Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
75/12.0YFLSB
Nº Convencional: SECÇÃO DO CONTENCIOSO
Relator: LOPES DO REGO
Descritores: RECURSO CONTENCIOSO
DELIBERAÇÃO DO PLENÁRIO
CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA
PROCEDIMENTO DISCIPLINAR
JUIZ
ADVOGADO
LEGITIMIDADE
INTERESSE EM AGIR
INTERESSE PÚBLICO
Data do Acordão: 11/21/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO CONTENCIOSO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário :


I - No âmbito da acção disciplinar, o participante de certa infracção, alegadamente cometida por juiz no decurso de processo em que o participante exercia as funções de mandatário judicial, não pode considerar-se titular do interesse directo, pessoal e legítimo (a que alude o n.º 1 do art. 164.° do EMJ) na anulação da decisão que determinou o arquivamento da participação apresentada para fins disciplinares ao CSM.
II - A natureza especial do CSM – órgão constitucional autónomo e não pura entidade englobada na Administração – não conduz, nem determina, que ao participante/advogado deva ser reconhecido um direito de impugnação contenciosa da decisão de arquivamento, através do reconhecimento de um interesse directo, pessoal e legítimo que lhe faculte legitimidade para formular a pretensão de anulação, perante os Tribunais, das decisões do CSM que, em função de uma valoração prudencial das circunstâncias do caso, tenha entendido não dar seguimento à participação apresentada.
III -Na realidade, o que releva decisivamente para a problemática da definição da legitimidade é a correcta identificação do interesse ou bem jurídico tutelado através da previsão e tipificação das infracções disciplinares: o interesse público na boa administração da justiça, de que é intérprete privilegiado o órgão constitucional a que está cometida a gestão da magistratura judicial, e não, de forma directa, e individualizada, os interesses pessoais das partes e respectivos mandatários no pleito cuja tramitação originou a participação ao CSM.



Decisão Texto Integral:



Acordam na Secção do contencioso do Supremo Tribunal de Justiça:



1. O Exmo advogado, Dr. AA, interpôs recurso contencioso para o STJ da decisão proferida pelo Plenário do Conselho Superior da Magistratura que – indeferindo a reclamação por ele deduzida – manteve o decidido pelo Conselho Permanente, no sentido do arquivamento da participação disciplinar apresentada contra determinado juiz, por considerar, desde logo, prescrito o procedimento disciplinar.

O MºPº pronunciou-se liminarmente no sentido de nada obstar ao prosseguimento do recurso.

Pelo relator – e ao abrigo da regra do contraditório e do princípio da proibição de prolação de decisões-surpresa, constante do art. 3º , nº3, do CPC – foi proferido despacho-convite, facultando ao Exmo recorrente pronúncia sobre a questão prévia da legitimidade para recorrer, nos seguintes termos:

Sucede, porém, que tem constituído constitui entendimento reiterado desta Secção de Contencioso que o advogado/ participante de alegada infracção disciplinar, cometida por juiz , carece de legitimidade para interpor recurso da decisão do Conselho Superior da Magistratura que determine o arquivamento da participação disciplinar : o exercício da acção disciplinar obedece a um princípio de oportunidade, que corresponde à chamada discricionariedade de acção, ou seja, a liberdade da administração desencadear, ou não, uma determinada actuação.
- Por isso, o referido exercício visa, exclusivamente, fins de interesse público, não tutelando, directamente, os interesses pessoais dos participantes, pelo que ao poder de participar não corresponde, do lado passivo, outro dever que não seja o de receber a participação e sobre ela decidir se instaura ou não procedimento disciplinar.
- Nesta conformidade, um participante de alegadas infracções disciplinares cometidas por Juízes não tem legitimidade para accionar recurso impugnatório da deliberação do CSM que mandou arquivar os autos de inquérito instaurados na sequência da participação daquele.
Ac. de14-01-2009 , Proc. n.º 3529/08

Ou que – como se afirma no recente Ac. de 06-07-2011 Proc. n.º 29/11.3YFLSB -o acto administrativo impugnado contém-se no âmbito das competências gestionárias do



CSM e funda-se, directa e imediatamente, em razões de interesse público; concretamente, o exercício da acção disciplinar, visando fins de interesse público, não tutela directamente os interesses pessoais dos participantes/ advogados, pelo que a recorrente é parte ilegítima

Veja-se ainda, por ex., o Ac. de 10/12/09, proferido no P. 324/091YFLSB, em que se afirma: Tem sido entendimento firmado nesta Secção do Contencioso que a titularidade do poder jurídico de participação disciplinar previsto no art. 46.º, n.ºs 1 e 2, do EDFA, e atribuído aos cidadãos em geral e aos funcionários e agentes administrativos em particular, não lhes confere legitimidade para interpor recurso contencioso de anulação do acto que determina o arquivamento ou a não instauração de qualquer procedimento disciplinar


2. O recorrente veio pronunciar-se sobre a questão, apresentando requerimento do seguinte teor:

AA, recorrente do referenciado recurso contencioso de deliberação tomada pelo Plenário do Conselho Superior da Magistratura, respeitante a uma reclamação de uma deliberação do Conselho Permanente,
Convidado a pronunciar-se sobre a suscitada questão prévia da sua legitimidade, vem dizer o seguinte:
O recorrente requereu a abertura de um processo disciplinar a um Sr. Juiz, em virtude da sua actuação no decurso do julgamento de um processo penal com juiz singular e da sentença proferida nesse processo.
Sobre esse pedido de processo disciplinar foi notificado ao recorrente o Extracto de Deliberação do Conselho Permanente na sessão de 25/10/2011, dele constando que "foi deliberado arquivar os autos, desde logo porque a serem verdadeiros os factos descritos, atentas as datas dos mesmos, sempre estaria o respectivo procedimento disciplinar prescrito."
O recorrente reclamou para o Plenário do Conselho Superior da Magistratura contra a referida Deliberação, invocando a falta de fundamentação do motivo do arquivamento e a inexistência de prescrição do procedimento disciplinar.
Por carta enviada por correio normal (não registado) e assinada pelo Sr. Juiz Secretário do CSM, o recorrente foi informado da deliberação tomada na Sessão Plenária Ordinária do Conselho Superior da Magistratura de manter a deliberação de arquivamento dos autos tomada pelo Conselho Permanente.

