Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1386/15.8T8PRT-B.P1.S1
Nº Convencional: 1ª. SECÇÃO
Relator: ALEXANDRE REIS
Descritores: RECURSO DE REVISTA
DUPLA CONFORME
COMPETÊNCIA INTERNACIONAL
PACTO ATRIBUTIVO DE JURISDIÇÃO
AUTONOMIA DA VONTADE
CONTRATO MUTUO
CONTRATO DE SWAP
Data do Acordão: 09/06/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL CIVIL – AÇÃO, PARTES DO TRIBUNAL / TRIBUNAL / EXTENSÃO E MODIFICAÇÕES DE COMPETÊNCIA – PROCESSO DE DECLARAÇÃO / RECURSOS.
Doutrina:
-Abrantes Geraldes, Temas da Reforma do Processo Civil, 1º, Coimbra, Almedina, 2.ª Edição, 201;
-Armindo Ribeiro Mendes, Recursos em Processo Civil, Reforma de 2007, Coimbra Editora, Coimbra, 2009, 81;
-Castanheira Neves, num Seminário subordinado ao tema “Reexame da Prova em Recurso Especial – Impossibilidade de Separação entre Facto e Direito”, Organizado pela Ordem dos Advogados Brasileira;
-Castro Mendes, o caso julgado é o raciocínio como um todo e não cada um dos seus elementos, Limites Objectivos do Caso Julgado em Processo Civil, 161 e ss.;
-Manuel de Andrade, “Noções Elementares de Processo Civil”, Edição 1976, 91, 111, 321 e 378;
-Miguel Teixeira de Sousa, Estudos Sobre o Novo P.C., 1997, 578 e ss.;
-Vaz Serra, RLJ 110º - 232.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 94.º E 640.º.
CONSTITUIÇÃO DA REPUBLICA PORTUGUESA (CRP): - ARTIGO 8.º, N.º 4.
CLÁUSULAS CONTRATUAIS GERAIS, DL N.º 446/85, DE 25 DE OUTUBRO (LCCG).
Legislação Comunitária:
CONVENÇÃO DE BRUXELAS DE 27-09-1968: - ARTIGO 17.º.
REGULAMENTO CE N.º 44/2001, DE 22-12-2000: - ARTIGO 23.º.
REGULAMENTO UE N.º 1215/2012, DE 12-12: - ARTIGOS 19.º, 20.º E 25.º.
REGULAMENTO UE N° 549/2013, DE 21-05.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:


- DE 08-02-1994, CJSTJ, 1º/95;
- DE 22-04-2004, PROCESSO N.º 04B652;
- DE 28-02-2008, N.º 3/2008, ACÓRDÃO DE UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA, IN D.R. I, DE 03-04-2008;
- DE 06-2009, PROCESSO N.º 08S3967;
- DE 10-10-2013, PROCESSO N.º 1387/11.5TBBCL.G1.S1;
- DE 11-02-2015, PROCESSO N.º 877/12.7TVLSB.L1-A.S1;
- DE 19-11-2015, PROCESSO N.º 2864/12.6TBVCD.P1.S1;
- DE 26-01-2016, PROCESSO N.º 876/12.9TVLSB.L1.S1;
- DE 26-01-2016, PROCESSO N.º 540/14.4TVLSB.S1;
- DE 16-02-2016, PROCESSO N.º 135/12.7TCFUN.L1.S1;
- DE 17-03-2016, PROCESSO N.º 588/13.6TVPRT.P1.S1;
- DE 21-04-2016, PROCESSO N.º 538/14.2TVLSB.L1.S1;
- DE 03-05-2016, PROCESSO N.º 27/14.5TVPRT.P1.S1;
- PROCESSO N.º 877/127TVLSB.L1-1;
- PROCESSO N.º 309/11.8TVLSB.L1.S1;
- PROCESSO N.º 536/14.6TVLSB.L1.S1.
Sumário :
I - É sempre admissível o recurso de revista fundamentado na violação das regras de competência internacional, independentemente de o acórdão da Relação ter confirmado a decisão da 1.ª instância, sem voto de vencido e sem fundamentação essencialmente diferente.
II - Aferindo-se a competência do tribunal pela pretensão do autor, compreendidos os respectivos fundamentos, o juiz não chega a pronunciar-se sobre o mérito da acção, quanto à questão de facto e de direito, se, no despacho saneador, tiver absolvido as réus da instância quanto a parte do objecto da acção, por julgar procedente a excepção dilatória de incompetência internacional dos tribunais portugueses, e determinado a remessa dos autos a outra comarca, na parte restante, por julgar verificada a excepção dilatória da incompetência relativa do tribunal, em razão do território. Para tanto, bastou que tenha referenciado no âmbito do respectivo discurso argumentativo a concernente matéria alegada pela autora, não se lhe impondo uma sua exposição discriminada e, muito menos, qualquer julgamento sobre a matéria de facto – que, nessa fase, aliás, estaria vedado pelos princípios da legalidade e da tipicidade processuais – susceptível de impugnação na apelação, ao abrigo do art. 640.° do CPC. Por isso, não poderia ser motivo de “surpresa” da autora que afecte de nulidade o acórdão da Relação a circunstância de, neste, se ter optado por uma enunciação discriminada da matéria alegada pela autora (directamente ou por remissão para documentos juntos) tida por relevante para conhecer da aludida questão da (in)competência internacional.
III - Em questões de competência internacional, a nossa lei processual reconhece a prioridade de que gozam os regulamentos europeus e outros instrumentos internacionais (art. 59°), sendo pacificamente aceites entre nós o efeito directo e o primado do direito da União Europeia (cf. art. 8.°, n.º 4 da CRP), bem como a proeminência que o direito comunitário e a jurisprudência do TJUE vem conferindo a liberdade contratual, enquanto emanação do princípio da autonomia da vontade das partes na estipulação da competência internacional, que, aliás, vem claramente explicitado nos considerandos 19.º e 20.º do Regulamento (UE) 1215/2012, de 12-12.
IV - Como decorrência desses princípios, têm sido acolhidas a independência da noção e a prevalência do regime (e respectivo alcance) do pacto (convenção) atributivo de jurisdição constante do art. 25.° já citado Regulamento (correspondente ao art. 23.° do antecedente Regulamento 44/2001), face a requisitos formais eventualmente mais exigentes que lhe sejam impostos pelos direitos nacionais dos estados-membros. Nessa senda, não cabe aferir da eventual aplicação do disposto em normas de direito nacional, como as vertidas no CPC (nomeadamente a do art. 94.°) ou da LCCG (cláusulas contratuais gerais) e completamente irrelevante a pretensão de se submeter ou condicionar o exercício da autonomia da vontade a existência de uma conexão estreita do litígio a ordem jurisdicional a que se atribui competência para dele conhecer, sendo, por isso, desnecessário que tal pacto se mostre justificado por um interesse sério de, pelo menos, uma das partes e sendo, consequentemente, desconsideradas as eventuais vantagens ou desvantagens que daí advenham.
V - Atendendo a configuração que a autora ofereceu para a sua pretensão, as partes celebraram um contrato de mútuo e aditamentos que o modificaram, atribuindo competência (internacional) ao Tribunal de Vigo (Espanha) para dirimir quaisquer litígios que pudessem decorrer de tal relação contratual, e celebraram também um que denominaram de “swap”, mediante o qual se obrigaram a efectuar semestralmente pagamentos recíprocos, tendo subjacentemente em vista a execução ou o cumprimento das obrigações decorrentes daquele empréstimo, podendo concluir-se que: – por via da conjugação do invocado “swap” com o de mútuo, a autora obteve o objectivo económico-financeiro de fixar o custo da componente variável (“euribor”) da taxa de juro do mutuo; – o contrato de “swap” destinou-se, de forma clara, a cobrir um risco, no caso o de flutuação de taxa de juros, sendo esse risco relativo a uma operação financeira devidamente caracterizada (o mútuo celebrado); – o capital nocional do contrato de “swap” correspondia ao real capital da operação subjacente (€25 000 000).
VI - O contrato de “swap” (“permuta”) de taxa de juro é (actualmente) um contrato nominado e normativamente organizado e estruturado (cf. art. 2.°, n° 1, al. e), do CMVM), validamente aceite e consagrado nas ordens jurídicas internacionais, nomeadamente no direito comunitário (cf. Regulamento (UE) n° 549/2013, de 21-05), pelo qual as partes se obrigam ao pagamento recíproco de duas quantias pecuniárias no termo do período de contagem dos juros.
VII - No caso em apreço, apesar de os ditos contratos de “swap” de taxa de juro gozarem de abstracção e, por consequência, de independência e autonomia jurídico-formal em relação ao contrato de mútuo, o certo é que foi através dos contratos que se sucederam ao contrato de mútuo – os falados aditamentos e os de “swap” – que as partes quiseram fazer uma gestão de taxas de juros devidas pelo financiamento, ou, por outras palavras, mediante tais contratos as contraentes apenas determinaram ajustamentos a execução ou ao modo de cumprimento do contrato de mútuo entre ambas outorgado. Não obstante, uma tal conexão não é de molde a gerar o risco de os tribunais de dois estados-membros diferentes proferirem decisões reputáveis de contraditórias – numa perspectiva não meramente teórica (ou intelectual) – quanto a solução de cada uma das pretensões formuladas, se o respectivo julgamento for separado: os vícios que possam vir a ser apontados aos aumentos de “spread” estipulados no contrato de mútuo não se reflectem nos que, eventualmente, possam afectar o contrato de “swap” e as soluções que as inerentes pretensões formuladas no âmbito de tais temáticas venham a obter também não se digladiam necessariamente, por serem completamente distintos os respectivos pedidos e causas de pedir.
VIII - Tendo a autora fundado a sua pretensão jurisdicional em actuação substanciada na alegada violação de um programa ou plano contratual convencionado, tal fundamentação sempre se relacionaria, ainda, com a violação do contrato, pelo que deve ser qualificada como contratual a responsabilidade que desse incumprimento pudesse advir, não tendo aplicação o art. 7.°, n.° 2, do citado Regulamento.
IX - Uma vez assente a incompetência internacional dos tribunais portugueses, a questão da lei aplicável não pode ser defrontada no recurso, com cujo objecto não se conformaria, por não relevar para a apreciação da (in)competência internacional dos tribunais portugueses ou para a aferição da validade substancial do pacto atributivo de jurisdição, como se fez notar no AUJ n.° 3/2008, de 28-02-2008, in DR I, de 3-4-2008: «(…) o pacto de jurisdição está a montante da questão da lei substantiva aplicável a relação jurídica controvertida, e não há qualquer fundamento legal para fazer depender a sua validade das vicissitudes de determinação da lei substantiva aplicável (…)».

Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:
           

AA, SL”, com sede em Badajoz, Espanha, intentou (em 16/1/2015) a presente acção contra 1ª) “BB, SA” e 2ª) “ “CC, SA”, ambas pessoas colectivas registadas na Conservatória de Registo Comercial de Lisboa, pedindo que:

A) Fosse declarada a invalidade (por dolo ou erro) dos aditamentos ao contrato de empréstimo, realizados em Fevereiro de 2009 e em 2012, devendo a 1ª R ser condenada a restituir à A os montantes por esta pagos, em consequência das alterações do “spread” (na importância total de € 1.419.800,66), acrescidos de juros de mora vencidos e vincendos, calculados à taxa comercial em vigor, contados desde a data de pagamento de cada prestação semestral até efectivo e integral pagamento e que em 16.1.2015 perfaziam € 364.465,36.

B) Fosse declarada a resolução do contrato de “swap” com efeitos retroactivos à permuta de taxas ocorrida em 24.7.2009, devendo a 1ª R ser condenada a restituir à A a importância de € 4.151.052,19, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos, calculados à taxa comercial em vigor, contados desde a data de pagamento de cada fluxo até efectivo e integral pagamento e que em 16.01.2015 perfaziam € 892.333,50; e devendo a 1ª R ser condenada a restituir à A todos os fluxos vincendos que venha a pagar até ao trânsito em julgado da sentença, acrescidos dos juros de mora vincendos, calculados à taxa comercial em vigor, contados até efectivo e integral pagamento.

Subsidiariamente aos pedidos formulados em B):

C) Fosse a 1ª R condenada a indemnizar a A pelos prejuízos causados pelo contrato de “swap”, por força do abuso de direito, em montante equivalente aos fluxos financeiros negativos por esta pagos e a pagar no âmbito deste, desde 24.7.2009 até ao término da sua vigência, e que em 16.01.2015 perfaziam o montante total de € 4.151.052,19, acrescido de juros de mora vencidos e vincendos, calculados à taxa comercial em vigor, contados desde a data de pagamento de cada fluxo até efectivo e integral pagamento, e que em 16/1/2015 perfaziam € 892.333,50.

Subsidiariamente ainda aos pedidos formulados em B) e C):

D) Fosse a 1ª R condenada a indemnizar a A pelos prejuízos causados pelo contrato de “swap”, por força da responsabilidade civil simultaneamente delitual e contratual, em montante equivalente aos fluxos financeiros negativos por esta pagos e a pagar no âmbito deste, desde 24.7.2009 até ao término da sua vigência, e que em 16.1.2015 perfaziam o montante total de € 4.151.052,19, a que acresciam juros de mora vencidos e vincendos, calculados à taxa comercial em vigor, contados desde a data de pagamento de cada fluxo até efectivo e integral pagamento, e que em 16.1.2015 perfaziam € 892.333,50.

Subsidiariamente a todos os pedidos anteriores:

E) Fosse a 2ª R condenada nos exactos termos dos pedidos formulados contra a 1ª R, caso se entendesse ser esta o sujeito da relação material controvertida.        

Para tanto e no que releva para este recurso, a A alegou, em síntese:

- Em 24.1.2008, celebrou com uma sucursal da “CC, SA”, em Espanha, um contrato de empréstimo, por via do qual esta lhe concedeu um financiamento no montante de 25 milhões de euros, pelo prazo de 15 anos e 6 meses, com taxa de juro variável “euribor” a 6 meses, acrescido dum “spread” de 1,375, tendo ambas, em 2009 e 2012, convencionado aditamentos a tal contrato, mediante os quais a “CC, SA” lhe impôs indevidamente aumentos de “spread”.

- Na vigência daquele contrato de empréstimo, as mesmas partes celebraram, em 24.6.2008, um contrato de “swap”, em ordem a precaver o risco de subida em alta da taxa de juro “euribor” a que a A se havia vinculado no âmbito daquele contrato, mediante o estabelecimento de uma taxa (semestral) fixa de 5,08%; em Janeiro de 2010, as contraentes revogaram e substituíram esse contrato de “swap” por outro de idêntica natureza, por força do qual a “CC, SA” se obrigou a pagar semestralmente a “euribor” a 6 meses, enquanto a A pagaria semestralmente taxas fixas crescentes (4,30%, 4,60%, 4,90%, 5,20%, 5,50% e 5,80%, entre 24/1/10 e 24/1/11, entre 24/1/11 e 24/1/12, entre 24/1/12 e 24/1/13, entre 24/1/13 e 24/1/14, entre 24/1/14 e 26/1/15 e entre 26/1/15 e 24/1/20, respectivamente); essa troca convencionada de taxas de juros, inicialmente ajustada, veio a revelar-se desequilibrada e prejudicial em relação à A, por força da evolução das taxas “euribor” a 6 meses, implicando para ela um elevado prejuízo.

- Com base em tais alegações, a A considerou justificadas: a pretensão deduzida quanto ao contrato de empréstimo baseada na invalidade (erro ou dolo ou abuso de direito) das estipulações de aumentos de “spread”; a resolução dos contratos de “swap”, por alteração das circunstâncias, ou a obrigação de a indemnizar dos prejuízos correspondentes aos fluxos financeiros que já pagou ou pagará desde Julho de 2009 até ao termo daquele último contrato de “swap”, por actuação abusiva da outra contraente.

As RR contestaram, arguindo a “BB SA”, além do mais e para o que ora releva, as excepções da incompetência internacional dos tribunais portugueses para apreciar as questões relativas ao contrato de mútuo e da incompetência territorial do Tribunal Cível do Porto para conhecer da matéria relativa aos contratos de “swap”.

A Autora respondeu a tal arguição, defendendo a sua improcedência.

Sobre tais excepções veio a recair a decisão do Tribunal Cível do Porto que concluiu pela sua procedência, tendo absolvido ambas os RR da instância relativa às questões suscitadas quanto ao contrato de mútuo e determinado a remessa dos autos ao Tribunal da Comarca de Lisboa para nele serem tramitadas e julgadas as questões suscitadas nos autos relativamente aos contratos de “swap”.

Neste segundo segmento, a decisão veio a ser definitivamente confirmada, no âmbito da reclamação dela interposta.

        

Inconformada com o acolhimento da excepção relativa à incompetência internacional dos tribunais portugueses, a A interpôs recurso de apelação, que a Relação veio a julgar improcedente, confirmando a decisão recorrida.


Desse acórdão da Relação a A interpôs recurso de revista, cujo objecto delimitou com conclusões que colocam as questões de saber se:
1ª) - Não tendo a decisão proferida pela 1ª instância discriminado os factos provados e indicado as respectivas fundamentação e motivação subjacente, não pôde a A e então apelante impugnar a factualidade assente, ao abrigo do art. 640º do CPC, pelo que o acórdão da Relação, ao fixar e discriminar os factos provados, em vez de reconhecer essa circunstância obstativa do conhecimento do recurso e anular a deficiente e obscura decisão da 1ª instância, bem como determinar que esta fixasse e discriminasse os factos nos termos do art. 607º, nºs 3 e 4, ainda do CPC, constitui decisão surpresa e, por isso, sofre de nulidade, nos termos dos arts. 666º, nº 1, e 615º, nº 1, d), do mesmo CPC.

2ª) - Deve considerar-se que a competência (internacional) para conhecer a relação jurídica configurada pela A deve determinar-se, não pelo pacto atributivo de jurisdição, a que alude o art. 25º do Regulamento (UE) nº 1215/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho de 12 de Dezembro de 2012, mas pelo disposto nos arts. 4º, nº 1, 7º, nº 2, 24º, nº 2, 8º, nº 1, 30º, 31º e 26º, em conjugação com o art. 63º, nº 1, todos do mesmo Regulamento, o que significa que as RR têm que ser demandadas em Portugal, em cujo território as mesmas têm sede e administração principal. A recorrente sustenta esse seu entendimento nos seguintes argumentos:

- em face do pedido e respectiva causa de pedir formulados pela A na petição inicial, está em causa a decisão do CC de aumentar os “spreads” para a generalidade dos seus clientes e a ilicitude da sua actuação, cometida em Portugal, que teve como consequência a viciação da formação da vontade da A na aceitação dos aditamentos ao contrato de mútuo;

- verificando-se uma estreita conexão entre a questão do invocado comportamento abusivo do CC no contrato de “swap” e a da actuação do mesmo na alteração do “spread” do empréstimo, para obstar à obtenção de decisões inconciliáveis, é premente a apreciação jurisdicional conjunta dos pedidos relativos àquele contrato de “swap”, por um lado, e ao contrato de empréstimo e ao aumento do respectivo “spread”, na medida em que, estando ambos em coligação, este contrato de mútuo é a causa do nascimento e da existência do contrato de “swap”, para cuja apreciação são competentes os tribunais portugueses, em primeiro lugar demandados, estando já definitivamente fixada a competência territorial do de Lisboa;

