Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
08A630
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: ALVES VELHO
Descritores: CLÁUSULA PENAL
RESOLUÇÃO DO NEGÓCIO
QUANTUM INDEMNIZATÓRIO
REDUÇÃO
Nº do Documento: SJ2008041706301
Data do Acordão: 04/17/2008
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA
Sumário :
- Quem rompe um contrato sem cuidar de se munir de um fundamento que, legal ou convencionalmente, lhe faculte a adopção de tal conduta, pratica um acto ilícito (o seu próprio incumprimento) e age com culpa (ao invocar o fundamento inexistente), culpa que, de resto, se presume (art. 799º-1 C. Civil).
- Em face da natureza e razão de ser da cláusula penal, o credor fica dispensado de demonstrar a efectiva verificação de danos ou prejuízos em consequência do incumprimento do contrato e respectivos montantes. A sua prefixação visa, justamente, prescindir de averiguações sobre essa matéria.
- Daí que o ónus de alegar e provar os factos que eventualmente integrem desproporcionalidade entre o valor da cláusula estabelecida e o valor dos danos a ressarcir ou um excesso da cláusula em relação aos danos efectivamente causados recaia sobre o devedor.
- O uso da faculdade de redução equitativa da cláusula penal, concedido pelo art. 812.º-1 C. Civil, não é oficioso, mas dependente de pedido do devedor da indemnização.
- Não será necessária a formulação de um pedido formal ou expresso de redução da indemnização fixada, mas tem que ser alegados os factos donde se possa concluir pelo carácter manifestamente excessivo da cláusula, nomeadamente à luz do caso concreto, balizadores do julgamento por equidade que a lei reclama para a redução, ou seja, os factos que forneçam ao julgador elementos para determinação dos limites do abuso, do que a liberdade contratual não suporta.
Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

1. - “Lavandaria AA, Lda.”, instaurou acção declarativa, com forma ordinária, contra, “BB-Lavandaria e Limpeza a Seco, Lda.”, pedindo a condenação da Ré a pagar-lhe as quantias de € 496.526,86, a título de danos patrimoniais e de € 5000 a título de danos não patrimoniais, acrescidas de juros que à taxa legal venham a vencer-se desde a citação e acrescida ainda de 5%, desde o trânsito em julgado da sentença, nos termos do art. 829°-A, n.º4 C. C..
Alegou, em síntese que celebrou com a Ré, em 11/9/2000, um contrato de "concessão comercial", pelo qual a Ré a autorizou a utilizar a sua marca "BB" na exploração de actividade de lavandaria, mediante o pagamento de mera jóia 1 000 000$00 e uma renda mensal de 30.000$00; Passados poucos meses após início do contrato, os equipamentos fornecidos pela ré começaram a apresentar anomalias e deficiências de funcionamento; Em 9/1/2002, a A. interpelou a Ré por escrito para que reparasse os equipamentos e, por esta nada resolver, a A., completamente dependente da R., viu-se forçada a resolver o contrato e a encerrar o estabelecimento. A Ré é responsável pelo valor que a A. despendeu na aquisição das máquinas, de € 123.701,88, pelos lucros cessantes e frustração de ganhos que a A. deixou de receber nos 10 anos por que duraria o contrato, no montante de € 367.87,00 e ainda por danos decorrentes da afectação da imagem comercial da A., no valor de 5.000,00 €.

A Ré contestou e deduziu reconvenção.
Impugnou que as máquinas tenham tido as deficiências que a A. invoca, atribuindo as anomalias de funcionamento verificadas a má utilização e manutenção pela A. A A. não tem, assim, fundamento para resolver o contrato e, além disso, porque cedeu os equipamentos a terceiro, não pode também resolvê-lo por não poder restituir os equipamentos.
Em reconvenção, pediu a condenação da A. a pagar-lhe € 14.687,90, acrescida de juros de mora à taxa legal desde a notificação, com base em que, nos termos contratuais, ocorrendo ruptura antecipada no contrato, a A. ficava obrigada a indemnizar a Ré por valor correspondente a 75% das rendas da concessão desde a ruptura, até o final previsto para o contrato, a que tem direito por o contrato ter durado 22 meses, quanto a 98 rendas, à razão de 149,64 € cada, acrescida de IVA, o que perfaz € 13.088,26, bem às rendas vencidas e não pagas de Junho de 2002 a Fevereiro de 2003, no total de €1.599,64; a que acrescem os juros de mora.