A carta deveria conter em anexo a cópia do acórdão proferido sobre a reclamação, mas continha apenas um extracto de deliberação, as primeiras cinco páginas do Acórdão, uma página contendo a decisão, várias assinaturas e uma declaração, e uma última página não numerada com três assinaturas, faltando as páginas com a fundamentação da deliberação tomada.
No recurso contencioso interposto para este Supremo Tribunal, o recorrente invoca:
(1) A irregularidade da notificação da deliberação do Plenário do CSM, por violação do disposto no artº 17º, nº 1, do Regulamento Interno do CSM, bem como do artº 228º do CPC, aplicável por remissão sucessiva do artº 131º do Estatuto dos Magistrados Judiciais e do artº 4º do CPP.
(2) A falta de fundamentação da deliberação, violando o disposto no art9 169 do Regulamento Interno do CSM, do artº 668º, nº 1, b) do CPC e do artº 125º, nºs 1 e 2 do CPA.
(3) A inexistência de prescrição do procedimento disciplinar.
E consequentemente pede:
a) A anulação da notificação ao recorrente da deliberação tomada na Sessão Plenária Ordinária do Conselho Superior da Magistratura.
b) Subsidiariamente, a declaração da nulidade da deliberação recorrida, considerada nos termos em que foi comunicada ao recorrente.
c) Ainda subsidiariamente, a revogação da deliberação que decidiu que o procedimento disciplinar pelos factos denunciados se deve considerar prescrito.
No convite para se pronunciar sobre a questão da sua legitimidade, o recorrente é advertido que tem constituído entendimento reiterado da secção que o advogado participante de alegada infracção disciplinar cometida por juiz carece de legitimidade para recorrer da decisão do CSM que determine o arquivamento da participação disciplinar, citando passagens de três acórdãos recentes em que essa jurisprudência se manifesta.
Não obstante tratar-se de acórdãos que se julga serem inéditos, os extractos citados são suficientemente esclarecedores sobre o sentido da jurisprudência invocada. Além disso, estão publicados os sumários dos dois acórdãos de 2009 referidos na notificação, e o texto integral de alguns acórdãos sobre a mesma matéria e com a mesma jurisprudência, proferidos entre 2003 e 2009, está acessível em www.dgsi.pt.
O problema da legitimidade do recorrente é certamente condicionado pela ponderação da natureza da acção disciplinar.
Esse é o pensamento subjacente à jurisprudência invocada, com destaque para o citado Ac. de 14.01.2009: o exercício da acção disciplinar obedece a um princípio de oportunidade, que corresponde à chamada discricionariedade de acção, ou seja, a liberdade da administração desencadear, ou não, uma determinada actuação; por isso, o referido exercício visa, exclusivamente, fins de interesse público, não tutelando, directamente, os interesses pessoais dos participantes, pelo que ao poder de participar não corresponde, do lado passivo, outro dever que não seja o de receber a participação e sobre ela decidir se instaura ou não procedimento disciplinar.
Entendimento semelhante, embora com formulação algo diversa, encontra-se no Ac. de 29.06.2007, de que foi relator o Sr. Conselheiro Pereira da Silva (acessível em www.dgsi.pt), e que assimila a legitimidade para recorrer da deliberação do CSM "que determina o arquivamento de processo administrativo instaurado contra magistrado judicial" à legitimidade activa para impugnar actos administrativos.
A mesma assimilação do CSM a órgão da administração e a consideração do direito disciplinar do CSM como direito de um órgão da administração é patente no Ac. de 18.12.2003, de que foi relator o Sr. Conselheiro Azevedo Ramos, com declaração de voto do Sr. Conselheiro Lopes Pinto (também acessível em www.dgsi.pt).
Por sua vez, o Ac. de 12.09.2009, de que foi relator o Sr. Conselheiro Santos Cabral (também acessível em www.dgsi.pt), depois de referir que este tipo de actos (o exercício da acção disciplinar) visa um interesse colectivo... "pois que a existência de um sistema judicial eficaz é uma concretização do Estado de Direito derivada da vontade do conjunto de cidadãos", completa a sua fundamentação citando o douto parecer do Sr. Procurador-Geral Adjunto: "em matéria de exercício do poder disciplinar é este exclusivamente determinado por fins de interesse público, pelo interesse do bom funcionamento dos serviços, acentuando a doutrina a sua correspondência ao exercício de um poder-dever funcional no âmbito da discricionariedade administrativa, regido por um princípio de oportunidades".

