no exercício do direito (artigo 334.º do Código Civil).

52. A referência que a ré fez à Política de Utilização Responsável não significa coisa diversa do que a lei prescreve no artigo 762.º/2 do Código Civil, ou seja, que " no cumprimento da obrigação, assim como no exercício do direito correspondente, devem as partes proceder de boa fé". Boa fé significa aqui uma utilização do serviço gratuito e ilimitado em termos amplos mas razoáveis.  

53. A utilização ilimitada e gratuita significa, assim perspetivadas as coisas, que a empresa proporciona um acesso tão amplo ao serviço que qualquer consumidor e contratante de boa fé sabe que pode fazer uso do serviço sem custos adicionais, não se justificando, assim sendo, considerar que a empresa incorre, ela própria, em abuso do direito quando passa a cobrar o serviço a partir de um amplo número de chamadas. O que não é aceitável é que a empresa se reserve a fixação de perfis de clientes, ou seja, que se reserve um exercício discricionário do que é ou não excessivo sem estabelecer um número mínimo significativo de chamadas e envio de sms. A discricionariedade representa, assim sendo, uma atuação abusiva, tanto mais censurável quando provêm de uma empresa que contrata com consumidores que são, assim sendo, postos perante entendimentos de empresas ou grupos dotados de uma muitíssimo superior capacidade económica apenas sindicáveis com os custos inerentes ao recurso à via judicial a que muitos, para não dizer a grande maioria, acabam por não aceder, preferindo suportar a discricionariedade dos critérios da empresa em vez de os combater.

54. Resulta do exposto que o reconhecimento de que houve manifesto abuso no exercício do direito por parte do autor não significa que a conduta da ré, passando a exigir-lhe o serviço sem proporcionar um acesso francamente aberto à rede - acesso que permitiria o envio de sms para as finalidades visadas pelo autor - esteja justificada, ou seja, a ré incorreu sempre, atuando como atuou, em incumprimento contratual.

55. Dos factos provados resulta que o cartão finalizado com os números 43 foi sujeito em 25-8-2008 a uma alteração para Livre Total Bónus (27) sem que se provasse que a ré tivesse fixado um número de sms gratuito que a todas as luzes se considerasse passível de justificar uma publicidade e uma proposta contratual de acesso gratuito e ilimitado.

56. Trata-se, pois, aqui e agora de fixar o número de mensagens a enviar por sms gratuitos em termos tão amplos que permita simultaneamente considerar que a sua utilização não é manifestamente excessiva e que a exigência de pagamento por parte da ré, no caso de um exercício excedente, não traduz, ela própria, um comportamento abusivo.

57. É este um caso em que se impõe a observância do princípio do contraditório (artigo 3.º do C.P.C./2013) e em que se exige a cooperação das partes (artigo 7.º do C.P.C./2013). Na falta de acordo, o Supremo Tribunal fixará um número que ficará obviamente aquém dos 60.000 sms que o autor enviava (ou pretendia enviar) mensalmente, mas que será francamente superior aos 6.000 sms mensais que resultariam da proposta da ré a que se alude em 16-A dos factos provados.

58. Concede-se, assim, e em parte, a revista da ré condenando-se a ré a prestar ao autor, gratuitamente, o serviço de envio de mensagens e chamadas para outros utilizadores da sua rede de telefones móveis, relativamente ao cartão com o número 93...43 em número a indicar depois de, para este exclusivo efeito, serem ouvidas as partes, confirmando-se, quanto ao demais, o acórdão da Relação no tocante ao que foi decidido relativamente à ré.

B) Recurso interposto pelo autor

59. O autor delimitou o objeto do recurso à questão da fixação do montante indemnizatório a suportar pela ré para reparação dos danos causados com o seu comportamento ilícito.

60. O autor celebrou com a ré contrato de prestação de serviços (artigos 405.º e 1154.º do Código Civil) por via do qual a ré se obrigou, mediante pagamento de carregamentos a efetuar regularmente pelo autor, a proporcionar-lhe serviço de telemóvel para todas as redes existentes. Mas com uma diferença importante: ao passo que para as demais redes o réu pagaria determinada quantia por mensagem escrita, tratando-se da rede da ré o custo seria gratuito e o acesso ilimitado.