Na réplica a A. defendeu a improcedência do pedido reconvencional por haver justa causa de resolução do contrato, por incumprimento da Ré, falecendo, por isso, o seu direito às rendas.

A final sentenciou-se a improcedência da acção e a procedência da reconvenção, decisões que a Relação confirmou.


A Autora interpõe ainda recurso de revista, cujas alegações termina pedindo a absolvição quanto à condenação no pagamento da indemnização da cláusula penal ou, caso assim se não entenda, que a mesma seja reduzida.

Para tanto, levou às conclusões:
I - O acórdão ora recorrido enferma dos vícios de nulidade, por violação do artigo 668°, n° 1, alínea e) do CPC, violação de lei processual, nos termos do artigo 722° do CPC e violação de lei substantiva, por contrariar o disposto nos artigos 811 ° e 812° do Código Civil.
II - Nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 664. ° do C.P.C., o juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito; mas só pode servir-se dos factos articulados pelas partes.
III - Nos termos da Cláusula 14.ª do contrato celebrado entre recorrente e recorrida, "Em caso de ruptura antecipada do contrato por culpa do segundo Outorgante ou por não cumprimento das suas obrigações, o segundo Outorgante será sempre obrigado a indemnizar o primeiro Outorgante, sendo o montante calculado da seguinte forma(. ..).
IV - A recorrente pôs termo ao contrato celebrado com a recorrida por considerar que houve incumprimento contratual da parte da mesma.
V - Ficou provado em primeira instância que a recorrente não procedeu de forma dolosa ao ter resolvido o contrato e recorrido a juízo. Assim,
VI - Ao ter condenado a ora recorrente no pedido reconvencional apenas com fundamento no facto de ter sido a recorrente a por termo ao contrato, sem mais, fez o tribunal de primeira instância tábua rasa do requisito essencial plasmado na cláusula penal aposta no contrato e exigida por lei, ou seja, A CULPA, violando assim o disposto no artigo 664° do CPC;
VII - Do mesmo vício padece o acórdão em recurso ao não ter revogado a decisão da primeira instância como lhe era permitido/imposto pelo disposto no preceito em referência.
VIII - Entendeu ainda o douto acórdão em recurso que a recorrente não invocou factos que demonstrassem a excessividade da indemnização imposta pela cláusula penal face aos prejuízos para a recorrida decorrentes da falta de pagamento pontual das rendas.
IX - Existem nos autos elementos suficientes para que o tribunal recorrido, aplicando critérios de equidade, reduzisse o montante da indemnização previsto na cláusula penal. Desde logo a parte da sentença da primeira instância quando decidiu que a recorrente não procedeu de forma dolosa ao recorrer a juízo, por desconhecer que a sua pretensão carecida de fundamento.
X - Em face de tais elementos, deveria o tribunal recorrido ter considerado que o pagamento da indemnização estipulada na cláusula penal, 75% do valor da renda que seria devida até ao final do contrato, era excessiva e consequentemente, reduzi-la.
XI - O acórdão recorrido manteve a sentença proferida no que concerne à condenação no pagamento do valor da indemnização, estipulada na cláusula penal, assim como no pagamento das rendas.
XII - Fundamentou, no entanto, tal confirmação em factos diversos dos alegados, pois considerou que a indemnização é devida pelo não cumprimento das obrigações da recorrente, ou seja, a falta de pagamento pontual das rendas vencidas, quando o pedido reconvencional, no que respeita à indemnização, se fundou na ruptura antecipada do contrato.
XIII - Ao proceder deste modo, condena a recorrente em objecto diverso do pedido, violando assim o artigo 668°, n° 1, alínea e, do CPC.
XIV – Ao condenar também a recorrente no cumprimento da obrigação principal, o acórdão em recurso viola ainda o artigo 811º do CC.