Enfim, o Ac. de 27.05.2003, de que foi relator o Sr. Conselheiro Ferreira de Almeida (também acessível em www.dgsi.pt), afirma que o poder de denúncia ou participação de factos disciplinares apenas tem por efeito confrontar a autoridade detentora da acção disciplinar - titular do jus puniendi - com a oportunidade e conveniência de apreciar a dignidade disciplinar dos factos participados, e a conduta dos visados, tendo em vista o interesse público, não lhe impondo, todavia, um qualquer dever específico de ordenação do desencadeamento de procedimento disciplinar, de inquérito ou de averiguações ou de exercitação da acção disciplinar correspondente.
Uma ideia que é adiante explicitada deste modo: "o efectivo impulso da acção disciplinar pela entidade legalmente sua titular corresponde ao exercício de um poder-dever funcional que se insere no âmbito da discricionariedade administrativa, tendo como objectivo último a prossecução do interesse público, o qual, ainda que os factos denunciados sejam, «/n abstracto-», revestidos de dignidade punitiva disciplinar, poderá exigir que os mesmos não devam, «/n concreto», ser perseguidos."
Este último acórdão procede ainda a uma caracterização do CSM como órgão constitucional autónomo, cujas atribuições são reguladas, por remissão da Constituição, nos termos de legislação infra constitucional e em seguida.
Feita essa caracterização, o acórdão debruça-se sobre o direito de impugnação pelos administrados de quaisquer actos administrativos que os lesem, considerando-se actos administrativos as decisões dos órgãos da Administração que, ao abrigo de normas de direito público, visem produzir efeitos jurídicos numa situação individual e concreta (arts 1212 CPA). E essa ponderação conduz directamente à conclusão da ilegitimidade do participante de alegada infracção disciplinar cometida por juiz para recorrer da decisão do CSM que determine o arquivamento da participação disciplinar.
Assim, os arestos citados revelam que, se a legitimidade do participante é condicionado pela ponderação da natureza da acção disciplinar, esta natureza é condicionada, por sua vez, pela natureza da magistratura judicial e do CSM.
Ora, não obstante o Estatuto dos Magistrados Judiciais (EMJ), na regulação da matéria da responsabilidade disciplinar dos juízes, remeter para o Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores que Exercem Funções Públicas, como direito subsidiariamente aplicável, por dois motivos não se deve assimilar em termos substantivos a responsabilidade e a acção disciplinar a que estão sujeitos os juízes à responsabilidade e à acção disciplinar a que estão sujeitos os agentes e funcionários administrativos.
Primeiro, porque o estatuto de juiz é fundamentalmente distinto do estatuto dos agentes e funcionários administrativos. Segundo, porque o Conselho Superior da Magistratura também é fundamentalmente distinto das pessoas colectivas e dos órgãos da Administração Pública.
Os juízes são titulares de órgãos de soberania - os tribunais - com competência para administrar a justiça em nome do povo - arts. 110, nº 1 e 202º, n° 1 da Constituição da República (CRP).
No exercício da função jurisdicional de administrar a justiça, de acordo com as fontes (artº 3º, nº 1 do EMJ), são independentes e apenas estão sujeitos à lei, isto é, julgam apenas segundo a Constituição e a lei e não estão sujeitos a ordens ou instruções, salvo o dever de acatamento pelos tribunais inferiores das decisões proferidas em via de recurso pelos tribunais superiores -arts. 203º da CRP e 4º, nº 1 do EMJ.
Como corolário da sua independência, os juízes são inamovíveis e não podem ser responsabilizados pelas suas decisões, salvas as excepções consignadas na lei - arts. 216º, nºs 1 e 2 da CRP e arts. 5º e 6º do EMJ.
Considerando apenas o que interessa a este recurso, os juízes distinguem-se fundamentalmente dos funcionários e agentes administrativos por serem independentes no exercício da função jurisdicional.
Pelo contrário, no exercício da actividade administrativa que compete aos serviços administrativos a que pertencem, os funcionários e agentes administrativos estão sujeitos à autoridade hierárquica das pessoas colectivas e dos órgãos da Administração Pública em que se integram os serviços administrativos, e que se manifesta no poder de direcção da actividade daqueles funcionários e agentes administrativos.
Correspondentemente, o CSM não é uma pessoa colectiva ou um órgão de direito administrativo, isto é, uma entidade a quem está atribuída a realização de interesses colectivos da comunidade política. Na sua Constituição Portuguesa Anotada, Tomo III, pág. 191, Jorge Miranda e Rui Medeiros definem o CSM como órgão constitucional, pelas suas competências, pela sua composição, pelo estatuto dos seus membros. É um órgão de administração autónoma e sui generis da Justiça, de administração, mas não da actividade administrativa do Estado.
No que interessa a este recurso, o CSM distingue-se das pessoas colectivas e dos órgãos que executam a actividade administrativa tanto na relação com os juízes como na centralidade da acção disciplinar.
Quanto ao primeiro aspecto, e como reverso da independência dos juízes, não há relação de hierarquia por parte do CSM em relação à actividade jurisdicional dos juízes, não estando estes subordinados ao poder de direcção do CSM em matéria jurisdicional. Enquanto os órgãos da administração pública têm uma supremacia hierárquica em relação aos seus agentes e funcionários, que se manifesta num poder de direcção da actividade e numa competência disciplinar (e no correspondente dever de obediência dos agentes administrativos), o CSM tem apenas competência disciplinar, mas não dirige a função jurisdicional exercida pelos juízes. Estes não estão subordinados a ordens ou instruções do CSM no exercício da actividade de julgar.
Daqui decorre que a retracção discricionária no exercício da competência disciplinar é susceptível de ser compensada pela permanência do poder de direcção e da relação hierárquica, tratando-se de órgãos de direito administrativo, o que não sucede com o CSM, que apenas dispõe de competência disciplinar.
Acresce, e este é o segundo aspecto, que a acção disciplinar não é uma atribuição ou fim da pessoa colectiva ou do órgão de direito administrativo. A finalidade das entidades de direito administrativo é o conjunto de interesses colectivos que prosseguem (em áreas tão diversas como a polícia, a saúde, o ensino, as comunicações, etc). A acção disciplinar sobre os seus agentes é uma simples competência instrumental e conveniente à prossecução dos seus fins próprios. Mas essas entidades não existem para agir disciplinarmente em relação aos seus agentes e funcionários. O poder disciplinar é uma competência colateral dos fins que prosseguem.
A acção disciplinar do CSM, pelo contrário, é uma atribuição e uma finalidade próprias desse órgão. A responsabilidade disciplinar dos juízes é matéria que faz parte da sua razão de existir, é uma atribuição fundamental do CSM.
As diferenças que vêm sendo apontadas entre o estatuto dos juízes e o CSM, por um lado, e o estatuto dos agentes e funcionários administrativos e os órgãos de Direito Administrativo, por outro lado, evidenciam, salvo o devido respeito, a fragilidade da assimilação do direito disciplinar dos magistrados judiciais ao direito disciplinar dos funcionários administrativos fora do âmbito definido pela remissão para este como direito subsidiário no que não é directamente contemplado por aquele. Uma fragilidade evidente, se atendermos à lição do Prof. Marcelo Caetano sobre o fundamento da disciplina a que estão sujeitos os agentes administrativos: necessidade de assegurar a sua integração nos serviços e a prestação da colaboração que lhes compete nos termos mais convenientes à realização dos objectivos desses serviços, mediante a observância de certos deveres - Manual de Direito Administrativo, pág. 776. Bem diverso, naturalmente, é o fundamento da responsabilidade disciplinar dos magistrados judiciais.
Ora, na referida assimilação do direito disciplinar dos magistrados judiciais ao direito disciplinar dos funcionários administrativos destaca-se a configuração da acção disciplinar da competência do CSM como um pocjer discricionário (o exercício da acção disciplinar obedece a um princípio de oportunidade, que corresponde à chamada discricionariedade de acção, ou seja, a liberdade da administração desencadear, ou não, uma determinada actuação).
Desde logo, a própria configuração do poder disciplinar dos órgãos administrativos como sendo inteiramente discricionário não está isenta de reparo.
Até mesmo o Prof. Marcelo Caetano, que não pode ser acusado de não defender uma concepção forte de autoridade administrativa, ora parece não colocar a discricionariedade do direito disciplinar administrativo na liberdade de instaurar a acção disciplinar, mas na liberdade de decidir na acção disciplinar instaurada (Manual de Direito Administrativo, pág. 795), ora atribui à decisão de instaurar o processo disciplinar um carácter discricionário, mas nestes termos: o seu critério depende da convicção de que se trata de acusação infundada ou referente a facto que não justifica procedimento, ou pelo contrário, de que é necessário averiguar (obra citada, pág. 813). Na verdade, aqui parece estar em causa a existência de pressupostos da acção disciplinar. Se a acusação parecer fundada e o facto imputado tiver densidade que reclame o procedimento disciplinar (no sistema reportado, há sanções disciplinares leves de carácter moral), parece ser entendimento do ilustre mestre que o órgão administrativo está vinculado a instaurar o procedimento.