- as RR compareceram perante o Tribunal, apresentando toda a sua defesa por excepção e por impugnação, bem como a respectiva prova, não tendo tido como único objectivo arguir a incompetência.
3ª),- Subsidiariamente, em ordem a conseguir a base suficiente para a decisão de direito sobre tal competência, quer com recurso à prova documental quer com produção de prova testemunhal, deve determinar-se a ampliação da matéria de facto alegada nos artigos seguintes: - 24 a 27, 48 a 52, 64 e 65 da p.i. e 3 a 23 da resposta; - 1 a 5 e 66 da p.i. e 24 a 34 da resposta e requerimento de 6.7.2015 (ref.ª 20090712); - 33 a 35, 39 a 40, 53 a 56, 92, 109 a 112 da p.i. e 36 a 44, 303 a 315 da resposta; - 61 a 63, 114 a 127 da p.i. e 46 e 47 da resposta; - 61 a 63, 114 a 127 da p.i. e 48 a 55 da resposta; - 57 a 60, 92 a 103 da p.i. e 56 a 67, 261 a 266, 273 a 282 da resposta; - 28 a 32, 36 a 38, 192 a 194 da p.i. e 225 e 385 a 392 da resposta; - 61 a 63 e 80 da p.i. e 78 e 79 da resposta.
4ª) - Uma vez que as partes não escolheram expressa e inequivocamente a lei aplicável e o contrato tem uma conexão mais estreita com Portugal, deve o mesmo ser regulado pela lei do nosso País, conforme preceitua o art. 4º nºs 1, 2 e 5 da Convenção 80/934/CEE, mas, entendendo-se que as remissões feitas no contrato à lei espanhola equivalem a tal escolha, as mesmas não abarcam a aqui invocada viciação da formação da vontade da A na aceitação dos aditamentos ao contrato de mútuo, pelo que nunca se aplicariam neste caso e sempre deveriam ser excluídas do contrato, nos termos do art. 5º da LCCG, por serem previstas em cláusulas contratuais gerais que não foram objecto de adequada e antecipada comunicação ou informação à A.

Nas suas contra-alegações, a R “BB, SA” suscitou, previamente, a questão da inadmissibilidade do recurso de revista, ao abrigo do art. 671º do CPC, sustentando que o acórdão recorrido não apreciou uma decisão interlocutória do Tribunal da primeira instância e confirmou a decisão deste Tribunal sem voto de vencido e sem fundamentação essencialmente diferente.
«
A Relação discriminou a seguinte matéria de facto de entre o nesse aspecto considerado relevante na decisão de 1ª instância:

«1 - A Autora e o “CC” (Sucursal em Espanha), em 24.1.2008, celebraram, em Vigo, Espanha, o contrato escrito de mútuo representado pelo doc. n.º 1, junto com a p.i., redigido em castelhano, contrato esse sujeito a alterações, também redigidas a escrito, nomeadamente as datadas de Fevereiro de 2009 e Janeiro de 2012, relativas a aumento do “spread” desse mesmo empréstimo;

2 - A Autora e o Réu “CC”, em 24.6.2008, celebraram um contrato denominado “swap”, substituído pelo outorgado em 11.1.2010, tendo em vista precaver o risco de subida e manutenção em alta da taxa de juro “euribor” estabelecida no âmbito do falado contrato de mútuo;

3 - A Autora é uma sociedade de direito espanhol, tem a sua sede em Badajoz, Espanha, e por objecto social a produção e comercialização de energia gerada por fontes renováveis;

4 - Da Cláusula 13.ª do assinalado contrato de mútuo, subordinado ao título “Jurisdição”, ficou estabelecido:

“Todos os signatários renunciam ao seu próprio foro e submetem expressamente à jurisdição e competência dos tribunais do lugar de cumprimento das obrigações derivadas do presente contrato de acordo com o fixado na al. a/ da disposição 5.ª anterior, para dirimir quaisquer litígios que possam decorrer do mesmo”;

5 - Na Cláusula 5.ª, al. a/ desse mesmo contrato de mútuo foi estabelecido:

“Em cada data na qual o mutuário deva pagar qualquer importância em conformidade com o presente contrato, pagará a mesma nesse mesmo dia, ao Banco, sem necessidade de qualquer requerimento por parte deste. Esse pagamento será efectuado nas instalações do banco e será creditado na conta de empréstimo indicada na disposição 7 da presente apólice. Assim, o local de cumprimento das obrigações do mutuário é a localidade que consta no cabeçalho deste Contrato, nas instalações da sucursal do banco identificada no mesmo”;

6 - No cabeçalho desse contrato de mútuo consta como localidade e como escritório do Banco, Vigo».
«
Importa apreciar as questões enunciadas e decidir.

A questão prévia.
Nos termos dos arts. 671º, nº 3, (1ª parte) e 629º, nº 2, a), do CPC, o recurso, fundamentado na violação das regras de competência internacional, é sempre admissível e assim seria mesmo que o acórdão recorrido tivesse apreciado uma decisão interlocutória do Tribunal da primeira instância [art. 671,º nº 2, a), do CPC] – o que, no caso, não é sustentável – ou independentemente de ter confirmado, sem voto de vencido e sem fundamentação essencialmente diferente, a decisão da primeira instância – como parece ter sucedido. Realmente, num breve parêntesis, registe-se que a referência na fundamentação da decisão da primeira instância a normas do Regulamento (UE) 44/2001, de 22.12.2000 – com particular realce para o seu art. 23º – é fruto de um lapso clamoroso, patenteado pelo seu próprio teor, mas, por si só, irrelevante para afastar a questionada convergência de fundamentações, por se tratar de menção a normas que, para o caso em apreço, têm o exacto alcance jurídico e até um similar teor literal das previstas no Regulamento (UE) 1215/2012, de 12/12, tido em conta no acórdão ora recorrido e efectivamente aplicável, nestes autos, atendendo a que a acção foi proposta em 16/1/2015. Com efeito:
Dispunha o art. 23º daquele Regulamento 44/2001: «Se as partes, das quais pelo menos uma se encontre domiciliada no território de um Estado-Membro, tiverem convencionado que um tribunal ou os tribunais de um Estado-Membro têm competência para decidir quaisquer litígios que tenham surgido ou que possam surgir de uma determinada relação jurídica, esse tribunal ou esses tribunais terão competência. Essa competência será exclusiva a menos que as partes convencionem em contrário.».
E dispõe o art. 25º do Regulamento 1215/2012: «Se as partes, independentemente do seu domicílio, tiverem convencionado que um tribunal ou os tribunais de um Estado-Membro têm competência para decidir quaisquer litígios que tenham surgido ou que possam surgir de uma determinada relação jurídica, esse tribunal ou esses tribunais terão competência, a menos que o pacto seja, nos termos da lei desse Estado-Membro, substantivamente nulo. Essa competência é exclusiva, salvo acordo das partes em contrário.».

