Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
109/06.7IDAVR-D.S1
Nº Convencional: 5.ª SECÇÃO
Relator: JORGE GONÇALVES
Descritores: RECURSO DE REVISÃO
FALSIDADE DE DEPOIMENTO OU DECLARAÇÃO
NOVOS MEIOS DE PROVA
NOVOS FACTOS
INJUSTIÇA DA CONDENAÇÃO
PROVA DOCUMENTAL
REJEIÇÃO
Data do Acordão: 02/15/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO DE REVISÃO
Decisão: NEGADO PROVIMENTO.
Sumário :
I - O recurso de revisão não se destina a analisar eventuais nulidades processuais ou outros vícios do julgamento ou da sentença, pois para essas situações existe o recurso ordinário, não tendo fundamento a pretensão de que se conheça, em sede de recurso de revisão, de alegadas nulidades processuais que, a existirem, estão cobertas pelo indiscutível trânsito em julgado da decisão condenatória.
II - O fundamento de revisão previsto no art. 449.º, n.º 1, al. a), do CPP, refere-se à falsidade de meios de prova em que se fundou a condenação, cuja relevância depende, obrigatoriamente, da falsidade ter sido reconhecida por outra sentença, transitada em julgado, não o podendo ser por qualquer outro meio, além de se exigir que aqueles meios tenham sido determinantes para a decisão a rever.
III - O fundamento de revisão consagrado na al. d) do n.º 1 do art. 449.º do CPP, exige não só a descoberta de novos factos ou de novos meios de prova, mas também que os mesmos, de per si ou combinados com os que foram apreciados no processo, suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação, pois só a cumulação destes dois requisitos garante a excecionalidade do recurso de revisão.
IV - Os factos e/ou as provas têm de ser “novos” no sentido de desconhecidos do tribunal e do arguido ao tempo do julgamento, tendo desse desconhecimento resultado a sua não apresentação oportuna, considerando-se ainda equiparável ao desconhecimento a não apresentação em julgamento, embora conhecidos do recorrente, desde que sejam apresentadas razões atendíveis e ponderosas que possam justificar essa omissão.
V - Se o recorrente pretendia insurgir-se contra qualquer nulidade da fundamentação da decisão revidenda, deveria tê-lo feito em tempo oportuno; se pretendia sindicar a decisão de facto, deveria ter recorrido da mesma, com base em vício decisório ou impugnando-a amplamente.
VI - Os documentos que o recorrente invoca são de data anterior ao julgamento cuja justiça é questionada e já constavam do processo ao tempo da condenação. Mesmo que algum, por hipótese, não tivesse sido oportunamente apresentado, não se vislumbra que não fosse do conhecimento do recorrente ou que existissem razões atendíveis e ponderosas a justificar essa omissão.
VII - Não estando em causa mais do que o inconformismo do recorrente com a valoração da prova efetuada pelo tribunal da condenação, inexiste fundamento de revisão.
Decisão Texto Integral:




Processo n.º 109/06.7IDAVR-D.S1


Recurso de Revisão


Acordam no Supremo Tribunal de Justiça


I – RELATÓRIO


1. AA, com os sinais dos autos, foi, por acórdão proferido em 6.07.2018, no Processo Comum Coletivo n.º 109/06.7IDAVR, do Juízo Central Criminal de ... - ..., transitado em julgado, condenado “pela prática, em coautoria material e na forma consumada, de um crime de burla tributária, p. e p. pelo art.º 87.º, n.ºs 1 e 3, do RGIT (aprovado pela Lei n.º 15/2001, de 05.06), com referência ao art.º 202.º, al. b), do Código Penal (por remissão do art.º 11º, al. d), do RGIT), bem como aos artgs 19.º e 20.º do CIVA, e artgs 1.º, n.º 1, al. a), e 14.º do Regime do IVA nas Transações Intracomunitárias, na pena de 3 (três) anos de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 5 (cinco) anos, subordinada ao pagamento solidário com os demais arguidos, nesse período, da quantia referenciada no ponto 42.º dos factos provados, mais legais acréscimos” [o ponto 42. indica “Total 247.168,02€”].


2. Invocando como fundamento o previsto nas alíneas a) e d), do n.º 1, do artigo 449.º, do Código de Processo Penal (doravante CPP), veio o referido condenado interpor recurso extraordinário de revisão do aludido acórdão condenatório, concluindo a motivação do modo seguinte (transcrição nos precisos termos):


«Estas decisões “pagamentos de IVA, existência de incremento e declarações de pagamento de IVA”, devem ser corrigidas reformulando-se estas em obediência aos artigos 609º, 611º, 613º nº 2, 615º, 616º e 617º do CPC e número 2 do artigo 374º, 379º, 280º e número 4 º 414º do CPP, com a orientação seguida do quadro (Doc n.º 21) que se apresenta e no entender do recorrente com o Douto suprimento do Tribunal se deve considerar como procedimento adequado.


O arguido AA e outros, ora recorrente, reportam o pedido de revisão do acórdão condenatório à verificação dos fundamentos previstos na alínea d) do n.º 1, do artigo 449.º, do CPP, segundo a qual, a revisão de sentença transitada em julgado é admissível se: “se descobrirem factos ou meios de prova que, de per se ou conjugados com os que foram apreciados no processo, devam considerar-se “novos” e, após reconhecida a “novidade”, a verificação de tais factos ou meios de prova têm a necessária aptidão para constituir um juízo de graves dúvidas sobre os fundamentos da condenação, de modo a poder concluir-se qua a aplicação da pena constituiu o resultado de inaceitável erro judiciário de julgamento da matéria de facto. Ora,


O tribunal a quo ao não considerar os documentos de fls 597 a 606 como comprovativos de pagamento de IVA incorreu num clamoroso erro judiciário, erro este, que afetou a formação da convicção do tribunal nas decisões seguintes.


Bem como quanto à alínea a) do n.º 1, do artigo 449.º, do CPP, em virtude, de sentença transitada em julgado a produzir ter sido baseada em falsos meios de prova e falsos depoimentos.


O recorrente por se encontrar com dificuldades económicas e financeiras pediu apoio judiciário e foi-lhe concedido.


Efetivamente,


1. O quadro de fls. 799 e 800 e plasmado no artigo 42. dos factos provados TEM UM CONTEÚDO falso.


Como se já referiu os valores declarados fraudulentos ou incrementados são antes verdadeiros.


A Autoridade Tributária aceitou estes valores, como verdadeiros, para apurar o IVA a pagar pelas sociedades “...” 468.843,96€ e “...” 129.602,71€, mas estes mesmos valores já são considerados fraudulentos por incrementação quando a sociedade “...” os deduz.


ESTES VALORES PARA PAGAR SÃO VERDADEIROS, MAS OS MESMOS VALORES PARA DEDUZIR SÃO INCREMENTADOS OU FRAUDULENTOS.


2. Os depoimentos das testemunhas da Autoridade Tributária BB e CC são, pois, falsos.


O valor de 635.272,83€ que afirmam ser fraudulento corresponde aos IVAS liquidados pela sociedade ...” 468.843,96€ e “...” 129.602,71€, mas como documentos que anexamos outros fornecedores no valor de 36.826,16€.


Também seria possível incrementar IVA nos outros fornecedores?


Estas testemunhas nos seus depoimentos em audiência também faltaram à verdade, pois sempre afirmaram que as empresas não pagaram IVA. Quando tinham perfeito conhecimento de que estas sociedades tinham pago quase a totalidade do IVA.


Porque na realidade ao NIC – Núcleo de Investigação Criminal da Direção de Finanças estas mesmas testemunhas, inspetoras tributárias, comunicaram que a sociedade ...” “pagou”, antes de processo ir para tribunal, 125.745,04€ de IVA.


3. O arguido AA, não sendo o contabilista das empresas, é unicamente o proprietário do gabinete de contabilidade onde as contabilidades foram executadas pelos seus colaboradores, e onde as declarações fiscais foram preenchidas.


Assumindo, por este motivo, toda a responsabilidade dos trabalhos executados no seu gabinete de contabilidade.


4. TODAS AS DECLARAÇÕES PERIÓDICAS DE IVA, ENTREGUES PELAS SOCIEDADES ...”, “...” E “...” ESTÃO DEVIDAMENTE E CORRETAMENTE PREENCHIDAS.