Na doutrina mais recente, também Mário Esteves de Oliveira localiza a decisão de exercer a acção disciplinar como um momento vinculado da conduta do órgão administrativo, situando a discricionariedade na decisão do procedimento disciplinar (Direito Administrativo, Vol. I, pág. 560).
De resto, como observa António Francisco de Sousa no capítulo conclusivo do seu estudo A Discricionariedade Administrativa, págs. 324 a 330, os elementos discricionários do acto administrativo só existem por expressa vontade do legislador, sendo uma imposição do Estado de Direito que a administração seja, em princípio, vinculada, não sendo de admitir a discricionariedade presumida.
Posto isto, a discricionariedade no exercício pelo CSM da acção destinada a efectivar a responsabilidade disciplinar dos juízes, competência que lhe é atribuída pela Constituição, só pode resultar da lei. Só por vontade do legislador pode haver poderes discricionários na prossecução das competências por ele atribuídas ao CSM. A discricionariedade no exercício da acção penal não pode ser criada ou construída pela jurisprudência. Nem é da própria natureza da acção disciplinar ser um poder discricionário. O legislador tanto pode atribuir uma competência disciplinar com uma configuração vinculada ou acentuadamente vinculada, ou com atribuição maior ou menor de poderes discricionários ao órgão com competência disciplinar, conforme a sua interpretação do interesse público em causa e dos pressupostos de facto da competência atribuída.
Uma discricionariedade resultante da interpretação dos poderes que lhe cabem pelo órgão a quem foi cometida a competência, ou resultante de elaboração jurisprudencial, não é discricionariedade, é licença para ser livre de não exercer a competência atribuída por lei nos termos vinculados dessa atribuição, isto é, é licença para exercer a sua competência ilegalmente.
Ora, dispõe a CRP (arte 2179, n? 1) que compete ao CSM o exercício da acção disciplinar em relação aos juízes, nos termos da lei.
O EMJ estabelece que aqueles são disciplinarmente responsáveis, define infracção disciplinar, estipula que o processo disciplinar é o meio de efectivar a responsabilidade disciplinar, competindo ao CSM a sua instauração (arts. 812, 822, 1102 e 1112 do EMJ).