1. A nulidade.
Alega a recorrente que não pôde, enquanto apelante, impugnar junto da Relação, ao abrigo do art. 640º do CPC, a factualidade tida por assente pela 1ª instância, porque esta não discriminou na decisão proferida os factos provados nem indicou a subjacente fundamentação.
Porém, a recorrente não suscitou na apelação essa sua suposta impossibilidade, razão pela qual sobre tal questão não houve qualquer pronúncia da Relação. Ora, como é sabido e é entendimento uniforme da jurisprudência sobre as regras do processamento das impugnações das decisões, os recursos são meios de obter a reponderação das questões já anteriormente colocadas e a eventual reforma de decisões dos tribunais inferiores, e não de alcançar decisões novas, só assim não acontecendo nos casos em que a lei determina o contrário, ou relativos a matéria indisponível, sujeita por isso a conhecimento oficioso ([1]).
Mesmo que assim não fosse, essa arguição improcederia por razões que importa expor, muito brevemente, por se prenderem com o putativo vício que a recorrente assaca ao acórdão da Relação.
Com efeito, a recorrente considerou-se “surpreendida” por esse acórdão, não obstante o alvitrado vício da decisão recorrida, ter fixado e discriminado os factos provados, em vez de reconhecer a aludida circunstância geradora da sua suposta impossibilidade de impugnar junto da Relação a deficiente e obscura decisão da 1ª instância sobre a matéria de facto, o que deveria ter obstado ao conhecimento do recurso pela 2ª instância, bem como determinado a anulação de tal decisão e a subsequente fixação e discriminação dos factos, nos termos do art. 607º, nºs 3 e 4, do CPC. “Surpresa” que, segundo a recorrente, constituiria o vício previsto nos arts. 615º, nº 1, d) e 666º, nº 1, do CPC.
Nos termos dos normativos citados, a decisão é nula quando «o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento», ou seja, quando tenha incorrido em omissão ou excesso de pronúncia ([2]), sendo este excesso que, segundo parece, a recorrente imputa ao acórdão da Relação.
É certo que, ao abrigo do disposto no art. 662º do CPC, a Relação, mesmo oficiosamente, pode (mais precisamente, deve): anular a decisão proferida na 1ª instância, quando, não constando do processo todos os elementos que permitam a alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto, repute deficiente, obscura ou contraditória a decisão sobre pontos determinados da matéria de facto, ou quando considere indispensável a ampliação desta; determinar que, não estando devidamente fundamentada a decisão proferida sobre algum facto essencial para o julgamento da causa, o tribunal de 1ª instância a fundamente.
Todavia, não está aqui em causa a actuação desse poder/dever. Na verdade, salvo o devido respeito, para imputar às decisões das instâncias os falados vícios e, designadamente o previsto naquela alínea d), a recorrente confunde as exigências colocadas à resolução da questão de facto e à da questão de direito, impostas pelo art. 607º do CPC, bem como a real natureza da decisão de 1ª instância.
Desde logo, não seria no lance destinado à resolução da questão de direito que deveriam constar os fundamentos que levaram o juiz a considerar os factos como provados e/ou não provados. Para esclarecer a confusão, basta remeter para o teor da norma citada ([3]). Além disso, no caso dos autos, nem sequer ocorreu qualquer julgamento sobre a matéria de facto que legitime a arguição pela recorrente das regras e normas atinentes a um tal julgamento e aos factos supostamente tidos por provados, designadamente à análise crítica das provas imposta pelo citado nº 4 do art. 607º do CPC, a qual, apenas em tal sede, se imporia.
Com efeito, a decisão proferida pela 1ª instância, que foi submetida à reponderação da Relação, consistiu no despacho previsto no art. 595º do CPC e respeitou a tramitação típica e a sequência impostas por esse normativo e pelo do art. 278º do mesmo código, na medida em que não chegou a pronunciar-se sobre o mérito da acção, quanto à questão de facto e de direito, tendo absolvido as RR da instância quanto a parte do objecto da acção, por julgar procedente a excepção dilatória de incompetência internacional dos tribunais portugueses, e determinado a remessa dos autos à Comarca de Lisboa, na parte restante, por julgar verificada a excepção dilatória da incompetência relativa do Tribunal, em razão do território.
Com esse âmbito assim circunscrito, o despacho saneador teve subjacente o entendimento de que a acção não deveria prosseguir e, por isso, não haveria que se proceder à identificação do objecto do litígio e à enunciação dos temas da prova (art. 596º do CPC) e, muito menos, a qualquer julgamento sobre a matéria de facto ([4]), susceptível de impugnação pela A, enquanto apelante, ao abrigo do art. 640º do CPC.
Como é consensualmente entendido, a competência do tribunal afere-se pela pretensão do autor, compreendidos os respectivos fundamentos ([5]): a determinação da competência do tribunal para o conhecimento da pretensão deduzida pelo autor afere-se pelo quid disputatum, i. é, pelo modo como esta pretensão se apresenta estruturada, tanto quanto ao pedido, em si mesmo, como aos respectivos fundamentos, sendo irrelevante, para esse efeito, o eventual juízo de prognose sobre a viabilidade ou o mérito da mesma. E, por conseguinte, ao contrário do que se poderia pensar, a causa de pedir não depende da qualificação jurídica ou do nomen juris sugerido pelo autor – não é este ou aquele instituto jurídico, p. ex., o da responsabilidade civil extracontratual a que alude a recorrente –, é, sim, o conjunto de factos concretos e idóneos, nos termos da lei, a produzir o efeito jurídico almejado ([6]).
E foi, justamente, esse entendimento que esteve subjacente a qualquer das decisões das instâncias: ambas aferiram das questões da competência – a Relação apenas a internacional – pelo modo como a A estruturara a sua pretensão, tanto quanto aos pedidos em si mesmos, como aos respectivos fundamentos, embora, quanto a estes, tenham sido considerados os factos alegados, tanto directamente como por remissão para o teor dos documentos juntos pela mesma com o respectivo articulado e que continham, de forma clara, a enunciação das cláusulas contratuais atinentes à matéria em apreço ([7]).
Neste conspecto, a única diferença entre ambas as ditas decisões traduziu-se em que na da 1ª instância a matéria alegada pela A e tida por relevante para o apontado efeito foi sendo referenciada no âmbito e ao longo do respectivo discurso argumentativo, enquanto na da 2ª instância se fez uma sua enunciação descriminada, opção que reputou de “aconselhável”, o que é compreensível, por se tratar de um método mais “arrumado”. Mas esse é um aspecto – aliás, meramente formal – que é completamente irrelevante, atendendo ao já expendido quanto ao cariz do visado despacho saneador e à sua regulamentação (595º do CPC) e à matéria (alegada pela A) necessária para aferir das questões da competência ([8]).
Por tudo o que se disse e sendo esses os contornos da problemática suscitada, é ininteligível a arguição da recorrente sobre a sua putativa impossibilidade de impugnar junto da Relação a matéria por ela própria alegada e pertinente à impugnação da decisão (de direito) a que então, conjecturadamente, se proporia.

2. A competência internacional.

Como anota o Prof. Lebre de Freitas, no Parecer junto pela própria recorrente, a base da relação jurídica sub judice, tal como é configurada pela A, emerge do falado contrato de empréstimo (celebrado em 24.1.2008) e dos aditamentos que o modificaram (2009 e 2012), os quais foram celebrados em Vigo, Espanha, entre a A (uma sociedade de direito espanhol) e a sucursal nessa cidade duma sociedade portuguesa e com sede em Portugal (Banco CC SA), tendo ambas estipulado que o cumprimento da obrigação de restituição se faria na conta à ordem da primeira naquela sucursal do banco.

Além desses, mas na vigência daquele contrato de empréstimo e tendo em vista precaver o risco de subida em alta da taxa de juro “euribor” a que a A se havia vinculado no respectivo âmbito, as mesmas A e CC SA – mas esta, então, mediante a sua administração principal, com sede em Lisboa, e na qualidade de intermediária financeira – celebraram os acima referidos contratos de “swap”, sendo o primeiro, o de 24.6.2008, revogado e substituído por um outro, em Janeiro de 2010.

O direito processual civil português afirma a competência internacional dos tribunais portugueses quando verificados os factores previstos nos artigos 62º e 63º ou quando as partes lhes tenham atribuído competência nos termos do artigo 94º do CPC, cujo normativo apenas admite os acordos das partes sobre a jurisdição nacional competente (pactos de jurisdição) quando se preencham o pressuposto (conexão) e os demais requisitos nele impostos, designadamente quando tais pactos sejam justificados por um interesse sério de, pelo menos, uma das partes e desde que não envolvam inconveniente grave para a outra.

Contudo, a intervenção do assim estatuído é ressalvada pela aplicação do «que se encontre estabelecido em regulamentos europeus e em outros instrumentos internacionais» (art. 59º). Por conseguinte, a lei processual reconhece a prioridade de que gozam tais instrumentos de direito internacional, no contexto da inserção da nossa ordem jurídica em espaços integrados e designadamente no da União Europeia.

Neste conspecto, são pacificamente aceites entre nós o efeito directo e o primado do direito da União Europeia (cf. art. 8º, nº 4, da CRP), bem como a proeminência que o direito comunitário e a jurisprudência do TJUE vêm conferindo à liberdade contratual, enquanto emanação do princípio da autonomia da vontade das partes na estipulação da competência internacional ([9]).

Este Supremo Tribunal tem acolhido, como decorrência desses princípios, a independência da noção e a prevalência do regime (e respectivo alcance) do pacto (convenção) atributivo de jurisdição constante do já citado art. 25º ([10]), face a requisitos formais eventualmente mais exigentes que lhe sejam impostos pelos direitos nacionais dos estados-membros. Nessa senda, regista-se, desde logo, que, à luz do Regulamento, não cabe aferir da eventual aplicação do disposto em normas de direito nacional, como as vertidas no CPC (nomeadamente a do art. 94º) ou da LCCG (cláusulas contratuais gerais) e é completamente irrelevante a pretensão de se submeter ou condicionar o exercício da autonomia da vontade à existência de uma conexão estreita do litígio à ordem jurisdicional a que se atribui competência para dele conhecer, sendo, por isso, desnecessário que tal pacto se mostre justificado por um interesse sério de, pelo menos, uma das partes ([11]), sem que envolva inconveniente grave para a outra, e sendo, consequentemente, desconsideradas as eventuais vantagens ou desvantagens que daí advenham.

Esse entendimento foi assim sintetizado no Ac. de 4/2/2016 ([12]):

 «1. Considera-se claro e evidente, face ao relevo que o Direito Comunitário e a jurisprudência do TJ vêm conferindo à autonomia da vontade das partes na estipulação da competência internacional, que bastam como elementos de estraneidade do litígio sujeito a pacto de jurisdição o local possível de cumprimento de obrigações contratuais, a submissão, no exercício da autonomia da vontade das partes, da substância do litígio a um direito material estrangeiro e a conexão – senão jurídica, ao menos funcional e económica - dos contratos de derivados financeiros celebrados por contraentes sediados em Portugal a contratos de mútuo bancário de contexto claramente internacional – determinando a ponderação global de todos esses elementos de internacionalidade que a relação contratual em litígio não possa qualificar-se como relação puramente interna, susceptível de obstar à aplicação da disciplina contida no art. 23º do Regulamento 44/2001.

2. Na verdade, qualquer interpretação, desproporcionadamente exigente, que levasse a condicionar o exercício da autonomia da vontade à existência de uma ligação profunda do litígio à ordem jurisdicional a que se atribui competência para dele conhecer, estabelecida apenas com base na verificação dos elementos típicos que normalmente (não havendo pacto de jurisdição) relevam no estabelecimento do tribunal internacionalmente competente, implicaria uma desproporcional restrição ao princípio da autonomia da vontade, condicionando-a muito para lá do que seria razoável e adequado: mesmo que se entenda que não deve bastar, como elemento exclusivo de estraneidade, a mera celebração de um pacto de jurisdição, este ficará sujeito à disciplina do art. 23º desde que a relação controvertida, valorada globalmente, apresente indícios minimamente consistentes de transnacionalidade, que obstem à sua qualificação como relação jurídica meramente interna.

3. De acordo com a doutrina contida no Acórdão Cilfit de 6/10/82, considera-se dispensável a suscitação, em reenvio prejudicial, da questão interpretativa quanto à norma do art. 23º do Regulamento 44/2001, uma vez que: - a questão de interpretação normativa que seria pertinente formular (saber se o pacto de jurisdição não constitui, só por si, elemento de estraneidade susceptível de despoletar a aplicação da disciplina contida no Regulamento) não é necessária nem pertinente para o julgamento do litígio principal, já que a matéria a este subjacente revela de forma evidente outros elementos de internacionalidade; - ponderada a jurisprudência reiterada do TJ e a funcionalidade e teleologia das normas comunitárias que prevêem a relevância da autonomia da vontade das partes na estipulação da competência internacional, não subsiste qualquer dúvida razoável quanto à suficiência dos referidos elementos de estraneidade da relação, considerando-se, por isso, claro e evidente que uma relação contratual com tal configuração não pode perspectivar-se como constituindo uma relação puramente interna, susceptível de afastar a aplicabilidade da norma contida no citado art. 23º do Regulamento 44.

