Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
3134/14.0TBBRG.G1.S1
Nº Convencional: 6ª SECÇÃO
Relator: GRAÇA AMARAL
Descritores: INSOLVÊNCIA
IMPUGNAÇÃO PAULIANA
EFEITOS DA SENTENÇA
RESOLUÇÃO EM BENEFÍCIO DA MASSA INSOLVENTE
Data do Acordão: 01/15/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: REVOGADO
Área Temática:
DIREITO FALIMENTAR – ENCERRAMENTO DO PROCESSO / QUANDO SE ENCERRA O PROCESSO / ENCERRAMENTO POR INSUFICIÊNCIA DA MASSA INSOLVENTE.
Doutrina:
- Antunes Varela, Código Civil Anotado, volume I, Coimbra Editora 1982, p. 602;
- Catarina Serra, Lições de Direito da Insolvência, Coimbra, Almedina, 2018, p. 252 e 253;
- Gravato Morais, Resolução em Benefício da Massa Insolvente, Almedina, 2008, Cura Mariano, Impugnação Pauliana, Almedina, 2004;
- Luís A. Carvalho Fernandes e João Labareda, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, 3.ª Edição, Quid Juris, p. 518,
- Maria do Rosário Edpifânio, Manual de Direito da Insolvência, 2016, 6ª Edição, Almedina, p. 219;
- Marisa Vaz Cunha, Garantia Patrimonial e Prejudicialidade , um estudo sobre a resolução em benefício da massa, 2017;
- Paula da Costa e Silva, estudo publicado nos Cadernos de Direito Privado, n.º 7, Julho/Setembro 2004, anotação ao Acórdão do Tribuna da Relação de Coimbra, de 04-02-2003.
Legislação Nacional:

CÓDIGO DA INSOLVÊNCIA E DA RECUPERAÇÃO DE EMPRESAS (CIRE): - ARTIGOS 230.º, N.º 1, ALÍNEA D) E 232.º, N.º 2.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

- DE 17-02-2009, PROCESSO N.º 08A3761, IN WWW.DGSI.PT.;
- DE 11-07-2013, PROCESSO N.º 283/090TBVFR-C.P1.S1, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 09-07-2014, PROCESSO N.º 462/10.8TBVFR-K.P1.S1;
- DE 13-11-2014, PROCESSO N.º 1444/08.5TBAMT-A.G1.S1;
- DE 14-04-2015, PROCESSO N.º 1566/13.0TBABF.E1.S1;
- DE 09-07-2015, PROCESSO N.º 1980/13.1TBFIG-A.C1.S1;
- DE 18-10-2016, PROCESSO N.º 106/13.6TYVNG-B.P1.S1;
- DE 22-11-2016, PROCESSO N.º 1495/12.5TBSTS-F.P1.S1;
- DE 22-11-2016, PROCESSO N.º 1495/12.5TBSTS-F.P1.S1;
- DE 19-12-2018, PROCESSO N.º 930/13.TVPRT.P1.S1, IN WWW.DGSI.PT.


-*-


ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES:

- DE 26-01-2017, PROCESSO N.º 5918/13.8TBBRG.G1, IN WWW.DGSI.PT.


-*-


- ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA:

- DE 22-09-2017, PROCESSO 2587/13.9TBFIG-E.C1, IN WWW.DGSI.PT.
Sumário :

I -O regime da impugnação pauliana caracteriza-se, quanto aos efeitos da procedência da respectiva acção, enquanto direito pessoal de restituição, porquanto o acto visado não é afectado na sua validade intrínseca, apenas deixa de produzir efeitos em relação ao credor impugnante e só na medida do seu interesse, ou seja, uma vez satisfeito o direito do credor o acto impugnado permanece integralmente válido.

II – Atenta a natureza da acção de impugnação pauliana, em caso de inexistência ou improcedência da acção de resolução por parte do administrador, não pode a procedência daquela assumir efeitos colectivos no sentido de beneficiar a massa insolvente, pelo que os efeitos da impugnação aproveitam apenas o credor que a tenha requerido.

III – Consequentemente, inexistindo acção de resolução proposta que contenda com a acção pauliana instaurada por um credor da insolvente, carece de cabimento legal reabrir o processo de insolvência (que havia sido encerrado ao abrigo do disposto nos artigos 230.º, n.º1, alínea d) e 232.º, n.º2, ambos do CIRE, por inexistência de bens susceptíveis de apreensão para a massa insolvente) face à procedência da referida acção de impugnação pauliana com vista à integração dos bens objecto de impugnação na massa insolvente.  

Decisão Texto Integral:

Acordam na 6ª Secção Cível do Supremo Tribunal de Justiça,

I – relatório

1. AA veio (em 05.06.2014) apresentar-se à insolvência, tendo formulado pedido de exoneração do passivo restante.

2. Em 09.06.2014, foi proferida sentença que declarou a insolvência da requerente.

3., Foi realizada a assembleia de credores (em 01.08.2014) no âmbito da qual foi proferido despacho de encerramento do processo ao abrigo do disposto nos artigos 230.º, n.º1, alínea d) e 232.º, n.º2, ambos do Código de Processo da Insolvência e Recuperação de Empresas (doravante CIRE) face à inexistência de bens susceptíveis de apreensão para a massa insolvente.