É um típico caso de atribuição vinculada de competência disciplinar, inteiramente justificada pela previsibilidade do pressuposto dessa competência. Com efeito, a lei não escolhe entre a atribuição de poderes vinculados ou discricionários de forma aleatória ou por deferência para com o órgão competente. A escolha é determinada pelo carácter mais ou menos redutível a uma previsão legal abstracta dos pressupostos da actuação do órgão. Se os pressupostos são determináveis em sede legal, a actuação é vinculada à estatuição na lei dos pressupostos, não havendo motivo para conceder margem de discricionariedade na decisão de agir ou não agir.
Certo é que a Constituição e a lei em nenhum dos seus preceitos concedem ao CSM a liberdade de agir ou não agir disciplinarmente, guiado por um sentido de oportunidade e conveniência de apreciar a dignidade dos factos participados e a conduta dos visados, tendo em vista o interesse público, o qual, "ainda que os factos denunciados sejam, «in abstracto», revestidos de dignidade punitiva disciplinar, poderá exigir que os mesmos não devam, «in concreto», ser perseguidos".
Na verdade, a discricionariedade em exercer ou não a competência disciplinar, sustentada nos acórdãos citados, não tem em vista a prossecução do interesse colectivo que invoca, o interesse da função jurisdicional exercida em nome do povo. À luz desse interesse de ordem pública, os actos eventualmente praticados com violação dos deveres profissionais dos juízes, e por maioria de razão os que possam ter ofendido direitos de sujeitos processuais, e por maioria de razão aqueles que possam ter sido praticados intencionalmente contra o direito e com abuso de poder, não podem deixar de ser sujeitos à jurisdição disciplinar do CSM, não tendo este órgão a liberdade de considerar inoportuno ou inconveniente exercer a jurisdição disciplinar.
Ainda se poderia admitir (tese da qual se discorda, em virtude dos princípios de igualdade, imparcialidade e justiça que devem nortear a jurisdição disciplinar do CSM) que a jurisdição disciplinar por infracções de desempenho, prejudiciais para a eficiência da justiça, pudesse ser discricionária. Mas só por real desconsideração do interesse público em causa se configurar a jurisdição disciplinar por alegada delinquência no exercício da função jurisdicional, por factos que alegadamente consubstanciam a negação da justiça e da sujeição do tribunal à lei (a sua única sujeição), como um poder discricionário, a exercer de acordo com o sentimento de oportunidade e conveniência do órgão competente.
Aliás, não obstante se aludir aos fins de interesse público que norteariam tal discricionariedade, e a conceitos vagos como sistema judicial eficaz e interesse do bom funcionamento dos serviços (conceitos que remetem implicitamente para infracções disciplinares de desempenho, como se fosse impensável que pudessem ser cometidas infracções contra a função jurisdicional, suscitando questões de seriedade e de carácter), não se vê quais concretos fins de interesse público da justiça (que não se confundem com os interesses da magistratura judicial), poderiam conduzir à retracção da jurisdição disciplinar que compete ao CSM, ao seu deferente amolecimento. Isto é, indo a direito ao que está subjacente, o prestígio da magistratura judicial interessa aos superiores valores a que obedece a administração da justiça. Na medida em que se entenda que esse prestígio se defende a todo o custo, negando evidências com labirintos de sofismas em apoio de uma imunidade de facto, o superior interesse da justiça é o grande ausente da jurisdição disciplinar.
Em suma, a jurisdição disciplinar do CSM é uma competência de carácter vinculado, nas quais apenas se inserem momentos discricionários limitados, designadamente em sede de fixação da sanção disciplinar.
A configuração do exercício da acção disciplinar da competência do CSM como um poder discricionário, que obedece a um princípio de oportunidade e conveniência, podendo o CSM abster-se de actuar disciplinarmente, ainda que os factos denunciados sejam, «in abstracto», revestidos de dignidade punitiva disciplinar, por considerar que o interesse público poderá exigir que os mesmos não devam, «in concreto», ser objecto de procedimento disciplinar, é inconstitucional, por violação do art.º 217º, nºs 1 e 3, da CRP, na parte em que atribui ao CSM competência para o exercício da acção disciplinar, nos termos da lei, e viola os arts. 81º, 110º, nº 1 e 111º do EMJ.
Assente que o exercício da acção disciplinar pelo CSM não é um poder discricionário, do tipo da discricionariedade presente em actos dos órgãos de direito administrativo (como tem sido entendido neste Supremo Tribunal), mas antes um poder vinculado emanado da Constituição, importa esclarecer quem tem legitimidade para participar
alegadas infracções e reclamar ou recorrer das decisões do CSM sobre a participação feita.
De acordo com o entendimento reiterado da Secção de Contencioso do STJ, o advogado/participante de alegada infracção disciplinar cometida por juiz carece de legitimidade para interpor recurso da decisão do Conselho Superior da Magistratura que determine o arquivamento da participação disciplinar.
Na verdade, como decorre da leitura dos sumários e dos Acórdãos em que foi plasmado esse entendimento, não se trata de uma ilegitimidade da fase de recurso, no sentido de ter legitimidade até à decisão do Plenário do CSM que determinou ou confirmou o arquivamento, mas já não ter para recorrer dessa decisão.
O que o STJ tem entendido é que, no procedimento desencadeado pela participação da alegada infracção, a legitimidade do advogado/participante se esgota no acto de participar.
Relativamente a haver ou não decisão de instaurar ou não procedimento disciplinar, já o advogado/participante carece de legitimidade para se pronunciar, requerer reclamar e, consequentemente, recorrer para o STJ. Assim, à luz deste entendimento, a ilegitimidade do recorrente já vem de trás.
Sucede que esse não foi o entendimento do órgão recorrido. O recorrente não foi apenas admitido a participar uma alegada infracção. O despacho do Conselho Permanente foi-lhe notificado, como parte interessada na decisão. Tendo reclamado da decisão do Conselho Permanente, o Plenário do CSM recebeu a reclamação, deliberou sobre ela e notificou-a ao ora recorrente. Sendo essa decisão desfavorável à pretensão do reclamante de revogação da decisão do Conselho Permanente, a lei reconhece o direito ao recurso contencioso dessa deliberação. Sendo assim, a questão da legitimidade do recorrente, salvo o devido respeito, está ultrapassada: o Plenário do CSM indeferiu uma pretensão que lhe foi dirigida - e não por falta de legitimidade do requerente - e este é quem tem legitimidade para interpor recurso contencioso da decisão que lhe foi desfavorável.
Não obstante, o advogado/participante de alegada infracção disciplinar cometida por juiz tem, em certos casos, legitimidade para reclamar da decisão de arquivar a sua participação e de recorrer contenciosamente, se a decisão for mantida pelo Plenário do CSM.
A legitimidade depende da natureza da infracção disciplinar imputada.
Há infracções de desempenho que prejudicam a eficácia e a eficiência da administração da justiça, sem colidir com os seus valores nucleares. Em tais casos, ainda que o facto tenha chegado ao conhecimento do CSM mediante participação de um advogado, só o CSM tem condições para o apreciar, no contexto da sua gestão da magistratura judicial, tendo em conta os princípios da eficácia e da eficiência da administração da justiça, para a qual tem competência exclusiva.
Mas podem também ocorrer violações da ética e da deontologia da função jurisdicional, que podem assumir o carácter de ilícitos penais como a prevaricação e o abuso do poder) e atingir os direitos dos sujeitos processuais. Nestes casos, um advogado tem legitimidade, não apenas para participar ao CSM, mas também para recorrer do arquivamento da sua participação.
É que, nestes casos, o fim do interesse público a prosseguir é mais do que a eficácia e a eficiência do sistema, é mais do que "o bom funcionamento dos serviços", é a afirmação do princípio constitucional de que a actividade jurisdicional se submete à lei, com isenção e respeito pelos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos (artº 202º, nºs 1 e 2 da CRP), o que postula o carácter absolutamente inaceitável da prática de crimes contra a justiça no exercício da função jurisdicional, isto é, postula que a jurisdição disciplinar que compete ao CSM não pode aí ser afastada ou neutralizada por alegado motivo de oportunidade e conveniência.
Nesse caso, o CSM não exerce a jurisdição disciplinar tendo apenas em vista um interesse de ordem pública de que ele próprio é o titular (a gestão da Magistratura), mas tendo em vista um interesse de ordem pública que deve igualmente servir, mas cujo titular é o povo.
Ora, tendo a infracção disciplinar que é imputada esse carácter de violação da ética e da deontologia da função jurisdicional, ou mesmo de ilícito penal contra a justiça ofensivo de direitos dos sujeitos processuais, a legitimidade do advogado resulta, desde logo, do facto de o ser.
Com efeito, o patrocínio forense é reconhecido pela Constituição como um elemento essencial à administração da justiça (artº 208º da CRP). O advogado é defensor dos direitos, liberdades e garantias, e da boa aplicação das leis (artº 85º, nº 1, do Estatuto da Ordem dos Advogados (EOA), devendo os magistrados assegurar-lhes, aquando do exercício da sua profissão, tratamento compatível com a dignidade da advocacia e condições adequadas para o cabal desempenho do mandato (artº 67º, nº 1 do EOA).
Sendo assim, o advogado tem um interesse directo e pessoal, derivado do seu estatuto e da sua condição de profissional do foro, na prossecução da acção disciplinar por ilícitos com aquele carácter de violação da ética e da deontologia da função jurisdicional, que sejam cometidos aquando do exercício da sua profissão, perante si ou contra si.
Não está apenas em causa a sua honorabilidade pessoal e profissional decorrente da conduta participada. Está sobretudo em causa a sua confiança (que deve transmitir aos seus constituintes) em fazer parte de um sistema de administração da justiça salubre e fiável, de cuja seriedade não se duvide, e em que actos eticamente indefensáveis cometidos por um juiz, sendo participados, não deixem de ser objecto de jurisdição disciplinar.
Deste modo, e em particular, discorda-se da leitura que o Ac. de 12.02.2009 faz do art9 1649, n9 1, do EMJ.
Não reconhecer ao advogado essa legitimidade de pugnar pela sujeição à acção disciplinar do juiz que alegadamente praticou ilícitos daquela referida natureza, é apoucar o relevo que a Constituição confere ao patrocínio forense na administração da justiça.
A dimensão constitucional do patrocínio forense (art9 2089 da CRP) reclama que se reconheça a legitimidade do recorrente.
Por outro lado, não é de sufragar o modo como é apresentada a oposição entre fins de interesse público visados exclusivamente pelo exercício da acção disciplinar e a lesão dos interesses pessoais dos participantes, susceptível de reparação, em sede dos meios comuns, civis ou criminais (Ac. de 29.06.2007).
Os meios civis, criminais ou administrativos nunca ou muito raramente se destinam exclusivamente a um interesse colectivo e de ordem pública ou exclusivamente a um interesse privado. Sempre ou quase sempre estão presentes uns e outros, ainda que nuns casos predomine o interesse público e noutros casos os interesses privados.
Em particular, é de repudiar como perigosa a invocação circular do interesse colectivo e de ordem pública para efeito da exclusão da participação dos pessoalmente afectados, ou da restrição dessa participação, de tal modo que a vontade do conjunto dos cidadãos em abstracto legitima o completo afastamento dos cidadãos concretos dos meandros das decisões que têm como pressuposto factos que directamente lhes dizem respeito. Há o perigo de essa hermenêutica servir menos o Estado de Direito do que a sua captura por parte de quem age em seu nome e esquecer que os cidadãos são os titulares supremos do interesse público.
Certamente que há interesses pessoais que podem ser prosseguidos pelos meios civis e criminais (sendo que estes últimos prosseguem essencialmente um interesse público, sem deixarem de atender aos interesses privados que devem ser tidos em conta). Mas tal não significa que não seja atendível, em sede de legitimidade na jurisdição disciplinar, o interesse pessoal de quem foi alvo de arbitrariedade, em que a actuação arbitrária seja sancionada no campo da actividade exercida, o que é evidente neste caso, em que a actuação participada decorreu num processo judicial e o participante é advogado, intervém como mandatário em processos judiciais.
Sendo assim, a exemplo do que vem expresso no art9 1179 do Estatuto da Ordem dos Advogados (igualmente aprovado por lei da Assembleia da República), deve entender-se, quando estejam em causa actuações que em abstracto traduzam violações dos princípios éticos e deontológicos, ou mesmo crimes contra a justiça, que podem intervir no processo as pessoas com interesse directo, pessoal e legítimo relativamente aos factos participados, requerendo e alegando o que tiverem por conveniente.
Não obstante não haver disposição expressa idêntica no EMJ, é com esse mesmo sentido que deve ser interpretado o art9 1649, n9 1 do EMJ, quando está em causa a legitimidade do participante de actos praticados com violação da ética e da deontologia da função jurisdicional, ou com ilícito penal contra a justiça ofensivo de direitos dos sujeitos processuais. Não se vê motivo para repúdio de tão evidente analogia.
Em síntese, pelas razões expostas, tem o recorrente legitimidade para recorrer da decisão do CSM.