61. O presente litígio resulta do facto de a ré ter deixado de prestar ao autor o aludido serviço gratuito.

62. A ré considerou que estava autorizada contratualmente a alterar o contrato celebrado por ter o autor violado a política de utilização responsável BB zero constante do respetivo site.

63. No entanto, nem sequer se provou que tais condições contratuais gerais se encontrassem publicadas no site da ré (ver facto 1 dos factos não provados: "1. que as Condições Gerais do tarifário BB Zero se encontravam publicadas no site da ré").

64. O autor, em termos contratuais, apenas dispunha dos elementos que constavam da embalagem que lhe foi fornecida com os cartões onde constava o que se refere em 8 dos factos provados: "as comunicações da Voz e SMS para outros utilizadores da rede da ré eram a 0 cêntimos para sempre e sem limites".

65. Houve, por conseguinte, incumprimento contratual da ré a partir do momento em que deixou infundadamente de prestar ao autor o aludido serviço gratuito, emergindo desse incumprimento culposo a obrigação de indemnização (artigos 798.º e 799.º do Código Civil).

66. O Tribunal da Relação condenou a ré no pagamento de indemnização por danos não patrimoniais no montante de 2000 euros, decisão que não está aqui em discussão face ao disposto no artigo 635.º/5 do C.P.C./2013.

67. No entanto, no tocante a danos patrimoniais, a Relação considerou que a quantificação do autor - o autor reclamou a quantia de 77.520 euros correspondentes ao custo de cada SMS que a ré lhe pretendia cobrar com a alteração do contrato multiplicado por 2000 mensagens diárias, considerando-se o período de 647 dias que decorre desde 25-8-2009 (ver 14 dos factos provados) até 3-6-2011 (data em que a presente ação foi proposta) - se mostra

" totalmente descabida e infundada já que não resulta demonstrado, até porque nem sequer foi alegado, que o autor a partir da data em que viu alterado pela ré o tarifário prosseguiu com o envio diário das 2000 mensagens escritas, como até ali vinha fazendo, suportando os respetivos custos à razão de 0,06€ por cada uma delas.

Ao invés, resultou comprovado que desde que a ré procedeu à alteração do tarifário cobrando por cada mensagem escrita enviada a importância de 0,06€, o autor deixou de enviar mensagens, tal com o fazia até então - factos 18.º e 19.º provados.

Assim, à míngua de elementos que permitam imputar à atuação ilícita da ré quaisquer prejuízos patrimoniais sofridos pelo autor, resta a reparação dos danos não patrimoniais que dela resultaram para o demandante e que, pelo seu relevo, não podem deixar de merecer a tutela do direito"

68. De facto, no que respeita a danos patrimoniais, importa considerar os prejuízos causados; ora nenhum prejuízo sofreu o autor, o que já não sucederia se o autor tivesse suportado o custo de SMS com base no aludido valor - assim como os " benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão" (artigo 564.º/1 do Código Civil).

69. Não se provou nem tão pouco se alegou que o lesado tivesse deixado de obter benefícios em consequência da privação do acesso gratuito ao serviço de SMS.

70. O autor, porém, sustenta que o seu prejuízo se reconduz à própria privação do serviço, sendo esta indemnizável tal com se vem sustentando a propósito da privação de uso da coisa danificada.

71. É evidente que o autor pretende ser indemnizado, não pela privação do uso da coisa - o que sucederia se o equipamento se danificasse por ato da responsabilidade da  ré e esta não lhe proporcionasse outro em substituição - mas pelo incumprimento da obrigação contratual a que a ré se obrigara.

72. Ora o autor está a fazer corresponder a indemnização pelo incumprimento do contrato ao suposto valor do direito ao cumprimento do contrato, realidades diferentes, diferença evidenciada pela possibilidade de o credor exigir simultaneamente o cumprimento do contrato e a indemnização pelos danos que lhe advieram do incumprimento.