NÃO HÁ NENHUM INCREMENTO, NEM NENHUMA BURLA.


Como nos seus depoimentos em julgamento, o arguido AA, aqui recorrente, sempre afirmou.


5. Não existe, pois, o propalado incremento de IVA no valor de €247.278,02 (duzentos e quarenta e sete mil duzentos e setenta e oito euros e dois cêntimos) obtido pela diferença entre €635.272,83-(€330.630,29+€57.474,53), uma vez que todas as operações de liquidação e dedução foram efetuadas conforme a lei fiscal artigo 19 e 22 do DL n.º 394-B/84 de 26 de Dezembro, com a redação dada pelo DL n.º 102/2008, de 20 de Junho.


6. Só por mera informação foram solicitados reembolsos no valor de €603.996,05, mas só foram concedidos €253.208,77 pagos mediante prestação de garantia bancária. Ora,


7. Incremento seria “ocultação ou não declaração do que é devido ao Estado para enriquecimento próprio das empresas”. Por sua vez.


7.1 As declarações encontram-se efetuadas.


7.2 Estas correspondem ao volume de negócios existentes nas empresas ... e ....


7.3 Os pagamentos estão também concretizados.


8. A lei que preside, ao abrigo da qual o IVA é calculado e aplicado não exige que somente uma empresa produza e comercialize o mesmo produto, ao contrário do que se sustentou na acusação.


9. Existe assim um enorme erro de aplicação do artigo n.º 19 do DL n.º 394-B/84 de 26 de Dezembro com as ulteriores redações. Acresce que,


10. Os pagamentos de IVA ao Estado como se atesta pelas vinhetas da AT e dos CTT, não foram considerados como pagamentos em julgamento, pelo que, invocados estes agora, constituem um novo facto e novo meio de prova.


11. Os quadros elaborados pelas técnicas com as declarações destas, demonstram que a ...” e “...” pagaram os IVAS ao contrário do que sustentaram em julgamento – não terem pagos os IVAS ao Estado- conduzem a uma falsidade material que não foi tida em consideração, pelo que constituem agora um novo meio de prova a considerar em sede de revisão. Acórdãos o STJ de 11-03-2022, de 18-04-2012, de 12-10-2011 e Acórdão da Relação de Coimbra.


12. O acórdão revidendo faz, pois, um raciocino baseado sobre factos e depoimentos falsos, resvalando para um raciocino ilógico ao dar como provados os factos “não pagamento de IVA, incremento do IVA e reembolso indevido”, violando como tal os “princípios da verdade material, do principio in dubio pro Réu e de presunção de inocência” expressos entre outros, no artigo 32.º da CRP. Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 27/02/2003 in colectânea de Jurisprudência XXVII, 52 e 19-01-2005 in CJ XXX, 1, 127 e TC nº 180/2007 que devem ser agora conhecidos oficiosamente.


13. As provas “Os documentos de fls 597 a 606 (documentos para pagamento de declaração periódica de IVA enviada pela internet) são os comprovativos de pagamentos dos IVAS autenticados com as respetivas vinhetas da At e dos CTT, bem como o quadro anexo 14 C).” devem ser renovadas com vista à reapreciação dos artigos 4º, 5º, 23º a 30º, 40º a 57º da acusação por forma a corrigir o acórdão/sentença revidendo.


14. A sentença/acórdão revivendo labora, pois, em erro de interpretação e aplicação os artigos 32º da CRP, 609º, 611º, 613º nº 2, 615º, 616º e 617º do CPC e artigos 358º e 359º, 374º, 379º nº 1 al. b) e c), 380º e nº 4 do artigo 414º do CPP, constituindo nulidades de conhecimento oficioso. Ora,


15. A não consideração dos documentos e a errada interpretação sobre eles formulada, bem como a convicção adquirida na sentença revidenda constituem factos novos ou meios de prova novos ex vi dos artigos 358º e 359º do CPP não tidos em consideração no julgamento. E como se afirma,


16. No Acórdão do STJ de 11-03-2022 refere no seu ponto oito que “ al. d) do nº 1 do artigo 449º do CPP. também consente a revisão com base em novos meios de prova de factos já debatidos no julgamento que conduziu à sentença cuja revisão se pede e não só com base em novos factos e respectivos meios de prova.”


17. Os depoimentos das testemunhas sobre o acórdão a rever só podem ser falsos pois se baseiam em elementos errados (Anexo Quadro Comparativo ao quadro Anexo 14 c) o que inquina a interpretação que ali se faz, conduzindo a uma nulidade agora de conhecimento oficioso, tal como se ensina na jurisprudência seguida no Acórdão da Relação de Coimbra de 06-11-2012, PN 16948/08.3Y1PRT.A.C1.


18. Esta falsidade não foi discutida no processo e é determinante, tal como os documentos em que este se baseou.


19. O depoimento das testemunhas de acusação considerado falso, ainda que apreciado, posteriormente, pelos senhores Juízes, constitui para tanto um novo meio de prova cuja reapreciação é considerado relevante e põe em causa a decisão encontrada “incremento do IVA” e conduz à absolvição dos arguidos, desfazendo uma dúvida grave e promovendo, antes, a verdade material.


20. Esta descoberta e alegação destes meios de prova são, contudo, sempre novos porque não foram considerados no julgamento e suscitam que houve graves dúvidas sobre a justiça da condenação. “Ac. STJ de 18-04-2012. Na esteira da jurisprudência ali vertida no ponto 5 fls 2/8 lê-se - fundamento da Revisão de sentença é “…, isto é, meios de prova que não foram produzidos ou considerados no julgamento”


21. No acórdão do STJ de 12-10-2011 nos grupos III, IV e V a fls 1/31, factos ou meios de prova são novos para revisão “…bastando que os factos ou meios de prova não tenham sido tidos em conta no julgamento que levara à condenação, para serem considerados novos.” “…os factos ou meios de prova novos …, serão invocáveis em sede de revisão desde que seja dada uma explicação suficiente para a omissão antes da sua apresentação e eventualmente, até porque entendeu na altura que não devia apresentar os factos ou meios de prova agora novos para o Tribunal.” “…dúvida grave sobre a justiça da condenação, exige-se que seja dúvida qualificada que é corrigida pelos elementos agora apresentados”. Ora,


22. O arguido AA e outros, apresentam o recurso extraordinário de revisão em virtude de haver “novas provas” que não foram devidamente apreciadas antes, na decisão que transitou em julgado, são como tal indício indispensável à admissibilidade de um erro judiciário carecido de correção.


23. Conforme as sempre atuais palavras de CAVALEIRO DE FERREIRA “o direito não pode querer e não quer a manutenção duma condenação, em homenagem à estabilidade de decisões judiciais, a garantia dum mal invocado prestígio ou infalibilidade do juízo humano, à custa de postergação de direitos fundamentais dos cidadãos” pois que será a própria realização da justiça a perigar com a irrazoável estabilidade de certas decisões judiciais, principalmente quando feridas de erro judiciário.


24. E, dentre os mecanismos corretivos do erro judiciário, especial relevo assume o recurso extraordinário de revisão, enquanto mecanismo último, isto é, a operar quando o erro superou todos os outros mecanismos, preventivos e corretivos, sem prejuízo de ao recorrente assistir o direito de apresentar queixa ora no Tribunal Constitucional ora no Tribunal dos Direitos do Homem por violação dos artigo 6º e 7º da Convenção dos Direitos do Homem.


Neste termos e nos melhores de direito, facilmente supridos, sem prejuízo de conhecer das nulidades no Acórdão revidendo, deve proceder-se à revisão do referido Acórdão no que se refere à não consideração dos pagamentos do IVA através dos CTT e dos diretamente pagos ao Estado, por manifesto erro judiciário, bem como as decisões baseadas na convicção de que os “IVAS se encontram incrementados” em falsos depoimentos das testemunhas de acusação e nos falsos elementos probatórios recolhidos pela acusação, ordenando-se o prosseguimento do processo e promovendo-se a revisão do Acórdão (Sentença) recorrido e substituindo-se por um outro, absolvendo-se os arguidos.


(…)»


3. O requerimento mostra-se instruído com documentos.


4. O Ministério Público, junto do Juízo Central Criminal de ..., respondeu ao recurso no sentido de não ser admissível a revisão.