3. Afigura-se que as razões doutamente expendidas pelo Ex.mo recorrente não abalam a firme e reiterada jurisprudência segundo a qual, no âmbito da acção disciplinar, o participante de certa infracção, alegadamente cometida por juiz no decurso de processo em que o participante exercia as funções de mandatário judicial, não pode considerar-se titular do interesse directo, pessoal e legítimo (a que alude o nº1 do art. 164º do EMJ) na anulação da decisão que determinou o arquivamento da participação apresentada para fins disciplinares ao CSM.

Esta consolidada orientação da jurisprudência desta Secção do STJ emerge – para além dos arestos já citados no despacho-convite de fls. 41.- de numerosos outros acórdãos, podendo, sem preocupações de enumeração exaustiva, referenciar-se as seguintes decisões:

- De acordo com o disposto no art. 164.º, n.º 1, do EMJ, só pode reclamar ou recorrer quem tiver interesse directo, pessoal e legítimo na anulação da deliberação ou da decisão.
II - A realização de qualquer um deste tipo de actos – deliberação ou decisão – inscreve-se no âmbito dos poderes de gestão do CSM, com fundamento directo e imediato em razões de interesse público, que se consubstanciam na exigência de um funcionamento adequado do sistema judicial, realizando imperativos constitucionais próprios do Estado de Direito.
III - A requerente [advogada que apresentou ao CSM participação disciplinar de determinada magistrada] não é portadora directa do interesse na realização de qualquer um daqueles actos, os quais não visam, nem podem visar, a tutela das suas pretensões ou do seu direito, bem como do do seu constituinte.
IV - A comprovação e afirmação do direito próprio da requerente e respectivo constituinte no caso concreto, e inclusive o seu direito ao recurso, expressam-se na utilização dos meios adequados em termos processuais e que têm por finalidade tal protecção. A sindicância das decisões judiciais praticadas no processo que a requerente identifica deve ser exercida no local e pela forma adequada.
V - A requerente carece de legitimidade para o presente recurso [da decisão do CSM que indeferiu reclamação por si apresentada, com fundamento na falta de legitimidade], o que implica a sua rejeição. ( ac. de 12/2/09, P. 09P0151)
I - O exercício da acção disciplinar visa, tão só, fins de interesse público, as normas do mesmo reguladoras, directamente, não tutelando os interesses pessoais dos participantes. II - Da deliberação do CSM que determina o arquivamento de processo administrativo instaurado contra magistrado judicial, por eventuais irregularidades por aquele cometidas, não tem legitimidade para interpor recurso contencioso de anulação particular que deduziu a participação que esteve na base do predito processo- Acórdão do STJ de 29-06-2007 (Processo n.º 917/07)

