Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1224/10.8TBPBL-B.C1.S1
Nº Convencional: 6ª SECÇÃO
Relator: JOÃO CAMILO
Descritores: INSOLVÊNCIA
GRADUAÇÃO DE CRÉDITOS
IMPUGNAÇÃO
ERRO
Data do Acordão: 03/20/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA
Área Temática:

DIREITO DAS SOCIEDADES COMERCIAIS - SOCIEDADES POR QUOTAS / GERÊNCIA E FISCALIZAÇÃO.
DIREITO FALIMENTAR - VERIFICAÇÃO DE CRÉDITOS - INCIDENTE PLENO DE QUALIFICAÇÃO DA INSOLVÊNCIA.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - PROCESSO DE DECLARAÇÃO / ARTICULADOS / RECURSOS.
Doutrina:
- Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 8ª ed., pp. 180 e 181.
- Jacinto Rodrigues Bastos, Notas ao CPC, vol. III, p. 201.
Legislação Nacional:
CIRE: - ARTIGOS 129.º, 130.º, N.º3, 188.º.
CÓDIGO DAS SOCIEDADES COMERCIAIS (CSC): - ARTIGOS 6.º, N.ºS1 E 3, 260.º, N.º2.
NOVO CÓDIGO DE PROC. CIVIL (NCPC): - ARTIGOS 580.º, 665.º, 668.º, N.º1.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 21-09-2000, IN CJSTJ, ANO VIII, TOMO III, P. 36 E SEGS.;
-DE 15-11-2008, NO PROCESSO Nº 08A3102;
-DE 28-05-2013, NO PROC. 300/04.OTVPRT-A.P1.S1, EM WWW.DGSI.PT .
Sumário :

I. Tendo sido um crédito incluído pelo administrador da insolvência na lista a que se refere o art. 129º do CIRE e não tendo havido impugnação do mesmo, tem este de ser verificado e graduado, nos termos do nº 3 do art. 130º do CIRE.

II. A circunstância de no processo de qualificação da insolvência ter sido nos fundamentos da decisão respectiva, se haver concluído pela  nulidade daquele crédito por violação do disposto no art. 6º do Cód. das Sociedades Comerciais, não implica a existência de erro manifesto previsto no nº 3 do art. 130º mencionado.

III. O titular do crédito em causa não tendo sido parte no processo de qualificação da insolvência e não tendo nele intervindo, não pode ser surpreendido pela nulidade do seu crédito, sem que tivesse oportunidade de alegar ou provar a excepção à referida invalidade prevista no nº 3 do art. 6º mencionado.

Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

Por apenso aos autos de insolvência n.º 1224/10.8TBPBL, que correu termos no 1º Juízo do Tribunal Judicial de Pombal, nos quais foi declarada a insolvência de “CONSTRUÇÕES ... & ..., Lda.”, mediante sentença de 15 de Junho de 2010, veio a Sra. Administradora da Insolvência juntar aos autos a lista de todos os créditos reconhecidos, nos termos do art. 129.º do C.I.R.E., em 2 de Setembro de 2010.

Na sequência processual, foram deduzidas impugnações a essa lista por parte dos credores “..., Engenharia e Instalações Técnicas, Lda”, “Estores ... Lda” e por AA e BB.

A Sra. Administradora da Insolvência respondeu à impugnação apresentada por AA e BB, o que igualmente fizeram os credores  “Caixa Económica Montepio Geral” e “..., Unipessoal, Lda”.

Entretanto, os ditos credores AA e BB vieram a fls. 304 desistir da impugnação apresentada, desistência que foi homologada por sentença de 13 de Janeiro de 2012, oportunamente transitada em julgado.

Efectuada a tentativa de conciliação a que alude o art. 136º, nº1 do C.I.R.E., nela vieram a ser aprovados os créditos das credoras “..., Engenharia e Instalações Técnicas, Lda” e “Estores ... Lda”, nos exactos termos em que por estas foram reclamados.