5. No tribunal da condenação, o Mm.º Juiz titular do processo, nos termos do artigo 454.º do CPP, prestou informação sobre o mérito do pedido do modo seguinte (transcrição, sem notas de rodapé):


«Por acórdão de 06/07/2018, AA foi condenado “pela prática, em coautoria material e na forma consumada, de um crime de burla tributária, p. e p. pelo artº 87º, nºs 1 e 3, do RGIT (aprovado pela Lei nº 15/2001, de 05.06), com referência ao artº 202º, al. b), do Código Penal (por remissão do artº 11º, al. d), do RGIT), bem como aos artgs 19º e 20º do CIVA, e artgs 1º, nº 1, al. a), e 14º do Regime do IVA nas Transações Intracomunitárias, na pena de 3 (três) anos de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 5 (cinco) anos, subordinada ao pagamento solidário com os demais arguidos, nesse período, da quantia referenciada no ponto 42º dos factos provados, mais legais acréscimos” [o ponto 42. indica “Total 247.168,02€”];


Nesse processo, o arguido AA esteve presente e arrolou uma testemunha. Em síntese, o acórdão condenatório, considerou com provado, além do mais, em síntese, que:


- um outro arguido, de nome DD, elaborou um plano que consistia em criar várias empresas produtoras de calçado, distintas da empresa que os comercializava (a empresa ...) no mercado comunitário;


- estas empresas produtoras, ficticiamente, forneceriam calçado à empresa comercializadora (a ...), que, ficticiamente, lhes contabilizada o pagamento de IVA, (integrado no preço pago pelos fornecimentos); após, a ... obtinha direito a reembolsos do IVA, nos termos legais;


- mas as essas sociedades produtoras não entregavam o IVA ao Estado, sendo que, a ..., na realidade, também não pagava o IVA às sociedades produtoras de calçado (apesar de se criar a aparência contabilística de que tal sucederia);


- para prevenir e evitar a ação de cobrança por parte do Estado das dívidas geradas por essas sociedades produtoras de calçado, estas seriam constituídas, tal como efetivamente foram, por forma a não possuírem ativos penhoráveis, suscetíveis de serem utilizados para garantir a satisfação do pagamento das dívidas perante o Estado;


- Estas empresas que funcionariam, como intermédias, em harmonia com o seu objetivo, agiriam como marginais fiscais, não cumprindo qualquer obrigação, quer fosse do tipo declarativo, quer de pagamento. E, quando a Administração Fiscal começasse a fiscalizar as suas atividades, seriam cessadas, sendo de imediato substituídas por outra sociedade, que vinha ocupar a sua posição, com idêntico tipo de atuação.


- o aludido DD contactou outras pessoas, entre os quais AA, para o ajudarem a concretizar este plano; e foram então criadas várias sociedades, que, ficticiamente, atuavam como se fossem distintas da ..., sendo uma delas a sociedade ..., relativamente à qual AA tratava da contabilidade;


- Com tal procedimento, DD, AA, a sociedade “...”, e outro arguido e outras sociedades, conseguiram o incremento do IVA dedutível a recuperar do Estado por via da arguida “...”, que solicitaria, conforme solicitou, o reembolso, correspondente ao imposto que incidia sobre o valor acrescentado (margem de comercialização) da empresa formalmente produtora, vantagem no montante global de 247.168,02€;


- e ainda fizeram constar falsamente duas faturas na contabilidade da sociedade ..., Lda, por fornecimentos fictícios à sociedade ..., SA.;


- Ao criar a arguida “T......, Lda.,” sem qualquer ativo, o arguido DD (com a colaboração dos arguidos EE e AA, que comungaram dos mesmos intentos) fê-lo apenas com o exclusivo propósito de obter o reembolso do IVA formalmente declarado pelas sociedades “...”, ...” e “...”, o que foi conseguido, uma vez a “...”, ...” e “...” produziam calçado exclusivamente para a arguida “...” (empresas essas que, sendo formalmente distintas da “...” eram na verdade uma só), liquidando IVA a esta nas faturas que lhe emitiam, o qual não entregaram ao Estado pois na verdade tal só era feito com vista à incrementação dos custos da “...”, custos estes que esta na verdade não suportou (procederam entretanto a pagamentos parciais de IVA, na sequência das ações de fiscalização da ...”, no montante global de €54.681,20, tendo ficado por regularizar o montante de €77.465,53, conforme quadro de fls 681, cujo teor aqui se dá por reproduzido).


O arguido AA não interpôs recurso deste acórdão, que assim, quanto a ele, transitou em julgado em 21/09/2018 (apenas DD interpôs recurso, que, em todo o caso, viria a ser considerado improcedente pelo Venerando TRP, por acórdão de 22/05/2019, transitado em julgado em 06/06/2019).


O arguido AA veio agora, em recurso extraordinário de revisão, expor que “A sentença a rever, está baseada essencialmente na convicção do tribunal que a fundamentou NUMA ANÁLISE ERRADA DE DOCUMENTOS, também em DOCUMENTOS PROVATÓRIOS FALSOS e nos DEPOIMENTOS das testemunhas da AT, que são COMPROVADAMENTE FALSOS”.


Mais indica que “INEXISTINDO PROVA DIRETA DO COMETIMENTO DOS CRIMES O TRIBUNAL A QUO, BASEIA A SUA CONVICÇÃO, ENTRE OUTROS, NOS DOCUMENTOS DE FLS. 596 A 606.


ESTES DOCUMENTOS, FLS. 596 A 606, ONDE O TRIBUNAL A QUO BASEIA A SUA CONVICÇÃO, SÃO O COMPROVATIVO DOS PAGAMENTOS DOS IVAS.


O TRIBUNAL A QUO NOS DOCUMENTOS DE FLS 597 A 606 SÓ TEVE EM CONSIDERAÇÃO O TÍTULO DOS DOCUMENTOS (DOCUMENTO PARA PAGAMENTO DE DECLARAÇÃO PERIÓDICA DE IVA ENVIADA PELA INTERNET) SE O TRIBUNAL A QUO FIZESSE UMA ANÁLISE RIGOROSA AOS DOCUMENTOS VERIA QUES ESTES DOCUMENTOS TÊM VINHETAS DA AT E DOS CTT QUE CONFIRMAM O PAGAMENTO DOS IVAS.


ESTE ENORME ERRO JUDICIÁRIO, INQUINOU TODA A CONVICÇÃO DO TRIBUNAL A QUO.


ASSIM TODA A DECISDÃO DO TRIBUNAL É ERRADA”.


E mais à frente alega um conjunto de depoimentos falsos de inspetoras tributárias. Depois junta um conjunto de documentos que comprovariam, no seu entender, o pagamento de IVA por parte da sociedade ....


Ora, nesta argumentação, se a ... pagou o IVA, então, no entender do Recorrente, estaria evidenciado que a ... não estaria a beneficiar de incrementos não devidos a título de reembolso do IVA (se a ... pagou ela o IVA, não se estaria a incrementar falsamente o reembolso do IVA por parte da ...).


E termina ainda a invocar “A sentença revidenda sofre pois das nulidades previstas nas al. b), c) e e) do artigo 1615º do CPC e do número 2 do artigo 374º, 379º e 280º do CPP, as quais conferem ao recorrente o direito de apresentar queixa no Tribunal Constitucional por ser injusta e denegar justiça e Europeu dos Direitos do Homem, mantendo-se a condenação”.


Vejamos.


O presente recurso de revisão foi interposto nos termos do disposto no artº 449º, nº 1, al.s a) e d), do CPP1 que estipula “1 - A revisão de sentença transitada em julgado é admissível quando:


a) Uma outra sentença transitada em julgado tiver considerado falsos meios de prova que tenham sido determinantes para a decisão;


(…)


d) Se descobrirem novos factos ou meios de prova que, de per si ou combinados com os que foram apreciados no processo, suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação”.


O recurso de revisão é, nas palavras do Sr. Conselheiro FF “um expediente destinado a corrigir um erro judiciário e a repor a justiça no caso”.


Não serve para que se realize um novo julgamento, simplesmente porque não se aceita o resultado do anterior. Nas palavras de António Barreiros, citado por Paulo Pinto de Albuquerque, trata-se de um “meio excecional que não visa a correção de erros do anterior processo, nem compensar o arguido pela sua inércia processual”3.


Ora, desde logo, e a propósito do artº 449º, nº 1, al. a), do CPP, desconhece-se qual a outra sentença, proferida noutro processo, que julgou falsos meios de prova usados neste processo.