A finalidade essencial do processo disciplinar é defender os interesses da administração da justiça, punindo os visados que os contrariem; o exercício da acção disciplinar não tem, por isso, em princípio, em conta os interesses pessoais dos participantes. II - Não achado na participação do ora recorrente nada de especificamente censurável à participada em termos disciplinares, não tinha a entidade recorrida, sem competência para se pronunciar sobre matéria jurisdicional, de considerar ainda se os factos participados, que julgou não integrarem infracções disciplinares, envolviam, ou não, também efectiva ofensa de valores pessoais do participante.III - Exigido que o interesse que fundamenta a legitimidade activa em questão seja pessoal e directo, esse interesse tem, enquanto tal, que incidir de forma imediata na esfera dos direitos ou interesses legalmente protegidos de quem recorre. IV - O hipotético interesse mediato, indirecto ou reflexo do ora recorrente não legitima a sua pretensão de contrariar a decisão do ente público exclusivamente competente em matéria disciplinar (consoante arts. 136.º e 149.º, al. a), do EMJ), quando este determinou o arquivamento do processo administrativo instaurado porque viu nele apenas questões de natureza jurisdicional e não necessariamente com cariz disciplinar. V - O recorrente, para além de não ser o titular dos interesses em último termo protegidos pelo direito disciplinar, também não é directa e imediatamente afectado pela deliberação recorrida, o que, em vista do disposto no n.º 1 do art. 164.ºo EMJ lhe retira legitimidade para interpor este recurso- Acórdão do STJ de 19-01-2006 (Proc. n.º 3889/05)


I - O exercício da acção disciplinar não tem em conta os interesses pessoais e directos dos participantes.II - Se a participante entende que foi violado o seu direito ao bom nome e reputação pela Sra. Juiz terá de recorrer aos meios civis ou criminais para se ressarcir. III - A participante não tem um interesse directo e pessoal em agir na acção disciplinar, pelo que deve ser rejeitado, por manifesta de legitimidade, o recurso contencioso que interpôs da deliberação do CSM que decidiu arquivar a participação apresentada contra a Sra. Juiz-Acórdão do STJ de 20-10-2005 (Processo n.º 2304/05)


I - Os cidadãos em geral e os funcionários e agentes administrativos, em particular, pela simples circunstância da titularidade do poder jurídico de participação disciplinar, não têm legitimidade para o recurso contencioso da anulação do acto que determina o arquivamento ou a não instauração de qualquer procedimento disciplinar, de inquérito ou de averiguações instaurados com base nos factos denunciados. II - Isto porque não podem licitamente invocar, com fundamento naquele poder, a preexistência no seu património, de um direito subjectivo ou interesse susceptível de ser lesado por aquele acto. III - Tendo a participação do recorrente versado sobre pretensas irregularidades processuais, cometidas por Magistrados Judiciais, em processos executivos em que ele era parte, como executado, foi o interesse público da administração da justiça que foi posto em causa.IV- Daí que o recorrente não seja o titular do interesse protegido pela acção disciplinar desencadeada por essa participação, que findou com o seu arquivamento, determinado pela impugnada deliberação do C.S.M.V - Não tendo o recorrente sido directa e pessoalmente afectado pela deliberação recorrida, carece ele de legitimidade para interpor recurso contencioso daquela deliberação do Plenário do C.S.M. que versou sobre matéria disciplinar.VI - A lei confere ao cidadão e à parte os adequados meios de reacção e de defesa contra decisões judiciais que, eventualmente, ofendam os seus legítimos direitos-Acórdão do STJ de 18.12.2003 (Proc. n.º 4095/03),


I - O exercício da acção disciplinar visa exclusivamente fins de interesse público e as normas que o regulam não tutelam directamente os interesses pessoais dos participantes. II - Da deliberação do CSM que determina o arquivamento do inquérito instaurado contra determinados magistrados judiciais, por eventuais irregularidades por estes cometidas, não tem legitimidade para recorrer o particular que formulou a participação que esteve na base da instauração desse inquérito- Acórdão do STJ de 23-10-2003 (Proc. n.º 1635/03)


I - Só possui legitimidade para interpor recurso de anulação quem tiver interesse directo, pessoal e legítimo na anulação do acto administrativo - art. 46.º, n.º 1, do RSTA 57. II - O poder de denúncia ou participação de factos disciplinares apenas tem por efeito confrontar a autoridade detentora da acção disciplinar - titular do jus puniendi - com a oportunidade e conveniência de apreciar a dignidade disciplinar dos factos participados, e a conduta dos visados, tendo em vista o interesse público, não lhe impondo, todavia, um qualquer dever específico de ordenação do desencadeamento de procedimento disciplinar, de inquérito ou de averiguações ou de exercitação da acção disciplinar correspondente. III - Não é tecnicamente configurável um «direito subjectivo» à legalidade administrativa do qual emirja a legitimidade de um qualquer cidadão poder impugnar jurisdicionalmente decisões das administrações públicas, sob a simples invocação de lesão do universal e genérico direito à preservação dessa legalidade. IV - Um particular administrado não detém legitimidade para recorrer contenciosamente de uma deliberação do Conselho Superior da Magistratura determinativa do arquivamento de um processo de inquérito instaurado com base em participação sua atinente a vicissitudes supostamente anómalas ocorridas em processos judiciais pendentes, nos quais a mesma recorrente seja parte-Acórdão do STJ de 27-05-2003

I - A juíza A e o advogado B participaram ao Conselho Superior da Magistratura, no dia 21 de Junho de 2006, contra o inspector judicial C, nomeado instrutor em processo disciplinar em que a primeira era arguida, imputando-lhe a violação dos deveres de isenção e de zelo.II - Na sessão plenária do Conselho Superior da Magistratura de 4 de Junho de 2006 foi deliberado arquivar o procedimento relativo à mencionada queixa, sob o fundamento de a considerar manifestamente infundada, por inexistir matéria factual imputável ao participado susceptível de ser valorada em termos disciplinares por violação dos aludidos deveres. III - Os referidos denunciantes interpuseram, no dia 21 de Julho de 2006, recurso da aludida deliberação, com base em vício de forma decorrente de falta de fundamentação.IV - Os recorrentes não têm legitimidade ad recursum visto que não são titulares de interesse directo na anulação da deliberação do recorrido de arquivamento do procedimento implementado contra o inspector judicial C; impõe-se, por isso, a prolação de decisão liminar de não recebimento do recurso-.Acórdão do STJ de 12-10-2006 (Proc. n.º 3220/06)

