Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
08S1426
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: ALVES CARDOSO
Descritores: CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS
CONTRATO DE TRABALHO
APLICAÇÃO DA LEI NO TEMPO
FACTOS CONCLUSIVOS
VENDEDOR
Nº do Documento: SJ20080710014264
Data do Acordão: 07/10/2008
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA
Sumário :
I - A disciplina do Código do Trabalho é aplicável às relações jurídicas emergentes dos contratos celebrados antes da sua entrada em vigor - art. 8.º da Lei n.º 99/2003, de 27 de Agosto, que aprovou o regime instituído pelo Código, na sua versão anterior à redacção que lhe foi conferida pela Lei n.º 9/2006, de 20 de Março.
II - Todavia, para efeitos de qualificação contratual das relações estabelecidas entre as partes e da operatividade da presunção estabelecida no art. 12.º do Código do Trabalho, deve considerar-se que o Código do Trabalho só se aplica aos factos novos, ou seja, às relações jurídicas constituídas após o início da sua vigência, que ocorreu em 1 de Dezembro de 2003, pelo que à qualificação de uma relação jurídica constituída em Setembro de 2002 se aplica o Regime Jurídico do Contrato Individual de Trabalho, aprovado pelo D.L. nº 49.408, de 24 de Novembro de 1969 (LCT).
III – Embora com objectos distintos e com ou sem a retribuição como elemento essencial, quer o contrato de trabalho quer o contrato de prestação de serviços pressupõem o desenvolvimento de uma actividade e o alcance de um resultado, uma vez que nem a actividade que o trabalhador se obriga a desenvolver, no contrato de trabalho, constitui um fim em si mesmo, já que visa a obtenção de certo resultado, nem a obtenção do resultado a que o prestador se vincula, no contrato de prestação de serviços, dispensa o desenvolvimento de certa actividade.
IV – A pedra de toque da distinção entre as duas espécies de contratos reside na forma como a actividade é efectivamente exercida: com subordinação jurídica de uma das partes à outra, no primeiro caso; com autonomia da parte que desenvolve a actividade em relação à que beneficia do seu resultado, no segundo caso.
V - Nas situações em que, no plano prático, a distinção não é imediata, é indispensável o recurso a indícios susceptíveis de revelar a existência do modelo típico do contrato.
VI - Devem considerar-se não escritas, nos termos do n.º 4 do art. 646.º do CPC, as expressões trabalhar “sob as suas ordens, direcção e responsabilidade” e “resolveu o contrato de trabalho”, quando na acção está justamente em litígio a questão de saber se determinado contrato é de natureza laboral, uma vez que já encerram em si a resolução da questão de direito.
VII - Não pode afirmar-se a existência de um contrato de trabalho se a matéria de facto nada revela sobre a vinculação da autora a horário de trabalho, a existência de controlo externo da prestação, a obediência a ordens, a propriedade dos instrumentos de trabalho, a exclusividade da prestação, a sujeição à disciplina da empresa, o regime de faltas, o regime disciplinar, a repartição do risco e a filiação sindical, sendo ainda escassos os factos apurados para definir se a autora tinha o seu lugar ou cargo na organização empresarial da ré, e provando-se que a autora recebia as quantias mensais correspondentes à execução do contrato directamente da única sócia da ré, com quem celebrou um denominado “contrato mercantil”, efectuando pagamentos para a Segurança Social como trabalhadora independente.
VIII - Neste contexto, mesmo que fosse aplicável o CT, na versão anterior à redacção que lhe foi conferida pela Lei n.º 9/2006, não se verificariam também, cumulativamente, os requisitos em que se funda a presunção de laboralidade prevista no seu art.12.º.
Decisão Texto Integral:

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:

I. Relatório

AA intentou a presente acção declarativa de condenação, sob a forma comum, emergente de contrato individual de trabalho, contra BB – Formação Profissional, Unipessoal, Ld.ª, pedindo que se declare que (a Autora) resolveu o contrato de trabalho com a Ré com justa causa e que se condene esta a pagar-lhe a quantia de € 48.253,42, sendo € 22.950,00 relativos a indemnização de antiguidade e o restante relativo a férias, subsídios de férias e de Natal e proporcionais, e juros de mora vencidos e vincendos até integral pagamento.
Alegou, para o efeito, em síntese, que foi admitida ao serviço da Ré em Setembro de 2002, para exercer as funções de Directora de Marketing, e que, em 14 de Abril de 2006, resolveu o contrato de trabalho com invocação de justa causa, por a Ré lhe ter baixado a categoria profissional e por nunca lhe ter pago as férias, respectivos subsídios e os subsídios de Natal.
Após infrutífera audiência de partes, a Ré contestou, sustentando, em suma, a inexistência de contrato de trabalho entre as partes, que a Autora era uma trabalhadora comissionista e que, sem a oposição da mesma, os impostos e contribuições devidos pela sua actividade foram pagos em Espanha.
Contudo, ainda que se considere a existência de um contrato de trabalho, a invocação e a reclamação de direitos por parte da Autora configuram abuso de direito.
Finalmente, afirmou que, a haver contrato de trabalho, inexiste fundamento para a resolução do contrato com justa causa, pelo que deduziu, subsidiariamente, pedido reconvencional com fundamento na falta de aviso prévio para a resolução do contrato.
A Autora respondeu, reafirmando o que invocara na petição inicial, e ampliou o pedido, acrescentando-lhe comissões respeitantes às vendas efectuadas de Setembro de 2005 a Abril de 2006, no montante de € 3.272,00, para além dos correspondentes juros desde a citação.
A Ré respondeu a este articulado.
Por despacho de fls. 218 foi considerada como não escrita a resposta da Autora à contestação e admitida a ampliação do pedido.
Os autos prosseguiram os seus termos, vindo a ser proferida sentença, cuja parte decisória é do seguinte teor:
“a) Julgar parcialmente procedente a presente acção e, em consequência:
1. Julgar procedente e provada a justa causa para resolução do contrato de trabalho por iniciativa da demandante;
2. Condenar a R. a pagar à A. a quantia de € 26.464,33 (vinte e seis mil, quatrocentos e sessenta e quatro euros e trinta e três cêntimos), acrescida de juros de mora à taxa de 4% desde o vencimento de cada uma das respectivas quantias parciais supra calculadas, até integral pagamento;
3. Absolver a R. do restante pedido:
b) Julgar totalmente improcedente o pedido reconvencional deduzido pela R. e, em consequência, absolver a A. do mesmo”.

Inconformada com a decisão, a R. interpôs dela recurso para o Tribunal da Relação do Porto, mas sem êxito.