Pelo que não se entende a invocação deste preceito legal. Avançando.


Verifica-se que os documentos que agora foram juntos, pelo Recorrente, para comprovar a, alegada, falsidade dos meios probatórios nos quais o Tribunal estribou a sua convicção, têm uma datação muito anterior ao julgamento.


Desconhece-se, aliás, se tais documentos são, ou não verdadeiros (e se, sendo verdadeiros, se dos mesmos se podem extrair as conclusões que o Recorrente extrai), mas o facto é que o arguido insurge-se agora contra uma decisão que, em devido tempo, aceitou.


E sendo certo que, como afirma o próprio Recorrente “A PROVA DE PAGAMENTOS DE IVA, ESTÁ TAMBÉM, BEM PATENTE na página 27 do relatório do NIC fls 1242, elaborado em 03 de fevereiro de 2009”.


A ser assim, então, segundo o próprio ora Recorrente AA, os pagamentos de IVA por parte da ... já se encontravam evidenciados nos próprios autos, à data do julgamento.


Ora, os novos meios de prova, para efeitos do recurso de revisão, têm de ser desconhecidos do Recorrente no momento do primitivo julgamento.


O recurso de revisão não serve, no nosso entender, e s.m.o., para corrigir situações em que o Recorrente entende ser errada a interpretação probatória que foi efetuada pelo Tribunal, no julgamento primitivo.


Para isso existem os recursos ordinários.


Quanto às, alegadas, nulidades do acórdão (transitado em julgado), não podem, sequer, ser conhecidas neste momento.


Assim, no nosso entender, e s.m.o., não estão, desde logo, preenchidos os pressupostos para que o recurso obtenha provimento,


sendo certo que melhor decisão será sempre a de V. Ex.as, como é de Justiça!.


Notifique o MP e o arguido e remeta imediatamente o presente apenso ao Colendo STJ.»


6. O Ex.mo Procurador-Geral-Adjunto, neste Supremo Tribunal de Justiça, no visto a que alude o artigo 445.º, n.º1, do CPP, emitiu parecer no sentido de que “não se verificam os pressupostos da revisão da sentença requerida pelo recorrente nesta providência, sendo manifestamente infundado o presente recurso extraordinário”.


7. Notificado o recorrente da posição assumida pelo Ministério Público, para, em 10 dias, querendo, dizer o que tivesse por conveniente, foi apresentada resposta na qual o recorrente reafirma, no essencial, as razões apresentadas no recurso de revisão.


8. AA, que se apresenta nos autos como recorrente, utiliza, por vezes, o plural “recorrentes”, como se os restantes condenados no processo em causa também recorressem.


Ora, é evidente que existe apenas um recorrente, o referido AA, sendo indevida a menção a “recorrentes”.


Feito este reparo, o recorrente tem legitimidade para requerer a revisão [artigo 450.º, n.º 1, al. c), do CPP] e este tribunal é o competente [artigos 11.º, n.º 4, al. d), e 454.º do CPP).


9. Realizada a conferência, nos termos do artigo 455.º, n.º 3, do CPP, cumpre decidir, constituindo objeto do recurso apreciar a verificação dos fundamentos de admissibilidade da revisão de sentença previstos nas alíneas a) e d), do n.º 1, do artigo 449.º, do CPP.


II – FUNDAMENTAÇÃO


1. No acórdão cuja revisão agora se pretende foram julgados provados os seguintes factos (transcrição parcial):


1. O arguido DD é economista e exerceu, em datas não concretamente apuradas, funções de liquidatário judicial.


2. Em consequência dos conhecimentos que detinha, o arguido DD decidiu criar várias empresas, sucessivamente ("...", "...", ... e "...") produtoras de calçado, formalmente distintas da empresa que as comercializava no mercado comunitário, de modo a conseguir a cisão da atividade de fabrico e comercialização de sapatos e, assim, gerar IVA a reembolsar pelo Estado, através da sociedade a jusante (que desde 2002 passou a ser a "..., entretanto constituída), IVA que essas sociedades intermédias não entregavam ao Estado e que a sociedade a jusante na realidade não pagaria àquelas (apesar de se criar a aparência contabilística de que tal sucederia).


3. Para prevenir e evitar a ação de cobrança por parte do Estado das dívidas geradas por essas sociedades intermédias, estas seriam constituídas, tal como efetivamente foram, por forma a não possuírem ativos penhoráveis, suscetíveis de serem utilizados para garantir a satisfação do pagamento das dívidas.


4. As instalações e as máquinas utilizadas integrariam, tal como efetivamente veio a suceder, o património de outras empresas a montante, que lhes eram cedidas mediante contrato, mas sem liquidação/cobrança de quaisquer valores.


5. Estas empresas que funcionariam, tal como vieram funcionar, como intermédias, em harmonia com o seu objetivo, agiriam como marginais fiscais, não cumprindo qualquer obrigação, quer fosse do tipo declarativo, quer de pagamento. E, quando a Administração Fiscal começasse a fiscalizar as suas atividades, seriam cessadas, sendo de imediato substituídas por outra sociedade, que vinha ocupar a sua posição, com idêntico tipo de atuação.


6. De modo a concretizar aqueles objetivos, o arguido DD contactou os arguidos EE e AA, a quem conhecia já há alguns anos e em quem confiava, transmitiu-lhes o plano e estes aceitaram agir em comunhão de esforço, de modo a executarem o plano conforme delineado pelo arguido DD.


7. Na sequência do dito acordo entre os arguidos DD, EE e AA, foram criadas as sociedades «..., S.A.", "..., Fábrica de Sapatos, Lda", "..., Lda", "..., Indústria de Artigos de Pele, Lda," e "..., Lda", que operavam como se de uma única empresa se tratasse, tendo todas como sede a mesma morada, assim como o mesmo departamento administrativo, logístico e armazenamento, sem que as sociedades ..., "...' e "..." pagassem ou cobrassem qualquer quantia por aqueles serviços à sociedade "..., sendo igualmente comuns a todas as ditas sociedades os gerentes, os empregados e os fornecedores.


8. A sociedade "..., SA," foi constituída a 01 de agosto de 1994, ficando sediada na Rua..., Zona Industrial de ..., em ....


9. A presidente do seu Conselho de Administração era a sociedade "..., Lda", de quem era sócio-gerente o arguido DD, e o contabilista da empresa era o arguido AA.


10. A "..., S.A." promoveu a cessação oficiosa da sua atividade, reportando tal cessação a 31 de agosto de 1997, na sequência da inspeção tributária a que foi sujeita, relativamente aos exercícios de 1995 a 1997, por incumprir as obrigações declarativas.


11. Foram os arguidos DD e AA quem assinaram a declaração modelo 22 de IRC, respeitante a 1996, entregue em 27 de março de 1998, no Serviço de Finanças da ..., e que exibiram durante o ano de 2003, os livros da sociedade "..., S.A.", no âmbito de uma reclamação graciosa em sede de procedimento tributário.


12. A sociedade "... - Fábrica de Sapatos, Lda" foi constituída a 30 de setembro de 1998, ficando sediada na Rua..., Zona Industrial de ..., em ....


13. A sua designação passou a ser marca do calçado por si fabricado e entretanto comercializado pelas arguidas "T…, Lda" e "..., Lda".


14. Era o arguido EE quem estava diariamente nas instalações da sede da sociedade "... - Fábrica de Sapatos, Lda", dava ordens aos trabalhadores, contactava os fornecedores e assinava cheques e letras de câmbio em nome daquela sociedade. na qualidade de gerente das mesmas.


15. O arguido EE exercia tais funções sempre de acordo com o previamente definido com o arguido DD.


16. A arguida "... - Fábrica de Calçado, Lda" igualmente sediada na Rua ..., Zona Industrial de ..., ..., encontra-se enquadrada, para feitos de IVA, no regime normal de periodicidade mensal, pelo exercício da atividade de "Comércio por Grosso de Calçado".


17. Esta sociedade foi constituída a 02 de março de 2002, tendo corno suas únicas clientes a arguida "... e a "... - Consultadoria e Serviços, Lda".


18. A arguida "..., Lda" tinha como sócios GG com domicílio fiscal na Rua ..., em ..., e a sociedade "... - Investiments, Limited", sociedade com sede em ....