4. Note-se que um dos argumentos esgrimidos pelo Ex. mo reclamante para sustentar a sua legitimidade no âmbito da presente impugnação jurisdicional – que surgiria como mera decorrência de já ter sido admitido a aceder ao Plenário do CSM, através de reclamação deduzida da decisão inicialmente proferida no âmbito daquele órgão constitucional de gestão da magistratura judicial – é claramente improcedente, por não se poder obviamente inferir a legitimidade do interessado para alcançar uma apreciação jurisdicional, em via contenciosa, do sentido de anteriores decisões internas da entidade recorrida – no caso, o CSM. Na verdade, esta questão da legitimidade para o recurso há-de resultar autonomamente de uma valoração jurisdicional acerca da interpretação da norma que consta do nº1 do art. 164º do EMJ, a qual em nada pode ser condicionada pelo prévio entendimento, no estrito âmbito interno da autoridade recorrida, sobre a legitimidade para deduzir reclamação para o Pleno daquele órgão constitucional.
Aliás, trata-se, em bom rigor, de questões perfeitamente diferenciadas e que, por isso, são plenamente susceptíveis de tratamento autónomo – mais não representando a aceitação pelo CSM da via interna da reclamação do que a admissão do participante a intervir na fase administrativa do processo por ele desencadeado – mas da qual não decorre, nem pode decorrer, a atribuição de uma legitimação para impugnar contenciosamente a decisão final proferida nesse procedimento disciplinar.

Não se questionam, por outro lado, minimamente alguns dos pressupostos base chamados à colação pelo recorrente como fundamento da tese ampliativa da legitimidade para recorrer contenciosamente que procura construir – muito em particular a especial natureza do CSMórgão constitucional autónomo e não pura entidade integrada na Administração – as particularidades da responsabilidade disciplinar dos magistrados judiciais ( que , mais do que realizarem um puro interesse público administrativo, exercem em nome do povo a função soberana da administração da justiça, sem que, por isso, o respectivo órgão de gestão possa ser visto como seu superior hierárquico , face à essencial característica da independência decisória do juiz) e a dignidade e relevância constitucional e legal do mandato forense.

Porém, tais pressupostos não conduzem, nem determinam, que ao participante/ advogado deva ser reconhecido um direito de impugnação contenciosa da decisão de arquivamento, através do reconhecimento de um interesse directo, pessoal e legítimo que lhe faculte legitimidade para formular a pretensão de anulação, perante os Tribunais, das decisões do CSM que, em função de uma valoração prudencial das circunstâncias do caso, tenha entendido não dar seguimento à participação apresentada.

Na realidade, o que releva decisivamente para a problemática da definição da legitimidade é a correcta identificação do interesse ou bem jurídico tutelado através da previsão e tipificação das infracções disciplinares : o interesse público no boa administração da justiça, de que é intérprete privilegiado o órgão constitucional a que está cometida a gestão da magistratura judicial, e não , de forma directa, e individualizada, os interesses pessoais das partes e respectivos mandatários no pleito cuja tramitação originou a participação ao CSM.

Não parece, nomeadamente, que se justifique, para efeitos de determinação da legitimidade para a impugnação jurisdicional de decisões disciplinares do CSM, uma distinção – que o recorrente parece admitir - entre infracções de desempenho – meramente lesivas da eficiência da justiça – e infracções consubstanciadas ( nas palavras do recorrente) em delinquência no exercício da função jurisdicional, decorrente de factos consubstanciados na negação da justiça ou na violação do princípio da sujeição do tribunal à lei.
Na verdade, a ter ocorrido uma situação enquadrável neste tipo de comportamentos, tem inquestionavelmente o ofendido à sua plena disposição – para além da via da responsabilidade civil extracontratual por factos cometidos no exercício da função judicial – a via penal, susceptível de assegurar uma tutela bem mais intensa e completa aos direitos alegadamente ofendidos do que a mera via disciplinar, precludida pela decisão de arquivamento da participação…

Questiona ainda o recorrente a conclusão segundo a qual a ilegitimidade do participante para recorrer da decisão de arquivamento da participação decorreria da configuração como discricionário do poder do CSM de desencadear ou não – segundo critérios de conveniência ou oportunidade – o procedimento disciplinar contra o magistrado visado pela participação apresentada – o que, na sua óptica, seria claramente inadmissível, particularmente quando fossem denunciadas violações graves da ética e da deontologia profissional.

Saliente-se que quando se configura o poder de instauração do procedimento disciplinar – bem como, no termo dele, a decisão de escolha e medida da sanção aplicável ao visado – como contendo alguns elementos ou laivos de discricionariedade não se pretende obviamente consagrar que não existam nessas áreas momentos vinculados na actuação do CSM – que naturalmente não deixará – como não tem deixado – de dar o seguimento adequado à participação de infracções graves e consistentemente denunciadas pelas partes e seus mandatários, cometidas contra interesses fundamentais na administração da justiça; na verdade, o que se pretende acentuar com a invocação dessa margem de discricionariedade na actuação do órgão constitucional com competência disciplinar quanto à magistratura judicial é que, na sua base, estarão muitas vezes juízos prudenciais e casuísticos, moldados pelas circunstâncias do caso e nem sempre integralmente reconduzíveis a critérios formais de estrita legalidade.

Sucede, porém, que – na concreta situação dos autos – não se torna sequer necessário aprofundar esta matéria, já que a decisão de arquivamento da participação pelo CSM se baseou num critério de legalidade estrita, ligado à consumação do prazo de prescrição do procedimento disciplinar, que se entendeu verificado, atentas as datas da ocorrência dos factos denunciados e aquela em que foi apresentada participação ao Conselho.
Ou seja: neste concreto circunstancialismo, não pode obviamente vislumbrar-se na actuação do CSM qualquer apelo a critérios de conveniência ou oportunidade – que carecessem de ser controlados ou sindicados no âmbito da presente impugnação jurisdicional - mas antes a estrita aplicação – na interpretação que se teve por adequada – do instituto jurídico da prescrição do procedimento disciplinar.

5. Nestes termos e pelos fundamentos apontados, vai rejeitada, por ilegitimidade do recorrente, a presente impugnação.
Nos termos do art. 446º, nº 1 do CPC, as custas ficam a cargo do recorrente.
Sendo o valor da presente acção o de € 30 000,01 atento o disposto no art. 34º, nº 2 do CPTA, a taxa de justiça é de seis unidades de conta – Tabela I - A, anexa ao Regulamento das Custas Judiciais e art. 7º, nº 1 deste diploma.



Lopes do Rego (relator)
Manuel Braz
Gonçalves Rocha
João Camilo
Pires da Graça
Garcia Calejo
Serra Baptista
Henriques Gaspar