Não foi oferecida resposta.

Foi proferido acórdão em que se rejeitou a comissão da nulidade arguida.


2. - Face ao conteúdo das alegações da Recorrente, o objecto do recurso consiste na apreciação das seguintes questões:

- Nulidade do acórdão por condenação além do pedido;

- Exigibilidade da indemnização fixada na cláusula penal; e,

- Possibilidade de redução da indemnização.



3. - Vem provada a factualidade seguinte:

1º - Entre a Autora e a Ré, em 11/9/2000 foi celebrado um contrato, denominado "Contrato de Concessão Comercial", cuja cópia consta a fls. 17 a 22, do qual constam, entre outras as seguintes cláusulas:
10ª Rendas: com a assinatura do contrato, a A. pagará 1.000.000$00 de jóia, que representa o "direito de filiação", "custos de estudos e implantação das máquinas e decoração", "conselhos sobre a recolha de material", "conselhos para a formação de pessoal"; a A .... pagará a renda de 30.000$00 mensais, a título de despesas de publicidade corrente, royalties e fiscalização … A renda é paga mensalmente de avanço ... é actualizada automaticamente e anualmente decorrido um ano sobre a abertura da loja, a actualização que terá por base o coeficiente correspondente à taxa básica de desconto do Banco de Portugal em vigor na data da actualização ...
11ª Duração do Contrato: o presente contrato tem a validade de 10 anos a partir da data da assinatura.
13ª Expiração Antecipada do Contrato: Fica ... acordado ... que o contrato pode ser resolvido nas seguintes condições:
1- Por falta de cumprimento de quaisquer cláusulas;
2- Em caso de falência ou liquidação judicial;
3- Em caso de não cumprimento das obrigações pecuniárias ...
4- De outras situações lesivas ao bom nome, imagem e funcionamento da loja ...
Em caso de resolução ... a ré obriga-se a notificar a A .... por carta registada com aviso de recepção, concedendo-lhe um aviso prévio de 30 dias ...
14ª Consequências da Suspensão do Contrato:
Se por qualquer razão o presente contrato terminar antes da sua expiração normal a ... A. . .. obriga-se a não utilizar a marca "BB". (…) -. Em caso de ruptura antecipada do contrato por culpa da ... A ou por não cumprimento das suas obrigações ... será sempre obrigada a indemnizar a ré sobre o montante calculado da seguinte forma:
- 75% das rendas da concessão desde o dia da ruptura até ao dia da expiração normal do contrato, se a ruptura se der no decorrer dos dois primeiros anos de exploração da loja ...
2° - Na sequência do contrato referido em A), a autora celebrou com a "CC Mobiliária - Sociedade de Locação Financeira, SA", um contrato de locação financeira relativo a uma máquina de limpeza a seco, duas máquinas de passar a ferro (vaporeta), uma máquina de embalar, uma máquina tira nódoas, uma máquina de lavar a molhado, um transportador, um sistema informático (lá Baleime) e uma porta automática, entrega "24 horas" em que foi fornecedor a ré, no valor de
23 076 923$00, acrescida de IVA, obrigando-se a autora a pagar 60 rendas, mensais e sucessivas, sendo a primeira de 2 307 693$00, mais IVA e, as restantes 59, de 410.743$00, mais IVA, com um valor residual de 461.538$00 + IV A;
3º - A "Porta Automática - Entrega 24 horas" permite a entrega automática de roupa, 24 horas por dia, foi pub1icitada pela ré, salientando o seu aspecto de novidade e afirmando a potenciação de clientela e, apelando aos investidores para aderirem a esse sistema;
4° - A autora publicitou na região de Coimbra o seu estabelecimento com serviço "Porta Automática - Entrega 24 horas" que era novidade e exclusivo em Coimbra;
5° - O equipamento mencionado em B) foi recepcionado pela A. em 28/2/2001 e o estabelecimento abriu no início de Março de 2001;
6° - A ré fez deslocar à autora, diversas vezes, técnicos seus para verificarem as máquinas;
7° - A autora encerrou o seu estabelecimento na 3ª semana de Fevereiro de 2003;
8° - A autora remeteu à ré, que a recebeu, a carta de fls. 66 e 67, datada de 3/2/03, pela qual declara resolvido o contrato, ao abrigo da cláusula 13ª, n.º 1 do contrato, invocando que as máquinas fornecidas são incapazes para desempenharem a actividade do giro comercial;
