Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
07A3815
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: ALVES VELHO
Descritores: DIREITO DE PROPRIEDADE
AQUISIÇÃO ORIGINÁRIA
AQUISIÇÃO DERIVADA
ACESSÃO
POSSE
Nº do Documento: SJ200711270038151
Data do Acordão: 11/27/2007
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA
Sumário :
- Invocado como título de aquisição do direito de propriedade a usucapião, que é uma forma de aquisição originária, e provados os respectivos factos integradores, o direito não poderá deixar de ser reconhecido ao requerente.
- Se se invocar um título de aquisição derivada, como a compra e venda, então, é ainda necessário que se demonstre que o direito já existia na titularidade no transmitente, pois que o contrato não é constitutivo do direito de propriedade, mas apenas translativo.
- Quando assim seja, pode assumir especial relevância a figura da acessão da posse a que se refere o art. 1256º C. Civ., facultando a junção da posse do adquirente à do seu antecessor.
- O título a que alude e exige a norma do n.º 1 do art. 1256º é o que a lei também exigir para que o negócio de transmissão seja formal e substancialmente válido, não relevando, para o efeito, como título legítimo de aquisição, um acto nulo, sendo que, neste caso, só pode ser invocada a posse pessoalmente exercida e não a dos antepossuidores.
Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

1. - AA e BB intentaram contra CC acção declarativa, pedindo o reconhecimento do seu direito de propriedade sobre uma faixa de terreno do prédio rústico "Casal da Torre" e a condenação do réu a devolver-lha e a indemnizá-las, desde Julho de 1998, até entrega, no valor correspondente a € 750 mensais.
Alegaram, em síntese, que o R. comprou um terreno que confronta com o prédio das AA., que ocupou com um stand de exposição de veículos automóveis, alargando-a a uma faixa de terreno das AA..

O Réu, em contestação, sustentou não fazer parte do prédio das Autoras a parcela de terreno reivindicada, não confrontar o seu prédio com a mesma e, em reconvenção, pediu a declaração do seu direito de propriedade sobre o imóvel, com fundamento na sua aquisição, parte por compra e venda e parte por usucapião, ou, subsidiariamente, a condenação das autoras a pagarem-lhe € 75 000,00 pelas benfeitorias nela realizadas.

Na réplica, as AA. negaram a aquisição pelo Réu da parcela de terreno por usucapião, acrescentando que o prédio comprado pelo réu só tem 680 metros quadrados e o terreno que ele ocupa tem a área de 2 343 metros quadrados, e que, não sendo necessárias as benfeitorias por ele realizadas, não tem o R. direito à indemnização pretendida.

A final, foi reconhecida às Autoras a titularidade do direito de propriedade da parcela de terreno identificada com o n.º 7 (37/7) da inscrição matricial e da planta cadastral de fls. 10 e 200, com a área aproximada de 1 666 metros quadrados e condenado o Réu a restituir-lha e a pagar-lhe indemnização a liquidar em execução de sentença, e, na parcial procedência da reconvenção, as AA. foram condenadas a indemnizar o Réu no que se liquidasse em execução de sentença relativamente às benfeitorias úteis que não pudessem ser levantadas.

Mediante recurso do R., a Relação alterou a matéria de facto e julgou improcedente a acção e procedente a reconvenção, reconhecendo o R. como proprietário do prédio rústico constituído pela área de terreno correspondente ao representado na planta cadastral da Secção D da freguesia de Caneças, pelo artigo 43 e parcela 7 do artigo 37.