De novo inconformada, veio a Ré recorrer de revista, tendo formulado nas suas alegações as conclusões que se transcrevem:
“1 - Dado que este Supremo Tribunal, só poderá apreciar a matéria de direito, importa sintetizar os factos dados como provados, e que na opinião da recorrente permitiriam uma diferente decisão de direito da tomada no douto acórdão do Tribunal da Relação do Porto pelos Venerandos Senhores Juízes Desembargadores.
2 - São os seguintes os pontos de direito a apreciar:
- Contrato de trabalho ou contrato de prestação de serviços;
- Ilicitude da resolução do contrato (de trabalho);
- Procedência da reconvenção;
- Abuso de direito.
3 - Os factos, aqui relevantes, dados como provados (fls 17 a 20 do douto acórdão do TRP ou fls 480 a 483 dos autos) estabelecem que:
“1. (...)
2. A ré admitiu ao seu serviço a autora em Setembro de 2002, por contrato verbal, para exercer, sob as suas ordens, direcção e responsabilidade, actividade na área da publicidade, “call center" e vendas nos seus escritórios no Porto, mediante o pagamento de uma quantia mensal fixa, que em Abril de 2006 se cifrava em € 900,00, a que acrescia uma importância mensal variável consoante as vendas que realizasse ..."
3. (...)
4. " A A. exerceu, desde o início, as funções para que foi contratada com diligência, dedicação, zelo e muito empenho, até ao dia 13 de Abril de 2006, data em que resolveu o contrato de trabalho, com invocação de justa causa, por comunicação escrita entregue em mão própria, que foi recepcionada pela ré, com o seguinte teor:
"Encontro-me em Portugal a trabalhar para esta empresa desde Setembro do ano 2002, recebendo neste último ano um salário médio mensal de 2,295,10 euros. Foi por mim verificado que não procederam aos descontos legais para a segurança social, sendo certo que não me pagaram os subsídios de férias e natal durante o período em que estive a trabalhar para esta empresa. Por fim alteraram as minhas funções que vinha exercendo dentro da empresa e, quando alertados para este facto despediram-me".
(...)
9. A ré tem como única sócia uma sociedade Espanhola denominada "BB, SL, que se dedica desde 1994, em Espanha, à actividade de prestação de serviços na área da formação, tendo como objecto a venda de cursos de ensino, formação à distância e in loco"
10. No dia 29 de Julho do ano de 2002, a A. outorgou com a sociedade Espanhola, "BB, SL", um acordo que denominaram "contrato mercantil", mediante o qual ficou estabelecido entre ambas: a) Que a comissionista (autora) dedicar-se-á à venda ao domicílio de livros e cursos de ensino à distância; b) Que a comissionista (autora) manifesta, atenta a natureza do seu vínculo contratual, estar de acordo em ser sujeita ao regime de trabalhadores independentes da segurança social e ao imposto das actividades económicas, correndo por sua conta e responsabilidade, o pagamento da segurança social, e demais obrigações legais; c) Que ambas as partes, e designadamente a autora, reconhecem a inexistência de qualquer contrato de trabalho, reconhecendo a autora ser uma profissional independente; d) (...) g) A comissionista (autora) executará a sua actividade com plena autonomia, sem sujeição a horários ou itinerários, nem a instruções prévias, excepto quanto às condições gerais de preço e condições de venda determinadas pela BB, SL (Espanha); h) Sobre o preço das vendas confirmadas, obtidas por mediação directa da autora, com exclusão das vendas indirectas, receberá a comissionista (autora) uma comissão por venda, calculada segundo as tabelas de comissões da BB, SL; j) Os gastos decorrentes do desenvolvimento da sua actividade como comissionista, como quilómetros, estão incluídos no preço das comissões, e a comissionista utilizará o seu próprio veículo, custos que correrão por sua conta; I) O presente contrato mercantil não tem prazo, devendo as partes denunciá-lo com um mês de antecedência; (...)
11. Este contrato foi assinado pela autora, que a ele aceitou submeter-se de forma livre, tendo logo com a outorga do contrato passado a exercer essa actividade de comissionista na região de Málaga, vendendo cursos e livros comercializados pela BB, SL (Espanha) e ganhando a sua comissão pelas vendas efectuadas;
12. A autora é de nacionalidade Espanhola e, na ocasião, vivia maritalmente com um cidadão de nacionalidade Portuguesa de nome João Paulo Galvão, que na mesma empresa exercia também a actividade de comissionista, igualmente na região de Málaga, Espanha.
13. A referida BB, SL (Espanha) havia entretanto decidido, em meados de 2001, expandir a sua actividade ao território Português, e por isso decidiu constituir a ré;"
14 - A autora que até então era comissionista da BB, SL (Espanha) na região de Málaga, Espanha, a partir de Setembro de 2002 passou a desempenhar para a ré as funções descritas nos pontos 2º e 3º, supra na região do Porto;
15. A autora, entre Setembro de 2002 e 13 de Abril de 2006, sempre recebeu mensalmente as quantias do contrato aludido em 2º da empresa BB, SL (Espanha), emitiu facturas correspondentes a esses valores, pagou os impostos daí decorrentes em Espanha e efectuou os pagamentos para a segurança social de Espanha como trabalhadora independente".
ASSIM,
NATUREZA DO VINCULO CONTRATUAL ENTRE A RECORRIDA E A RECORRENTE: CONTRATO DE TRABALHO OU PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS;
4 - Não obstante os factos provados no ponto 2 da matéria provada, afigura-se à recorrente que o contrato dos autos deve ser qualificado como contrato de prestação de serviços.
5 - É que, além do ponto 2 (cuja nulidade adiante se peticiona), estão igualmente provados os factos constantes do ponto 9, 10, e 15.
6 - Não tendo sido provado que a autora recorrida tivesse um horário de trabalho; ou que os instrumentos de trabalho que utilizava fossem essencialmente fornecidos pela ré recorrente;
7- 0 Meritíssimo Juiz deu como provado que a autora (recorrida) em Espanha, trabalhando para a BB, SL (Espanha), outorgou de forma, livre esclarecida e ponderada (outorgou) o contrato denominado contrato mercantil, (comissionista) dado como reproduzido no ponto 10 dos factos provados.
8 - Deu como provado que em Setembro de 2002, a ré (recorrente), BB, (Portugal) admitiu ao seu serviço, por contrato verbal (ponto 2 dos factos provados);
9 - Deveria ter considerado que a BB, SL (Espanha), é considerada a empresa dominante, e domina a BB, (Portugal), até porque a BB, SL é a única sócia da BB, Unipessoal, Lda, vide ponto 9 dos factos provados;
10 - Daí a recorrente entender que o contrato de prestação de serviços, outorgado de forma livre, esclarecida e ponderada pela autora (recorrida), com a BB, SL, não foi revogado ou denunciado.
11 - Está provado, que a autora recorrida recebia mensalmente as suas comissões pela BB, SL (Espanha), que emitia facturas correspondentes a esses valores, que pagou os impostos daí decorrentes em Espanha, e que efectuou os pagamentos para a segurança social de Espanha como trabalhadora independente,
(Vide ponto 15 dos factos provados.)
Acresce que,
12 - Nunca a autora (recorrida) - excepto na carta de resolução enviada a 13 de Abril de 2006 - reclamou à ré recorrente qualquer quantia a título de férias, subsídio de férias ou subsídio de Natal.
13 - E não se diga que a autora só depois tomou, ou pôde tomar consciência dos seus direitos, pois qualquer trabalhador sabe que tem direito a férias, subsídio de férias ou de Natal; e muito mais a autora recorrida, que é pessoa instruída;
14 - Também não ficou provado - nem foi alegado - que não tivesse reclamado os seus direitos por medo ou pressão pela ré / recorrente.
15 - Assim, a autora recorrida pela sua omissão e inércia permite-nos concluir estarmos em presença de um contrato de prestação de serviços, (contrato mercantil) que, por escrito, em 29 de Julho de 2002, havia assinado com a empresa, BB, SL (Espanha).
16 - Acresce que o ponto dois dos factos provados é meramente conclusivo, e por isso não deve ser considerado, e tido por nulo; Sob as suas ordens e direcção ...".
17 - Mas, não existe qualquer facto provado, que indique que recebia ordens da ré, e devesse obediência, fosse de quem fosse.
Pelo contrário,
18 - 0 contrato mercantil assinado com a BB, SL (Espanha); a retribuição sempre auferida pela recorrida pela BB, SL (Espanha); os impostos sempre pagos pela autora recorrida ao Governo Espanhol; e a Segurança social sempre paga pela autora recorrida à Segurança Social do Estado Espanhol,
Permitem concluir,
19 - Que não era de trabalho o vínculo da autora recorrida com a ré recorrente, bem assim como não resulta demonstrada qualquer subordinação jurídica à ré recorrente.
20 - Sendo patente que o exercício da actividade da recorrida em Portugal, era uma extensão territorial do trabalho que desenvolvia já em Málaga, Espanha, e por isso, mantém-se em vigor o contrato mercantil acima referido.
21 - Ocorreu uma indevida interpretação e aplicação do artigo 10 do Código do Trabalho, por não se verificar subordinação jurídica à recorrente, bem como dos factos índices estabelecidos no artigo 12 desse código que sendo cumulativos, no caso não se verificam, nomeadamente quanto à inexistência de um horário de trabalho pré definido, e que os instrumentos de trabalho fossem fornecidos essencialmente pela recorrente.
22 - Sendo certo que, a relação jurídica mantida foi para com a BB, SL, ao abrigo da qual a autora recorrida actuava ao abrigo do falado contrato mercantil.