9° - A última renda paga pela autora foi a relativa a Maio de 2002;
10° - Na sequência do facto a que se reporta o ponto 29° infra, por várias vezes a roupa de clientes da A. ficava retida na máquina;
11° - A máquina de limpeza a seco apresentava, diversas vezes no "display" a indicação "Boiler";
12° - A encapadora não cortava bem as mangas;
13° - A UPS (do computador) ficou queimada;
14° - Em momento não apurado uma das vaporetas perdeu vapor por uma das válvulas;
15° - O radiador da máquina de limpeza a seco apresentou, em momento não apurado, uma perfuração na serpentina de arrefecimento, deixando perder alguma água;
16° - A A. comunicava à ré as avarias que as máquinas apresentavam;
17° - A A. comunicou as avarias, também dentro do prazo de um ano após a recepção das máquinas;
18° - Alguns clientes da A. apresentavam-lhe reclamações;
19° - Os valores de lucros; - no 1 ° ano - 20.036,71 €; - no 2° ano - 28.760,69€; - no 3° ano - 33.354,62€ e, - no 4° ano ao 10° ano, 40.812,14€, em cada ano, eram apresentados pela ré, aquando das negociações dos contratos, como números indicativos;
20° - Em 03/12/03, a autora "cedeu" à "DD - Lavandaria a Seco, Sociedade Unipessoal, Lda." a utilização da maquinaria fornecida pela autora, com excepção da "Porta Automática";
21° - O equipamento cedido à "DD" foi revisto em Fevereiro 2004;
22° - A ré deu formação à gerente da A., na sua loja-escola no Porto, sobre o funcionamento das máquinas e equipamentos;
23° - A A. substituiu diversas vezes os seus empregados, com excepção do gerente;
24° - A "Porta Automática", a embaladora e a máquina "Tira-nódoas" funcionavam utilizando um sistema de ar comprimido, cujo compressor funcionava na última máquina;
25° - O compressor, conforme a formação dada pela ré, o respectivo manual e um autocolante nele aposto, tinha de ser purgado, pelo menos uma vez por semana de forma a extrair-lhe a água resultante do processo de compressão do ar;
26° - Tal operação não era feita pelos funcionários da autora, o que sistematicamente provocava deficiente funcionamento do sistema de ar comprimido que, assim, não tinha capacidade necessária ao correcto funcionamento das máquinas referidas;
27°- A válvula de purga do compressor, em momento não apurado, foi substituído por um taco;
28° - O equipamento cedido pela A. à "DD" actualmente está em funcionamento;
29° - A falta de manutenção do sistema de ar comprimido levou a desafinação da temporização do sistema da "Porta Automática";
30° - Em momento não apurado a ranhura de introdução de cartões na "Porta Automática" foi obstruída com pastilha elástica;
31º - A indicação "Boiler", no display da máquina de limpeza a seco, resultava da falta de água no circuito interno de arrefecimento;
32° - Devendo os empregados da autora, conforme formação e instruções da ré, carregar de água o sistema de arrefecimento durante 3 a 4 segundos, através da válvula de reposição da água, o que não faziam;
33° - O problema da "Máquina de Embalar" resultava da falta de manutenção do sistema de ar comprimido;
34° - Quanto à máquina de secar e lavar a molhado, não foi a mesma fornecida pela ré, nem esta se obrigou à sua manutenção e assistência;
35° - E a sua avaria resultou da quebra da suspensão provocada por deficiente carregamento de roupa no tambor;
36° - A "Quiminova" emprestou à A., sem custos, durante o período que durou a reparação da máquina, outra a ela equivalente;
37° - A garantia de Bom Funcionamento das máquinas e equipamentos era de uma ano;
38° - Toda a assistência técnica solicitada pela A. à ré era por esta prestado, no prazo de 24 a 48 horas a partir da reclamação;
39°- A par da intervenção, os técnicos preocupavam-se em instruir, de cada vez e recorrentemente, o pessoal da autora, chamando-lhes a atenção para a necessidade de observar as normas de funcionamento e manutenção do equipamento, que constatavam, de cada vez, não estarem a ser cumpridas;
40° - O equipamento, depois das assistências técnicas levadas a efeito pelos técnicos da ré, ficavam a funcionar;