Por sentença de 4 de Janeiro de 2013, veio então a ser proferida sentença de verificação e graduação de créditos que considerou reconhecidos os créditos constantes da lista de credores apresentada pela Sra. Administradora da Insolvência “que não foram impugnados e os que foram aprovados na tentativa de conciliação”, nessa conformidade passando a proferir decisão final de verificação e graduação, invocando para tanto que “(…) de acordo com as referidas disposições legais, estabelece-se um efeito cominatório pleno relativamente aos créditos que tenham sido objecto de reclamação e de aprovação, não havendo que averiguar da sua proveniência e natureza, na medida em que tenham sido alegados pelos credores reclamantes.

Não se conformando com a sentença proferida, na parte em que verificou e graduou os créditos de 3 credores que referencia (crédito da “Caixa Económica Montepio Geral”, enquanto garantido por penhor sobre 4 depósitos bancários; crédito da “..., Lda.”; crédito da “Fazenda Nacional”, como privilegiado), veio dela interpor recurso de apelação o credor “..., UNIPESSOAL, LDA”, que veio a ser julgado procedente no tocante aos dois primeiros créditos referidos – da Caixa Económica Montepio Geral  e  da ... Lda. – mandando rectificar a lista do art. 129º do CIRE apresentado pela administradora da Massa Insolvente de modo a que aqueles créditos não figurem na lista por os haver considerados nulos, anulando os actos processuais subsequentes à apresentação daquela lista prevista no art. 129º referido.

Também apelou a Caixa Económica Montepio Geral impugnando a ordem de graduação dos seus créditos admitidos, tendo, porém, o objecto deste recurso ficado prejudicado com a decisão proferida referente ao outro recurso de apelação.

Mais uma vez inconformada, veio a credora Caixa Económica Montepio Geral interpor a presente revista, tendo nas suas alegações formulado conclusões que por falta de concisão não serão aqui transcritas e das quais se deduz que aquela para conhecer neste recurso, levanta as seguintes questões:
a) Não podia o acórdão recorrido revogar a sentença de verificação e graduação de créditos proferida com base em a sentença proferida no apenso de qualificação e da insolvência haver julgado nulo o crédito da recorrente, o que esta sentença, na realidade, não declarou ?
b) Mesmo que assim se não entenda, a nulidade da prestação pela insolvente da garantia em causa nunca seria oponível à recorrente que era terceira de boa fé ?
c) E de qualquer modo, sempre o acórdão recorrido deveria ter ordenado a baixa do processo à 1ª instância para aí ser proferido despacho a ordenar a rectificação pela administradora da insolvência da lista de credores, nos termos do art. 129º do CIRE ?

Não foram apresentadas contra- alegações.

Corridos os vistos legais, urge apreciar e decidir.

Como é sabido – arts. 635º, nº 4 e 639º, nº 1  do Novo Cód. de Proc. Civil -, o âmbito dos recursos é delimitado pelo teor das conclusões dos recorrentes.

Já vimos acima as concretas questões levantadas pela recorrente como objecto deste recurso.

Mas antes de mais nada há que especificar aos factos que as instâncias deram por provados e que são os seguintes:

I – A sociedade “CONSTRUÇÕES ... & ..., Lda.”, mediante sentença de 15 de Junho de 2010, foi declarada insolvente;

II – O recorrente “..., Unipessoal, Lda” reclamou um crédito de 28.749,56 €, referente ao capital em dívida, acrescido de 1.255,42 € de juros, num total de 33 662,87 €.

III – A recorrente “Caixa Económica Montepio Geral” reclamou um crédito no valor de 200.643,87 € de capital e 89,71 € de imposto de selo, acrescido de 263,86 € de juros em dívida, num total de 200.733,58 €, assim como 20,55 € de imposto de selo, 1.978,95 € e juros contabilizados desde 15 de Junho de 2010, num total de 1.999,50 €, no valor global de 202.976,39 €, garantido por penhor sobre os depósitos 124.15.002342-0, 124.15.002091-3, 124.15.002364-4 e 124.15.002429.5.