4. Em 20-02-2015 foi proferido despacho inicial de exoneração do passivo restante.

5. Em 15-11-2017, a credora BB, SA, requereu a reabertura do processo de insolvência invocando a sentença de 17-12-2015, proferida no âmbito do processo n.º 497/12. 6TBPCV (acção declarativa de impugnação pauliana instaurada pela Requerente a 18-10-2012) que ordenou a restituição ao património da Insolvente dos bens doados por esta[1] a seu filho através das escrituras outorgadas a 20 de Janeiro de 2010 e 1 de Abril de 2010.  

6. Por decisão de 11-01-2018 foi indeferido o pedido de reabertura do processo com fundamento no disposto no artigo 616.º do Código Civil, considerando que a procedência da acção de impugnação pauliana não importa o regresso dos bens à propriedade da insolvente, mas à possibilidade do credor de os atingir.   

7. Inconformada a Requerente BB, SA apelou do referido despacho, tendo o Tribunal da Relação de Guimarães (por acórdão de 30-05-2018) julgado a apelação procedente e, revogando a decisão recorrida, determinou a sua substituição por outra que ordene a reabertura da Insolvência, com a subsequente apreensão e liquidação dos bens que constituíram o objecto da acção de impugnação pauliana.

8. Veio agora a Insolvente interpor recurso de revista (que apelidou de excepcional) nos termos do artigo 14.º, n.º1, do CIRE, invocando que o acórdão proferido se encontra em oposição com o acórdão da Relação de Coimbra de 01-03-2016, proferido no âmbito do processo n.º 631/15.4T8CBR-A.C1.

Formula as seguintes conclusões (transcrição):

“1-Vem o presente recurso interposto do Douto acórdão que julgou procedente a apelação e, em consequência revogou a decisão então recorrida, ordenando a sua substituição por outra que reabra o processo de insolvência "com a subsequente apreensão e liquidação dos bens que constituíram o objecto de impugnação pauliana".

2-A recorrente não se conforma com o Douto Acórdão recorrido por considerar que viola o disposto no art. 616.° do C. C. e o disposto no art. 127.° do CIRE e que por entender que a interpretação feita pelo Tribunal "a quo" dos artigos 616.° do C.C. e 127.° do CIRE é inconstitucional por violação do arts. 2.°e 111.°, n.° 1 da Constituição da República Portuguesa.

3-Em 15/11/2017, a credora BB, S.A. requereu a reabertura do processo de insolvência invocando o acórdão proferido no âmbito da ação de impugnação pauliana e fundamentando jurisprudencialmente o seu requerimento num acórdão em que é decidido a anulação de uma venda.

4-O Tribunal de Comarca profere despacho decidindo pela não reabertura do processo de insolvência considerando em resumo que "a procedência da acção de impugnação pauliana não importa um regresso dos bens à propriedade dos insolventes".

5-Inconformada com esta decisão, a credora BB, S.A. recorreu para o Tribunal da Relação de Guimarães, que decide revogar o despacho recorrido, ordenando "a sua substituição por outra que ordene a reabertura da Insolvência, com a consequente apreensão e liquidação dos bens que constituíram o objeto da acção de impugnação pauliana".

6-A ora recorrente não pode concordar com o Douto Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Guimarães.

7-O artigo 1044.° do Código Civil de 1867, integrado no Capítulo XI (Dos actos e contratos celebrados em prejuízo de terceiro) dispunha que "Rescindido o acto ou contrato, revertem os valores alienados ao cúmulo dos bens do devedor, em benefício dos seus credores"..

8-Por sua vez, o n.° 4 do art. 616.° do actual Código Civil dispõe que "Os efeitos da impugnação aproveitam apenas ao credor que a tenha requerido".

9-Resulta, assim claro, que foi afastada a doutrina anterior segundo a qual os bens objecto de uma impugnação pauliana revertiam ao património do devedor.

10-Resulta também claro que o ato impugnado não está ferido de qualquer vício intrínseco que origine a sua nulidade ou anulabilidade, mas apenas a sua ineficácia relativamente ao credor impugnante (neste sentido o Acórdão de 30/04/2015 do Tribunal da Relação de Guimarães)

11- Este entendimento é também perfilhado pelo Acórdão de que se recorre.

12-No entanto, e após tudo o que foi exposto, afirma o Acórdão recorrido "Sendo estas considerações pacíficas em termos gerais, a verdade é que, conforme decorre do teor do ac. do STJ citado pela Recorrente9, existem aqui razões (bem) fundadas para considerar, em termos excepcionais, o regresso dos aludidos bens objeto da impugnação pauliana, à massa insolvente".

13-EM TERMOS EXCEPCIONAIS? QUAL É A LEI QUE PREVÊ ESTA EXCEPÇÃO?