73. Podia o autor ter pedido o cumprimento do contrato logo que lhe foi comunicada pela ré a alteração unilateral do contrato; não o fez, reclamando apenas o restabelecimento do contrato a partir do dia seguinte à apresentação da presente ação com sujeição da ré à sanção pecuniária compulsória de 120 euros/dia que as instâncias não concederam.

74. Como se disse, o valor passível de ser atribuído ao direito ao cumprimento do contrato consubstanciado na prestação da ré, ou seja, o valor que a ré proporcionou ao autor prestando-lhe um serviço gratuito cujo custo a ré suporta, não coincide nem com o custo que a ré fatura aos clientes que não beneficiem desse serviço gratuito nem com os prejuízos que a sua supressão pode causar aos contratantes.

75. O pedido de cumprimento do contrato não é compatível com a indemnização por reconstituição natural "precisamente porque essa reconstituição natural corresponde ao próprio cumprimento coercivo" ("Direito ao Cumprimento Contratual: Que Conteúdos? por Assunção Cristas, Themis, Edição Especial, 2008, pág. 292).

76. A indemnização em dinheiro ou por equivalente atribuível em vez da restauração, reconstituição ou reposição natural não corresponde ao valor do serviço prestado ou da coisa deteriorada, mas à perda patrimonial que a cessação do serviço causou ou ao "valor em que a coisa deteriorada diminuiu em consequência do facto danoso" ("Obrigação de Indemnização", Vaz Serra, B.M.J., n.º 84, março de 1959, pág. 127).

77. Por isso, a indemnização a atribuir em dinheiro ou por equivalente à reconstituição natural - que aqui não foi pedida porque foi pedido foi o direito ao cumprimento - carece sempre da alegação dos prejuízos que o incumprimento determinou.

78. Não olvidemos que a ocorrência de um ato ilícito culposo não implica necessariamente a existência de prejuízos (artigo 483.º do Código Civil). Da violação de um direito podem não resultar danos.

79. Não olvidemos também que

" a falta da mesma prestação, seja esta ou não dotada de valor pecuniário, pode dar lugar a prejuízos ou não os causar segundo as circunstâncias, e pode dar origem a prejuízos de várias espécies e de montante diferente, os quais são possíveis em maior ou menor número em cada caso concreto, sem que nenhuma dessas variações corresponda a mudanças no valor da prestação, quando ela o possui.

Tudo isto é demonstração mais do que suficiente de que a prestação é suscetível de ser objeto do contrato, ainda quando não tem valor pecuniário, e de que, se na realidade o tem, esse valor não equivale de forma nenhuma ao montante dos danos, os quais constituem o único objeto da reparação" (O Dever de Prestar e o Dever de Indemnizar, Vol I, Manuel Gomes da Silva, pág. 220).

80. O autor, se a sua pretensão indemnizatória fosse aceite, iria afinal receber da ré aquilo que esta nunca poderia receber do autor pois o cumprimento do contrato impunha à ré a prestação de um serviço gratuito. Os prejuízos do autor reconduzem-se aos gastos por ele suportados pelo facto de a ré ter deixado de lhe prestar esse serviço ou aos benefícios que pela mesma razão deixou de auferir, matéria que não foi alegada. Os prejuízos do autor não se reconduzem ao custo do serviço que a ré suportou e que esta se obrigou a proporcionar gratuitamente.

81. Sustenta o recorrente que a Relação não fixou nenhuma indemnização para compensar os danos que continuam a verificar-se até que se restabeleça o serviço contratado, desrespeitando-se o disposto no artigo 564.º/do Código Civil. Ora, não provados danos patrimoniais e fixados danos não patrimoniais, a Relação não tinha, sob pena de contradição, que fixar, a esse título, qualquer quantitativo indemnizatório.

82. Nega-se, portanto, a revista do autor.

Concluindo:

I- O Supremo Tribunal, atento o princípio da concentração dos meios de defesa que consta do artigo 573.º/1 do C.P.C./2013, não pode considerar suscitada a exceção perentória do erro sobre as circunstâncias que constituem a base do negócio (artigo 252.º/2 do Código Civil) se ela não foi invocada na contestação nem tão pouco o foi por via de articulado superveniente considerando factualidade que se revelou na sequência de convite dirigido pelo juiz ao autor.