4. - Mérito do recurso.

4. 1. - Nulidade do acórdão.

A Recorrente argúi a nulidade do acórdão prevista na al. e) do n.º 1 do art. 668º CPC – condenação em objecto diverso do pedido -, a pretexto de que o acórdão “considerou que a indemnização (cláusula penal) é devida pelo não cumprimento das obrigações da recorrente, ou seja, a falta de pagamento das rendas vencidas, quando o pedido reconvencional, no que respeita à indemnização, se fundou na ruptura antecipada do contrato”.

A Conferência rejeitou a comissão da imputada nulidade, esclarecendo que a confirmação do pagamento da indemnização da cláusula penal e a consequente denegação da pretensão da sua redução, se fundou, essa sim, na circunstância de a Apelante se ter dispensado de invocar factos concretos tendentes a evidenciar que a quantia reclamada era manifestamente desproporcionada ao prejuízo que o não pagamento pontual das rendas acarretou à Apelada, o que só poderá corresponder a diversa qualificação jurídica dos factos (art. 664º CPC).


É evidente a falta de razão da Recorrente.

Desde logo, é absolutamente indiscutível que o acórdão, tal como o fizera a sentença, condenou precisamente nos termos e com o conteúdo constantes do pedido reconvencional – valor das rendas vencidas em atraso à data da resolução do contrato, mais indemnização correspondente a 75% das rendas vincendas até ao termo do prazo do contrato, a título de cláusula penal convencionada -, nem mais, nem menos.
O respeito pela regra do art. 660º1 CPC, sancionada no seu art. 668º, é óbvio.

De resto, a passagem do acórdão que, inexplicavelmente, a Recorrente utiliza para fundamentar a sua pretensão tem que ver com, e apenas com, a apreciação da viabilidade do pedido de redução da indemnização, apenas formulado perante a Relação, em que se invoca, como critério para tal redução, a manifesta desproporção entre a indemnização, correspondente a 75% das rendas devidas e o prejuízo que o não pagamento dessas rendas – no exacto cumprimento do contrato – acarretou à Autora.
Da própria inserção sistemática do trecho – ponto 6) do acórdão -resulta que só estava em causa a possibilidade de redução da cláusula penal, que não já ser ela devida, porque tal resultava já de se ter concluído nos pontos anteriores não ter a Ré demonstrado fundamento para a declaração resolutiva que fez extinguir a relação contratual.


4. 2. - A indemnização a título de cláusula penal. Sua exigibilidade.

Nas cláusulas 13ª e 14º do contrato, as Partes convencionaram que “o contrato pode ser resolvido (…) por falta de cumprimento de quaisquer cláusulas” e que “em caso de ruptura antecipada do contrato por culpa da (A.) ou por não cumprimento das suas obrigações (a A.) será sempre obrigada a indemnizar a (R.) sobre o montante calculado da seguinte forma:
- 75% das rendas da concessão desde o dia da ruptura até ao dia da expiração normal do contrato, se a ruptura se der no decorrer dos dois primeiros anos de exploração da loja (…).