4. Perante o regime do Regulamento n.º 44/2001, para que a escolha do tribunal seja válida é desnecessário que exista qualquer conexão entre o objecto do litígio e o tribunal designado, não sendo valoráveis, designadamente, os hipotéticos inconvenientes, para uma das partes, da localização do foro convencionado a que o direito interno confira relevo.

5. A validade do pacto de jurisdição, constante de uma cláusula contratual integrada num contrato de swap celebrado entre uma empresa pública regional e determinado banco, em que foi aquela a propor ao banco as cláusulas que integram os contratos em litígio, objecto, aliás, de um específico procedimento negocial, em que a dita empresa foi coadjuvada por outra entidade bancária, é analisada, exclusivamente segundo o disposto no art. 23.º do Regulamento n.º 44/2001, sendo inaplicável o regime jurídico interno das cláusulas contratuais gerais.» ([13]).

Também na doutrina se vem defendendo o carácter exclusivo da aplicação da citada regra comunitária, como esclareceu Miguel Teixeira de Sousa no paradigmático artigo publicado em 26/04/2014, sob o título «Pactos de jurisdição e swaps: demasiado “nacionalismo” e pouco “europeísmo”?» (in http://blogippc.blogspot.pt/2014/04/pactos-de-jurisdicao-e-swaps-demasiado.html.), mediante o qual, partindo de uma vigorosa crítica ao aresto da RL de 10/4/2014 ([14]), sustentou: «(i) os requisitos de validade da convenção de competência só podem ser aqueles que constam do art. 17.º CBrux (agora do art. 23.º Reg. 44/2001 e, a partir de 10/1/2015, do art. 25.º Reg. 1215/2012), pelo que o direito dos Estados-membros não pode acrescentar outros requisitos de validade a essa convenção; (ii) para que a escolha do tribunal seja válida não é necessário que exista uma qualquer conexão entre o objecto do litígio e o tribunal designado». Para tanto, o Autor lembrou ser essa a orientação seguida pelo TJUE na matéria (tendo citado uma decisão deste de 16/3/1999 (C-159/97, Castelletti/Trumpy, nº 50 ss.,) e também por numerosa doutrina, que referenciou, tendo destacado, entre a portuguesa, Sofia Henriques, “Os Pactos De Jurisdição No Regulamento (CE) 44/2001”, 2006, p. 81 e s.).

Ora, estando nós perante um litígio emergente de uma relação plurilocalizada ou transnacional, não subsistem dúvidas de que, mediante o mencionado contrato de empréstimo, as contraentes renunciaram ao seu foro próprio, pois convencionaram um pacto de jurisdição, atribuindo competência (internacional) ao Tribunal de Vigo (cláusulas 13ª e 5ª) para dirimir quaisquer litígios que pudessem decorrer de tal relação contratual, e que, não tendo as partes acordado diversamente, a competência dos tribunais espanhóis é exclusiva, por força da aplicação exclusiva do já aludido art. 25º do Regulamento (UE) 1215/2012 ([15]). O que, desde logo, arreda a aplicação da disposição geral sobre competência (domicílio do demandado), prevista no art. 4º, nº 1, do Regulamento e sugerida pela recorrente.

Por outro lado, atendendo também à configuração que a A ofereceu para a sua pretensão, relembra-se que as partes celebraram os já referenciados contratos de permuta de taxas de juro, que denominaram de “swap”, mediante os quais se obrigaram a efectuar semestralmente pagamentos recíprocos, tendo subjacentemente em vista a execução ou o cumprimento das obrigações decorrentes daquele contrato de empréstimo.

Atendendo ainda a tais termos, conclui-se que: - por via da conjugação dos invocados contratos de “swap” com o de mútuo, a A obteve o objectivo económico-financeiro de fixar o custo da componente variável (“euribor”) da taxa de juro do mútuo; - os contratos de “swap” destinaram-se, de forma clara, a cobrir um risco, no caso o de flutuação de taxa de juros, sendo esse risco relativo a uma operação financeira devidamente caracterizada (o mútuo celebrado em 24/1/2008); - o capital nocional do primeiro contrato de “swap” (o de 24/6/2008) correspondia ao real capital da operação subjacente (€ 25.000.000), o seu real passivo subjacente, e o contrato outorgado em 11/1/2010 incorporou a totalidade dos fluxos financeiros negativos que aquele geraria até ao seu termo – à excepção de uma quantia que a A então pagou – e incluiu o cumprimento integral do mesmo, revogando-o, reestruturando-o e substituindo-o.

Por outro lado, tendo subsistido apenas o contrato outorgado em 11/1/2010, ainda que com a aludida incorporação e reestruturação, só o mesmo releva para a análise da questão colocada no recurso, para a qual, saliente-se, importa considerar que o novo contrato não incluiu qualquer convenção de jurisdição ([16]).

O contrato de “swap” (em português, “permuta”) de taxa de juro é (actualmente) um contrato nominado e normativamente organizado e estruturado [cf. art. 2º, nº 1, e) do CMVM], validamente aceite e consagrado nas ordens jurídicas internacionais, nomeadamente no direito comunitário [cf. Regulamento (UE) nº 549/2013, de 21/5], pelo qual as partes se obrigam ao pagamento recíproco de duas quantias pecuniárias no termo do período de contagem dos juros.

O anterior acórdão desta 1ª Secção de 11/2/2015 ([17]) contém uma pontificante sinopse sobre as características dos aludidos contratos e a temática por eles gerada:

«1) No direito financeiro designam-se instrumentos derivados, ou simplesmente derivados, os instrumentos financeiros resultantes de contratos a prazo cujo valor resulta de outros valores: os valores de base.

2) “Swap” é um acordo contratual entre duas partes que aceitam trocar, ao longo do tempo e segundo regras predeterminadas uma série de pagamentos correspondentes a um valor nocional (hipotético) de capital entre elas negociado.

3) O conceito de “swap” é de origem anglo-saxónica, depois acolhido no direito europeu: Directivas 88/361/CEE, de 24 de Junho, a dar execução aos artigos 67.º e 56.º n.º 1 do TUE [livre circulação de capitais e não restrição a essa livre circulação e respectivos pagamentos]; 93/22/CEE, de 10 de Maio [Investimentos no domínio dos valores mobiliários]; 2003/6/CE, de 28 de Janeiro [Abuso de informação privilegiada e manipulação do mercado].

4) A Directiva 2004/39/CE de 21 de Abril (DMIF) fixou o conceito de instrumento financeiro e previu os “swaps” na alínea 4.ª do Anexo I, Secção C.

5) O artigo 2.º n.º 1, alínea c) a f) do Código de Valores Mobiliários reconheceu, expressamente, a figura do “swap”.

6) São negociados “over the counter” (em mercados de balcão, ou não organizados) sem intermediários sendo formatados casuisticamente (“tailor made”)

7) Há “hedging” quando o agente económico lançou mão do “swap” para diminuir a sua exposição à basculação de uma taxa de juro à qual já estava exposto numa outra relação jurídica, pretendendo minorar eventuais perdas.

8) No “swap” simples (“plain vanilla swap”) as partes acordam trocar o produto das taxas de juro previamente ordenados, mediante o prévio pagamento ao Banco de um preço pela operação e pelo risco que o banqueiro vai suportar.

9) As taxas de juro incidem sobre um capital meramente hipotético (nominal ou nocional) mas o “swap” pode ser utilizado sem ligação a qualquer outro contrato (contrato subjacente).

10) Basta-se a si próprio, tendo natureza financeira e não é complementar de outro (como v.g. mútuo ou algum financiamento) gozando de abstracção pura e absoluta.

11) Não se trata de jogo ou aposta não estando, em consequência sujeito ao disposto no artigo 1245.º do Código Civil.

12) Os contratos de “swap” de taxa de juro, que não têm o propósito directo de cobertura de risco, não são proibidos por lei, tal como o não são aqueles cujo valor nocional não corresponde a um passivo real.

13) O desequilíbrio negocial não é, só por si, gerador da nulidade do contrato, antes, se verificados os pressupostos e se tal for pedido, da respectiva resolução.» ([18]).

No caso em apreço, não obstante os ditos contratos de “swap” de taxa de juro gozarem de abstracção pura e, por consequência, de independência e autonomia jurídico-formal em relação ao contrato de mútuo, o certo é que, tal como a alegada realidade se nos apresenta estruturada pela A, afastar, de todo, a (evidente) conexão entre o contrato de “swap” e a subjacente relação de mútuo que o desencadeou seria construir uma abstracção que, dotada embora de rigor lógico-dogmático, não captaria devidamente aquela realidade. E assim é nem tanto por causa da íntima ligação entre o capital nocional daquele “swap” e a relação que lhe subjaz criada por este mútuo – asserção em nada perturbada pela circunstância de o texto do contrato não se lhe referir – mas, principalmente, porque foi através dos contratos que se sucederam ao contrato de mútuo, tanto os dos falados aditamentos como os de “swap”, que «as partes quiseram fazer uma gestão de taxas de juros devidas por financiamento» ([19]), nos termos daquele outro contrato. Ou, por outras palavras, mediante tais contratos as contraentes apenas determinaram ajustamentos à execução ou ao modo de cumprimento do contrato-base entre ambas outorgado.

São, na realidade, distintas a função prático-económica do contrato de “swap” e a de uma alteração da taxa de juro estipulada num contrato de mútuo e este tem a função social típica de providenciar financiamento, criando o risco, enquanto o contrato de “swap” tem a de cobrir o risco criado, nomeadamente, por um tal contrato de mútuo. Ainda assim, no particular âmbito da questão da competência internacional em apreciação, afirmar uma tal abstracção, partindo apenas da formal autonomia jurídica entre o contrato de “swap” e a relação jurídica criada pelo mútuo – que o originou, determinou e delimitou –, poderá distorcer a boa visão sobre a verdadeira natureza dessa relação factual complexa ([20]).