14- Entende o Acórdão ora recorrido que "A impugnação deixa de ser pessoal para ter uma eficácia universal. O bem reentra no património do devedor, servindo à satisfação de todos os créditos que contra esse património são invocados"

15-Salientando ainda que "Estamos já para além da previsão do art. 616°, n.° 4 do Código Civil" (sublinhado e negrito nosso).

16-Concorda-se em absoluto com esta última afirmação: atribuir uma eficácia universal à impugnação pauliana vai além, e mesmo em sentido contrário, ao fixado na lei.

17-Mas então qual o fundamento para se aplicar uma norma em sentido contrário ao fixado na própria norma?

18-O Acórdão recorrido adere à posição de Marisa Vaz Cunha que, em resumo, refere que "A exigência de tutela do credor singular é absorvida pela massa que integra o interesse indiviual do credor. § Se assim não for, apenas se poderá concluir que o regime constante do art. 127° é flagrantemente contrário à lógica do sistema jurídico, admitindo uma excepção ao princípio da universalidade e permitindo a constituição de um direito equivalente a um direito de preferência depois da declaração de insolvência, sem qualquer fundamento"

19-Analisemos então a evolução dos efeitos da impugnação pauliana no regime insolvencial português.

20-O Código dos Processos Especiais de Recuperação da Empresa e de Falência (CPEREF) dispunha, no seu art. 157.° que "São impugnáveis em benefício da massa falida todos os actos susceptíveis de impugnação pauliana nos termos da lei civil".

21-Resulta, assim, que à data em que se encontrava em vigor o CPEREF a impugnação pauliana, quando procedente, tinha como efeito a reversão dos bens para o património dos devedores insolventes, aproveitando a todos os credores.

22-No entanto, o novo Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE) veio afastar este regime, não existindo qualquer norma semelhante à anteriormente em vigor (neste sentido o Acórdão de 03/12/2015 do Tribunal da Relação de Évora)

23-No novo código o legislador reforçou o instituto da resolução a favor da massa insolvente, que aproveita a todos os credores, ou seja tem caráter universal.

24-Da evolução legislativa não restam quaisquer dúvidas que o legislador não pretendeu criar qualquer excepção aos efeitos da impugnação pauliana.

25-Considerar que não se admitir uma impugnação pauliana com efeitos colectivos significa uma excepção ao princípio da universalidade é esquecer a unidade do nosso sistema jurídico como um todo.

26-Na verdade, temos uma regra geral: os efeitos da impugnação pauliana só aproveitam ao credor que a requereu

27-No passado, tínhamos uma norma especial que alargava os efeitos da impugnação pauliana a todos os credores, no caso de insolvência.

28- Esta norma desapareceu do nosso sistema jurídico, pelo que coletivizar os efeitos da impugnação pauliana deixou, deliberadamente, de ser possível.

 29-Em conclusão: entende o acórdão recorrido que "e apesar de efeito jurídico geral da Impugnação pauliana não impor a restituição dos bens ao património do alienante, não se pode deixar de reconhecer, nestas situações, uma circunstância excepcional que exige um outro efeito jurídico à impugnnação pauliana - a restituição dos bens à massa insolvente - tendo em conta os interesses subjacentes aos princípios e valores inerentes ao Processo de Insolvência".

30-Este pensamento não encontra qualquer apoio nem na letra da lei, nem no pensamento legislativo (neste sentido vide Acórdão de 01/03/2016 do Tribunal da Relação de Coimbra)

31-Da Inconstitucionalidade da interpretação feita pelo Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães dos artigos 616.° do C.C. e 127.° do CIRE

32- Nos termos do disposto no n.° 1 do art. 9.° do C.C. "A interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstruir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições especificas do tempo em que é aplicada."

33-O artigo 1044.° do Código de Seabra dispunha que "Rescindido o acto ou contrato, revertem os valores alienados ao cúmulo dos bens do devedor, em benefício dos seus credores".

34-O art. 616.° do C.C, atualmente em vigor dispõe que: "1 Julgada procedente a impugnação pauliana, o credor tem direito à restituição dos bens na medida do seu interesse, podendo executá-los no património do obrigado à restituição praticar os actos de conservação da garantia patrimonial autorizados por lei. § 2. (...) § 3. (...) § 4. Os efeitos da impugnação aproveitam apenas ao credor que a tenha requerido".

35-A letra da lei dos n.° 1 e 2 do artigo 616.° do C.C. é clara e não levanta quaisquer dúvidas. Muito menos quando conjugada com o pensamento legislativo e a sua evolução histórica: no passado, a impugnação pauliana prevista aproveitava a todos os credores, ao passo que actualmente apenas aproveita a quem a requereu.