Não se questiona traduzir-se a indemnização convencionada para o caso de resolução do contrato “por culpa da Autora” numa cláusula penal, convenção que a lei prevê e admite – art. 810º e ss. C. Civil (cfr. também arts. 800º--2 e 809º).
Trata-se de convenção pela qual as partes fixam o montante da indemnização que deve ser satisfeita em caso de eventual incumprimento do contrato, do seu cumprimento defeituoso ou de simples mora, prefixando o valor do dano de modo que o lesado terá direito à quantia acordada, e apenas a ela, não havendo lugar a outra indemnização, com a inerente dispensa do credor de demonstração do concreto dano sofrido.

Avultam, assim, funções de avaliação abstracta do dano resultante do incumprimento e/ou mora e de sanção emergente do acto ilícito que representa o incumprimento de que depende a respectiva exigibilidade.

O respeito pela cláusula penal impõe-se como natural decorrência da regra pacta sunt servanda, pois que reflecte um acordo das partes, livremente alcançado, cuja inclusão nos termos do contrato, terá sido devidamente ponderado, quanto a vantagens e inconvenientes, no campo do equilíbrio das prestações (arts. 405º e 406º C. Civil).


A obrigação cujo dano a cláusula penal visa ressarcir, e cujo critério de indemnização as Partes antecipadamente convencionaram, tem por objecto a violação do interesse da Ré na manutenção do contrato até ao final do prazo convencionado, percebendo mensalmente as rendas acordadas. Não representa mais que a fixação, por indexação ao valor da renda, em percentagem, de um montante que as Partes tiveram como adequada, e à qual livremente se vincularam, para o termo antecipado do contrato.
É uma cláusula penal compensatória.


O direito de resolução contratual, quando não convencionado pelas partes, depende da verificação de um fundamento legal, correspondendo a um direito potestativo vinculado (art. 432º C. Civil.
Consequentemente, a parte que invoca o direito á resolução fica obrigada a alegar e demonstrar o fundamento que justifica a destruição do vínculo contratual.

Aos fundamentos legais de resolução referem-se os arts. 801, 802º e 808º C. Civil, exigindo-se sempre uma situação geradora de incumprimento da outra parte, designadamente por via da perda de interesse do credor, apreciada objectivamente, equiparável ao incumprimento definitivo.

No caso, como se disse nas Instâncias, a A. invocou vícios, defeitos e problemas de funcionamento das máquinas fornecidas pela R., que as impediam de satisfazer os fins a que se destinavam, o que não demonstrou.
Não provou, por isso, o fundamento que invocou para considerar incumprido o contrato pela Ré e, consequentemente, para o resolver.
Deste modo, a declaração resolutiva que pôs termo ao contrato foi um acto ilícito, ele mesmo gerador do incumprimento da Autora.

Esse acto ilícito pode ser doloso ou meramente culposo.
No primeiro caso, o devedor quer ou adere ao comportamento ilícito, que é o incumprimento da obrigação, sabendo dos efeitos e da ilicitude do seu acto. No segundo, o devedor não age com a diligência ou cuidado exigíveis para evitar a falta de cumprimento, sendo, a esse título censurável a sua conduta.

Ora, se assim é, então quem rompe um contrato sem cuidar de se munir de um fundamento que, legal ou convencionalmente, lhe faculte a adopção de tal conduta, pratica um acto ilícito (o seu próprio incumprimento) e age com negligência (culpa consciente ou inconsciente).

A conduta do Representante da A., ao invocar fundamento inexistente (ou que não provou) tem de haver-se, pois como culposa.

De resto, como se estabelece no art. 799º-1 C. Civil, deixando a A. de cumprir a sua prestação, apoiada numa ilícita resolução, fez recair sobre si o ónus de provar que a falta de cumprimento em que incorrera não procedia de culpa sua.
Não o fazendo, o seu incumprimento deve ter-se como culposo, tornando-se responsável pelo prejuízo causado ao credor.