19. No entanto, nem GG, nem qualquer representante legal da sociedade "... lnvestiments, Lirnited", exerciam funções de direção, gestão, ou controlo de alguma forma da atividade produtiva ou financeira da arguida "..., Lda", nunca tendo aqueles, sequer, comparecido alguma vez na sede da sociedade arguida.


20. Era o arguido EE quem estava diariamente nas instalações da sede da arguida "... - Fábrica de Calçado, Lda", dava ordens aos trabalhadores, contactava os fornecedores e assinava cheques e letras de câmbio em nome da arguida "..., Lda", na qualidade de gerente da mesma.


21. O arguido EE exercia tais funções sempre de acordo com o previamente definido com o arguido DD.


22. Ao arguido DD cabia a gestão do dinheiro para pagamento dos salários dos trabalhadores da arguida ... e dar ordens na execução do trabalho desenvolvido na mesma arguida, sobretudo na secção de produção das amostras de calçado.


23. Esta sociedade arguida não entregava as declarações de IVA, acabando por fazê-lo apenas quando notificada pela Administração Tributária para o efeito, na sequência da apreciação de um pedido de reembolso de imposto apresentado pela arguida "..., Lda";


24. Contudo, a declaração apresentada não foi acompanhada dos respetivos meios de pagamento, tendo então ficado por pagar ao Estado a quantia de €132.146,73.


25. A sociedade "... - Indústria de Artigos de Pele, Lda" foi constituída em abril de 2005 e, pese embora tenha registada a sede em ..., era também na Rua ..., ..., ..., que a mesma laborava, correspondendo a sede registada ao anexo de uma casa particular arrendado.


26. Os trabalhadores da arguida "..., Lda" passaram a trabalhar para a "..., Lda." e as máquinas utilizadas pela "...' eram também as anteriormente utilizadas pela "H ...., Lda.".


27. À semelhança da arguida ..., todo o calçado produzido pela "..." era comercializado pela arguida "... e também os fornecedores eram comuns a ambas as sociedades.


28. A faturação da "..., Lda" para a arguida "T......, Lda." durante o exercício de 2005, ascendeu a 598. 689,05€, determinando IVA a pagar ao Estado de 120.408,07€, que não foi pago.


29. No dia 04 de fevereiro de 2010 foi cancelada a matrícula da sociedade "..., Lda".


30. Era o arguido AA quem tratava da contabilidade da "..." e o arguido EE quem estava diariamente nas instalações da sede desta sociedade, dava ordens aos trabalhadores, contactava os fornecedores e assinava cheques e letras de câmbio, na qualidade de gerente da mesma.


31. O arguido HH exercia tais funções sempre de acordo com o previamente definido com o arguido DD.


32. Ao arguido DD cabia a gestão do dinheiro para pagamento dos salários dos trabalhadores da "..." e dar ordens na execução do trabalho desenvolvido por esta sociedade.


33. A sociedade arguida "... - Distribuição de Calçado, Lda", é uma sociedade por quotas que iniciou atividade em 29 de janeiro de 2002, sendo a sede inicial na Rua ..., em .......


34. A declaração de início da atividade foi entregue no 4º Serviço de Finanças de Lisboa em 13 de maio de 2002, daí constando como sócio o arguido DD.


35. Em 20 de fevereiro de 2004 foi alterada a morada da sede da sociedade arguida "..., Lda" para a Rua Dr. ..., em ..., vindo a mesma a ser alterada. novamente, a 30 de março de 2004, para a Rua ..., em ..., que é uma casa particular.


36. A arguida "... era a responsável pela distribuição de calçado, pela faturação e pelo recebimento, sendo a faturação desta arguida processada nas instalações da sede da arguida "..., Lda".


37. Era igualmente nas instalações da sede da arguida "H ...., Lda." que se processavam os contactos por carta fax ou mail, em nome da arguida "..., com clientes estrangeiros.


38. A partir de abril de 2005, quando a arguida "H ...., Lda.", dá lugar à "..., Lda", a "... passa a ver a sua faturação processada nas instalações da "...", sendo também aí que se realizam os contactos com clientes estrangeiros em nome da "....


39. Também na arguida "T......, Lda." era o arguido EE quem colaborava com o arguido DD na respetiva gestão, tendo, nomeadamente, entregue as declarações à administração fiscal relativas à declaração de início de atividade e as declarações anuais para os exercícios de 2002, 2003 e 2004.


40. A arguida "... vendia mercadoria exclusivamente para o mercado comunitário e, consequentemente, não tinha a obrigação de liquidar IVA nas operações que efetuava, cabendo-lhe a possibilidade de requerer o reembolso do lVA que suportava.


41. Assim, sempre que a arguida "... exportasse calçado que produzia e comercializava, poderia requerer o reembolso do IVA que aparentemente suportava nos custos da produção do calçado, IVA esse formalmente constantes das faturas a si emitidas sucessivamente pela "H ...., Lda. e "..., Ld", mas que na verdade não suportou.


42. Com tal procedimento, os arguidos DD, EE e AA, a sociedade "..." e a sociedade arguida ... conseguiram o incremento do IVA dedutível a recuperar do Estado por via da arguida "..., que solicitaria, conforme solicitou, o reembolso, correspondente ao imposto que incidia sobre o valor acrescentado (margem de comercialização) da empresa formalmente produtora, vantagem no montante global de 247.168,02€, conforme quadro infra:


(…)


43. Mais uma vez, na sequência de um plano previamente acordado, os arguidos DD, EE e AA fizeram constar da contabilidade da arguida "H ...., Lda." duas faturas, nomeadamente na conta "Conservação e Reparação" a fatura n.º 432, emitida em 30 de janeiro de 2002 pela sociedade "..., SA". no montante de 40.907, 12€ (valor líquido de 34.963,35€, a que acresce IVA no montante total de 5.943,77€), respeitante à realização de trabalhos de conservação e reparação.


44. E diligenciaram pelo registo na conta "Aquisições de matéria-prima", a fatura n.º 431, emitida em 28 de fevereiro de 2002, pela sociedade "..., SA," no montante de 79.617,80€ (valor líquido de 68.049,40€, a que acresce IVA no montante de 11.568,40€), respeitante à aquisição de matéria-prima diversa, seguros de exportação, energia, crust, telecomunicações e outros.


45. A dita fatura n.º 431 foi registada na contabilidade da arguida "H ...., Lda." como como se tratasse de uma aquisição à sociedade "..." e não à sociedade "F.., S.A.", e o valor dela constante foi declarado à Administração Fiscal no anexo respeitante aos fornecedores, na declaração anual de 2002, sendo igualmente o número fiscal da sociedade "..." que foi mencionado na declaração anual de 2002.


46. Sucede que as matérias-primas e os trabalhos referenciados nestas faturas não foram comprados nem realizados pela '"..., SA".


47. Nem os quantitativos nelas inscritos lhe foram pagos pela sociedade arguida "H ...., Lda.".


48. Conforme supra exposto, a sociedade "..., SA", foi constituída em 01 de agosto de 1994, sendo presidente do seu Conselho de Administração a sociedade "..., Lda", de que era sócio-gerente o arguido DD, e o técnico de contas da "F.., S.A.," era também o arguido AA.


49. A "F.., S.A." foi cessada oficiosamente, pela administração fiscal, para efeitos de IVA, a 31 de agosto de 1997, período a que se refere a última declaração de IVA que aquela enviou.


50. O arguido DD, na qualidade de representante da presidente do Conselho de Administração da "F.., S.A." e o arguido AA, na qualidade de contabilista daquela mesma sociedade, tiveram conhecimento da dita cessação oficiosa, uma vez que receberam o relatório final e apresentaram reclamação graciosa das correções efetuadas.


51. Em poder das referidas faturas, os arguidos DD, EE e AA diligenciaram pela dedução indevida, na declaração periódica de IVA apresentada pela arguida "..., SA", o IVA suportado, apesar de este não corresponder a quaisquer transações ou serviços prestados, passando essas faturas a constar como custo da atividade desta sociedade.


52. Agindo desse modo, os arguidos deduziram indevidamente o montante global de 17.512,17€ (dezassete mil quinhentos e doze euros e dezassete cêntimos), suportado nas referidas faturas, refletido nas declarações mensais enviadas no 1° trimestre de 2002.