As AA. pedem revista, reclamando a procedência da acção, a coberto das seguintes conclusões:
a) Os vendedores ao R., ora Recorrido, do terreno objecto da escritura de compra e venda de 29/06/1998, estariam segundo o Acórdão do Tribunal da Relação na posse de um terreno de 2.343 m2 que englobava o inscrito na matriz cadastral sob o art. 43°, Secção D, com a área de 680 m2, que declararam vender, e a parcela 7 do inscrito sob o art. 37°-D com a área de 1.666 m2.
b) Porém, na referida escritura pública de compra e venda outorgada em 29/06/1998, os ditos vendedores apenas declararam vender ao R. o prédio descrito sob o art. 43°, Secção D, com a área de 680 m2.
c) Não foi pois todo o terreno ocupado pelo R. que lhe foi vendido nem tal terreno é um único prédio, como pretende o Acórdão recorrido.
d) O mesmo Acórdão ao dizer que o prédio que foi vendido ao R. foi um prédio de 2.343 m2 independentemente da sua identificação na matriz e descrição predial e que não se tratou de uma venda "a contado", esquece que, pelo contrário, o prédio vendido foi-o com expressa identificação de artigo de matriz e descrição predial e (o que o Acórdão parece ignorar totalmente), com referência expressa à área vendida.
e) O art. 236º do Código Civil não permite seguramente a interpretação feita pelo Acórdão.
f) O contrato de compra e venda transmite o direito de propriedade que nele se diz expressamente transmitir, mas não direito ou direitos mais amplos e de conteúdo diferente daquele.
g) Não está com efeito em causa uma área a mais ou a menos de uma propriedade, mas uma propriedade distinta daquela que foi vendida que se diz adquirida por usucapião.
h) A invocada acessão de posse por parte do R. relativamente ao terreno inscrito sob o art. 37-D, parcela 7 em nome de terceiros (as AA.) com a área de 1.666 m2 não tem pois título válido de aquisição pelo que não existiu tal acessão com base na compra efectuada.
i) A presunção legal de propriedade das AA. sobre o terreno que constitui a parcela 7 do art. 37 da matriz predial registada no registo predial em seu nome e que as mesmas reivindicam na presente acção não pode por isso ser contestada legalmente pelo R.
j) Foram violados os arts. 236º e 1256º-1 do C. Civil e 7º do Cód. do Registo Predial.

O Recorrido apresentou resposta em defesa do julgado.

2. - A questão decidenda consiste em saber se está demonstrada a aquisição pelo R. da parcela de terreno matricialmente inscrita sob o n.º 7 do art. 37º, Secção D, por compra venda e usucapião, podendo este juntar a sua posse à dos antepossuidores da parcela.


3. - Na Relação ficou assente a seguinte factualidade:

1 - Na freguesia de Caneças, Odivelas, existe um prédio misto, denominado "Casal da Torre" descrito na Conservatória do Registo Predial de Odivelas sob o n.º......../........., como sendo a parte urbana composta por sub-cave, cave, rés-do-chão, 1.º e 2.º andares, com a área coberta de 280 m2, inscrita na respectiva matriz sob o artigo 1825, e a parte rústica composta por uma parcela de terreno com a área de 78.279,55 m2, inscrita na respectiva matriz sob parte do artigo 37, Secção D, pendente de rectificação desde 22.06.81.
2 - No dia 12.07.71, no Cartório Notarial de Loures, perante o respectivo Notário, DD (que também usa DD), declarou vender, pelo preço de 300 000$00, a EE, que declarou aceitar a venda, de uma parcela de terreno, com a área de 78.559,55 m2, que foi desanexada da parte rústica do prédio misto sito no aludido lugar do Casal da Torre, freguesia de Caneças, descrito na Conservatória do Registo Predial de Loures, 2.a Secção, sob o n.º ......., do livro ..-.., estando a parte rústica inscrita na respectiva matriz sob o artigo 37, Secção D.
3 - A referida parcela de terreno passou a constituir um prédio autónomo, precisamente o prédio identificado no n.º 1, antes de nele ter sido construído o edifício urbano.
4 - Está registada a favor das autoras AA e BB a aquisição, sem determinação de parte ou direito, por dissolução da comunhão conjugal, quanto à primeira, e por sucessão hereditária, quanto a ambas, do prédio identificado no n.º.., pela inscrição ..-.., Ap..../ ....../.../...
5 - No dia 23.02.73, no Cartório Notarial de Loures, perante o respectivo Notário, DD (que também usa só DD) declarou vender a EE, que declarou aceitar a venda, pelo preço global de 125.000$00:
- um lote de terreno para construção urbana, com a área de 4.064 m2, sito no Casal da Torre, ou assim denominado, freguesia de Caneças, a confrontar, do norte, com EE, do sul com Estrada de Montemor, do nascente e poente com comprador, inscrito na respectiva matriz sob parte do artigo 37, Secção D;
- um prédio urbano, no mesmo sitio e freguesia, inscrito na respectiva matriz cadastral sob o artigo 334;
- um prédio urbano sito no mesmo Casal da Torre, freguesia de Caneças, inscrito na respectiva matriz sob o artigo 335,
que, no conjunto, constituíam o prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de Loures sob o n.º ......., a fls. 129 v., do livro B-5, cuja aquisição estava, então, registado a favor da vendedora DD pela inscrição n.º ......, a fls. 194, do livro G­2.
6 - O prédio do artigo 37, Secção D, no respectivo mapa cadastral, tem sete parcelas, tendo a parcela com o n.º 7 a área de 2.480 m2.
7 - No dia 29.06.98, no 21.° Cartório Notarial de Lisboa, o Sr. Dr. GG outorgando como procurador de HH e mulher II, JJ, KK, LL e mulher MM, NN e mulher OO e PP e marido QQ, declarou vender a CC, representado no acto pelo seu procurador RR que declarou aceitar a venda, mediante o preço de 3 100 000$00, o prédio rústico denominado "Horta do .......", composto de parcela de cultura arvense com oliveiras, com a área de 680 m2, sito na freguesia de Caneças, inscrito na respectiva matriz sob o artigo 43, Secção D, descrito na Conservatória do Registo de Odivelas sob o n.º ....../....... da dita freguesia de Caneças.
8 - O Réu, além da parcela de terreno correspondente ao artigo 43, secção D, no mapa cadastral, com a área de 680 m2, ocupa, desde então, a faixa de terreno que está identificada com o n.° .. (37/7) da inscrição matricial e da planta cadastral de fls. 10.
9 - Essa ocupação mantém-se, apesar de as AA. terem interpelado o réu, arrogando-se proprietárias dessa faixa de terreno ocupada.
10 - A área do prédio inscrito na matriz sob o artigo 37, Secção D, era, originariamente, de 113.120 m2.
11 - O prédio inscrito na matriz sob o n.º .., secção D, também, confina com o prédio inscrito na matriz sob o n.º .., secção D, pelo lado assinalado na planta cadastral junta com a petição inicial como documento n.° 2, constituindo fls. 10 dos autos, e de que está cópia certificada a fls. 200.
12 - A faixa de terreno a que alude o n.° .. consta na matriz predial e na planta cadastral como constituindo a parcela n.º 7 do artigo 37, secção D.
13 - A área do prédio inscrito na matriz sob o artigo 37, Secção D, prolonga-se, do lado poente, para lá da Estrada Nacional 250, que o atravessa, e para nascente da mesma estrada.
14 - A área total de terreno que o réu ocupa é de cerca de 2.343 m2, da qual 1.666 m2 correspondem à parcela n.º .. do art. 37, secção D.
15 - Se as Autoras tivessem arrendado a faixa de terreno em causa, obteriam uma renda mensal de montante não apurado.
16 - O prédio constituído pelas parcelas de terreno correspondentes aos artigos 43 e 37/7, secção D, assinalados na planta cadastral junta com a petição inicial como documento n.º 2, constituindo fls. 10 dos autos, e de que está cópia certificada a fls. 200, desde há, pelo menos 50 anos foi amanhado, tratado e guardado por SS e seus sucessores, como seus donos, à vista de toda a gente, sem oposição de ninguém e na convicção de que não lesavam direitos de terceiros.
17 - Actuação que foi continuada pelo Réu depois de ter celebrado o contrato formalizado pela escritura pública de 29.06.98.
18 - No terreno que ocupa, o réu praticou os seguintes actos:
- vedou-o com uma rede plastificada colocada sobre um murete a todo o comprimento;
- limpou-o;
- instalou energia eléctrica;
- fez um furo para captação de água e comprou a respectiva bomba e balão de pressão que instalou numa cabine que mandou fazer para o efeito;
- compactou o terreno;
- fez um novo murete junto à vedação e instalou um sistema de rega automático;
- comprou e instalou um escritório tipo pré-fabricado;
19 - Nessas obras, o réu despendeu montante não apurado.

4. - Mérito do recurso.

4. 1. - A acção ora em apreciação configura uma acção de reivindicação com expresso acolhimento no art. 1311º C. Civil visando, ao que aqui interessa, o reconhecimento do direito de propriedade de uma faixa de terreno, inscrita na matriz predial sob o art. 37/7-D, que, estendendo-se ao longo da estrada, se situa para Norte do prédio do R. inscrito na matriz sob o art. 43-D, representada nas plantas de fls. 10 ou 200 e 89, da qual as AA. pedem a restituição
Como razão de reconhecimento do direito de propriedade que peticionaram invocaram as AA. a aquisição derivada, operada por escritura pública de 1971, sucessão e registo, ao que os R. contrapôs a usucapião, invocando a posse e propriedade dos vendedores do prédio do art. 43-D e a sua continuação nessa posse, tudo para os fins previstos no art. 1316º C. Civil.