A cláusula penal constante do ponto n.º 14º do contrato, fixando a forfait o montante desse prejuízo é, consequentemente, exigível.


4. 3. - A indemnização a título de cláusula penal. Sua redução.

A Recorrente formulou perante a Relação a pretensão de redução da cláusula penal invocando a manifesta excessibilidade a que se refere o art 812º C. Civil, pretensão rejeitada com fundamento na não alegação anterior de factos tendentes a mostrar a desproporção.

A Recorrente insiste, sustentando que a inércia da Recorrida, que nenhuma atitude tomou face à falta de pagamento de rendas e à resolução do contrato até ser notificada da acção intentada pela Recorrente, lhe criou a convicção de que lhe assistia razão para deixar de pagar as rendas e para resolver o contrato, o que justificará a redução equitativa da indemnização prefixada.

Não podem ver satisfeita a pretensão.

A A., como reconhece, não colocou nos articulados a questão da redução da cláusula penal, tendo apenas contraposto ao pedido da Ré que “havendo justa causa (de resolução) como efectivamente há, falece em absoluto a pretensão da R. de querer receber as rendas até ao dia da expiração normal do contrato”.

Como já notado, em face da natureza e razão de ser da cláusula penal, o credor fica dispensado de demonstrar a efectiva verificação de danos ou prejuízos em consequência do incumprimento do contrato e respectivos montantes. A sua prefixação visa, justamente, prescindir de averiguações sobre essa matéria.
Daí que, como vem sendo reiteradamente decidido, o ónus de alegar e provar os factos que eventualmente integrem desproporcionalidade entre o valor da cláusula estabelecida e o valor dos danos a ressarcir ou um excesso da cláusula em relação aos danos efectivamente causados recaia sobre o devedor (acs. STJ de 17/11/98, de 9/2/99 e de 5/12/002, in CJSTJ VI-III-120 e VII-I-99, e, Sumários, 2002, 10; ac. de 30/9/2003- Rev. 1738/03-1).
Do mesmo modo se vem entendendo que o uso da faculdade de redução equitativa da cláusula penal, concedido pelo art. 812.º-1 C. Civil, não é oficioso, mas dependente de pedido do devedor da indemnização.
Postulam-no razões como a circunstância de se estar perante uma norma de protecção do devedor, de cujos efeitos, após a avaliação que faça da situação a posteriori, poderá livremente dispor, bem como a regra processual dos limites do conhecimento pelo princípio do pedido (arts. 660.º-2, 661.º-1 e 664.º CPC).
É esta, também, a posição francamente dominante na doutrina e na jurisprudência, podendo ver-se nesse sentido, designadamente, PINTO MONTEIRO, "Cláusula Penal e Indemnização", 735; CALVÃO DA SILVA, "Cumprimento e Sanção Pecuniária Compulsória", 275; acs. STJ, de 17/2/98, RP de 23/11/93 e 26/1/00, in, respectivamente, CJ VI-I-72, XVIII-V-225 e XXV-I-205).


Ora, como posto em relevo pela Relação, a Ré dispensou-se de invocar quaisquer factos e de manifestar – até então - qualquer pretensão de ver reduzida a indemnização pactuada.

Temos entendido que não será necessária a formulação de um pedido formal de redução da indemnização fixada, bastando que o devedor assuma nos articulados da acção uma posição reveladora, "ainda que só de modo implícito", do seu inconformismo ou discordância com a satisfação dos valores que lhe são pedidos, invocando o seu excesso ou uma desproporcionalidade que evidencie esse mesmo excesso. (cfr., neste sentido, PINTO MONTEIRO, ob. e loc. cit., nota 1654).
Dito doutro modo, entende-se que é necessário que o demandado, omitindo embora o pedido expresso de redução, alegue os factos donde se possa concluir pelo carácter manifestamente excessivo da cláusula, nomeadamente à luz do caso concreto, balizadores do julgamento por equidade que a lei reclama para a redução, ou seja, os factos que forneçam ao julgador elementos para determinação dos limites do abuso, do que a liberdade contratual (art. 405.º) não suporta.
Quando tal suceda, isto é, quando os factos alegados e demonstrados no processo revelem o excesso e a pretensão do devedor de ver reduzida a indemnização clausulada, poderá, e deverá, o tribunal operar a redução agindo, nessa medida, "oficiosamente", tal como pacificamente se entende com o conhecimento da excepção do abuso de direito.