Sem conceder, quanto ao alegado,
DA ILICITUDE DA RESOLUÇÃO INVOCADA PELA RECORRIDA:
23 - É entendimento da ré recorrente que a autora recorrida resolveu o contrato de trabalho, mas a resolução deve ser considerada ilícita.
24 - Os três fundamentos invocados pela A. recorrida para a resolução do contrato de trabalho, aferem-se pelo teor da carta que entregou à ré, em 13 de Abril de 2006, são os seguintes:
1º - “Foi por mim verificado que não procederam aos descontos legais para a segurança social;
2 - Sendo certo que não me pagaram os subsídios de férias e natal durante o período que estive a trabalhar para esta empresa;
3o - Alteraram as minhas funções que vinha exercendo dentro da empresa e, quando alertados para esse facto despediram-me".
(Vide ponto 4 dos factos provados.)
25 - Estabelece o artigo 442, n° 1 do Código do Trabalho que os fundamentos da resolução têm que conter a indicação sucinta dos FACTOS que a justificam, nos trinta dias subsequentes ao conhecimento desses FACTOS: Pedem-se factos e não conclusões.
26 - Começando pelo terceiro fundamento invocado, a A. recorrida invoca que “alteraram as minhas funções que vinha exercendo dentro da empresa", o que é uma conclusão e não um facto.
27 - Não alega a A. recorrida na citada carta de resolução, que funções vinha exercendo, e em que consistiram as alegadas alterações de funções.
28 - E, não se diga, na nossa opinião, que a ré recorrente entendeu o sentido da declaração; até porque a ré recorrente negou em sede de contestação que a recorrida exercesse as funções que na petição inicial esta alegou exercer.
29 - Por isso, se a recorrente não reconhecia que a autora (recorrida) exercia as funções que esta veio alegar na petição inicial, e se, no seu entendimento, igualmente não houve qualquer alteração das funções que reconhecia que aquela exercia, não lhe era possível entender o sentido e alcance, naquele momento, da carta de resolução, quanto à questão das "alterações de funções".
30 - Não obstante o artigo 442, n° 1 do Código do Trabalho mencionar a indicação sucinta dos factos, afigura-se que ao dizer que "alteraram as minhas funções ..." a recorrida não cumpriu os requisitos mínimos exigidos por aquele artigo, até porque, não havia consenso sobre as funções exercidas pela autora.
31 - Por isso, com a devida vénia, afigura-se que este não é fundamento atendível, tal a forma vaga, imprecisa, genérica e abstracta da afirmação.
32 - 0 primeiro fundamento invocado para a resolução foi o de que a recorrente não procedeu aos "descontos legais para a segurança social"; E este fundamento foi liminarmente não admitido logo na sentença proferida em 1ª instância, por considerar que ao fazer os descontos por Espanha, renunciara a invocar este facto.
33 - Invoca a recorrente, como segundo fundamento para a resolução, que a ré "não pagou os subsídios de férias e de Natal durante o período em que estive a trabalhar para a empresa".
34 - A recorrente não pagou à recorrida os subsídios de férias e de natal desde Setembro de 2002 a Abril de 2006, por entender não existir contrato de trabalho,
35 - Nem a autora, de resto, ao longo de quatro anos, os reclamou ou exigiu; Seria natural - pois qualquer trabalhador o sabe - que se a recorrida se considerasse vinculada por contrato de trabalho, teria reclamado o seu direito às férias, e aos feriados, subsídios de férias e de natal.
36 - A autora recorrida nunca reclamou tais pagamentos, ao longo desses quase quatro anos, pagou mensalmente os seus impostos e segurança social em Espanha, emitiu mensalmente as facturas à BB, SL, (Espanha), havendo assinado o contrato mercantil junto aos autos e dado por provado,
37 - Logo ela deu a entender à recorrida, ainda que pela sua inércia e omissão, que o vínculo que as unia assentava no contrato mercantil outorgado em Espanha com a BB, SL,
38 - A ré recorrente estava plenamente convencida que a A. recorrida se continuava a reger pelos termos do contrato mercantil que assinou junto da BB, SL (Espanha), e que vinha executando; e que era trabalhadora autónoma.
39 - No mínimo, a ré recorrente estaria de boa fé, e não actuou com culpa, facto que é patente e de conhecimento oficioso;
40 - O que determina que estes factos não constituam justa causa para resolução, vide artigo 442, n° 1, n° 2, a), e), que pressupõem uma actuação culposa da entidade patronal.
41 - Por isso, afigura-se que a invocada resolução do contrato de trabalho -sem conceder quanto à natureza do vinculo - carece de fundamento.
42 - Em face do exposto, não se afigura ajustada a decisão de considerar licita a resolução invocada pela A, pelo que a sentença deveria, também nesta parte, ser revogada e alterada.
DA PROCEDÊNCIA DO PEDIDO RECONVENCIONAL:
43 - Sendo considerada ilícita a resolução do contrato de trabalho, se se entender ser esse o vínculo, a recorrente tem direito a ser indemnizada no pagamento da quantia de € 4.590,20, (€ 2.265,1 0/mês x 60 dias) correspondente à indemnização devida por resolução ilícita, o que, no caso em apreço corresponderia ao pagamento de uma indemnização de valor igual à retribuição correspondente ao período de antecedência em falta, o que no caso em apreço seriam sessenta dias, atendendo a alegada antiguidade do contrato de trabalho, Vide artigo 448 e 446, e 447 do Código do Trabalho;
44 - Pelo que, nesta medida, deve, caso se viesse a entender ter existido contrato de trabalho, e que a resolução foi ilícita, e, por falta de aviso prévio de sessenta dias, a recorrida incorreu na obrigação de indemnizar a ré no valor de € 4.590,20 (€ 2.295,10/mês x 60 dias), e que se reclama,
45 - Devendo o pedido reconvencional apresentado ser julgado procedente.
DO ABUSO DE DIREITO:
46 - PELO VINDO DE ALEGAR, RESULTA QUE A RÉ RECORRENTE VEM CONDENADA A PAGAR À RECORRIDA AS SEGUINTES QUANTIAS:
- A TÍTULO DE FÉRIAS E SUBSÍDIO DE FÉRIAS ENTRE 2002, 2003, 2004, 2005, E 2006, A QUANTIA DE € 9.984,11;
- A TITULO DE SUBSIDIO DE NATAL DE 2002, 2003, 2004, 2005 E 2006, A QUANTIA DEC 8.310,56.
47 - É entendimento da recorrente estar em presença de um caso de manifesto abuso de direito.
48 - Diz o artigo 334 do Código Civil: (Abuso do direito) - "É ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito."
49 - Está em causa saber se o comportamento da recorrida excede manifestamente os limites impostos pela boa fé, mas também pelos bons costumes, ou pelo fim social ou económico desse direito.
50 - Eis o quadro de factos e conclusões que a recorrente entende provadas relativamente ao comportamento da recorrida:
50.1 - A recorrida outorgou no dia 29 de Julho de 2002 um contrato denominado Contrato Mercantil, com a sociedade BB, SL (Espanha);
50.2 - A recorrida, desde sempre, isto é, desde 29 de Julho de 2002, sempre recebeu a sua retribuição pela sociedade BB, SL (Espanha);
50.3 - A recorrida, desde sempre, sempre emitiu as facturas correspondentes aos valores recebidos à sociedade BB, SL (Espanha);
50.4 - A recorrida desde sempre, todos os meses, efectuou os descontos para a segurança social de Espanha;
50.5 - A recorrida, nunca ao longo destes quatro anos reclamou da recorrente qualquer quantia a título de férias, subsidio de férias ou de natal;
50.6 - A recorrida, é pessoa instruída, e sabe que se o vínculo que mantinha com a recorrente fosse de natureza laboral, teria direito àqueles falados direitos, que reclamou quatro anos depois;
50.7 - Não se demonstrou, (resposta negativa artigos 34, 35, 37 da resposta) nem se questionou, sequer, que a A. tenha sido pressionada a assinar o contrato mercantil junto aos autos, que tenha sido pressionada a emitir facturas por Espanha e a descontar a segurança social por Espanha.
50.8 - É legitimo à recorrente concluir que a recorrida sempre ponderou que, sendo de nacionalidade Espanhola, a qualquer momento poderia regressar a Espanha, e à BB, SL;
50.9 - Pela sua prolongada inércia e omissão em reclamar os seus invocados direitos, a recorrida criou na recorrente a convicção (para não dizer que a enganou) de estar a cumprir plenamente o contrato mercantil que havia assinado dois meses antes de vir para Portugal;
51 - Mesmo que, por hipótese, se venha a considerar existir contrato de trabalho entre a recorrente e a recorrida, certo é que, os factos revelam que a A. actuou de modo a criar na ré a firme convicção de que o que as unia era um contrato de prestação de serviços, dando-se, no essencial, por reproduzidos os fundamentos atrás invocados, afigurando-se que a recorrida actuou com abuso de direito, que expressamente se invoca.
52 - Depois de aceitar, pacificamente, um modo de actuar, com ele ser conivente e até colaborante, não se pode aceitar que a recorrida venha agora, decorridos quase quatro anos, reclamar os valores referentes a férias, subsídio de férias e de Natal de anos como 2002, 2003, 2004, 2005, ou 2006.
53 - Constituiria, na opinião da recorrente, um venire contra factum próprium por parte da recorrida, uma vez que ela própria criou a convicção na ré de que não teria direito àqueles valores.
54 - Pelo que não deve a recorrente ser condenada a pagar à A. qualquer quantia a título de férias, subsídio de férias ou de Natal, pelas razões vindas de expor.
55 - Violou, entre outros, o douto acórdão de que se recorre, o disposto nos artigos 10°, 12°, 441, 442, n° 1, 443, 445, 448, 446, 447, do Código do Trabalha e 334 do Código Civil.
DEVE POIS SER REVOGADO O ACÓRDÃO DE QUE SE RECORRE”