A “Caixa Económica Montepio Geral” reclamou ainda o seu crédito de 2.063.871,68 €, referente ao capital em dívida, acrescido de 23.573,81 € de juros, sendo o crédito de 2.083.134,90 € garantido por hipoteca sobre o prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de Montemor-o-Velho sob o n.º 1823/20030930, sobre as fracções “B” e “F” do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de Montemor-o-Velho sob o n.º1836/20030930 e sobre as fracções “A”, “B”, “C”, “D”, “F”, “G”, “H”, “I”, “K” e “L” do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de Montemor-o-Velho sob o n.º 1826/20030930, bem como o crédito de 674,96 € e o de 4,15 €.

IV – A credora “..., L.da” reclamou o seu crédito de 101.800 €, referente a capital em dívida, acrescido de 2.298,17 € de juros, num total de 104.098,17 €.

V – A credora Fazenda Nacional, reclamou um crédito de 2.453,86 € de capital, acrescido de 73,62 € de juros, num total de 2.563,20 €, por dívida de I.M.I..

VI – A insolvente “CONSTRUÇÕES ... & ..., L.da” encontra-se  matriculada na Conservatória do Registo Comercial de Pombal sob o n.° 1502/19940413, tem a sua sede em Caseirinhos e tem corno objecto a venda de materiais de construção, construção e reparação de edifícios e construção de obras públicas, sendo seus sócios-gerentes DD e EE.

VII – A sociedade “... — Construções, L.da” encontra-se matriculada na Conservatória do Registo Comercial de Pombal sob o n.° 2703/20010403, tem a sua sede na Estrada Principal de Fátima, n.° 1016, em Atouguia, concelho de Ourém, e tem como objecto a construção civil, a compra e venda de imóveis, a revenda dos adquiridos para esse fim e o comércio de materiais de construção, sendo seus sócios-gerentes DD e EE.

VIII – Esta sociedade “... — Construções, L.da” foi declarada insolvente por sentença de 9 de Junho de 2010, já transitada em julgado.

IX – Foram apreendidos à insolvente pela Sra. Administradora da Insolvência os prédios urbanos descritos na Conservatória do Registo Predial de Montemor-o-Velho sob os n.°s 1823/20030930-B, 1826/20030930-A, 1826/20030930-B, 1826/20030930-C, 1826/20030930-D, 1826/20030930-F, 1826/20030930-G, 1826/20030930-H, 1826/20030930-I, 1826/20030930-K, 1826/20030930-L, 1836/20030930-B e 1836/20030930-F, assim como os prédios descritos na Conservatória do Registo Predial de Coimbra sob os n.°s 5808/20050812, 6639/20070808, 4316/19990122-A, 4316/19990122-B e 1939/20080311 (autos de apreensão de fls.2 a 8 e 41 do Apenso de Apreensão de Bens n.° 1224/10.8TBPBL-C, aqui dados por integralmente reproduzidos).

X – Foram ainda apreendidas à insolvente 5 320 unidades de participação do Fundo VIP e o montante global de 150 000 € existente em 3 depósitos a prazo (de 50 000 € cada) na Caixa Económica Montepio Geral de Pombal (autos de apreensão de fls. 35 e 38 do Apenso de Apreensão de Bens n.° 1224/10.8TBPBL-C, aqui dados por integralmente reproduzidos).

XI – A aquisição dos prédios descritos na Conservatória do Registo Predial de Montemor-o-Velho sob os n.°s 1826/20030930-A, 1826/20030930-C, 1826/20030930-F, 1826/20030930-G, 1826/20030930-H, 1826/20030930-I, 1826/20030930-K e 1 826/20030930-L e na Conservatória do Registo Predial de Coimbra sob os n.°s 1836/20030930-B, 1836/20030930-F e 5808/20050812 encontra-se provisoriamente registada a favor de terceiros, por “compra”.

XII – Sobre os prédios descritos na Conservatória do Registo Predial de Coimbra sob os n.°s 5808/20050812 e 6639/20070808 encontram-se registadas hipotecas para garantia de um crédito de 25 000 € contraído junto do Montepio Geral.