Uma vez deferida ao Tribunal de Vigo a competência (internacional), nos termos supra expostos, e assente a premissa – que não suscita qualquer consistente controvérsia nos autos – de que é plurilocalizada ou transnacional a relação jurídica sub judice emergente do falado contrato de empréstimo, tal como é configurada pela A, talvez se tivesse justificado a discussão ou a ponderação sobre a adequação de a competência, assim afirmada, abarcar toda essa relação factual complexa e, portanto, também os aspectos da mesma atinentes ao contrato de “swap”.

Todavia, oportunamente, a recorrente optou por não impugnar a decisão de 1ª instância sob esta ventilada perspectiva, tendo-o feito, apenas, através do mecanismo processual previsto no art. 105º, nº 4, do CPC, portanto, na estrita vertente da competência territorial para as questões suscitadas pelo contrato de “swap([21]).

Por isso, aquela é uma discussão que neste recurso se mostra vedada, perante as concretas vicissitudes ocorridas no trajecto deste processo: a decisão que, por via do conhecimento da incompetência relativa (territorial) do Tribunal, determinou a “separação” do conhecimento das questões concernentes ao contrato de “swap” das referentes ao contrato de mútuo, uma vez transitada, adquiriu força obrigatória dentro do processo (art. 620º do CPC) ([22]). E esta constatação inviabiliza o debate sobre a conexão de todas as questões relativas à relação factual complexa estabelecida com o contrato de mútuo, portanto tanto as alusivas à alteração do “spread” como ao contrato de “swap”.

Com argumentos que se resumirão, a recorrente também sustenta, ao abrigo dos arts. 7º, nº 2, 24º, nº 2, 8º, nº 1, 30º, 31º e 26º (em conjugação com o art. 63º nº 1) todos do citado Regulamento, que as RR têm que ser demandadas em Portugal, em cujo território as mesmas têm sede e administração principal.

2.1. - Estaria em causa, segundo a recorrente, a ilicitude da actuação do CC, cometida em Portugal, ao decidir aumentar os “spreads” para a generalidade dos seus clientes, que teve como consequência a viciação da formação da vontade da A na aceitação dos aditamentos ao contrato de mútuo (7º, nº 2).

Sobre este arguição, acompanhamos o raciocínio exposto na decisão recorrida pois que o certo é que os fundamentos invocados pela A para sustentar a invalidade dos falados aumentos de “spread”, atendendo ao modo como a concernente pretensão se mostra estruturada, configuram um assacado incumprimento das obrigações decorrentes da celebração do dito contrato de mútuo, caindo, por via disso, dentro da eleição do foro constante do assinalado clausulado para dirimir tais obrigações.

Na verdade, tendo a peticionante fundado a sua pretensão jurisdicional em actuação que reputa de ilícita, porque substanciada na violação de um programa ou plano contratual convencionado, tal fundamentação sempre se relacionaria, ainda, com a violação do contrato, pelo que deve ser qualificada como contratual a responsabilidade que desse incumprimento pudesse advir ([23]).

Mesmo que assim não fosse, o clausulado contratual mediante o qual as partes convencionaram o aludido pacto de jurisdição, atribuindo competência (internacional) exclusiva aos tribunais espanhóis – «para dirimir quaisquer litígios que possam decorrer do» «presente contrato» – tem um teor literal suficientemente lato para acolher a interpretação de que todas as questões litigiosas relacionadas com o celebrado contrato de mútuo deveriam ser submetidas àqueles tribunais.

Para rematar este ponto, dizemos que é fruto de manifesto equívoco o apelo da recorrente ao art. 24º, nº 2 do Regulamento porque, por um lado, essa norma apenas visa os efeitos internos das decisões dos órgãos das pessoas colectivas nela mencionadas e, por outro, o que a recorrente pretenderia colocar em crise seriam os concretos contratos por ela própria celebrados, prevendo a alteração do “spread” do empréstimo, e não a validade de qualquer deliberação, em si mesma, da instituição financeira demandada nos autos.

2.2. – Quanto à arguida «estreita conexão» entre a questão do invocado comportamento abusivo do CC no contrato de “swap” e a da actuação do mesmo na alteração do “spread” do empréstimo, remetemos para o já expendido acima.

Acresce que não se vislumbra como se poderia, com essa argumentação, postergar um pacto atributivo de jurisdição, com a primazia que lhe foi já realçada, para mais quando todos os pedidos foram formulados pela A em relação à mesma R e, subsidiariamente, também todos eles, à 2ª R, o que, evidentemente, exclui o requisito imposto pela norma evocada (8º, nº 1).

Redundaria, igualmente, na preterição do primacial efeito do pacto atributivo de jurisdição o acolhimento da invocação dos arts. 30º e 31º do Regulamento, cuja aplicação, aliás, dependeria da pendência em vários tribunais de diferentes estados-membros que também não ocorre de acções conexas ou de acções cuja competência exclusiva caiba a vários tribunais. E, em boa verdade, essa postergação até resultaria da subordinação a uma mera ficção ou construção jurídica ([24]) do único claramente convencionado pacto atributivo de jurisdição, o que não pode deixar de ser visto como uma inaceitável inversão das regras previstas no Regulamento, ou, pelo menos, como manifestamente insuficiente para impor aos tribunais nacionais a competência de que vimos tratando quanto ao imputado incumprimento das obrigações decorrentes da celebração do dito contrato de mútuo.

Realmente, não obstante a acima referenciada conexão, a mesma não é de molde a gerar o risco de os tribunais de dois estados-membros diferentes proferirem decisões reputáveis de contraditórias – numa perspectiva não meramente teórica (ou intelectual) – quanto à solução de cada uma das pretensões formuladas, se o respectivo julgamento for separado: os vícios que possam vir a ser apontados aos aumentos de “spread” estipulados no contrato de mútuo não se reflectem nos que, eventualmente, possam afectar o contrato de “swap” e as soluções que as inerentes pretensões formuladas no âmbito de tais temáticas venham a obter também não se digladiam necessariamente, por serem completamente distintos os respectivos pedidos e causas de pedir.

2.3. – Quanto à invocação de que as RR compareceram perante o Tribunal, apresentando toda a sua defesa por excepção e por impugnação, bem como a respectiva prova, não tendo tido como único objectivo arguir a incompetência (26º), lembra-se apenas que, à luz do nosso regime processual, se impõe ao réu, quando pretende arguir excepção dilatória da incompetência, apresentar também a demais defesa quanto ao mérito da acção, sob pena de actuação do princípio da preclusão, que importa que, ao longo do processo, as partes estão sujeitas ao ónus de praticar os actos dentro de determinados prazos peremptórios, cujo decurso as impede de o fazerem depois ([25]).


3. A ampliação da matéria de facto.
Subsidiariamente, a recorrente sugeriu que fosse ampliada a matéria de facto a ponderar, que, no seu entender, seria pertinente para a apreciação da reclamada competência internacional dos tribunais portugueses, aludindo a factualidade alegadamente ocorrida no contexto da celebração dos questionados contratos e no desenvolvimento da respectiva execução, respeitante, nomeadamente, ao principal centro da sua actividade e ao circunstancialismo que envolveu as reuniões e a troca de comunicações entre as partes.
Todavia, a inviabilidade dessa pretensão recursiva resulta já demonstrada pela solução oferecida à questão da competência e pelos termos em que a mesma foi já encarada, que prejudicam a ponderação de qualquer outra alegação sobre a matéria em apreço: o acervo de factos acima ponderados quanto à celebração do pacto de jurisdição é o bastante para afirmar a incompetência dos tribunais portugueses, nada podendo a matéria de facto cuja consideração vem reclamada no recurso acrescentar ou retirar à validade e à eficácia desse pacto para o efeito de atribuição de tal competência, em face de qualquer das acima citadas normas da legislação comunitária relevante.

4. A lei aplicável.
Neste recurso, uma vez assente a incompetência internacional dos tribunais portugueses, também não pode ser defrontada a questão da lei aplicável, que, em bom rigor, ainda não foi anteriormente objecto de qualquer decisão que, nessa vertente, este Tribunal pudesse reponderar ([26]).
Com efeito, a Relação – com uma perspectiva que temos por acertada – encarou como não «determinantes para a resolução da problemática que vimos analisando e que constitui o objecto do presente recurso as considerações adiantadas pela recorrente, em ordem a defender a aplicação da lei portuguesa ao contrato de mútuo em litígio na acção».
Por sua vez, a 1ª instância limitou-se a lembrar o que as outorgantes haviam feito constar no contrato de mútuo sobre esse assunto: «Acresce que o contrato de mútuo remete em vários passos para a lei espanhola, o que, aponta no sentido que as partes quiseram aplicar ao contrato a lei espanhola». Por conseguinte, também aí não houve qualquer pronúncia ou decisão sobre a questão, mas, sim, a invocação de um mero argumento lateral – porventura, excessivo e desnecessário –, embora aduzido como um reforço coadjuvante na interpretação da vontade manifestada pelas partes quanto à atribuição da competência internacional.
Mesmo que não se verificasse a apontada razão obstativa do seu conhecimento, a questão da lei aplicável não se conformaria com o objecto deste recurso por não relevar para a apreciação da (in)competência internacional dos tribunais portugueses ou para a aferição da validade substancial do pacto atributivo de jurisdição, como se fez notar no AUJ nº 3/2008, de 28/2/2008, in DR I, de 3/4/2008:
«Com efeito, o pacto de jurisdição está a montante da questão da lei substantiva aplicável à relação jurídica controvertida, e não há qualquer fundamento legal para fazer depender a sua validade das vicissitudes de determinação da lei substantiva aplicável, (…), ou da sua aplicação pelo tribunal competente em conformidade com o convencionado. O resto, isto é, a amplitude objectiva do pacto de jurisdição, tem a ver com a interpretação da vontade negocial, a que é aplicável (…)».
                         