53. O arguido DD, conhecedor dos mecanismos de pagamento e reembolsos do IVA, agindo em comunhão de esforços e intentos com os arguidos EE e AA (também conhecedores desses mecanismos), na sequência de um plano previamente estabelecido, constituiu, sucessivamente, as sociedades "F.., S.A.", "H ...., Lda.", "..., Lda", "..., Lda", e "T......, Lda.", de forma a parecerem distintas, com sócios e sedes distintas, sendo o arguido DD quem geria todas essas sociedades, com a indispensável colaboração dos arguidos EE e AA.


54. Ao criar a arguida "T......, Lda." sem qualquer ativo, o arguido DD (com a colaboração dos arguidos EE e AA, que comungaram dos mesmos intentos) fê-lo apenas com o exclusivo propósito de obter o reembolso do IVA formalmente declarado pelas sociedades "...", ... e "...", o que foi conseguido, uma vez a "...", ... e "..." produziam calçado exclusivamente para a arguida "... (empresas essas que, sendo formalmente distintas da "... eram na verdade uma só), liquidando IVA a esta nas faturas que lhe emitiam, o qual não entregaram ao Estado pois na verdade tal só era feito com vista à incrementação dos custos da "..., custos estes que esta na verdade não suportou (procederam entretanto a pagamentos parciais de IVA, na sequência das ações de fiscalização da ... no montante global de €54.681.20, tendo ficado por regularizar o montante de €77,465,53, conforme quadro de fls 681, cujo teor aqui se dá por reproduzido).


55. A arguida "T......, Lda." e os arguidos DD, HH e AA, enquanto gerentes e contabilista desta sociedade, respetivamente, e das demais sociedades referenciadas, agiram do modo descrito com pleno conhecimento de que as suas fornecedoras -"...", ... e "..." - não entregavam ao Estado o imposto liquidado nas vendas que lhe prestavam, nem seria possível à Administração Fiscal proceder à respetiva cobrança coerciva, por nenhuma das sociedades constituída pelo arguido DD (com a colaboração dos demais) possuir património, conforme propósito e vontade destes prejudicando assim o Estado.


56. Ao separarem, aparentemente, a produção de calçado, levada a cabo pelas sociedades "...", ... e "...", da sua comercialização para o mercado comunitário. todos os arguidos tiveram o propósito, por um lado, de incrementar o imposto que solicitavam ao Estado e que lhes era reembolsado, e por outro, reter o imposto que deveriam ter entregue nos cofres do Estado, conforme efetivamente conseguiram e obtiveram, por essa via, um beneficio que ascendeu a 247.168,02€.


57. Os arguidos DD, EE e AA, sempre agindo na qualidade respetivamente, de gerentes e contabilista, e no interesse da sociedade arguida "H ...., Lda." previram e quiseram, em conjugação de esforços, unidade de meios e de fins, utilizar e contabilizar as faturas n.º 431 e 432 emitidas pela F.., S.A., imputando os preços nelas inscritos como custos da atividade da arguida H ...., Lda. e integrando-as na declaração periódica de IVA, deduzindo indevidamente os valores de IVA nelas constantes, não obstante saberem que tais faturas descreviam trabalhos e aquisições que nunca foram realizados nem pagos, com o que obtiveram para a sociedade arguida "H ...., Lda." uma vantagem e enriquecimento, consubstanciada numa atribuição patrimonial indevida por parte da administração fiscal.


58. Todos os arguidos sabiam que ao assim proceder punham em causa os valores probatórios das faturas, as transações e os custos comerciais que as mesmas se destinavam a certificar e que lesavam os interesses do Estado, nomeadamente os de natureza fiscal.


59. Os arguidos atuaram sempre de forma livre e consciente, em comunhão de esforços e de intentos, na sequência de um plano previamente delineado entre todos, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.


(…)


*


2. O Direito


2.1. O direito à revisão de sentença condenatória tem consagração, como direito fundamental, no artigo 29.º, n.º 6, da Constituição da República Portuguesa (CRP), que dispõe: «Os cidadãos injustamente condenados têm direito, nas condições que a lei prescrever, à revisão da sentença e à indemnização pelos danos sofridos.»


A consagração constitucional do recurso de revisão funda-se na necessidade de salvaguardar as exigências da justiça e da verdade material, tendo em vista superar, dentro dos limites que impõe, eventuais injustiças a que a imutabilidade absoluta do caso julgado poderia conduzir.


Também o artigo 4.º, n.º 2, do Protocolo n.º 7, da Convenção Europeia dos Direitos Humanos (CEDH), admite a quebra do caso julgado «...se factos novos ou recentemente revelados ou um vício fundamental no processo anterior puderem afetar o resultado do julgamento».


Consiste a revisão num meio extraordinário que visa a impugnação de uma sentença transitada em julgado e a obtenção de uma nova decisão, mediante a repetição do julgamento, tendo em vista remediar situações de intolerável injustiça cobertas pelo caso julgado.


Constituindo um expediente excecional, que «prevê a quebra do caso julgado e, portanto, uma restrição grave do princípio da segurança jurídica inerente ao Estado de Direito» só «circunstâncias "substantivas e imperiosas"» podem legitimar o recurso extraordinário de revisão, de modo que se não transforme em «uma apelação disfarçada (appeal in disguise)» (Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário ao Código de Processo Penal, 5.ª ed. atualizada, Volume II, p.705).


Outro entendimento constituiria uma restrição grave ao princípio da segurança jurídica, permitindo, contra o caso julgado, a eternização da discussão das matérias controvertidas no processo, transformando um recurso que se pretende “extraordinário” e que tem como traço marcante a sua excecionalidade, em um novo e encapotado recurso ordinário, de modo que nunca estaria garantida a paz jurídica, que é essencial para a própria paz social.


Por isso, a revisão não admite uma reapreciação da prova produzida em julgamento, nem se destina a analisar nulidades processuais ou outros vícios do julgamento ou da sentença (como os previstos no artigo 410.º, n.º2, do CPP), pois para essas situações existe o recurso ordinário. O caso julgado cobre inexoravelmente todos os erros de julgamento (entre outros, o acórdão do STJ, de 06.11.2019, proc. 739/09.5TBTVR-C. S1, disponível em www.dgsi.pt, como outros que sejam citados sem diversa indicação).


Para Simas Santos/Leal-Henriques (in Recursos em Processo Penal, Rei dos Livros, 6.ª edição, pág. 129) o legislador, “com vista ao estabelecimento do equilíbrio entre a imutabilidade da sentença decorrente do caso julgado e a necessidade de respeito pela verdade material”, consagrou a possibilidade de revisão das sentenças penais, limitando a respetiva admissibilidade aos fundamentos taxativamente enunciados no artigo 449.º, n.º 1, do CPP.


O juízo de grave dúvida sobre a justiça da condenação, revelado através da demonstração de fundamento contido na enumeração taxativa da lei, que justifica a realização de novo julgamento, sobrepõe-se, nesse caso, à eficácia do caso julgado. Porém, as garantias e procedimentos que devem ser respeitados tendo em vista a formação de uma decisão judicial definitiva de aplicação de uma pena ou de uma medida de segurança, incluindo as possibilidades de impugnação, de facto e de direito, por via de recurso ordinário, ao reduzirem e prevenirem substancialmente as possibilidades de um erro judiciário que deva ser corrigido por via de recurso extraordinário de revisão contra as “injustiças da condenação”, elevam especialmente o nível de exigência na apreciação dos fundamentos para autorização da revisão (acórdão do STJ, de 20.12.2022, proc. 5/05.5PBOLH-D.S1, da 3.ª Secção).


O recurso extraordinário de revisão passa, sucessivamente, por três etapas ou momentos, a saber:


(i) uma fase rescindente preliminar que abrange a apresentação do respetivo requerimento no tribunal que proferiu a decisão a rever, que deve ser sempre motivado e conter a indicação dos meios de prova, para além de ser instruído com determinados documentos, culminando esta fase, após ter expirado o prazo de resposta dos restantes sujeitos processuais afetados pelo recurso e realizadas as diligências indispensáveis à descoberta da verdade [se o fundamento da revisão for o do n.º1, al. d), do artigo 449.º], com a remessa do processo ao Supremo Tribunal de Justiça, com informação prestada pelo juiz sobre o mérito do pedido:


(ii) uma fase rescindente intermédia que inclui toda a tramitação no Supremo até à decisão que concede ou denegue a revisão; e


(iii) uma fase rescisória, no caso de a revisão ser autorizada, que se inicia com a baixa do processo e termina com um novo julgamento.