XIII – Por sentença proferida no apenso de qualificação de insolvência da insolvente “CONSTRUÇÕES ... & ..., L.da”( n.° 1224/10.8TBPBL-A) em 16.11.2012, foi a mesma qualificada como “culposa”, declarando-se afectados por tal qualificação os sócios-gerentes DD e EE, fundando-se tal conclusão na circunstância de que, por um lado, não resultava constituir a assunção de obrigações pela ora insolvente (“CONSTRUÇÕES ... & ..., L.da”) de outra entidade (“... — Construções, L.da”) perante terceiro um acto necessário ou conveniente ao fim lucrativo daquela sociedade (“CONSTRUÇÕES ... & ..., L.da”) e que, por outro lado, sem se ter provado existir justificado interesse próprio da sociedade garante (“CONSTRUÇÕES ... & ..., L.da”) na prestação de garantias (penhor e hipoteca) e não se tendo comprovado a existência de uma relação de domínio ou de grupo entre essa sociedade garante e a sociedade cuja dívida foi garantida (“... — Construções, L.da”), importava considerar que quer a assunção de dívida, quer as garantias prestadas gratuitamente, eram nulas, sanção de nulidade que decorria de violação de norma imperativa (arts. 6º, nº3 do C.S.Comerciais e 294º do C.Civil), tudo com base na factualidade que se deu aí como apurada, de que cumpre ainda destacar, para além do já supra consignado nestes autos, o seguinte:

  “g) A insolvente “.... & ..., L.da” não tem alvará de construção e não tem trabalhadores a seu cargo.

   (…)

     o) A insolvente não tinha e nunca teve alvará de construção.

     p) Foi assumido pela insolvente a dívida que a sociedade “..., L.da” tinha para com a credora “...,  L.da”, dívida essa que ascende a mais de 90 000 € e que não consta da contabilidade da insolvente.

     q) Também por conta de dívidas da sociedade “...,  L.da”, a insolvente deu de penhor ao credor “Montepio Geral” as quantias existentes em depósito a prazo de cerca de 150 000 €.

     r) Também por conta de dívidas da “..., L.da”, a insolvente constituiu hipoteca a favor da Fazenda Nacional do imóvel adquirido à sociedade “A... & S..., L.da”.

   (…)

    v) A assunção da dívida de 90 000 pertencente à sociedade “..., L.da”, com os mesmos sócios e gerentes da insolvente, não consta da contabilidade.”

       Esta sentença transitou em julgado em Maio de 2013.

XIV – Na sentença proferida em 04.01.2013 nos presentes autos de verificação e graduação de créditos, foram verificados/reconhecidos entre outros, e para o que ora releva, os créditos reclamados por:

            -  Crédito da “Caixa Económica Montepio Geral”, no valor global de 202.976,39 €, garantido por penhor sobre os depósitos 124.15.002342-0; 124.15.002091-3, 124.15.002364-4 e 124.15.002429.5;

          - Crédito da “..., L.da” no valor de 104.098,17 € ;

          - Crédito da “Fazenda Nacional” no valor global de 2.563,20 €, como privilegiado.

XV – Na dita sentença proferida em 04.01.2013 nos presentes autos de verificação e graduação de créditos, foram graduados os créditos reclamados, relativamente aos prédios descritos na Conservatória do Registo Predial de Coimbra sob os n.ºs 5808/20050812, 6639/20070808, 4316/19990122-A, 4316/19990122-B e às unidades de participação do Fundo VIP, da seguinte forma:

d) Relativamente aos prédios descritos na Conservatória do Registo Predial de  Coimbra sob os n.ºs 5808/20050812 e 6639/20070808:

1.º - Créditos reclamados pela Fazenda Nacional;

2.º - Créditos reclamados por “... Unipessoal, Lda”, e um conjunto de outros credores, todos em paridade e igualdade;

3.º - Créditos reclamados por “Caixa Económica Montepio Geral”, e outros credores, referentes aos juros vencidos e vincendos após a prolação da sentença de declaração da insolvência, assim como os créditos de EE, “... – Construções Unipessoal, Lda” e de DD, também em paridade e igualdade.

e) Relativamente aos prédios descritos na Conservatória do Registo Predial de Coimbra sob os n.ºs 4316/19990122-A, 4316/19990122-B e 1939/20080311:

1.º - Créditos reclamados por “... Unipessoal, Lda”, e um conjunto de outros credores, todos em paridade e igualdade;