Por sua vez, a Recorrida apresentou as contra-alegações que também se transcrevem:
“Bem andou o Tribunal "a quo" ao decidir da forma como decidiu, consagrando na douta sentença a posição assumida pela aqui recorrida nos seus articulados.
Versa o presente recurso, no dizer da Recorrente, sobre quatro questões de direito, a saber:
• Classificação jurídica do contrato;
• Ilicitude da resolução do contrato;
• Procedência da reconvenção; e,
• Abuso de Direito.
QUANTO À QUESTÃO DA CLASSIFICAÇÃO DO CONTRATO
- DA ACTIVIDADE DO TRABALHADOR.
Conforme resulta da sentença em mérito, a Recorrida forneceu a sua força de trabalho à Recorrente, organizando e dirigindo esta a actividade daquela no sentido de um resultado que está fora do contrato.
A Recorrida não se obrigou a prestar à Recorrente o resultado da sua actividade, escolhendo e organizando os meios necessários para alcançar este, uma vez que foi a Recorrente que organizou e dirigiu a actividade daquela.
- DA RETRIBUIÇÃO
É um elemento caracterizador do contrato individual de trabalho, como troca da força de trabalho disponibilizada pela Recorrida à Recorrente, sendo no presente caso composta por uma parte fixa e outra variável.
- DA SUBORDINAÇÃO JURÍDICA
Este elemento é caracterizado por a actividade a prestar pela Recorrida ter sido determinada pela Recorrente, mediante ordens, directivas e instruções desta, assim como pelo dever de obediência daquela à execução e disciplina da prestação do trabalho fixadas pela Recorrente, titular do poder directivo e disciplinador dessa prestação, conforme muito bem releva a decisão em análise.
Em última instância, a subordinação jurídica resulta do facto da Recorrida não agir no seio de uma organização própria, mas antes se integrar numa organização de meios produtivos alheia, dirigida à obtenção de fins igualmente alheios.
Ora, no presente caso, a Recorrida age no seio da Recorrente, não no seio de uma organização própria, que tem uma organização própria, com os seus meios produtivos e visando obter fins próprios.
Estamos, por isso, face a uma relação de contrato individual de trabalho, contrato este que se presume nos termos do art° 12 do Código de Trabalho.
Bem andou, por isso, o Tribunal "a quo" ao decidir da forma que decidiu.
QUANTO À ILICITUDE DA RESOLUÇÃO
É manifesto que o contrato foi resolvido.
Na verdade, dado que a Recorrente não alterava a sua postura, a Recorrida despediu-se, alegando, em síntese:
- Falta de descontos para a Segurança Social;
- Falta de pagamento de subsídios de férias e Natal durante o período de duração do contrato; e,
- Alteração das funções que vinha exercendo ao serviço da Recorrente, com a consequente diminuição do salário médio mensal até então auferido.
Todos os factos alegados pela Recorrida que fundamentaram a resolução do contrato foram dados como provados.
Não podemos concordar, com o devido respeito, com o entendimento de que a Recorrida, no exposto, só alegou conclusões e não factos que legitimem a referida resolução do contrato.
Quer a falta de pagamentos de subsídios e descontos para a Segurança Social, quer a(s) alterações de funções da Recorrida, são factos e não conclusões.
Concluindo, a resolução do contrato foi lícita.
QUANTO AO PEDIDO RECONVENCIONAL
Sendo lícita a resolução do contrato de trabalho, é manifesta a improcedência do pedido reconvencional.
DO ABUSO DE DIREITO
Agiu a Recorrida dentro dos limites impostos pela boa fé e os bons costumes. Ao reclamar os valores a que tem direito, actuou a Recorrida dentro dos limites da lei, exigindo o pagamento dos valores a que tem direito em consequência do trabalho por si prestado à Recorrente. Não ficou minimamente demonstrado que a Recorrida, ao agir da forma que agiu, extravasou aqueles limites impostos pela boa fé ou bons costumes. Daí que improcedam todas as, aliás doutas, conclusões da Recorrente.
Termos em que, mantendo-se a decisão em mérito, se fará a habitual JUSTIÇA