Tudo visto, improcede o recurso.
«
Síntese conclusiva:
1. É sempre admissível o recurso de revista fundamentado na violação das regras de competência internacional, independentemente de o acórdão da relação ter confirmado a decisão da primeira instância, sem voto de vencido e sem fundamentação essencialmente diferente.
2. Aferindo-se a competência do tribunal pela pretensão do autor, compreendidos os respectivos fundamentos, o juiz não chega a pronunciar-se sobre o mérito da acção, quanto à questão de facto e de direito, se, no despacho saneador, tiver absolvido as RR da instância quanto a parte do objecto da acção, por julgar procedente a excepção dilatória de incompetência internacional dos tribunais portugueses, e determinado a remessa dos autos a outra Comarca, na parte restante, por julgar verificada a excepção dilatória da incompetência relativa do Tribunal, em razão do território. Para tanto, bastou que tenha referenciado no âmbito do respectivo discurso argumentativo a concernente matéria alegada pela A, não se lhe impondo uma sua exposição discriminada e, muito menos, qualquer julgamento sobre a matéria de facto – que, nessa fase, aliás, estaria vedado pelos princípios da legalidade e da tipicidade processuais – susceptível de impugnação na apelação, ao abrigo do art. 640º do CPC. Por isso não poderia ser motivo de “surpresa” da A que afecte de nulidade o acórdão da Relação a circunstância de, neste, se ter optado por uma enunciação discriminada da matéria alegada pela A (directamente ou por remissão para documentos juntos) tida por relevante para conhecer da aludida questão da (in)competência internacional.
3. Em questões de competência internacional, a nossa lei processual reconhece a prioridade de que gozam os regulamentos europeus e outros instrumentos internacionais (art. 59º), sendo pacificamente aceites entre nós o efeito directo e o primado do direito da União Europeia (cf. art. 8º, nº 4 da CRP), bem como a proeminência que o direito comunitário e a jurisprudência do TJUE vêm conferindo à liberdade contratual, enquanto emanação do princípio da autonomia da vontade das partes na estipulação da competência internacional, que, aliás, vem claramente explicitado nos considerandos 19 e 20 do Regulamento (UE) 1215/2012 de 12/12.
4. Como decorrência desses princípios, têm sido acolhidas a independência da noção e a prevalência do regime (e respectivo alcance) do pacto (convenção) atributivo de jurisdição constante do art. 25º já citado Regulamento (correspondente ao art. 23º do antecedente Regulamento 44/2001), face a requisitos formais eventualmente mais exigentes que lhe sejam impostos pelos direitos nacionais dos estados-membros. Nessa senda, não cabe aferir da eventual aplicação do disposto em normas de direito nacional, como as vertidas no CPC (nomeadamente a do art. 94º) ou da LCCG (cláusulas contratuais gerais) e é completamente irrelevante a pretensão de se submeter ou condicionar o exercício da autonomia da vontade à existência de uma conexão estreita do litígio à ordem jurisdicional a que se atribui competência para dele conhecer, sendo, por isso, desnecessário que tal pacto se mostre justificado por um interesse sério de, pelo menos, uma das partes e sendo, consequentemente, desconsideradas as eventuais vantagens ou desvantagens que daí advenham.
5. Atendendo à configuração que a A ofereceu para a sua pretensão, as partes celebraram um contrato de mútuo e aditamentos que o modificaram, atribuindo competência (internacional) ao Tribunal de Vigo (Espanha) para dirimir quaisquer litígios que pudessem decorrer de tal relação contratual, e celebraram também um que denominaram de “swap”, mediante o qual se obrigaram a efectuar semestralmente pagamentos recíprocos, tendo subjacentemente em vista a execução ou o cumprimento das obrigações decorrentes daquele empréstimo, podendo concluir-se que: - por via da conjugação do invocado “swap” com o de mútuo, a A obteve o objectivo económico-financeiro de fixar o custo da componente variável (“euribor”) da taxa de juro do mútuo; - o contrato de “swap” destinou-se, de forma clara, a cobrir um risco, no caso o de flutuação de taxa de juros, sendo esse risco relativo a uma operação financeira devidamente caracterizada (o mútuo celebrado); - o capital nocional do contrato de “swap” correspondia ao real capital da operação subjacente (€ 25.000.000).
6. O contrato de “swap” (“permuta”) de taxa de juro é (actualmente) um contrato nominado e normativamente organizado e estruturado [cf. art. 2º, nº 1, e), do CMVM], validamente aceite e consagrado nas ordens jurídicas internacionais, nomeadamente no direito comunitário [cf. Regulamento (UE) nº 549/2013, de 21/5], pelo qual as partes se obrigam ao pagamento recíproco de duas quantias pecuniárias no termo do período de contagem dos juros.
7. No caso em apreço, apesar de os ditos contratos de “swap” de taxa de juro gozarem de abstracção e, por consequência, de independência e autonomia jurídico-formal em relação ao contrato de mútuo, o certo é que foi através dos contratos que se sucederam ao contrato de mútuo – os falados aditamentos e os de “swap” – que as partes quiseram fazer uma gestão de taxas de juros devidas pelo financiamento, ou, por outras palavras, mediante tais contratos as contraentes apenas determinaram ajustamentos à execução ou ao modo de cumprimento do contrato de mútuo entre ambas outorgado. Não obstante, uma tal conexão não é de molde a gerar o risco de os tribunais de dois estados-membros diferentes proferirem decisões reputáveis de contraditórias – numa perspectiva não meramente teórica (ou intelectual) – quanto à solução de cada uma das pretensões formuladas, se o respectivo julgamento for separado: os vícios que possam vir a ser apontados aos aumentos de “spread” estipulados no contrato de mútuo não se reflectem nos que, eventualmente, possam afectar o contrato de “swap” e as soluções que as inerentes pretensões formuladas no âmbito de tais temáticas venham a obter também não se digladiam necessariamente, por serem completamente distintos os respectivos pedidos e causas de pedir.
8. Tendo a A fundado a sua pretensão jurisdicional em actuação substanciada na alegada violação de um programa ou plano contratual convencionado, tal fundamentação sempre se relacionaria, ainda, com a violação do contrato, pelo que deve ser qualificada como contratual a responsabilidade que desse incumprimento pudesse advir, não tendo aplicação o art. 7º, nº 2, do citado Regulamento.
9. Uma vez assente a incompetência internacional dos tribunais portugueses, a questão da lei aplicável não pode ser defrontada no recurso, com cujo objecto não se conformaria, por não relevar para a apreciação da (in)competência internacional dos tribunais portugueses ou para a aferição da validade substancial do pacto atributivo de jurisdição, como se fez notar no AUJ nº 3/2008, de 28/2/2008, in DR I, de 3/4/2008: «(…) o pacto de jurisdição está a montante da questão da lei substantiva aplicável à relação jurídica controvertida, e não há qualquer fundamento legal para fazer depender a sua validade das vicissitudes de determinação da lei substantiva aplicável (…)».
«

Decisão:
Pelo exposto, acorda-se em negar a revista, confirmando-se o acórdão recorrido.

Custas pela recorrente.          