Estabelece o artigo 449.º, sobre fundamentos e admissibilidade da revisão:


«1 - A revisão de sentença transitada em julgado é admissível quando:


a) Uma outra sentença transitada em julgado tiver considerado falsos meios de prova que tenham sido determinantes para a decisão;


b) Uma outra sentença transitada em julgado tiver dado como provado crime cometido por juiz ou jurado e relacionado com o exercício da sua função no processo;


c) Os factos que servirem de fundamento à condenação forem inconciliáveis com os dados como provados noutra sentença e da oposição resultarem graves dúvidas sobre a justiça da condenação;


d) Se descobrirem novos factos ou meios de prova que, de per si ou combinados com os que foram apreciados no processo, suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação.


e) Se descobrir que serviram de fundamento à condenação provas proibidas nos termos dos n.ºs 1 a 3 do artigo 126.º;


f) Seja declarada, pelo Tribunal Constitucional, a inconstitucionalidade com força obrigatória geral de norma de conteúdo menos favorável ao arguido que tenha servido de fundamento à condenação;


g) Uma sentença vinculativa do Estado Português, proferida por uma instância internacional, for inconciliável com a condenação ou suscitar graves dúvidas sobre a sua justiça.


2 - Para o efeito do disposto no número anterior, à sentença é equiparado despacho que tiver posto fim ao processo.


3 - Com fundamento na alínea d) do n.º 1, não é admissível revisão com o único fim de corrigir a medida concreta da sanção aplicada.


4 - A revisão é admissível ainda que o procedimento se encontre extinto ou a pena prescrita ou cumprida.»


*


2.2. Alega o recorrente a verificação do que qualifica de nulidades, dizendo que a decisão revidenda incorreu “em erro de interpretação e aplicação dos artigos 32.º da CRP, 609.º, 611.º, 613.º n.º 2, 615.º, 616.º e 617.º do CPC e artigos 358.º e 359.º, 374.º, 379.º n.º 1 al. b) e c), 380.º e n.º 4 do artigo 414.º do CPP, constituindo nulidades de conhecimento oficioso.”


Ignora o recorrente que, como já se disse, o recurso de revisão não se destina a analisar eventuais nulidades processuais ou outros vícios do julgamento ou da sentença, pois para essas situações existe o recurso ordinário.


É sabido que, em processo penal, todas as nulidades processuais (subordinadas ao princípio da legalidade), mesmo aquelas que o legislador reputa insanáveis, são sanáveis pelo trânsito em julgado da decisão final. Quer isto dizer que as nulidades, ainda que insanáveis, não podem ser declaradas após a formação de caso julgado sobre a decisão final – caso julgado que atua como forma de sanação (cf. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, II, 2008, p. 93; entre muitos, acórdão deste STJ, de 27.01.2022, proc. 303/12.1JACBR.P1-B.P1.S1).


Não tem fundamento, por conseguinte, a pretensão de que se conheça, em sede de recurso de revisão, de alegadas nulidades processuais que, a existirem, estão cobertas pelo indiscutível trânsito em julgado da decisão condenatória.


2.3. O recorrente convoca, no introito do recurso, a alínea d) do artigo 449.º, n.º1, ainda que, ao longo do recurso, também invoque a alínea a).


Refere-se esse fundamento à falsidade dos meios de prova em que se fundou a condenação, cuja relevância depende, obrigatoriamente, da falsidade ter sido reconhecida por outra sentença, transitada em julgado, não o podendo ser por qualquer outro meio.


O que resulta do requerimento de interposição de recurso é que o recorrente não se conforma com a apreciação/valoração da prova efetuada pelo tribunal da condenação.


Em razão da valoração que faz da prova documental, extrai o recorrente que os depoimentos prestados por funcionárias da Autoridade Tributária que, no seu entender, contrariaram essa sua valoração, têm de ser considerados “falsos”, o mesmo afirmando quanto ao quadro integrado no ponto 42 dos factos provados (que, por razões de economia, não transcrevemos supra).


Facilmente se alcança a falta de razão do recorrente quando invoca o fundamento da alínea a), pois não decorre do requerimento de recurso, seja na parte expositiva da motivação, seja no segmento conclusivo, qualquer menção a uma outra sentença transitada em julgado que haja considerado falsos quaisquer meios de prova que tenham sido determinantes para a decisão.


O alegado falso depoimento das testemunhas BB e CC, inspetoras tributárias, apenas poderia integrar o fundamento de revisão de sentença previsto na supra citada alínea a), caso fosse apresentada, no presente recurso de revisão, uma outra sentença transitada em julgado, tendo como falsos os depoimentos prestados por aquelas testemunhas.


Constitui jurisprudência pacífica deste Supremo Tribunal o entendimento de que, em processo penal, só há lugar à revisão da sentença, com base em falsidade de depoimento, se a falsidade resultar de uma outra sentença transitada em julgado, conforme expressamente imposto pela referida alínea a), do n.º1, do artigo 449.º, do CPP, sendo inaplicável, por conseguinte, o entendimento diverso que hoje constitui jurisprudência uniformizada no âmbito do processo civil (cf., entre muitos, o acórdão de 23.03.2023, proc. 428/19.2JDLSB-B.S1).


Também o que é invocado a propósito da pretensa falsidade do quadro integrado no ponto 42 dos factos provados não tem qualquer sustentação como fundamento de revisão, porquanto tem por base a valoração das provas efetuada pelo recorrente, desconforme à valoração que sobre as mesmas provas fez o tribunal da condenação e consta da decisão transitada.


Conclui-se que falece razão ao recorrente quando invoca o dito fundamento de revisão.


2.4. No que concerne ao fundamento de revisão consagrado na mencionada al. d), exige-se não só a descoberta de novos factos ou de novos meios de prova, mas também que os mesmos, de per si ou combinados com os que foram apreciados no processo, suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação.


Só a cumulação destes dois requisitos garante a excecionalidade do recurso de revisão, justificando, por isso, a lesão do caso julgado que a revisão implica.


Antes do mais, importa clarificar o que se entende por factos novos ou novos meios de prova e para quem devem ser novos os factos (“factos probandos”) ou os meios de prova (“as provas relativas a factos probandos”) que fundamentam a revisão da sentença, tendo em vista que o recorrente incorre em manifestos equívocos ao reportar-se a tais questões, mesmo quando cita jurisprudência.


São três as orientações que o Supremo Tribunal de Justiça segue a este respeito, como se expõe no acórdão de 25.05.2023, proc. 149/17.0T9CSC-A.S1 (Conselheiro Orlando Gonçalves):


Uma primeira, com interpretação mais ampla, considera que são novos os factos ou os meios de prova, invocáveis em sede de recurso de revisão, que não tiverem sido apreciados no processo que levou à condenação do arguido, por não serem do conhecimento do tribunal, na ocasião em que ocorreu o julgamento, pese embora, nessa altura, pudessem ser do conhecimento do condenado.


Uma outra, mais restritiva, apelando, essencialmente, à natureza extraordinária do recurso de revisão e ao dever de lealdade processual que recai sobre todos os sujeitos processuais, sustenta que os novos factos ou meios de prova, invocáveis em sede de recurso de revisão, são apenas aqueles que eram desconhecidos do recorrente aquando do julgamento.


Finalmente, uma terceira orientação, mais restritiva do que a primeira e mais ampla que a segunda, sustenta que os novos factos ou novos meios de prova, invocáveis em sede de recurso de revisão, são os que embora conhecidos de quem cabia apresentá-los, no momento em que o julgamento teve lugar, seja apresentada uma justificação bastante para a omissão verificada (por impossibilidade ou por, na altura, se considerar que não deviam ter sido apresentados os factos ou os meios de prova agora novos para o tribunal).


Esta a posição atualmente majoritária na jurisprudência do STJ: em sede de recurso de revisão, os novos factos ou novos meios de prova não são apenas os desconhecidos pelo tribunal, mas também os que, conhecidos de quem cabia apresentá-los, ao tempo em que o julgamento teve lugar, seja apresentada uma justificação bastante para a sua não apresentação no julgamento que produziu a condenação revidenda.