 36- Por sua vez, o art. 1203.° do C.P.C, aprovado DL 44129 de 28/12/1961 na redação dada pelo DL 47690 de 11/5/1967, dispunha no seu n.°1 que "Resolvido o negócio ou julgada procedente a impugnação, os valores respectivos revertem para a massa falida." (negrito e sublinhado nosso)

37-0 artigo 1203.° do C.P.C, foi revogado pelo CPEREF

38-0 CPEREF nos seu artigo 157.° referia que "São impugnáveis em benefício da massa falida todos os actos susceptíveis de impugnação pauliana nos termos da lei".

39-O CPEREF foi revogado pelo CIRE, que, no seu artigo 127.° dispõe que: "1 -(...) § 2- As acções de impugnação pauliana pendentes à declaração de insolvência ou propostas ulteriormente não serão apensas ao processo de insolvência (...). § 3- Julgada procedente a acção de impugnação, o interesse do credor que a tenha instaurado é aferido, para efeitos do artigo 616.° do Código Civil, com abstracção das modificações introduzidas ao seu crédito por um eventual plano de insolvência ou de pagamento".

40-Também o pensamento legislativo e o seu enquadramento histórico é claro: o legislador revogou todas as normas que, de forma excepcional. atribuíam um efeito coletivo à impugnação pauliana.

41-De todo o exposto, e analisando a letra da lei, o pensamento legislativo, nomeadamente a sua evolução histórica, dúvidas não restam que o legislador, nas suas diversas alterações, pretendeu excluir a restituição dos bens à massa insolvente no caso em que um credor obteve vencimento numa ação de impugnação pauliana.

42-Assim, a interpretação segunda a qual "não se pode deixar de reconhecer, nestas situações, uma circunstância excepcional que exige um outro efeito jurídico à Impugnação pauliana - a restituição dos bens à massa insolvente -tendo em conta os interesses subjacentes as princípios e valores inerentes ao Processo de Insolvência", não só viola a letra da lei e o pensamento legislativo, como se traduz numa violação clara do princípio da separação de poderes previsto nos arts. 2.° e 111.° da Constituição da República Portuguesa (neste sentido o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 22/03/1995).

43- Significa isto que, independentemente do que o Tribunal possa considerar sobre o que a lei deveria ou não estabelecer, os Tribunais devem aplicar a lei vigente e não qualquer outra, atualmente inexistente no nosso ordenamento jurídico!!

44-Assim, a interpretação conjugada do disposto no art. 616.° do C.C, e no art. 127.° do CIRE segundo a qual se entende que a impugnação pauliana aproveita a todos os credores do insolvente, devendo esses bens serem apreendidos no processo de insolvência é inconstitucional por violação do princípio da separação de poderes. .

9. Em contra alegações a Credora defende a improcedência da revista.

10. Remetidos os autos à Formação foi proferido acórdão que o processo fosse distribuído como revista normal por não se verificar no caso uma situação de admissão da revista excepcional.  

II – APRECIAÇÃO DO RECURSO

De acordo com o teor das conclusões das alegações (que delimitam o âmbito do conhecimento por parte do tribunal, na ausência de questões de conhecimento oficioso – artigos 608.º, n.º2, 635.º, n.4 e 639.º, todos do Código de Processo Civil – doravante CPC) mostra-se submetida à apreciação deste tribunal a seguinte questão:
Ø Dos efeitos da procedência da acção de impugnação pauliana na reabertura do processo de insolvência

1 Os factos
Factualidade constante do relatório e supra consignada.
 
2. O direito

1. Em causa está recurso interposto ao abrigo do artigo 14.º, do CIRE, do acórdão que revogou a decisão de 1ª instância que indeferiu o pedido de reabertura do processo de insolvência.

Embora as partes não tenham colocado em causa a admissibilidade da revista, importa fazer salientar:

- Tratando-se pois de recurso de decisão proferida no âmbito de processo de insolvência é-lhe pois aplicável o regime ínsito no artigo 14.º, n.º 1, do CIRE[2]. Nessa medida, a admissibilidade do recurso de revista depende da demonstração, pelo recorrente, de que o acórdão de que pretende recorrer está em oposição com outro, proferido por alguma das relações, ou pelo Supremo Tribunal de Justiça, no domínio da mesma legislação e que haja decidido de forma divergente a mesma questão fundamental de direito e não houver sido fixada pelo Supremo, nos termos dos artigos 686.º e 687.º do Código de Processo Civil.

Como tem sido reiteradamente entendido por este Tribunal, a oposição de acórdãos relativamente à mesma questão fundamental de direito verifica-se quando a mesma disposição legal se mostre, num e noutro, interpretada e/ou aplicada em termos opostos, havendo identidade de situação de facto subjacente a essa aplicação[3].

Na situação sob apreciação, embora os contornos processuais subjacentes às decisões em confronto não sejam coincidentes, o juízo formulado no acórdão-fundamento quanto à interpretação dos artigos 614.º, n.º4 e 616.º, ambos do Código Civil, em articulação com o artigo 127.º, do CIRE, terá de ser entendida como confrontando relativamente à mesma questão de direito com o que a tal respeito se encontra consignado no acórdão recorrido.

Na verdade, a oposição de acórdãos ocorre quando determinada situação concreta é decidida, com base na mesma disposição legal, em sentidos diametralmente opostos.