Lisboa, 06 de Setembro de 2016

Alexandre Reis (Relator) *
Sebastião Póvoas
Paulo Sá

______________
[1] Note-se, que, diferentemente, estar-se-ia a julgar ex-novo e não a reponderar ou reapreciar o julgamento feito na 2ª instância, o que estaria vedado face ao modelo do recurso que o direito português consagra: o âmbito do recurso encontra-se objectivamente limitado pelas questões colocadas no tribunal recorrido pelo que, em regra, não é possível solicitar ao tribunal superior que se pronuncie sobre uma questão que não se integra no objecto da causa tal como foi já apresentada e decidida. A função do recurso ordinário é, no nosso direito, por princípio, a reapreciação da decisão recorrida e não um novo julgamento da causa (cf. Armindo Ribeiro Mendes, Recursos em Processo Civil, Reforma de 2007, Coimbra Editora, Coimbra, 2009, p. 81.).
[2] Esta nulidade, em directa conexão com o comando ínsito no art. 608º, só se verifica quando o tribunal não se ocupa das questões suscitadas ou se ocupa de questões cuja apreciação não lhe foi colocada. A expressão «questões», que se prende, desde logo, com as pretensões que os litigantes submetem à apreciação do tribunal e as respectivas causas de pedir, de modo algum se pode confundir com as razões (de facto ou de direito), os argumentos, os pressupostos em que as partes fundam a sua posição na controvérsia.
[3] E, anteriormente, dos arts 653º e 659º, respectivamente, do código vigente até Setembro de 2013.
[4] Que, nessa fase, aliás, estaria vedado pelos princípios da legalidade e da tipicidade processuais.
[5] Cf. Manuel de Andrade, “Noções Elementares de Processo Civil”, 1976, p. 91.
[6] É o que ensinou o Prof. Manuel de Andrade (“Noções Elementares de Processo Civil”, ed. 1976, p. 111 e 321): ­«A causa de pedir é o acto ou o facto eventualmente enferme o articulado. Trata-se de um entendimento mais flexível (e actual) sobre a função do processo, embora já venha na esteira da doutrina defendida por Alberto dos Reis (Comentário, 2º, p. 364), que tem sido acolhido por este Tribunal, p. ex., nos Acs. de 17/ jurídico (simples ou complexo, mas sempre concreto), donde emerge o direito que o autor invoca. Esse direito não pode ter existência (e por vezes nem pode identificar-se) sem um acto ou facto jurídico que seja legalmente idóneo para o condicionar ou produzir».
[7] É comummente aceite a alegação por remissão para documento sobre o qual a contraparte possa ter exercido, adequadamente, o contraditório e desde que essa remissão se destine a completar a exposição já feita ou a suprir as lacunas de que
6/2009 (08S3967 - Sousa Peixoto), de 22/4/2004 (04B652 - Ferreira Girão) e de 8/2/94 (CJSTJ, 1º/95 ). Também Abrantes Geraldes (Temas da Reforma do Processo Civil, 1º, Coimbra, Almedina, 2.ª ed., p. 201) expendeu: «(…) se ao abrigo do disposto no CPC de 1961, caracterizado por um maior rigor formal, já era maioritária a tese que admitia a alegação de factos por referência a documentos simultaneamente apresentados com o respectivo articulado, a nova filosofia inerente aos princípios orientadores da reforma processual e a concretização normativa a que foram sujeitos torna ainda mais defensável a conclusão acerca da admissibilidade da alegação por remissão para documentos, desde que destes resulte qual o facto neles demonstrado que se procura invocar».
[8] O Ac. deste Tribunal de 19/11/2015 (p. 2864/12.6TBVCD.P1.S1 - Lopes do Rego) defendeu, precisamente, «a possibilidade de, perante litígios globalmente complexos, cindir e autonomizar a matéria relevante para a apreciação de determinada excepção dilatória, destacando-a do conjunto de questões de facto e probatórias que apenas relevam para o julgamento do mérito».
[9] Aliás, esse princípio vem claramente explicitado nos considerandos do citado Regulamento 1215/2012: «A autonomia das partes num contrato … deverá ser respeitada sem prejuízo das competências exclusivas definidas pelo presente regulamento» (19) e «A questão de saber se o pacto atributivo de jurisdição a favor de um tribunal ou dos tribunais de um Estado-Membro é nulo quanto à sua validade substantiva deverá ser decidida segundo a lei do Estado-Membro do tribunal ou tribunais designados no pacto, incluindo as regras de conflitos de leis desse Estado-Membro» (20).
[10] Correspondente, como se viu, ao art. 23º do antecedente Regulamento 44/2001.
[11] Neste sentido, v., também, o supra citado Parecer.
[12] P. 536/14.6TVLSB.L1.S1 - Lopes do Rego.
[13] E no mesmo sentido, cf., p. ex., os Acs. de 21/4/2016 (538/14.2TVLSB.L1.S1 - António Gonçalves), de 17/3/2016 (p. 588/13.6TVPRT.P1.S1 - Paula Boularot), de 16/2/2016 (p. 135/12.7TCFUN.L1.S1-Gabriel Catarino), de 26/1/2016 (p. 540/14.4TVLSB.S1 - Garcia Calejo), de 19/11/2015 (p. 2864/12.6TBVCD.P1.S1 - Lopes do Rego) e de 11/2/2015 (877/12.7TVLSB.L1-A.S1 - Gregório Jesus).
[14] Este acórdão (proferido no p. 877/127TVLSB.L1-1 - Adelaide Domingos), tendo ponderado os graves inconvenientes para uma parte advindos da distância a que se encontrava o foro convencionalmente elegido, considerou dever ser excluída do contrato a cláusula atributiva de jurisdição aos tribunais ingleses, por violação do dever de informação, ao abrigo do regime das cláusulas contratuais gerais (DL 446/85, de 25/10). Porém, essa decisão não obteria a confirmação deste Supremo Tribunal (Ac. já citado de 11/2/2015 (p. 877/12.7TVLSB.L1-A.S1 - Gregório Jesus).
[15] «Corresponde ao art. 23 do Regulamento (CE) 44/2001, de 22.12.2000, por sua vez correspondente ao art. 17 da Convenção de Bruxelas de 27.9.68», como se reconhece no supra citado Parecer, cujo Autor também manifesta entender que, quanto ao mútuo, «Pelo pacto de jurisdição é atribuída competência internacional ao tribunal de Vigo».
[16] Estritamente quanto ao “swap”, no Parecer junto, o Prof. Lebre de Freitas argumenta com o conceito de “contrato” – «conjunto constituído pelo contrato-quadro e pelas “operações” que o concretizem» (aceitação e termo de confirmação) – e com a repristinação, pelo termo de confirmação de 11.1.2010, da cláusula 23-2 do contrato-quadro, que ficara afastada na vigência do contrato de 20.6.08, a qual estipulava ser competente o foro mais próximo do domicilio do cliente, a ser escolhido apenas entre os de Lisboa, Porto, Faro, Funchal e Ponta Delgada. Mais concluiu que este pacto de competência seria, simultaneamente, um pacto de jurisdição, porquanto os cinco tribunais indicados são todos situados em território português.
[17] P. 309/11.8TVLSB.L1.S1 - Sebastião Póvoas.
[18] V., ainda, os acs. de 3/5/2016 (p. 27/14.5TVPRT.P1.S1-Silva Salazar), de 10/10/2013 (p. 1387/11.5TBBCL.G1.S1 - Granja da Fonseca) e de 26/1/2016 (p. 876/12.9TVLSB.L1.S1- Gabriel Catarino), extraindo-se do sumário deste último: «Os autores soem indicar como características do contrato o este ser: i) um contrato principal e típico (é um contrato principal porque os pactos das partes do Swap não modificam o conteúdo do contrato a que o swap serve de cobertura; não existe subordinação entre o swap e a operação de financiamento a que serve de cobertura, mas tão só uma vinculação económica); ii) é um contrato consensual; iii) sinalagmático; iv) de relevância pessoal; v) oneroso; vi) comutativo, se bem com grandes doses de aleatoriedade.».
[19] Como se disse na decisão de 1ª instância em relação aos de swap.
[20] Como defendeu o Prof. Castanheira Neves, num Seminário subordinado ao tema “Reexame da Prova em Recurso Especial – Impossibilidade de Separação entre Facto e Direito”, Organizado pela Ordem dos Advogados Brasileira, «(…) o facto não tem existência senão a partir do momento em que se torna matéria de aplicação do direito, o direito não tem interesse senão no momento em que se trata de o aplicar ao facto; pelo que, quando o jurista pensa o facto, pensa-o como matéria do direito, quando pensa o direito, pensa-o como forma destinada ao facto».
[21] Vem aqui a propósito lembrar que entre os princípios fundamentais no nosso processo civil se salientam o da auto-responsabilidade das partes – resultando deste, directamente conexionado com o princípio basilar do dispositivo, que redunda inevitavelmente em prejuízo das mesmas a sua negligência ou inépcia na condução do processo, a seu próprio risco (cf. Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, p. 378) – e o da preclusão – importando que, ao longo do processo, as partes estão sujeitas, entre outros ónus, ao de praticar os actos dentro de determinados prazos peremptórios.
[22] E assim sucedeu, apesar de a 1ª instância ter começado por reconhecer: «Por isso, a eleição do foro feita pelas partes no contrato de empréstimo foi feita de acordo com razões que a própria lei aponta como sérias e válidas. E esta incompetência internacional seria extensível a todo o objecto processual (contratos de mútuo e de swap), em face da forma como a Autora estruturou a presente acção, porquanto, alega que existe entre o contrato de mútuo e os contratos de swap um elemento de conexão que justifica a apreciação conjunta de ambos os temas ( spread e swap) pelo mesmo Tribunal. – vide artigo 79º da petição inicial.».
Só que, por outro lado, para decidir a questão da competência territorial, também adiantou a Sra. Juíza que, «apesar dessa ligação ao activo subjacente, o contrato de mútuo e os contratos de swap são contratos juridicamente autónomos e independentes, um não é dependência do outro (...) O cumprimento ou incumprimento de um não acarreta o cumprimento ou incumprimento do outro. O cabal exercício dos direitos da autora relativamente ao contrato de swap não sai prejudicado com o facto de não serem julgados no mesmo processo, as questões suscitadas pela autora quanto a ambos os contratos».
Ora, merece a nossa adesão a doutrina que, na esteira do entendimento expresso por Vaz Serra (RLJ 110º - 232), Manuel Andrade (“Noções Elementares de Processo Civil”, 1976, pp. 111 e 320 e ss) ou Castro Mendes (segundo o qual «o caso julgado é o raciocínio como um todo e não cada um dos seus elementos», in “Limites Objectivos do Caso Julgado em Processo Civil”, pp. 161 e s), defende Miguel Teixeira de Sousa (In “Estudos Sobre o Novo P.C.”, 1997, págs. 578 e s): «(…) como toda a decisão é a conclusão de certos pressupostos (de facto e de direito) o respectivo caso julgado encontra-se sempre referenciado a certos fundamentos. Assim, reconhecer que a decisão está abrangida pelo caso julgado não significa que ela valha com esse valor, por si mesma e independentemente dos respectivos fundamentos. Não é a decisão, enquanto conclusão do silogismo judiciário, que adquire o valor de caso julgado, mas o próprio silogismo considerado no seu todo: o caso julgado incide sobre a decisão como conclusão de certos fundamentos e atinge esses fundamentos enquanto pressupostos daquela decisão.». «(…) o caso julgado também possui um valor enunciativo: essa eficácia do caso julgdo exclui toda a situação contraditória ou incompatível com aquela que ficou definida na decisão transitada».
[23] Neste sentido, cf., o Ac. deste Supremo Tribunal de 16/2/2016 (p. 135/12.7TCFUN.L1.S1-Gabriel Catarino).
[24] Referimo-nos à sustentada existência de um outro pacto dessa natureza, inferida com base em cláusulas genéricas de um contrato-quadro, que, apesar de nunca terem chegado a vigorar entre as partes, por não terem sido “operacionalizadas” com o “swap” de 20/6/2008, e, portanto, também não puderam deixar de vigorar, teriam sido putativamente “repristinadas” pelo termo de confirmação de 11/1/2010 (cf. nota 16 supra). Nesse contexto, como considerar que tais cláusulas também exprimiriam a inequívoca (?) vontade das partes quanto à atribuição exclusiva da jurisdição relativamente ao “swap”, não obstante versarem sobre competência territorial?
[25] Cf. nota 21 (parte final).
[26] Cf. nota 1