Porém, a inércia voluntária e injustificada em fazer atuar os meios ordinários de defesa não pode ser compensada pela atribuição de um meio extraordinário de defesa como o recurso de revisão, o que determina a exigência de especial e acrescida justificação, pelo recorrente, das razões pelas quais não pôde apresentar as provas cuja existência já conheceria ao tempo da decisão. Doutra forma, a excecionalidade do recurso de revisão e os princípios nela envolvidos (segurança jurídica e caso julgado) sairiam intoleravelmente lesionados.


Em suma, os factos e/ou as provas têm de ser “novos” no sentido de desconhecidos do tribunal e do arguido ao tempo do julgamento, tendo desse desconhecimento resultado a não apresentação oportuna, considerando-se ainda equiparável ao desconhecimento a não apresentação da prova em julgamento, embora conhecida de quem cabia apresentá-la, por razões atendíveis e ponderosas que possam justificar essa omissão.


Como já se disse, para a procedência do recurso de revisão com base no fundamento indicado na alínea d), do n.º 1, do artigo 449.º, não basta a descoberta de novos factos ou novos meios de prova, tornando-se necessário um outro pressuposto: que eles suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação.


As dúvidas relevantes para a revisão têm de ser qualificadas, efetivamente fortes e consistentes. Como diz Paulo Pinto de Albuquerque (ob. cit., p. 759), «não se trata apenas de uma dúvida “razoável”, mas de uma dúvida “grave” sobre a justiça da condenação. E como graves só podem ser havidas as dúvidas que “atinjam profundamente um julgado passado na base de inequívocos dados presentemente surgidos”».


Dúvida, por conseguinte, que terá de elevar-se do patamar da mera existência e ser suficientemente grave, sólida e séria para pôr a condenação em causa, sugerindo fortemente a verificação de um erro judiciário e a inocência do condenado (entre outros, com extensas referências jurisprudenciais, o acórdão do STJ, de 30.01.2013, proc. 2/00.7TBSJM-A.S1).


No caso vertente, como já se assinalou, o recorrente não se conforma com a apreciação/valoração da prova efetuada pelo tribunal da condenação, nomeadamente com a valoração da prova documental.


Está em causa, na perspetiva do recorrente, a verificação de erro de julgamento, devido à não consideração dos pagamentos de IVA e a uma alegada convicção errada sobre os meios de prova atendidos na decisão revidenda, com violação dos “princípios da verdade material, do principio in dubio pro reo e de presunção de inocência” – cf. conclusão 12.


Manifestamente, não cabe nos poderes de cognição do STJ, no quadro do recurso de revisão, sindicar a valoração probatória efetuada pelas instâncias.


Como refere a informação prestada nos termos do artigo 454.º, os documentos juntos pelo recorrente têm uma datação anterior ao julgamento cuja justiça questiona, sendo certo que o recorrente nem sequer recorreu da decisão que o condenou, onde estaria demonstrada documentalmente, na sua perspetiva, a prova de pagamento do IVA.


Para além de afirmar que o tribunal incorreu em “erro judiciário” ao não considerar os documentos de fls. 597 a 606 como comprovativos de pagamento de IVA, diz o recorrente:


«[…] “E por várias vezes o recorrente afirmou em tribunal que todas as Declarações de IVA entregues por estas sociedades estavam devidamente e corretamente preenchidas. A PROVA DE PAGAMENTOS DE IVA, ESTÁ TAMBÉM, BEM PATENTE na página 27 do relatório do NIC fls 1242, elaborado em 03 de fevereiro de 2009. Doc. 13 Onde, o Relator do Relatório do NIC – Núcleo de Investigação Criminal da Direção de Finanças de ... II – Inspetor Tributário Principal, relata que a empresa ...” pagou IVA no valor de 125.745,04€, antes do processo ir para tribunal, como se pode ler: “Apenas a ...” já efectuou diversos pagamentos, particularmente no que se refere ao IVA em falta. De facto, os Serviços de Inspecção Tributária puderam verificar que, à data, do total de 152.147,13 (ver mapa a fls 17), apenas €77.465,53 se encontrava por pagar. Entretanto, já no decurso do inquérito, particularmente na parte final do ano transacto, novos pagamentos foram efectuados, pelo que hoje, desse valor inicial de €152.147,13, a dívida consiste apenas em €7.264,82, relativamente a dezembro de 2002 e em €19.137,27, respeitante a Fevereiro de 2004…” […] Apesar destas informações, nem o Ministério Público nem o Tribunal a quo, tiveram em consideração, A VERDADE MATERIAL QUE SÃO OS PAGAMENTOS DE IVA. Também os depoimentos FALSOS das testemunhas da AT que fazem parte dos Serviços de Inspeção Tributária, que tinham conhecimento destes pagamentos, pois foram elas que comunicaram esses pagamentos, ao relator do Relatório do NIC, ajudou a que o tribunal a quo formasse a convicção errada de que os IVAS não estavam pagos.[…].»


Os documentos que o recorrente invoca são elementos de prova que já constavam do processo ao tempo da condenação e que o tribunal teve a oportunidade de valorar, referindo-se na decisão revidenda, em sede de motivação da decisão de facto, além do mais, os documentos de fls. 597 a 606, a informação de fls. 1124, os documentos de fls. 2201 e seguintes, os de fls. 338 a 3311 e a informação da AT de análise dos documentos “acondicionados em 13 pastas de arquivo e CD contendo documentos eletrónicos de movimentos bancários”.


O que o requerente pretende, afinal, é que o STJ reaprecie as provas num sentido diverso do que foi assumido na decisão revidenda, com a qual se conformou.


Se o recorrente pretendia insurgir-se contra qualquer nulidade da fundamentação da decisão revidenda, deveria tê-lo feito em tempo oportuno; se pretendia sindicar a decisão de facto, deveria ter recorrido da mesma, com base em vício decisório ou impugnando-a amplamente.


Todos os documentos invocados no recurso são de data anterior ao julgamento cuja justiça é questionada, Mesmo que algum, por hipótese, não tivesse sido oportunamente apresentado, não se vislumbra que não fosse do conhecimento do recorrente ou que existissem razões atendíveis e ponderosas a justificar essa omissão.


Inequivocamente, não está aqui em causa qualquer fundamento de revisão, mas tão-somente o inconformismo do recorrente com a apreciação da prova efetuada pela 1.ª instância.


Em conclusão: a situação exposta pelo recorrente não preenche, manifestamente, nenhum dos fundamentos de revisão invocados.


2.5. Estabelece o artigo 456.º do CPP: «Se o Supremo Tribunal de Justiça negar a revisão pedida pelo assistente, pelo condenado ou por qualquer das pessoas referidas no n.º 2 do artigo 450.º, condena o requerente em custas e ainda, se considerar que o pedido era manifestamente infundado, no pagamento de uma quantia entre 6 UC a 30 UC.».


O recurso é manifestamente infundado quando, através de uma avaliação sumária dos seus fundamentos, se pode concluir, sem margem para dúvidas, que está votado ao insucesso (acórdão de 23.03.2023, proc. 428/19.2JDLSB-B.S1).


Como se extrai do supra exposto, sendo patente e indubitável a falta de fundamento do pedido de revisão formulado ao abrigo das alíneas a) e d), do n.º1, do artigo 449.º do CPP, tanto basta para que se tenha por manifestamente infundado, impondo-se a condenação do recorrente no pagamento de uma quantia entre 6 UC e 30 UC, ao abrigo do disposto no artigo 456.º do mesmo Código, que no caso se fixa em 6 UC.


*


III - DECISÃO


Nestes termos e pelos fundamentos expostos, acordam os juízes do Supremo Tribunal de Justiça em denegar a revisão de sentença peticionada pelo recorrente AA.


Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 2 UC (artigos 456.º, 1.ª parte, do CPP e 8.º, n.º 9, do Regulamento das Custas Processuais e Tabela III, em anexo).


Nos termos do disposto no artigo 456.º, 2.ª parte, do CPP, vai ainda o recorrente condenado na quantia de 6 UC.


Supremo Tribunal de Justiça, 15 de fevereiro de 2024


(certifica-se que o acórdão foi processado em computador pelo relator e integralmente revisto e assinado eletronicamente pelos seus signatários, nos termos do artigo 94.º, n.ºs 2 e 3 do CPP)


Jorge Gonçalves (Relator)


Vasques Osório (1.º adjunto)


António Latas (2.º Adjunto)


Helena Moniz (Presidente da Secção)