Acresce que a divergência frontal[4] na questão (fundamental) de direito terá de assumir necessariamente natureza essencial para a solução do caso, isto é, tem de integrar a ratio decidendi no âmbito dos acórdãos em confronto, carecendo de relevância para tal efeito as contradições relativamente a questões conexas, bem como reportadas à argumentação enquanto obiter dictum; nessa medida, inexistirá contradição relevante de julgados se confinada entre a decisão de uma e fundamentação de outra[5]

Entendeu o acórdão recorrido que tendo a devedora/alienante sido declarada insolvente, na pendência da acção executiva e da acção de impugnação pauliana, justifica-se que, tendo em conta as razões explanadas, os bens alienados, objecto da acção de impugnação pauliana julgada procedente, devam, excepcionalmente, regressar ao património do devedor/insolvente, para, integrando a massa insolvente, responderem, nas condições descritas, perante os credores da insolvente.

Por sua vez, o acórdão-fundamento para decidir também uma questão processual – admissibilidade do pedido subsidiário de impugnação pauliana instaurada pela massa insolvente, representada pelo administrador da insolvência, no âmbito de uma acção declarativa visando a declaração de nulidade da compra e venda de imóvel - julgou a autora parte ilegítima para deduzir o pedido subsidiário considerando que “a verdadeira questão suscitada pelo recurso é a de saber, se no domínio do CIRE, é admissível a impugnação pauliana em benefício da massa insolvente (…) ou seja, se julgada procedente, os efeitos da impugnação aproveitam todos os credores”, tendo concluído que “O CIRE admite a impugnação pauliana de actos que tenham envolvida a diminuição da garantia patrimonial de algum credor, verificados os requisitos previstos no artigo 610.º do Código Civil, mas a impugnação pauliana aproveita apenas o credor que a tenha requerido.”.

            Consideração o posicionamento dos arestos quanto à questão da admissibilidade dos efeitos da acção pauliana em benefício da massa insolvente, há que conhecer da revista.

2. O acórdão recorrido (que revogou a decisão de 1ª instância que indeferiu o pedido de reabertura do processo de insolvência), pugnando por uma interpretação restritiva do n.º3 do artigo 127.º, do CIRE, mostra-se alicerçado na seguinte ordem de argumentos:

- o regime legal da acção de impugnação pauliana não se confunde com o da acção de nulidade ou de anulação pois que se caracteriza por não comportar o retorno dos bens ao património do alienante para aí serem executados, mantendo-se os mesmos no património do terceiro adquirente uma vez que os actos praticados permanecem válidos, tendo o credor direito apenas à restituição dos bens na medida do seu interesse – eficácia pessoal da impugnação pauliana;

- este regime, porém, sofre excepção na situação em que na pendência da acção paulina a devedora/alienante seja declarada insolvente. Neste caso, a especificidade conferida à situação do processo de insolvência, fazendo apelar a razões de justiça material (decorrentes do princípio par conditio creditorum) e respeito pela execução universal que a insolvência despoleta, impõem que, excepcionalmente, os bens alienados regressem ao património do devedor para integrarem a massa insolvente respondendo perante os credores da insolvência;

- neste caso, o crédito do autor que obteve procedência na acção de impugnação pauliana é tratado em pé de igualdade com os demais credores com a ressalva do artigo 127.º, n.º3, do CIRE, ou seja, sem atender às modificações introduzidas no seu crédito por um plano de insolvência ou de pagamentos que tenha sido aprovado ou homologado.

- a exigência de tutela do credor singular própria da impugnação pauliana é, por isso e nessa medida, absorvida pela massa insolvente que integra o interesse individual do credor.

Socorreu-se o acórdão do entendimento defendido por Pires de Lima e Antunes Varela reportado ao então regime da falência (artigo 1203.º, do anterior Código de Processo Civil)[6] e, já no âmbito do actual regime do CIRE, do posicionamento defendido por Marisa Vaz Cunha[7] e, na jurisprudência, cita o acórdão do STJ de 11-07-2013, proferido no âmbito do Processo n.º 283/09.0TBVFR-C.P1.S1[8].

Insurge-se a Recorrente defendendo que o acórdão recorrido fez uma errada interpretação dos preceitos actualmente em vigor: artigos 616.º, do Código Civil e 127.º do CIRE, tendo por isso aplicado norma em sentido contrário ao que nela se encontra fixado. Invoca, nessa medida, a inconstitucionalidade dessa interpretação porque violadora do princípio da separação de poderes previsto nos artigos 2.º e 111.º da Constituição da República Portuguesa.

Mostra-se controvertida na doutrina e na jurisprudência a questão da articulação dos meios de tutela dos credores relativamente a actos praticados pelo devedor em seu prejuízo no âmbito da insolvência (resolução em benefício da massa insolvente) e fora dela (impugnação pauliana), atento o facto do actual CIRE ter deixado cair o recurso à chamada “impugnação pauliana colectiva” prevista no então artigo 157.º, do Código dos Processos Especiais de Recuperação da Empresa e da Falência (CPEREF)[9].