II- Ainda que se admita que o erro a que alude o artigo 252.º/2 do Código Civil pode ser unilateral, no caso vertente não se justificaria a alteração do contrato nos termos do artigo 437.º/1 do Código Civil, pois não se provou que, nas indicadas condições, a utilização do serviço de sms constituísse grave violação dos princípios da boa fé e o facto de a ré pretender auferir pelos sms excessivos o pagamento de determinada quantia revela que os riscos do contrato se reconduziam exclusivamente à perda dessas quantias que foram contratualmente assumidas pela própria ré, ou seja, a exigência da prestação de serviço ilimitado estava coberta pelos riscos do próprio contrato.

III- Considerando que a ré se obrigou a proporcionar ao autor "acesso gratuito" e "sem limites" para a sua rede, a ré incorre em incumprimento se deixa de prestar esse serviço alegando excesso de utilização do serviço gratuito.

IV- Não estando o autor vinculado por cláusulas contratuais gerais que não constavam do contrato celebrado quando adquiriu a embalagem com o material que lhe dava acesso ao aludido serviço e que nem constavam ao tempo do site da ré, o autor, ainda que haja enviado mensagens em número muito superior ao que é normalmente enviado pelos utilizadores do serviço, não incorre em grave abuso do direito, designadamente quando se reconhece que fez essa utilização tendo em vista a divulgação de serviços de informática que tinha em mente realizar.

V- Tal utilização, ainda que de natureza comercial e executada por via não manual, não estava contratualmente excluída, estando, por conseguinte, abrangida pela obrigação contratualmente assumida pela ré de proporcionar acesso ilimitado e não tinha em vista nenhuma finalidade ilícita, nem se vê que fosse exercida com objetivo de puro desperdício.

VI- Não incorrendo o autor num grave abuso do direito, excede todavia manifestamente os limites impostos pela boa fé no exercício do direito que é reclamada no artigo 762.º do Código Civil, incorrendo em abuso do direito (artigo 334.º do Código Civil) se, aproveitando a possibilidade de acesso gratuito e ilimitado, envia mensagens sms em número mínimo de 2000/dia, ou seja, de 60.000/mês, quantidade esta que ultrapassa a razoabilidade e proporcionalidade de utilização que estão necessariamente implícitas na atribuição do acesso gratuito e ilimitado.

VII- O reconhecimento desse exercício abusivo não exclui o incumprimento da ré que decidiu alterar unilateralmente o contrato, passando a cobrar um determinado valor por chamada em sms sem fixar um mínimo francamente amplo ao qual o autor pudesse continuar a aceder gratuitamente, não atuando a ré também de boa fé quando se propõe fixar discricionariamente em função de referenciados perfis de clientes o número de chamadas que cada cliente pode efetuar gratuitamente sem disso informar o cliente previamente.

VIII- Não tem o réu direito a indemnização por prejuízos resultantes do incumprimento pois não provou que nenhum prejuízo adviesse do incumprimento, não derivando do incumprimento o custo do serviço que a ré suportou e que se obrigou a proporcionar gratuitamente e que, a partir de determinado momento, quis receber do autor.

Decisão: concede-se em parte a revista da ré condenando-se a ré a prestar ao autor, gratuitamente, o serviço de envio de mensagens e chamadas para outros utilizadores da sua rede de telefones móveis, relativamente ao cartão com o número 93...43 em número que indicaremos depois de, para este exclusivo efeito, serem ouvidas as partes, confirmando-se, quanto ao demais, o acórdão da Relação no tocante ao que foi decidido relativamente à ré; nega-se a revista do autor.

Custas na proporção de 2/3 a suportar pelo autor e de 1/3 a suportar pela ré.


Lisboa, 10-9-2015

Salazar Casanova (Relator)

Lopes do Rego

Orlando Afonso