Como é sabido, invocado como título de aquisição do direito de propriedade a usucapião, que é uma forma de aquisição originária, e provados os respectivos factos integradores, o direito não poderá deixar de ser reconhecido ao requerente.
Pode suceder que se invoque um título de aquisição derivada, como a compra e venda, sendo que, então, é ainda mister que se demonstre que o direito já existia na titularidade no transmitente, pois que o contrato não é constitutivo do direito de propriedade, mas apenas translativo.
Quando assim seja, pode assumir especial relevância a figura da acessão da posse a que se refere o art. 1256º C. Civ., facultando a junção da posse do adquirente à do seu antecessor.
A usucapião de imóveis, não havendo registo do título nem da mera posse, dá-se ao termo de vinte ou quinze anos, consoante a posse seja de má fé ou de boa fé, respectivamente – art. 1296º.

Havendo registo definitivo do direito de propriedade presume-se a existência do direito na titularidade do sujeito como tal inscrito – art. 7º C. Registo Predial - , cabendo a quem impugne a propriedade inscrita demonstrar que a respectiva titularidade não corresponde à verdade (art. 344º-1 C. Civil).


4. 2. - Percorrendo a matéria de facto provada, constata-se que:
- As AA beneficiam da titularidade registral do terreno que constitui o conjunto predial inscrito na matriz sob o art. 37-D, nomeadamente da sua parcela n.º 7, que corresponde à faixa que o R. ocupa e que confina com o terreno que constitui o art. 43-D;
- O R. declarou aceitar a venda que do prédio que constitui este último artigo, com a área de 680 m2, “que não confina com quaisquer outros que os vendedores possuam”, estes, sucessores de SS, lhe fizeram, em 1998;
- SS e seus sucessores possuíram, durante 50 anos, as parcelas de terreno correspondentes aos artigos 43-D e 37/7-D, em termos de poderem invocar a seu favor os requisitos que o dito art. 1296º prevê para a aquisição da propriedade de imóveis por usucapião; e,
- Depois de celebrar o contrato de compra do prédio do art. 43-D, em 1998, a mesma “actuação foi continuada pelo Réu”.

Perante estes elementos logo se vê que no contrato de compra e venda, titulado pela escritura de 1998, os alienantes apenas declararam transmitir ao Réu o prédio denominado “Horta do .....”, com a área de 680m2, inscrito na matriz sob o art. 43, Secção D, e descrito na Conservatória sob o n.º ....../..........
Uma tal realidade física é inconfundível com um terreno com os 2343 m2 que o R. passou a ocupar, sendo certo que, ao tempo da compra, o art. 37, que até dispõe de planta cadastral se encontrava, com o actual conteúdo inscrito na matriz e descrito na Conservatória de Registo Predial .
De resto, o R. não demonstrou, nem sequer alegou, que as pessoas que figuram como vendedoras na escritura de 1998, ou outras, lhe venderam e/ou transmitiram a posse da parcela do art. 37 - invocando um qualquer acto translativo dessa posse (tradição ou constituto) -, limitando-se a afirmar que os vendedores do art. 43-D dele eram possuidores como donos até à data da venda e que ele, Réu, continuou com a mesma posse, pois estava convencido que adquiria toda a faixa de terreno que ora ocupa.
Posição que, em qualquer dos seus aspectos, não se vê como sustentar ante a declaração da área do prédio declarado vender cumulada com a de não serem donos de terreno com ele confinante.