2.º - Créditos reclamados por “Caixa Económica Montepio Geral”, e outros credores, referentes aos juros vencidos e vincendos após a prolação da sentença de declaração da insolvência, assim como os créditos de EE, “... – Construções Unipessoal, Lda” e de DD, também em paridade e igualdade.

f) Relativamente às unidades de participação do Fundo VIP:

1.º - Créditos reclamados por “... Unipessoal, Lda”, e um conjunto de outros credores, todos em paridade e igualdade;

2.º - Créditos reclamados por “Caixa Económica Montepio Geral”, e outros credores, referentes aos juros vencidos e vincendos após a prolação da sentença de declaração da insolvência, assim como os créditos de EE, “... – Construções Unipessoal, Lda” e de DD, também em paridade e igualdade.”

g) Relativamente aos créditos apreendidos respeitantes aos depósitos bancários com os n.ºs 124.15.002342-0, 124.15.002091-3 e 124.15.002364-4:

1.º - Créditos reclamados pela “Caixa Económica Montepio Geral” garantidos por penhor;

2.º - Créditos reclamados por “... Unipessoal, Lda”, e um conjunto de outros credores, todos em paridade e igualdade;

3.º - Créditos reclamados por “Caixa Económica Montepio Geral”, e outros credores, referentes  aos juros vencidos e vincendos após a prolação da sentença de declaração da insolvência, assim como os créditos de EE, “... – Construções Unipessoal, Lda” e de DD, também em paridade e igualdade.

H) Relativamente ao crédito apreendido respeitante ao depósito bancário com o n.º 124.10.002084-9:

1.º - Créditos reclamados por “... Unipessoal, Lda”, e um conjunto de outros  credores, todos em paridade e igualdade;

2.º - Créditos reclamados por “Caixa Económica Montepio Geral”, e outros credores, referentes aos juros vencidos e vincendos após a prolação da sentença de declaração da insolvência, assim como os créditos de EE, “... – Construções Unipessoal, Lda” e de DD, também em paridade e igualdade.”

XVI – A Administradora da Insolvência apresentou oportunamente a relação de créditos definitiva, sendo que no respeitante aos prédios descritos na Conservatória do Registo Predial de Coimbra sob os n.ºs 5808/20050812, 6639/20070808 e 4316/19990122, não identificou aí a garantia hipotecária de que beneficiava o credor “Caixa Económica Montepio Geral”, assim como não identificou aí a garantia pignoratícia que esse mesmo credor detinha sobre as unidades de participação do Fundo VIP.

XVII – Foram apresentadas as impugnações de créditos supra referenciadas no Relatório deste acórdão, entre as quais nada figurava relativamente aos créditos reclamados pelos credores “Caixa Económica Montepio Geral”, “..., L.da” e “Fazenda Nacional”.

Vejamos agora cada uma das concretas questões acima elencadas como objecto deste recurso.
a) Nesta primeira questão pretende a recorrente que o acórdão recorrido não poderia revogar a sentença de verificação e graduação de créditos com base em a sentença proferida no apenso de qualificação da insolvência haver julgado nulo o crédito da recorrente, o que esta sentença, na realidade, não declarou.

Pensamos que a recorrente tem razão nesta pretensão.

Com efeito, o crédito da recorrente aqui em causa – o crédito global de € 202 976,39 garantido pelo penhor sobre depósitos bancários com os números 124.15.002342-0, 124.15.002091-3 e 124.15.002364-4 – foi relacionado pela administradora da insolvência na lista a que se refere o art. 129º do CIRE.

Este crédito não foi objecto de impugnação pelos credores e, por isso, foi o mesmo admitido e graduado na sentença de 1ª instância.

Por apelação da credora ..., Unipessoal, Lda., o acórdão recorrido entendeu que na sentença de qualificação da insolvência foi declarado que o referido crédito – e outro cujo titular não interpôs recurso – era nulo nos termos do art. 6º, nº 3 do Cód. das Sociedades Comerciais, pelo que havia um erro manifesto previsto no art. 130º, nº 3 do CIRE, o que permitiria a apreciação da sua validade e, portanto, teria esse crédito de ser eliminado da lista da administradora da insolvente prevista no art. 129º referido.