Neste Supremo Tribunal, a Exma. Procuradora-Geral-Adjunta emitiu “parecer” no sentido de que a revista deve ser concedida, o qual, tendo sido notificado às partes, não suscitou destas qualquer resposta.


Colhidos os “vistos” legais, cumpre decidir:


II. Matéria de facto

O acórdão recorrido deu como assentes os seguintes factos:
1. A Ré é uma sociedade comercial cujo objecto social reside na formação profissional, que exerce em dois centros de formação situados em Lisboa e no Porto;
2. A Ré admitiu ao seu serviço a A. em Setembro de 2002, por contrato verbal, para exercer, sob as suas ordens, direcção e responsabilidade, actividade na área da publicidade, “call center” e vendas nos seus escritórios do Porto, mediante o pagamento de uma quantia mensal fixa, que em Abril de 2006 se cifrava em € 900,00, a que acrescia uma importância mensal variável consoante as vendas que realizasse, a qual, nos últimos doze meses do contrato, ascendeu ao montante médio de € 1.395,10;
3. A A. seleccionava, formava e dava instruções ao pessoal na área do “call center”, reunindo relatórios contendo os registos de chamadas telefónicas recebidas de potenciais clientes, para posterior envio diário para a sede da empresa em Espanha e efectuava reuniões diárias com os assessores comerciais, atendia nas instalações da empresa potenciais clientes e contactava fornecedores ligados à publicidade;
4. A A. exerceu, desde o início, as funções para que foi contratada com diligência, dedicação, zelo e muito empenho, até ao dia 13 de Abril de 2006, data em que resolveu o contrato de trabalho, com invocação de justa causa, por comunicação escrita entregue em mão própria, que foi recepcionada pela R., com o seguinte teor: “Encontro-me em Portugal a trabalhar para esta empresa desde Setembro do ano 2002, recebendo neste último ano um salário médio mensal de 2.295,10 euros. Foi por mim verificado que não procederam aos descontos legais para a Segurança Social, sendo certo que não me pagaram os subsídios de férias e natal durante o período em que estive a trabalhar para esta empresa. Por fim alteraram as minhas funções que vinha exercendo dentro da empresa e, quando alertados para este facto despediram-me.”;
5. A partir de meados do mês de Abril de 2006, a A. foi colocada pela R., sem o seu consentimento, apenas como vendedora para a zona do Porto, fora das instalações, tendo-lhe sido retiradas todas as outras actividades referidas em 2º e 3º que até essa data acumulava e não lhe foram disponibilizadas as chaves dos escritórios da R., após esta ter mudado as respectivas fechaduras;
6. A R. não pagou à A. qualquer quantia referente a férias, subsídio de férias, e subsídio de Natal respeitantes aos anos de 2002, 2003, 2004, 2005 e 2006, sendo certo que a A. gozava 15 dias de férias por ano;
7. A Ré não procedeu ao pagamento à Segurança Social de quaisquer contribuições relativas ao trabalho prestado pela A. ao seu serviço, durante todo o período de duração do contrato;
8. A ré constituiu-se em Portugal, como sociedade unipessoal por quotas, por escritura de 12 de Setembro de 2001, fixando inicialmente sede em Valença e posteriormente nas suas instalações na cidade do Porto;
9. A ré tem como única sócia uma sociedade espanhola, denominada “BB, SL”, que se dedica, desde 1994, em Espanha, à actividade de prestação de serviços na área da formação, tendo como objecto a venda de cursos de ensino, formação à distância e “in loco”, edição de livros didácticos, entre outras actividades relacionadas com a formação;
10. No dia 29 de Julho do ano de 2002, a autora outorgou com a supra referida sociedade espanhola, “BB, SL”, um acordo escrito que denominaram de “CONTRATO MERCANTIL”, mediante o qual ficou estabelecido entre ambas: a) que, a comissionista (autora) dedicar-se-á à venda ao domicílio de livros e cursos de ensino à distância; b) que, a comissionista (autora) manifesta, atenta a natureza do seu vínculo contratual, estar de acordo em ser sujeita ao regime de trabalhadores independentes da segurança social e ao imposto das actividades económicas, correndo por sua conta e responsabilidade, o pagamento da segurança social, e demais obrigações legais; c) que ambas as partes, designadamente a autora, reconhecem a inexistência de qualquer contrato de trabalho, reconhecendo a autora ser uma profissional independente; d) que o objecto do citado contrato mercantil outorgado pela autora era a realização por esta, com a sua organização e instalações próprias, a actividade de mediação na venda dos produtos comercializados pela BB, SL (Espanha), na zona de Málaga, Espanha; e) actividade que se realizará naquela zona, sem exclusividade, podendo actuar em conjunto com outros comissionistas ou agentes da BB, SL (Espanha); f) foi vedado à autora, contudo, realizar, simultaneamente, actividades semelhantes para outras empresas concorrentes da BB, SL (de Espanha); g) a comissionista (autora) executará a sua actividade com plena autonomia, sem sujeição a horários ou itinerários, nem a instruções prévias, excepto quanto às condições gerais de preço e condições de venda determinadas pela BB, SL (Espanha); h) sobre o preço das vendas confirmadas, obtidas por mediação directa da autora, com exclusão das vendas indirectas, receberá a comissionista (autora) uma comissão por venda, calculada segundo as tabelas de comissões da BB, SL (Espanha); i) as referidas comissões serão pagas só quando as vendas de que provenham hajam sido integralmente cobradas; mensalmente a BB, SL (Espanha), envia à autora a relação das comissões sobre as vendas deduzidos os impostos devidos (IVA), pagando-lhe as comissões devidas, a partir do dia dez do mês seguinte; j) os gastos decorrentes do desenvolvimento da sua actividade como comissionista, como quilómetros, estão incluídos no preço das comissões, e a comissionista utilizará o seu próprio veículo, custos que correrão por sua conta; k) (…); l) o presente contrato mercantil não tem prazo, devendo as partes denunciá-lo com um mês de antecedência; m) ao denunciar ou rescindir este contrato, por qualquer causa, a comissionista deverá devolver à BB, SL, todos os catálogos, documentação e os contratos de venda, recibos e outros documentos;
11. Este contrato foi assinado pela autora, que a ele aceitou submeter-se de forma livre, tendo logo com a outorga do contrato passado a exercer essa actividade de comissionista na região de Málaga, vendendo cursos e livros comercializados pela BB, SL (Espanha) e ganhando a sua comissão pelas vendas efectuadas;
12. A autora é de nacionalidade Espanhola e, na ocasião, vivia maritalmente com um cidadão de nacionalidade Portuguesa de nome João Paulo Galvão, que na mesma empresa exercia também a actividade de comissionista, igualmente na região de Málaga, Espanha;
13. A referida BB, SL, (Espanha) havia, entretanto, decidido, em meados de 2001, expandir a sua actividade ao território Português, e por isso, decidiu constituir a R.;
14. A A., que até então era comissionista da BB, SL (Espanha), na região de Málaga, Espanha, a partir de Setembro de 2002 passou a desempenhar para a R. as funções descritas nos pontos 2.º e 3.º supra na região do Porto;
15. A A., entre as datas referidas em 2.º e 4.º, sempre recebeu mensalmente as quantias correspondentes à execução do contrato aludido em 2.º da empresa BB, SL (Espanha), emitiu facturas correspondentes a esses valores, pagou os impostos daí decorrentes em Espanha e efectuou os pagamentos para a segurança social de Espanha como trabalhadora independente.


III. Fundamentação de direito

Face ao teor das conclusões da Alegação da Recorrente que, nos termos dos arts. 684.º, n.º 3, e 690.º, n.º 1, do CPC, ex vi art. 1.º, n.º 2 - a), do CPT, delimitam o objecto do recurso, são as seguintes as questões essenciais a decidir, de resto, já identificadas pela recorrente:
- natureza jurídica da relação contratual vigente entre as partes: contrato de trabalho ou contrato de prestação de serviços;
- licitude ou ilicitude da resolução do contrato operada pela autora;
- Abuso, ou não, de direito por parte da autora ao resolver o contrato;
- Procedência, ou improcedência, do pedido reconvencional.