4. 3. - O n.º 1 do art. 236.º acolhe a denominada "teoria da impressão do destinatário", de cariz objectivista, segundo a qual a declaração vale com o sentido que um declaratário normal, medianamente instruído, sagaz e diligente, colocado na posição do concreto declaratário, a entenderia.
Porém, quando estejam em causa negócios formais, é maior o objectivismo exigido ao intérprete.
Com efeito, estatui-se no art. 238.º-1, o sentido correspondente à impressão do destinatário não pode valer se não tiver um mínimo de correspondência, embora imperfeita, no texto do respectivo documento.
Acontece, nesta caso, que se o sentido que se retirar por aplicação do critério consagrado no n.º 1 do art. 236.º não estiver documentado, então, por carecido de forma, enferma de vício que a lei comina com a nulidade (art. 220.º C. Civil).
Só assim não será, como especialmente previsto no n.º 2 do mesmo art. 238.º, quando, não se encontrando, embora, na declaração uma expressão minimamente adequada, esse sentido não traduzido corresponda à vontade real das partes e as razões determinantes da forma do negócio se não oponham «à validade de um sentido que, no ponto considerado, exorbite da declaração. Se, por exemplo, se pretende vender todo um prédio, mas se declara, na escritura de alienação, que o negócio abrange apenas uma parte do imóvel, não pode dizer-se que estão satisfeitas as razões de forma legal relativamente à parte do prédio não abrangida na declaração documentada»(P. DE LIMA e A. VARELA, "C. Civil, Anotado", I, 1987, 225).

O negócio sub judicio é um contrato de compra e venda de imóveis.
Está, por imposição da lei, sujeito à forma de escritura pública, sendo o respectivo documento, como unanimemente entendido, uma formalidade ad substantiam e não meramente ad probationem - art. 875.º C. Civil.
Estamos perante um negócio formal em que o documento que o corporiza não contém qualquer referência à alienação e compra da parcela.
O R. não provou, como lhe competia, por ser facto constitutivo do direito que invocou (art. 342.º-1 C. C.), que, apesar da omissão no escrito que titula o contrato, a vontade real dos contraentes era a de no objecto da transacção ser integrada a parcela 37/7.
Porém, mesmo que o tivesse feito, a segunda condição exigida no n.º 2 do art. 238.º, opor-se-ia ao sucesso da pretensão, pois que a falta absoluta da formalidade ad substantiam a que estava sujeita a declaração negocial - referência no texto do documento escrito à inclusão na venda da parcela - ergue-se como obstáculo intransponível.
A declaração, porque não vertida no escrito imperativo, sempre seria, como se deixou referido, nula (art. 220.º cit.).
Não interessa, mesmo, como não interessava antes, lançar mão do critério objectivista de interpretação previsto no n.º 1 do art. 236.º, convocando outros elementos instrumentais, por isso que, insiste-se, os desvios e maior exigência que o critério do art. 238.º previamente impõe o excluem.

Carece, pois, o R. de qualquer título de transmissão da propriedade ou da posse do terreno reivindicado pelas Autoras: - não tem título válido, porque não foi celebrado contrato de compra e venda com observância da forma legal (art. 875º C. Civil); não dispõe de outro que encerre transmissão atendível, porque nada provou, nem alegou, sequer, como notado, a tal propósito (venda ou doação verbal, tradição/entrega, etc.).


4. 4. - A posse iniciada pelo R., com a ocupação que fez na “continuação” da que antes praticavam os outorgantes vendedores na escritura, nada vale, como modo de aquisição da propriedade, à luz dos requisitos fixados pelo art. 1396º C. Civil.

Por outro lado, na falta de título de transmissão da “posse” que detém (mesmo quando se prescindisse de contrato válido), está de todo vedada ao Réu a invocação em seu benefício da mencionada acessão da posse (art. 1256º cit.).

Acresce que, como é entendimento jurisprudencial constante, o título a que alude e exige a norma do n.º 1 do art. 1256º é o que a lei também exigir para que o negócio de transmissão seja formal e substancialmente válido, não relevando, para o efeito, como título legítimo de aquisição, um acto nulo, sendo que, neste caso, só pode ser invocada a posse pessoalmente exercida e não a dos antepossuidores (cfr., por todos, acs. STJ de 6/7/76 e 10/12/87 e RP de 5/5/2005, procs. 066256, 075048 e 0531757 ITIJ).

4. 5. - Nesta conformidade, perante a inexistência de título translativo da propriedade e/ou da posse e a irrelevância jurídica da detenção do Réu relativamente ao direito de propriedade sobre a parcela em causa, mantém-se intocada a titularidade presumida decorrente da inscrição registral.

5. - Decisão.

Pelos fundamentos expostos, acorda-se em:
- Conceder a revista;
- Revogar a decisão impugnada;
-Repor em vigor as decisões proferidas na sentença da primeira Instância; e,
- Condenar o Recorrido (Réu) nas custas.


Lisboa, 27 de Novembro de 2007

Alves Velho (Relator)

Moreira Camilo
Urbano Dias