Ora não podemos concordar com tal entendimento.

Antes de mais há que analisar cuidadosamente a sentença de qualificação da insolvência cuja certidão consta a fls. 812 e segs.

Esta sentença, na sua parte decisória, apenas contém a qualificação da insolvência como culposa e a sanção aplicada aos respectivos sócios DD e EE de um período de inibição de exercício do comércio.

Unicamente  na fundamentação da mesma decisão consta a referência a que o acto de que resultou o crédito da recorrente em causa era contrário ao disposto no art. 6º, nº 1 do Cód. das Sociedades Comerciais e como se não provou que se verificava a excepção àquela regra constante do seu nº 3, era nulo o referido crédito.

Ora antes de mais, há que referir que se não prova que a aqui recorrente haja intervindo naquele processo de qualificação de insolvência – cfr. o disposto no arts. 188º do CIRE e nomeadamente o seu nº 6 e o teor descritivo da mesma sentença -, pelo que essa sentença não pode ser oponível à recorrente, nos termos  gerais do art. 580º do Novo Cód. de Proc. Civil – e já antes previsto no art. 497º do revogado Cód. de Proc. Civil.

Assim, mesmo considerando que o caso julgado abrange os fundamentos ou as soluções das questões preliminares que forem antecedente lógico indispensável à emissão daquela parte dispositiva – cfr. Jacinto Rodrigues Bastos,  Notas ao CPC, vol. III, pág. 201 -, nunca se poderia opor aquela sentença à recorrente sem lhe dar oportunidade de se pronunciar sobre a questão.

Por outro lado, o art. 130º nº 3 do CIRE prescreve que se não houver impugnação da lista de créditos elaborada pela administradora da insolvência é de imediato proferida sentença de verificação de créditos, homologando aquela lista, salvo se houver erro manifesto.

Tal como decidiu o acórdão desta secção proferido em 15-11-2008, no processo nº 08A3102, “perante a lista de credores apresentada pelo administrador da insolvência, e mesmo que dela não haja impugnações, o Juiz não pode abster-se de verificar a conformidade substancial e formal dos títulos dos créditos constantes dessa lista, e nem dos documentos e demais elementos de que disponha, com a inclusão, montante, ou qualificação desses créditos, a fim de evitar a violação da lei substantiva.“

E acrescenta aquele acórdão mais adiante:

“ Mas, se se tratar de erro de natureza substancial, cuja rectificação implique ficarem afectados direitos das partes, os princípios do contraditório e da igualdade substancial das partes implicam a impossibilidade de imediata elaboração de tal sentença, uma vez que a alteração que, com esse fim de rectificação desse erro, seja efectuada, origina que a lista de credores passe a ser distinta“.

Por isso, exclusivamente com base na referida sentença, nunca se poderia dizer que a lista de créditos apresentada pela administradora da insolvência padecesse de erro manifesto, para o mesmo deixar de ser homologado, nos termos do art. 130º, nº 3 referido.

É que a circunstância do crédito aqui em apreço ter como origem a concessão de um garantia por parte da insolvente a favor de outra sociedade que era devedora da recorrente, só por si, não significa que o crédito da recorrente enferme de nulidade, pois a regra do nº 1 do art. 6º do Cód. das Sociedades Comerciais tem a excepção prevista no seu nº 3 cuja verificação se não pode afastar sem que a respectiva interessada -  a aqui recorrente – haja tido oportunidade de se pronunciar sobre a mesma.

E isto sem necessidade de entrar na análise da questão de saber a quem incumbia o ónus de prova da verificação da excepção prevista no nº 3 do art. 6º referido à regra do seu nº 1.

Esta questão tem sido decidida por este Supremo Tribunal como não incumbindo ao credor cujo crédito se funde numa garantia dada pela insolvente, apesar de parte da doutrina entender de forma oposta.

Assim, no sentido da jurisprudência deste Supremo apontaremos,  exemplificadamente, os acórdãos deste STJ de 21-09-2000, in CJSTJ, ano VIII, tomo III, pág. 36 e segs. e de 28-05-2013, no proc. 300/04.OTVPRT-A.P1.S1, constante da base de dados do ITIJ.

