Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
96A401
Nº Convencional: JSTJ00030613
Relator: TORRES PAULO
Descritores: INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE
PATERNIDADE BIOLÓGICA
PRESSUPOSTOS
CAUSA DE PEDIR
EXCLUSIVIDADE DE RELAÇÕES SEXUAIS
ÓNUS DA PROVA
Nº do Documento: SJ199609240004011
Data do Acordão: 09/24/1996
Votação: UNANIMIDADE
Referência de Publicação: BMJ N459 ANO1996 PAG543
Tribunal Recurso: T REL COIMBRA
Processo no Tribunal Recurso: 1183/95
Data: 01/23/1996
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA.
Decisão: NEGADA A REVISTA.
Área Temática: DIR CIV - DIR FAM.
Legislação Nacional: CCIV66 ARTIGO 1798 ARTIGO 1801 ARTIGO 1826 ARTIGO 1839 N2 ARTIGO 1847 ARTIGO 1859 ARTIGO 1865 ARTIGO 1869 ARTIGO 1871.
Jurisprudência Nacional: ASSENTO STJ DE 1983/06/21 IN BMJ N328 PAG297.
ACÓRDÃO TC 810/93 DE 1993/12/07 IN DR IIS 1994/03/02.
ACÓRDÃO TC 337/95 DE 1995/06/22 IN DR IIS 1995/07/31.
ACÓRDÃO TC 374/95 DE 1995/06/27 IN DR IIS 1995/11/04.
ACÓRDÃO TC 426/95 D4 1995/07/06 IN DR IIS 1995/11/07.
ACÓRDÃO STJ DE 1994/05/10 IN RLJ ANO128 PAG180.
Sumário : I - Nas acções de investigação de paternidade o que está em causa é a paternidade biológica.
II - São dois os factos constitutivos da paternidade biológica: - existência de relações sexuais entre a mãe do investigante e o pretenso pai durante o período legal da concepção fixado no artigo 1798; fidelidade da mãe do investigante ao pretenso pai durante o mesmo período.
III - A doutrina do ASS STJ de 21 de Junho de 1983, que impõe ao investigante o ónus de demonstração da exclusividade, sob pena de improcedência do pedido, deve restringir-se aos casos em que não é possível fazer a prova directa do vínculo biológico por meios probatórios.
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:
1 - Na Comarca de Alcanena, o Ministério Público intentou acção oficiosa de investigação de paternidade contra A, pedindo que B, nascido em 7 de Agosto de 1991, seja reconhecido como filho do Réu para todos os efeitos legais, ordenando-se o devido averbamento registal.
O Réu impugnou.
Proferiu-se sentença que julgou a acção procedente.
Em apelação o douto Acórdão da Relação de Coimbra - folhas 126 a 133, confirmou o devido.
Daí a presente revista.
2 - Nas suas alegações o Réu conclui: a) O exame hematológico é apenas um elemento de prova. b) O Autor não provou exclusividade das relações sexuais mantidas pela mãe do menor com o Réu nos primeiros 120 dias a 300 que procederam o nascimento do menor. c) A sentença é nula por não se ter pronunciado sobre questão que devia apreciar.
Em contra alegação pugnou-se pelo decidido.
3 - Colhidos os vistos, cumpre decidir.
4 - Está provado pela Relação: a) No dia 7 de Agosto de 1991 nasceu B que apenas foi registado como sendo filho de C - alínea A) especificação. b) Inexistem relações de parentesco ou afinidade entre a C e o Réu A - alínea B) da especificação. c) Entre Setembro de 1990 e Abril de 1991 a C e o Réu mantiveram entre si relações sexuais de cópula completa - resposta aos quesitos 1 e 2. d) Delas resultou a gravidez da C, no termo da qual nasceu o menor - resposta ao quesito 3.
Para cabal esclarecimento da realidade há que convir que o tribunal colectivo respondeu negativamente aos quesitos 4 a 10 - folha 93.
E no quesito 4, perguntava-se: "A mãe do menor, desde o início dessas relações, não manteve relações sexuais com outros indivíduos que não fosse o Réu, nomeadamente nos primeiros 120 dias dos 300 que precederam o nascimento do B?"
5 - Desta resposta negativa a um quesito formulado negativamente resulta tão somente:
- que não se provou que naquele período a mãe do menor só com o Réu tivesse mantido relações sexuais de cópula.