Vejamos a primeira questão:
O acórdão recorrido, depois de distinguir as figuras do contrato de trabalho e do contrato de prestação de serviços, segundo as diversas orientações doutrinais e jurisprudenciais, concluiu quea melhor interpretação será aquela que vê consagrada no Art.º 12.º do Cód. do Trabalho – também na redacção dada pela Lei n.º 9/2006, de 20 de Março – o critério dos factos-índice, assim introduzindo harmonia no sistema e permitindo decisões adequadas”.
E, passando à análise do caso concreto a esta luz, discorreu nos seguintes termos:
“Fazendo a análise crítica da matéria de facto provada, verificamos que a qualificação do contrato dos autos é fácil de fazer e como contrato de trabalho.
Na verdade, sendo a tese da R. no sentido de que o contrato celebrado com a A. é de prestação de serviços, bateu-se pela sua demonstração logo ao nível da impugnação da decisão proferida acerca da matéria de facto. Porém, naufragado completamente o recurso nessa sede, o que se afirma por mero dever de ofício, melhor sorte não pode ter em matéria de direito.
Em realidade, como se vê dos factos dados como provados, maxime, nos assentes sob os n.ºs 2, 3 e 14, a subordinação jurídica mostra-se provada directamente, uma vez que aí se refere que a A. desempenha um conjunto de funções, tanto ao nível das vendas, como em matéria de publicidade e call center, aí se referindo que tal era levado a cabo sob as ordens, direcção e responsabilidade da R., sendo certo que o tipo de actividade efectuado em Portugal era efectuado de forma diferente, por contraposição ao que acontecia na sociedade espanhola de Málaga, onde o contrato poderia ser qualificado como de prestação de serviços, dada a forma de execução da actividade.
Noutra vertente, face também aos factos dados como provados, entendemos que in casu existe subordinação económica. Na verdade, sendo a A. de nacionalidade espanhola e tendo vindo para Portugal lançar actividade existente no seu país, ela dependia, ao par certamente do seu companheiro, João Paulo Galvão, dos proventos auferidos com o respectivo trabalho, tendo-se colocado numa situação de migrante, a qual ocorre, como é vulgarmente afirmado, para ganhar a vida.
Assim, sendo decisivos para a qualificação do contrato os elementos da subordinação jurídica e da subordinação económica, não se torna necessário socorrermo-nos do critério dos factos-índice, dada a sua natureza meramente aproximativa.
De qualquer forma, a prova de que os impostos e as contribuições previdenciais eram pagas em Espanha como trabalhadora autónoma e a prova de que não eram pagos subsídios de férias e de Natal durante todo o tempo de vigência do contrato, não podem fazer operar diferente qualificação jurídica deste, pois é sabida a frequência com que na actual sociedade da globalização se recorre a pretenso trabalho independente, sem que com esta asserção se pretenda afirmar que tal é imputável apenas a uma das partes do contrato. Por outro lado e dentro ainda do prisma indiciário, se necessário fosse recorrer a tal critério, militavam em sentido oposto o índice local de trabalho, pois toda a actividade da A. se desenvolvia nas instalações que a R. tinha no Porto, o que aconteceu até meados de Abril de 2006 e, por outro lado, a actividade da A. inseria-se na estrutura organizativa da apelante [maxime, na estrutura organizativa que a sociedade espanhola desenvolvia em toda a Península Ibérica], pelo que não podia ser autónoma a actividade desempenhada.
Pelo exposto, concordando também com a fundamentação do Tribunal a quo, plasmada na sentença, que aqui se dá como reproduzida, com ele concluímos ser de trabalho o contrato que estes autos têm por objecto”.

O contrato verbal invocado pela A. como fundamento dos pedidos que formula nesta acção contra a R., BB – Formação Profissional, Unipessoal, Ld.ª, foi celebrado em Setembro de 2002 e terminou no dia 13 de Abril de 2006 (pontos 2. e 4. da matéria de facto).
Assim, por força da regra geral de aplicação da lei no tempo que emerge do art. 8.º da Lei n.º 99/2003, de 27 de Agosto, que aprovou o Código do Trabalho, é aplicável à relação jurídica dele emergente o regime instituído por este Código, na sua versão anterior à redacção que lhe foi conferida pela Lei n.º 9/2006, de 20 de Março.
Todavia, como se decidiu no acórdão deste Supremo Tribunal, de 13-02-2008, Recurso n.º 356/07 - 4.ª Secção, para efeitos de qualificação contratual das relações estabelecidas entre as partes e da operatividade da presunção estabelecida no art. 12.º do Código do Trabalho, deve considerar-se que este Código só se aplica aos factos novos, ou seja, às relações jurídicas constituídas após o início da sua vigência.
Assim, à qualificação daquela relação jurídica aplica-se o Regime Jurídico do Contrato Individual de Trabalho aprovado pelo D.L. n.º 49.408, de 24 de Novembro de 1969 (LCT).

Nos termos do disposto no art.º 1 da LCT, o contrato de trabalho é aquele pelo qual uma pessoa se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua actividade intelectual ou manual a outra pessoa, sob a autoridade e direcção desta.
Por ser constituído por elementos próximos e abarcar realidades muitas vezes difíceis de separar, do contrato de trabalho deve distinguir-se o contrato de prestação de serviços que o art.º 1154.º do Código Civil define como aquele em que uma das partes se obriga a proporcionar à outra certo resultado do seu trabalho intelectual ou manual, com ou sem retribuição.
Confrontando os recortes legais dos conceitos de ambos os contratos, a primeira constatação é a de que a retribuição é um elemento essencial no contrato de trabalho, mas já não o é no contrato de prestação de serviços, no qual pode ou não verificar-se.
Por outro lado, o objecto do contrato é, no contrato de trabalho, a própria actividade de uma das partes (do trabalhador), ao passo que, no contrato de prestação de serviços, é um determinado resultado da actividade de uma das partes (do prestador).
Contudo, há que ter em conta que, embora com objectos distintos e com ou sem a retribuição como elemento essencial, ambos os contratos pressupõem o desenvolvimento de uma actividade e o alcance de um resultado, uma vez que nem a actividade que o trabalhador se obriga a desenvolver, no contrato de trabalho, constitui um fim em si mesmo, já que visa a obtenção de certo resultado, nem a obtenção do resultado a que o prestador se vincula, no contrato de prestação de serviços, dispensa o desenvolvimento de uma certa actividade.
Impõe-se, por isso, buscar um critério que permita aprofundar o que separa os dois conceitos.
Neste sentido, a doutrina e a jurisprudência têm encontrado na forma como a actividade é efectivamente exercida, num e noutro, a pedra de toque da distinção entre as duas espécies de contratos.
Nos termos do disposto no n.º 1 do art.º 39.º da LCT, no contrato de trabalho, a actividade da parte que a ela se obriga é exercida sob a autoridade e direcção da outra, à qual a primeira tem de obedecer em matéria de execução e disciplina do trabalho [art. 20, n.º 1 – c), da LCT], enquanto, no contrato de prestação de serviços, o art.º 1154.º do Código Civil não prevê qualquer sujeição à autoridade e direcção da outra parte, podendo o prestador dos serviços decidir livremente sobre essa execução e disciplina.
Por outras palavras: no contrato de trabalho, a actividade é exercida com subordinação jurídica de uma das partes à outra, enquanto, no contrato de prestação de serviços, a actividade é exercida com autonomia da parte que a desenvolve em relação à que beneficia do seu resultado.
Há, todavia, situações em que, no plano prático, a distinção não é imediata, como acontece nos casos em que, mesmo no âmbito do contrato de trabalho, o trabalho deve ser prestado com autonomia técnica ou com conhecimentos que não são acessíveis ou controláveis pela entidade patronal; ou nos casos em que, no contrato de prestação de serviços, se tornam indispensáveis orientações e instruções, nomeadamente de natureza tecnológica, acerca dos meios ou mesmo do lugar em que o resultado deve ser alcançado e que, muitas vezes, só estão ao alcance do beneficiário da actividade.
Nestas situações, torna-se indispensável o recurso a indícios para fazer a qualificação jurídica do contrato.
Assim, para se poder concluir pela existência de um contrato de trabalho, torna-se necessário lançar mão de indícios susceptíveis de revelar a existência dos elementos do modelo típico do contrato de trabalho subordinado, por forma a poder concluir-se que, no caso concreto, se verificam os elementos que definem esse contrato.
Todavia, como se decidiu no recente acórdão deste Supremo Tribunal, de 13-02-2008, Recurso n.º 356/07 - 4.ª Secção, os indícios têm um valor relativo ou aproximativo, quando individualmente considerados, e devem, por isso, ser avaliados através de um juízo global, em ordem a convencer, ou não, da existência desses elementos, nomeadamente, da subordinação jurídica pressuposta no art.º 1.º da LCT.