Reportando-nos, porém, à actuação da A. temos, então, que esta se limitou a fazer constar da réplica que não incumprira a obrigação, pois resolvera o contrato com justa causa, e, por isso, não poderia a R. lançar mão da cláusula penal para se ressarcir do que quer que seja. Mais nada foi articulado, em sede factual.

Não deixou uma única palavra sobre a onerosidade da indemnização e da sanção clausuladas, sobre se as mesmas são justas ou injustas, se são desproporcionadas ao incumprimento, em suma, sobre o seu desacordo relativamente às quantias exigidas, nem sobre a agora convocada inércia da R. na reivindicação do cumprimento das prestações, tudo em razão da respectiva desproporção ou excesso.
Negou tout court o dever de indemnizar apoiando-se, tão somente, na existência de justa causa resolutiva.


Consequentemente, entende-se, como se entendeu no acórdão impugnado, que, perante a absoluta omissão de alegação de factos integrantes do excesso da cláusula, de onde haveria de extrair-se a sua não aceitação pela Recorrente, não só não pode ter-se por verificada uma pretensão ou pedido implícito de redução, a atender por via de excepção, estando, em consequência, também vedado a este Tribunal o conhecimento de tal questão, como não podem ter-se por preenchidos os necessários pressupostos de facto (posição idêntica parece ser a tomada no ac. do STJ de 17/11/98 e foi-o no de 30/9/2003, do ora relator).

De qualquer modo, e pelas mesmas razões, não se vislumbra excessividade manifesta em pretensão indemnizatória, pois que nada (que dos autos conste) permite havê-la como desproporcionada, originária ou supervenientemente, à luz das prestações em causa no contrato, e da repercussão do incumprimento na esfera jurídico-económica das Partes.
O cumprimento parcial foi contemplado no estabelecimento da cláusula, pois que se fixaram percentagens diferentes da renda consoante o momento da extinção do contrato.
Bastaria à Recorrente ter resolvido o contrato um mês após a data em que o fez para a indemnização baixar de 75% para 50%, elemento que não poderia ter deixado de ponderar ao agir quando e como agiu.

Também não se vê em que medida a ora alegada inércia, consubstanciada na ausência de interpelação para pagamento da indemnização, a ter efectivamente ocorrido, interfere com essa desproporção, sendo certo que a apreciação da culpa do devedor se reporta ao momento do incumprimento – da destruição da relação contratual e fundamento para tanto alegado -, não relevando a eventual falta de reacção imediata do credor à declaração para apagar ou diminuir a ilicitude e a culpa. Pelo menos, não se crê que isso integre conduta que, por contrária à boa fé, confiança, ou ao fim económico ou social do direito, permita considerar abusivo o exercício do direito nos termos em que o foi (cfr. art. 334º C. Civil).
Ao demais, a validade do argumento é reversível, pois que pode igualmente colocar-se relativamente à A., visto também não constar ter pedido a indemnização à R. antes da instauração da acção em que o pedido reconvencional foi formulado..


Nesta conformidade, a decisão impugnada não merece a censura que lhe vem dirigida.


5. - Decisão.

Termos em que se acorda em:
- Negar a revista;
- Confirmar a decisão impugnada; e,
- Condenar a Recorrente nas custas.


Lisboa, 17 Abril 2008

Alves Velho (relator)
Moreira Camilo
Urbano Dias