Com efeito, o CIRE passou apenas a regular a resolução em benefício da massa insolvente enquanto meio de tutela dos deveres do insolvente[10], sendo que ao regulamentar a articulação desta figura com o instituto da impugnação pauliana (artigo 127.º) aboliu a referência aos efeitos colectivos da impugnação pauliana (impugnação pauliana colectiva), tornando complexa a tarefa de compatibilizar os efeitos de uma impugnação pauliana com o processo de insolvência à luz do que dispõe o n.º3 do artigo 127.º do CIRE.

Vejamos.

Mostra-se pacífico que no actual Código Civil, ao invés do que passava com o Código de 1867[11], o regime da impugnação pauliana caracteriza-se, quanto aos efeitos da procedência da respectiva acção, enquanto direito pessoal de restituição[12], porquanto o acto visado não é afectado na sua validade intrínseca, apenas deixa de produzir efeitos em relação ao credor impugnante e só na medida do seu interesse, ou seja, uma vez satisfeito o direito do credor o acto impugnado permanece integralmente válido. Nesse sentido, os efeitos da impugnação aproveitam apenas o credor que a tenha requerido e, como decorrência lógica da inexistência de nulidade ou anulação do acto, isto é, atenta a preservação da validade “condicionada” do acto, não é possível falar de um “regresso” do bem alienado ao património do devedor, sendo que, igualmente, não deixa de existir o ónus que sobre esse bem entretanto se tiver constituído – cfr. artigos 616.º e 617.º, ambos do Código Civil.

Resultando totalmente excluída a natureza rescisória, revogatória ou anulatória da acção de impugnação pauliana, coloca-se a questão de saber em que medida é compaginável a sua admissibilidade em benefício da massa insolvente.

Cabendo determinar se o regime ínsito no n.º4 do artigo 616.º do Código Civil é passível de excepção (por forma a que os efeitos da impugnação aproveitem a todos os credores) na situação em que o devedor é declarado insolvente, importa averiguar se a lei contempla esse regime excepcional.

A resposta terá de ser encontrada, necessariamente, no regime do CIRE, designadamente na interpretação do artigo 127.º, particularmente do seu n.º3.

O posicionamento da doutrina e da jurisprudência quanto a esta questão, conforme já sublinhado, não se revela pacífico.

Os favoráveis ao regime de excepção, colocando acento tónico no respeito pela execução universal que a insolvência despoleta, entendem que tal ponderação de valores impõem desvios significativos à estrutura típica da acção pauliana, que nestes casos deixa de ser pessoal para ter eficácia universal, reentrando o bem no património do devedor por forma a servir de satisfação a todos os credores[13].

Em contraposição situam-se os que defendem que o CIRE se revela claro ao tomar a opção legislativa de, ao invés da lei que veio revogar, deixar de conferir efeitos colectivos à impugnação pauliana no sentido de poder beneficiar a massa insolvente.

Apelando aos elementos histórico e literal (artigo 127.º, n.º3, do CIRE) defendem que a interpretação a retirar é a de que apenas se admite a impugnação pauliana singular cujos efeitos aproveitam o respectivo credor que se socorreu dessa via[14]. E, em caso de inexistência ou de improcedência da acção de resolução em benefício da massa insolvente, o processo de insolvência não contende com a acção de impugnação pauliana pendente e o objecto translativo para terceiro não pode ser considerado como integrando a massa insolvente, por pertencer a terceiro[15].

Conforme acima referido, a resposta à questão que se coloca terá necessariamente de ser encontrada tendo por base o artigo 127.º, do CIRE.

Sob a epígrafe “Impugnação paulina”, prescreve o preceito:

1 - É vedada aos credores da insolvência a instauração de novas acções de impugnação pauliana de actos praticados pelo devedor cuja resolução haja sido declarada pelo administrador da insolvência.

2 - As acções de impugnação pauliana pendentes à data da declaração da insolvência ou propostas ulteriormente não serão apensas ao processo de insolvência, e, em caso de resolução do acto pelo administrador da insolvência, só prosseguirão os seus termos se tal resolução vier a ser declarada ineficaz por decisão definitiva, a qual terá força vinculativa no âmbito daquelas acções quanto às questões que tenha apreciado, desde que não ofenda caso julgado de formação anterior.

3 - Julgada procedente a acção de impugnação, o interesse do credor que a tenha instaurado é aferido, para efeitos do artigo 616.º do Código Civil, com abstracção das modificações introduzidas ao seu crédito por um eventual plano de insolvência ou de pagamentos.

Consigna o n.º1 o princípio da prevalência da resolução já declarada sobre a impugnação pauliana, nos termos do qual os credores da insolvência encontram-se impedidos de proporem novas acções quanto a actos que tenham sido resolvidos pelo administrador, impedimento que não se estende aos actos que não tenham sido objecto de resolução.