Na vigência da LCT, era já jurisprudência corrente (cfr., por todos, o acórdão deste Supremo Tribunal, de 25-09-1996, Processo n.º 4424 - 4ª Secção) que os indícios ou sinais da existência da subordinação jurídica de que o intérprete se devia socorrer eram:
- a vinculação a horário de trabalho;
- a execução da prestação em local definido pelo empregador;
- a existência de controlo externo do modo de prestação do trabalho;
- a obediência a ordens;
- a sujeição à disciplina da empresa;
- a modalidade da retribuição, em regra em função do tempo de trabalho, o direito a férias remuneradas e o pagamento de subsídios de férias e de Natal;
- a propriedade dos instrumentos de trabalho; e
- o regime fiscal e de segurança social próprios do trabalho por conta de outrem.
Mais recentemente, mas ainda na vigência da LCT, foram-se adicionando outros indícios, tais como:
- o recurso a colaboradores;
- o regime de faltas;
- o regime disciplinar;
- a repartição do risco; e
- a integração na organização.
A par destes indícios, de natureza negocial interna, surgem outros, de natureza negocial externa, tais como:
- a exclusividade da prestação;
- o tipo de imposto pago pelo prestador da actividade;
- a inscrição na Segurança Social; e
- a filiação sindical.

Vejamos, pois, a esta luz e perante a matéria de facto dada como assente no acórdão recorrido se o contrato existente entra A. e R. era de natureza laboral.
A solução afigura-se, à primeira vista, fácil, uma vez que se deu como provado, no ponto 2. da matéria de facto que a Ré admitiu ao seu serviço a A., em Setembro de 2002, por contrato verbal, para exercer, sob as suas ordens, direcção e responsabilidade, actividade na área da publicidade.
Porém, como recorda a Exma. Procuradora-Geral-Adjunta, no seu parecer de fls. 559 a 567, este Supremo Tribunal de Justiça tem entendido que, muito embora as expressões “trabalhar sob as ordens, direcção e fiscalização” (ou outras semelhantes, como a constante do ponto 2. da matéria de facto - “sob as suas ordens, direcção e responsabilidade”) de alguém sejam utilizadas na linguagem comum para traduzir uma realidade fáctica e, nessa medida, possam, em certas circunstâncias, ser consideradas como matéria de facto, o mesmo já não sucede numa acção em que o que está justamente em litígio é a questão de saber se determinado contrato reveste ou não natureza laboral.
Na verdade, neste caso, as referidas expressões incluídas na matéria de facto já encerram em si a resolução da concreta questão de direito que é objecto da acção, o que implica que tal matéria se tenha de considerar como não escrita, nos termos do n.º 4 do art. 646.º do Código de Processo Civil.
“Com efeito”, escreveu-se no acórdão deste Supremo Tribunal, de 14 de Fevereiro de 2007 (www.dgsi.pt – Proc. 06S3955),embora se admita que as expressões trabalhar sob as ordens, a direcção e subordinação de alguém possam, em certas circunstâncias, ser incluídas na matéria de facto, uma vez que na linguagem comum são usadas com um sentido eminentemente fáctico, a verdade é que no contexto da presente acção isso está absolutamente fora de questão, dado que o thema decidendum consiste precisamente em saber se a autora trabalhava ou não sob a autoridade e direcção da ré, ou seja, sob as ordens e subordinação da ré. Ora, neste contexto, como é óbvio, as expressões referidas fazem parte do conceito legal do contrato de trabalho, assumindo, por isso, um significado eminentemente jurídico, o que obsta a que sejam incluídas na decisão da matéria de facto, pois, como se disse no recente acórdão deste tribunal, proferido em 7.2.2007 no processo n.º 3538/06, da 4.ª Secção (…), a propósito da expressão sob a autoridade de orientação, «numa acção em que se discute se determinado contrato reveste, ou não, natureza laboral, a matéria de facto não deve conter expressões semelhantes à transcrita - que se conexionam directamente como o "thema decidendum" - pois que o vínculo de subordinação jurídica, decorrente do poder de direcção conferido por lei ao empregador, constitui o elemento preponderante daquele módulo contratual».
E nem se diga que o Supremo não pode imiscuir-se nessa matéria, pelo facto de a recorrente não ter suscitado nenhuma questão a este respeito e uma vez que o Supremo só pode conhecer do erro na apreciação das provas e na fixação da matéria de facto nos casos expressamente referidos no n.º 2 do art.º 722.º do CPC, ou seja, quando tenha havido ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova, o que vale por dizer quando tiver havido violação do direito probatório material (substantivo).
É que, no caso em apreço, o que está em causa não é propriamente a questão de saber se houve ou não um erro na apreciação das provas e, consequentemente, na fixação da matéria de facto, mas sim a questão de saber se no elenco factual foram incluídos "factos" que verdadeiramente o não são, questão essa que manifestamente é uma questão de direito e não de facto e que, por isso, cai na área da competência do Supremo, como em situação similar foi dito no acórdão de 13.7.2006, proferido no processo n.º 1.073/06, da 4.ª secção deste tribunal (…).
Efectivamente, como se escreveu neste último acórdão, «saber se a resposta a determinado quesito deve ser considerada como não escrita, nos termos do n.º 4 do art.º 646.º do CPC, por alegadamente conter matéria de direito ou por conter factos que só possam ser provados por documento ou que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes, constitui matéria de direito e não de facto, de conhecimento oficioso até, uma vez que ao Supremo cabe aplicar o regime jurídico que julgue adequado aos factos materiais fixados pelo tribunal recorrido (art.º 729, n.º 1, do CPC). De outro modo, o Supremo poderia ver-se constrangido a aplicar o direito a "factos" que verdadeiramente o não eram».
A este respeito, como também se disse no mencionado acórdão, mantém plena actualidade o que dizia A. Reis (…), em anotação ao art.º 653.º do CPC, acerca do excesso nas respostas dadas aos quesitos. Dizia ele que não havia meio específico de reacção contra tal anomalia, mas que tal também não era necessário, pois, ao tribunal colectivo não compete decidir questões de direito nem decidir questões de facto que não lhe foram postas. Todavia, «[s]e decidir uma e outras, a sanção deve ser a mesma: considerar-se não escrita a resposta (...)" e "para fazer valer essa sanção não se torna necessário empregar qualquer meio processual de impugnação ou ataque; não é preciso reclamar, nem arguir nulidades, nem recorrer. Basta que a parte interessada chame a atenção para o excesso cometido e peça que se considere sem efeito a decisão proferida. Em vez de reclamar, nos termos da alínea h), o advogado denunciará a anomalia e pedirá ao juiz que vai proferir a sentença, ou ao tribunal superior para o qual interponha recurso, que não tome em consideração a resposta exorbitante do tribunal colectivo, tal qual como no caso de este se ter pronunciado sobre questões de direito»".