Ainda acrescentaremos que o disposto no art. 6º do CSC tem de ser articulado com o disposto no art. 260º, nº 2 do mesmo diploma em que a eventual incapacidade ou vício por ter sido excedida a limitação do pacto social só pode ser oponível a terceiro de má fé, o que aqui não se alegou ou provou que a recorrente fosse.

Procede, desta forma, este fundamento do recurso.

b)  Nesta segunda questão pretende a recorrente que caso improceda a primeira questão nunca poderia ser tal nulidade oponível à recorrente como terceira de boa fé.

Uma vez que procedeu a primeira questão – onde, em parte, foi já apreciada esta questão - fica prejudicado o conhecimento desta questão.


c) Resta a terceira questão que consiste em que se improcederem as primeiras, se conheça da irregularidade consistente em dever o acórdão recorrido mandar o processo à 1ª instância para aí ser proferida decisão a ordenar a rectificação pela administradora da insolvência da lista de credores.

Apesar de estar esta questão prejudicada pela decisão dada à primeira, sempre diremos que a recorrente enferma de um erro de direito.

O nosso sistema de recurso é, em regra, o de substituição e não o de cassação.

Com efeito, o sistema de recurso de substituição é aquele em que o tribunal de recurso, se der razão ao recorrente, substitui a decisão impugnada por aquela que lhe pareça correcta, ou seja, por aquela que devia ter sido logo proferida pelo tribunal recorrido.

Já o sistema de cassação é aquele em que o tribunal ad quem, no caso de procedência do recurso, se limita a cassar ou anular a decisão recorrida, para que o tribunal a quo decida de novo, mas em termos diversos dos constantes da decisão rejeitada.

Também há um sistema intermédio que se traduz naquele em que o tribunal superior, se o recurso for provido, determina que o tribunal recorrido profira nova decisão com o conteúdo que ele fixar.

No nosso código de processo civil, apesar da prevalência do primeiro sistema,  há lugar para todos os sistemas, mas no caso da apelação rege, em regra,  o sistema de substituição – cfr. art. 665º do novo C.de Proc. Civil e para melhor exposição desta questão, consultar o Manual dos Recursos em Processo Civil, de Amâncio Ferreira, 8ª ed. págs. 180 e 181 que seguimos de perto na breve exposição que fizemos.

Logo o Tribunal da Relação ao julgar procedente a apelação da credora ..., Unipessoal, Lda. tinha, de imediato, de ordenar a rectificação da lista em causa e não de mandar o tribunal de 1ª instância determinar a rectificação em questão, como se fosse o regime legal o da cassação.

Por isso, sempre improcederia esta questão.

Com a procedência do primeiro fundamento da revista tem de ser revogado o acórdão recorrido, mas necessariamente apenas na parte abrangida pela revista, ou seja, quanto ao crédito da recorrente  garantido pelo penhor das contas bancárias referidas, mantendo-se necessariamente o mais ali sentenciado por força do instituto do caso julgado.

Mas com a procedência desta revista, tem a Relação de apreciar o objecto do recurso da apelante Montepio Geral que havia ficado prejudicado com a procedência da apelação da credora ..., Unipessoal. Lda.

Por isso, os autos irão à Relação de Coimbra, para, pelos mesmos Juízes, se possível - art. 668º, n1 do Novo Cód. de Proc. Civil -, ser apreciada a apelação da recorrente Montepio Geral.    

Pelo exposto se concede a revista pedida e, por consequência, se revoga o acórdão recorrido na parte impugnada, ou seja, no que se refere ao crédito da recorrente Montepio Geral, declarando que o mesmo se mantenha na lista de créditos verificados, por falta de impugnação.

Os autos irão à Relação de Coimbra para pelos mesmos Juízes, se possível, se apreciar a apelação da aqui recorrente que incidiu sobre a graduação dos créditos daquela apelante credora.

As custas da revista ficam a cargo da recorrida ..., Lda.

As custas da apelação da ..., Lda., ficam a cargo da mesma e da recorrida ... Lda. em partes iguais.

20-03-2014.

João Moreira Camilo ( Relator )

António da Fonseca Ramos

José Fernandes do Vale