O n.º2, reportado às acções de impugnação pendentes à data da declaração da insolvência ou proposta após tal declaração, afasta a apensação ao processo de insolvência e faz depender o seguimento da acção de impugnação pauliana da ineficácia da resolução por efeito da decisão judicial definitiva. Após decretada a resolução em benefício da massa, as acções de impugnação pauliana pendentes ficam suspensas e no caso de aquela ser declarada ineficaz por decisão definitiva, cessa a suspensão da acção pauliana.

Conforme referem Luís A. Carvalho Fernandes e João Labareda, “Na sua articulação com o n.º1, deste n.º2 resulta que a lei dá prevalência à atuação do administrador da insolvência na resolução de atos do insolvente sobre a impugnação (…) esta prevalência se justifica, em face dos seus efeitos, quando confrontada com os da impugnação. Na verdade, aquela aproveita todos os credores, pois é feita em benefício da massa, enquanto que a impugnação só aproveita o impugnante[16]

O n.º3, regendo aos efeitos da procedência da acção de impugnação, revela a nosso ver, claramente, que os efeitos da impugnação pauliana apenas aproveitam o credor que a ela recorreu.

Na verdade, na indagação do sentido do mesmo há que atender aos dois condicionantes interpretativos ínsitos no artigo 9.º do Código Civil: a presunção de que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e a presunção de que o legislador soube exprimir o seu pensamento em termos adequados. E se é certo que a operação hermenêutica não se deverá cingir à letra da lei (embora constitua, naturalmente, o respectivo ponto de partida), de modo algum pode ser eliminado o alcance que dela decorre se aliado a outros factores, como seja o elemento histórico.

Tendo pois presente o elemento literal de interpretação e, bem assim, a opção do legislador ao deixar de prever como efeitos da impugnação pauliana a afectação dos bens para a massa falida (artigos 157.º e 159.º, do CPEREF), não nos é possível descortinar outra interpretação que não seja a de que, atenta a natureza da acção de impugnação pauliana, em caso de inexistência ou improcedência da acção de resolução por parte do administrador, não pode a procedência daquela assumir efeitos colectivos no sentido de beneficiar a massa insolvente.

Na situação dos autos está em causa a decisão da Relação que, revogando a da 1ª instância, entendeu ser de reabrir o processo de insolvência (que havia sido encerrado ao abrigo do disposto nos artigos 230.º, n.º1, alínea d) e 232.º, n.º2, ambos do CIRE, por inexistência de bens susceptíveis de apreensão para a massa insolvente) face à procedência de uma acção de impugnação pauliana instaurada.

Por conseguinte, na sequência do entendimento que temos por adequado quer quanto à natureza da acção de impugnação pauliana, quer quanto à interpretação do artigo 127.º, do CIRE, considerando a inexistência de qualquer acção de resolução proposta que contenda com a referida acção pauliana, carece de cabimento legal a reabertura do processo de insolvência com integração dos bens objecto de impugnação na massa insolvente[17].  

Procedem, pois, as conclusões das alegações.

IV. DECISÃO

Nestes termos, acordam os juízes neste Supremo Tribunal de Justiça em julgar a revista procedente e, consequentemente, revogando o acórdão recorrido, repristina-se a decisão da primeira instância.
Custas pela Recorrida.

Lisboa, 15 de Janeiro de 2019

Graça Amaral (Relatora)