Não vemos razões ponderosas que aconselhem solução diferente da encontrada no citado acórdão.
Procede, assim, a conclusão 22. da Alegação da Recorrente, quando afirma que este ponto 2. dos factos provados é meramente conclusivo e, por isso, não deve ser considerado, nesta parte.
E o mesmo se diga da qualificação do contrato como de trabalho no ponto 4. da matéria de facto, na parte em que se refere que a A. “resolveu o contrato de trabalho”, pois essa qualificação é precisamente o cerne da questão decidenda.

Atento o exposto, as referidas expressões consideram-se como não escritas, nos termos do n.º 4 do art.º 646.º do CPC.

Uma vez expurgada a matéria de facto dos apontados conceitos jurídicos, vejamos se na factualidade restante se descortinam os indícios ou sinais acima apontados para aferir da existência da subordinação jurídica.
Verifica-se, antes de mais, que esta matéria nada revela sobre a vinculação da A. a horário de trabalho, a existência de controlo externo do modo de prestação do trabalho, a obediência a ordens, a exclusividade da prestação, a sujeição à disciplina da empresa, o regime de faltas, o regime disciplinar, a repartição do risco e a filiação sindical.
Relativamente à execução da prestação em local definido pelo empregador, provou-se que a actividade da A. era desenvolvida nos escritórios da Ré, no Porto, mas, como se sabe, este não é um indício decisivo de subordinação, pois outros profissionais podem trabalhar num escritório sem qualquer vínculo laboral com o seu proprietário.
No que se refere à integração da A. na organização da R., apurou-se apenas que exercia a sua actividade na área da publicidade, call center e vendas e seleccionava, formava e dava instruções ao pessoal dessa área e efectuava reuniões diárias com os assessores comerciais, o que é pouco para podermos definir se tinha – e qual era – o seu lugar ou cargo na organização empresarial da R..
No que toca à modalidade da retribuição, não se comprova que foi estipulada em função do tempo de trabalho, como acontece, em regra, na relação laboral, embora a retribuição da A. comportasse uma quantia mensal fixa.
No respeitante ao direito a férias remuneradas e ao pagamento de subsídios de férias e de Natal, apurou-se que a A. gozava 15 dias de férias por ano, mas, no período de vigência do contrato, nunca a R. pagou à A. qualquer quantia a título de férias ou de subsídios de férias e de Natal.
Em relação à propriedade dos instrumentos de trabalho, nada se apurou, embora se tenha provado que a A.. exercia a sua actividade nos escritórios da Ré sitos inicialmente em Valença e depois na cidade do Porto.
No que respeita ao recurso a colaboradores, apurou-se apenas que a A. seleccionava, formava e dava instruções ao pessoal, na área do call center, e efectuava reuniões diárias com os assessores comerciais.
Relativamente ao regime fiscal, incluindo o tipo de imposto pago pela A., e ao regime de segurança social, incluindo as contribuições para esta, verifica-se que os impostos decorrentes do recebimento das quantias relativas ao contrato não eram pagos em Portugal, mas, sim, em Espanha e que os pagamentos para a segurança social de Espanha eram efectuados como trabalhadora independente.
Por tudo isto, tem de concluir-se que nenhum dos indícios apurados, quando individualmente considerado, é decisivo e que, quando avaliados através de um juízo global, os indícios apurados não são em ordem a convencer da existência da subordinação jurídica pressuposta no art.º 1.º da LCT.
Para além disso, provou-se que, durante toda a vigência do contrato, a A. recebeu as quantias mensais correspondentes à execução do contrato, não da R., mas da empresa BB, SL (Espanha), com a qual celebrara o acordo transcrito no ponto 10 da matéria de facto, que denominaram de “CONTRATO MERCANTIL”, mediante o qual ficou estabelecido entre ambas, designadamente, que a A. se dedicaria à venda ao domicílio, como comissionista, de livros e cursos de ensino à distância.
Ora, embora a BB, SL (Espanha) seja a única sócia da Ré (ponto 9 da matéria de facto) e, como tal, seja dominante em relação a esta, não deixa de ser uma entidade distinta.
Assim, também este facto não abona a favor da existência dos elementos constitutivos do contrato de trabalho.

A LCT não continha qualquer presunção relativa à alegação e à prova dos elementos constitutivos do contrato de trabalho, como posteriormente se veio a estipular no art. 12.º do Código do Trabalho.
Dispunha este preceito, na redacção anterior à Lei n.º 9/2006, de 20 de Março:
Artigo 12.º
Presunção
Presume-se que as partes celebraram um contrato de trabalho sempre que, cumulativamente:
a) O prestador de trabalho esteja inserido na estrutura organizativa do beneficiário da actividade e realize a sua prestação sob as orientações deste;
b) O trabalho seja realizado na empresa beneficiária da actividade ou em local por esta controlado, respeitando um horário previamente definido;
c) O prestador de trabalho seja retribuído em função do tempo despendido na execução da actividade ou se encontre numa situação de dependência económica face ao beneficiário da actividade;
d) Os instrumentos de trabalho sejam essencialmente fornecidos pelo beneficiário da actividade;
e) A prestação de trabalho tenha sido executada por um período, ininterrupto, superior a 90 dias.

Tendo em conta o que atrás se referiu, é patente que não se verificam, cumulativamente, todos os indícios exigidos neste preceito, nomeadamente, a sujeição às ordens da beneficiária da actividade, o horário de trabalho previamente definido e a retribuição em função do tempo despendido na execução da actividade.
Assim, mesmo que fosse aplicável ao contrato em apreço o CT, na redacção que vigorou até ao seu termo, não estariam preenchidos os requisitos em que se funda esta presunção.

Competia, por isso, à A. alegar e provar factos que permitissem concluir de forma inequívoca pela natureza laboral da relação jurídica estabelecida com a R., por força do disposto no art.º 342.º, n.º 1, do C.C.), o que não fez.

Procedem, pois, as conclusões do recurso interposto pela R., no tocante à natureza jurídica da relação contratual vigente entre as partes.

Não se tratando de um contrato de natureza laboral, a A. não tem direito aos créditos que reclamou a título de férias, de subsídios de férias e de Natal e proporcionais, nem à peticionada indemnização de antiguidade.

Nos termos do disposto no art. 660.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, ex vi art. 1.º, n.º 2, alínea a), do Código do Processo de Trabalho, a solução dada à questão relativa à natureza do contrato prejudica o conhecimento das restantes questões suscitadas nas conclusões da revista, incluindo a questão da procedência ou improcedência do pedido reconvencional subsidiário da R..
IV. Decisão


Nos termos expostos, decide-se conceder a revista, revogar o acórdão recorrido e absolver a Ré do pedido.

Custas pela Autora, sem prejuízo do apoio judiciário que lhe assista.

Lisboa, 10 de Julho de 2008

Alves Cardoso( relator)

Bravo Serra

Mário Pereira