- e que, naquele mesmo período, igualmente não se provou que ela tivesse mantido semelhantes relações com qualquer outro homem, que não o Réu.
Daí nunca à correcção de afirmação da tese contrária ao conteúdo formulado no quesito.
Costuma-se dizer que Direito não é Álgebra, onde menos a multiplicar por menos, dá mais.
6 - Na fundamentação das respostas - folha 93 - o tribunal alicerçou-se, entre outros elementos, e,
"sobretudo", no teor dos relatórios de exame folhas 9 a
12 e 82 a 89 que apontam, respectivamente, para na probabilidade de 99,953 e 99,816, quanto à paternidade atribuída ao Réu.
Nas acções de investigação de paternidade, o que está em causa é a paternidade biológica.
É o pai biológico quem deve ser declarado pai de alguém que nasce fora do casamento: tal resulta dos artigos
1826; 1839 n. 2; 1847 e 1859 e outros do Código Civil.
Quer se trate de uma acção oficiosa - que é o caso - artigos 1865 n. 5 e seguintes, ou particular - artigos
1869 e seguintes - há que alegar e provar os factos integrantes da paternidade biológica.
A causa de pedir cifra-se que na aparência de uma das relações sexuais de cópula completa existentes entre a mãe e o Réu aquela engravidou, gravidez de que veio nascer o filho.
Com o Assento 4183 de 21 de Outubro de 1983 são dois os factos constitutivos de paternidade biológica:
- existência de relações sexuais entre a mãe do investigante e o pretenso pai durante o período legal da concepção fixado no artigo 1798;
- a fidelidade da mãe do investigante ao pretenso pai durante o mesmo período.
7 - Pelo artigo 1801 do Código Civil, nas acções relativas à filiação são admitidos como meios de prova os exames de sangue e quaisquer outros métodos cientificamente comprovados.
Este artigo, proveniente da reforma de 1977, aluindo pontos de auxílio ao campo científico com a sua permanente ânsia de sujeição e certeza, vem, nos casos em que estas se alcançam, destruir o afirmado pelo Réu recorrente, de o exame hematológico ser tão somente um elemento de prova.
Por isso Dr. Guilherme Oliveira ensinava em Estudos de
Homenagem ao Professor F. Correia, Página 87 "Não é facilmente aceitável que um tribunal despreze um resultado positivo, digamos, de 99 porcento e resolva em sentido contrário com base em provas convencionais".
Como os exames de sangue já permitem hoje, felizmente, fazer a prova directa de paternidade biológica, há que fazer uma interpretação actualista daquele Assento, restringindo-o.
Este Assento, como todos não vincula o Supremo Tribunal de Justiça, dada a sua revisibilidade - Acórdãos do
Tribunal Constitucional 810/93; 299/95; 337/95; 374/95 e 425/95.
Contudo não existe razão pertinente para rever a sua doutrina.
Daí que a norma deste assento, que impõe ao Autor o
ónus da demonstração de exclusividade, sob pena de improcedência do pedido, deve restringir-se aos casos em que não é possível fazer a prova directa de vínculo biológico, por meios probatórios - Dr. Guilherme
Oliveira, Rev. Leg. Jur. ano 28, páginas 180 e seguintes, em anotação ao Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10 de Maio de 1994.
Por isso hoje temos 3 tipos de acções de investigação de paternidade:
- Presuntivas - artigo 1871 do Código Civil,
- Exclusividade sexual, em aplicação do Assento 21 de
Junho de 1983.
- Laboratoriais, interpretando restritivamente o
Assento.
A presente situa-se neste último tipo, onde a probabilidade de paternidade do Réu relativa ao B é de 99,816 ou 99,953, correspondente a uma paternidade "praticamente provada", segundo a Tabela de
Hummel.
8 - Termos em que se nega a revista.
Custas pelo recorrente - sem prejuízo de apoio.
Lisboa, 24 de Setembro de 1996.
Torres Paulo,
Ramiro Vidigal,
Cardona Ferreira.
I - Comarca de Alcanena - 2. Secção - 82/93
II - Relação de Coimbra - 183/95
Data das Decisões Impugnadas:
I - 10 de Abril de 1995,
II - 23 de Janeiro de 1996.