Henrique Araújo

Maria Olinda Garcia

_______________
[1] Três prédios urbanos, 1 prédio rústico e uma quota nominal na sociedade CC, Lda.
[2] O regime previsto no artigo 14.º, do CIRE, encontra-se circunscrito às decisões proferidas no processo principal de insolvência, nos incidentes nele processado e aos embargos à sentença de declaração de insolvência, excluindo-se as que sejam proferidas em qualquer dos restantes processos/incidentes que constituam apensos daquele (cfr. entre outros Acórdãos de 09-07-2014, Revista n.º 462/10.8TBVFR-K.P1.S1, 6.ª Secção, de 13-11-2014. Revista n.º 1444/08.5TBAMT-A.G1.S1 - 6.ª Secção, de 18-10-2016, Revista n.º 106/13.6TYVNG-B.P1.S1 - 6.ª Secção, de 22-11-2016, Revista n.º 1495/12.5TBSTS-F.P1.S1 - 6.ª Secção)
[3] Cfr. entre outros, Acórdãos de 14-04-2015, Processo n,º 1566/13.0TBABF.E1.S1, de 09-07-2015
Processo n.º 1980/13.1TBFIG-A.C1.S1.
[4] Não quando é apenas implícita ou pressuposta.
[5], Cfr. Acórdão deste Supremo de 17-02-2009, processo n.º 08A3761, acessível através das Bases Documentais do IGFEJ.
[6] Defendem ocorrer interesse na restituição efectiva dos bens ao alienante nos casos em que a execução ainda não seja possível ou haja falência – Código Civil Anotado, volume I, Coimbra Editora 1982, p. 602. 
[7] Garantia Patrimonial e Prejudicialidade - um estudo sobre a resolução em benefício da massa, 2017, onde defende que os efeitos da acção pauliana na insolvência devem aproveitar a todos os credores. Acrescenta a referida Autora que a não se entender assim o regime constante do artigo 127.º, do CIRE estaria em contradição à lógica do regime da insolvência porquanto admitiria uma excepção ao princípio da universalidade permitindo a constituição de um direito equivalente a um direito de preferência, sem qualquer fundamento, depois de decretada a insolvência.
[8] Onde foi entendido que “Se os executados são declarados insolventes na pendência de acção de impugnação pauliana movida pelo exequente, por razões de justiça material e respeito pela execução universal que a insolvência despoleta, os bens alienados objecto da acção de impugnação pauliana julgada procedente, devem, excepcionalmente, regressar ao património do devedor, para, integrando a massa insolvente responderem perante os credores da insolvência.”
[9] São impugnáveis em benefício da massa falida todos os actos susceptíveis de impugnação pauliana nos termos da lei civil.
[10] Apelidada por Maria de Fátima Ribeiro de “impugnação pauliana com contornos especiais” – “Um confronto entre a resolução em benefício da massa insolvente e a impugnação pauliana”, IV Congresso de Direito da Insolvência, Almedina, pp. 131-178. 
[11] Neste regime a impugnação levava à “rescisão” do acto.
[12] Quanto aos efeitos da procedência da acção de impugnação pauliana quer a doutrina (com excepção do posicionamento de Antunes Varela ao admitir que, em alguns casos, o credor pode ter interesse em executar os bens no património do devedor), quer a jurisprudência mostram-se de acordo no sentido do direito de restituição aludido na lei consubstancia um direito à reconstituição da garantia patrimonial do crédito do impugnante.
[13] Neste sentido Paula da Costa e Silva, estudo publicado nos “Cadernos de Direito Privado”, nº7, – Julho/Setembro 2004, em anotação ao Acórdão do Tribuna da Relação de Coimbra, de 04-02-2003.
Quer na doutrina, quer na Jurisprudência tem vindo a ser referenciado (tal como o fez o acórdão recorrido) como paradigmático deste posicionamento o Acórdão deste Supremo Tribunal de 11-07-2013, Processo n.º 283/090TBVFR-C.P1.S1 (acessível através das Bases Documentais do ITIJ). Todavia, importa ter presente que o douto Acórdão citado, ao apelar ao entendimento defendido por Paula da Costa e Silva, fez incidir a sua aplicação sobre uma situação muito específica (reportada à pendência de uma execução instaurada contra os doadores do acto impugnado objecto de acção de impugnação pauliana em que foram entretanto declarados insolventes) em que estava em causa apreciar se a execução deveria ou de prosseguir.
Refere o douto Acórdão “A execução deixou de ser assim uma execução singular contra os executados, onde apenas poderiam intervir o exequente e os credores reclamantes cujos créditos fossem providos de garantia real – art. 865º, nº1, do Código de Processo Civil – para passar a ser uma execução universal – art. 1º do CIRE – onde são, em regra, admitidos todos os credores, (a regra par conditio creditorum) pese embora o diverso tratamento que têm os créditos comuns e os créditos privilegiados. Será que a decisão da acção pauliana, ainda neste quadro, deve justificar a consequência do não reenvio dos bens ao património do executado, causador do negócio impugnado?”, concluindo que “Tendo os executados sido declarados insolventes, a execução não pode prosseguir, nos termos do art. 88º do CIRE, estabelecendo o art. 90º que os credores da insolvência apenas poderão exercer os seus direitos nos termos deste Código.”. Assim, o posicionamento assumido no referido aresto não pode deixar de ser contextualizado na especialidade da situação a que se reporta e, nessa medida, justificativa da excepcionalidade do regime que entendeu por aplicável. 
[14] Cfr. Gravato Morais, Resolução em Benefício da Massa Insolvente, Almedina, 2008, Cura Mariano, Impugnação Pauliana, Almedina, 2004, Catarina Serra, Lições de Direito da Insolvência, Coimbra, Almedina, 2018, pp 252,253, Maria do Rosário Edpifânio, Manual de Direito da Insolvência, 2016, 6ªedição, Almedina, p. 219. Na jurisprudência entre outros Acórdão da Relação de Coimbra de 22-09-2017, Processo 2587/13.9TBFIG-E.C1, Acórdão da Relação de Guimarães de 26-01-2017, Processo n.º 5918/13.8TBBRG.G1, acessíveis através das Bases Documentais do ITIJ. Cfr. ainda o recente Acórdão do STJ de 19-12-2018, proferido no âmbito do Processo 930/13.TVPRT.P1.S1, quanto à interpretação do artigo 127.º, do CIRE. 
[15] Cfr. citado Acórdão da Relação de Guimarães de 26-01-2017.
[16] Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, 3ª edição, Quid Juris, p. 518. 
[17] Para além do mais não pode deixar de se ter presente os efeitos que decorrem do encerramento do processo de insolvência (artigo 233.º, do CIRE).