Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
99/05.3TVLSB.L1.S1
Nº Convencional: 2ª SECÇÃO
Relator: ABRANTES GERALDES
Descritores: CONCESSÃO COMERCIAL
CLIENTELA
EQUIDADE
Data do Acordão: 05/17/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA PARCIALMENTE
Área Temática: DIREITO COMERCIAL - CONTRATO DE CONCESSÃO COMERCIAL
Doutrina: - CAROLINA CUNHA A Indemnização de Clientela do Agente Comercial, págs. 159 a 155, 185 a 190.
- JOANA VASCONCELOS, Cessação do contrato de agência e indemnização de clientela – algumas questões suscitadas pela jurisprudência relativa ao Dec. Lei nº 178/86, em Direito e Justiça, vol. XVI, tomo I, págs. 243 e segs..
- JOSÉ ALBERTO VIEIRA, O Contrato de Concessão Comercial, pág. 127.
- LACERDA BARATA, Anotações ao Novo Regime do Contrato de Agência, pág. 82.
- MENEZES CORDEIRO, “O julgamento de equidade”, em O Direito, ano 122º, págs. 272 e 273.
- MENEZES LEITÃO, Indemnização de Clientela no Contrato de Agência, pág. 80.
- PINTO DUARTE, Jurisprudência portuguesa sobre a aplicação da indemnização por clientela ao contrato de concessão comercial, na Revista Themis, nº 3, págs. 315 e segs..
-PINTO MONTEIRO, Contrato de Agência, Contrato de Agência, 5ª ed., págs. 133, 140; Contratos de Distribuição Comercial, pág. 158, 165 e segs..
Legislação Nacional: DEC. LEI N.º 178/86, DE 3-7: - ARTIGO 33.º, N.º1.
Legislação Comunitária: DIRECTIVA EUROPEIA Nº 85/653: - ARTIGO 17.º.
Jurisprudência Nacional: ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 21-4-05, CJSTJ, TOMO II, PÁG. 57; DE 15-11-07, DE 13-9-07 E DE 23-11-06 (TODOS EM WWW.DGSI.PT); DE 20-10-09 (WWW.DGSI.PT); DE 13-4-10 (WWW.DGSI.PT); DE 24-1-12, (WWW.DGSI.P).
Sumário :

1. Com as necessárias adaptações, é aplicável ao contrato de concessão comercial o regime do direito de indemnização de clientela previsto no art. 33º, nº 1, do Dec. Lei nº 178/86, de 3-7, para o contrato de agência.

2. O direito de indemnização depende da prova de que (i) o concessionário angariou novos clientes para a concedente ou aumentou substancialmente o volume de negócios com a clientela já existente e (ii) de que, após a cessação do contrato, o concedente beneficiará consideravelmente da actividade desenvolvida pelo concessionário.

3. Atentas as dificuldades que enfrenta o concessionário de, após a cessação do contrato, demonstrar factos que se projectam no futuro, como ocorre com os ligados à ocorrência de “consideráveis benefícios” para o concedente, basta para o efeito que, num juízo de prognose, se possa afirmar ter sido proporcionada à concedente a possibilidade de obter tais benefícios, designadamente pelo facto de o efectivo acesso à clientela angariada pelo concessionário lhe serem proporcionadas condições objectivas para a continuidade da clientela.

4. A quantificação da indemnização de clientela por parte do Tribunal, implica a ponderação, segundo critérios e juízos de equidade, da globalidade das circunstâncias e dos factores de ordem quantitativa (número de clientes, número de anos de duração do contrato, volume de negócios, etc.) e qualitativa, estando limitada à média ponderada do lucro líquido obtido nos últimos 5 anos.


A.G.
Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

I - S... - COMERCIALIZAÇÃO de AUTOMÓVEIS, Ldª,

propôs acção declarativa, sob a forma ordinária, contra

C... - VEÍCULOS LIGEIROS, SA,

pedindo a sua condenação no pagamento da quantia de € 490.411,13, a título de indemnização de clientela e de juros vincendos, e a que se vier a liquidar em execução de sentença, a título de indemnização.

Alega que celebrou com a R. um contrato concessão comercial pelo qual esta lhe atribuíra a distribuição automóvel da marca S..., de que era importadora, na zona do concelho da Amadora

A R. accionou a cláusula de rescisão do contrato de concessão, tendo a A. direito a ser indemnizada em função da clientela entretanto angariada.

Além disso, a R. comunicou aos clientes que a A. angariara que esta iria cessar a sua actividade, informação que era falsa e enganadora, já que o fim da concessão não inviabilizava outras actividades da empresa, induzindo em erro o universo de clientes, o que lhe gerou graves perdas.

A R. contestou e alegou que era vontade que a A. integrasse a rede de concessionários da S..., em novos moldes, mas a A. não se mostrou interessada.

O contrato foi denunciado pela R. pelo facto de existir um novo regulamento comunitário aplicável ao sector automóvel, sendo necessário reajustar os contratos, o que a A. se negou a fazer.

A A. só não é concessionária da marca S... porque o não quis ser e, além disso, continua a auferir proventos, já que continua a prestar assistência técnica e a reparar veículos S..., mantendo os clientes angariados.

A clientela angariada durante o período da concessão foi sobretudo resultado de investimentos da R. em publicidade e promoção, dos quais também a A. beneficiou.

Cessado o contrato, não houve qualquer benefício adicional para a R., não foi estabelecido outro concessionário na zona geográfica da anterior concessão e não houve vendas nessa área, pelo que não estão reunidos os pressupostos de atribuição da indemnização de clientela.

Ao rejeitar o novo contrato de concessão com a R., a A. causou-lhe prejuízos consistentes nas vendas e nos negócios que deixou de poder realizar, pretendendo que a A. reconvinda seja condenada no pagamento da quantia de € 58.828,18.

A A. replicou.

Foi proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente, condenando a R. no pagamento da quantia de € 150.000,00 e juros de mora, por indemnização de clientela, e na quantia a liquidar a título de responsabilidade civil extracontratual. Foi ainda julgada improcedente a reconvenção.

A R. apelou, tendo a Relação reduzido a indemnização por clientela para € 75.000,00 e revogado a sentença na parte em que condenou a R. a pagar a quantia a liquidar subsequentemente.

A R. interpôs recurso principal de revista e concluiu que:

1) A indemnização de clientela remunera o agente/concessionário pela mais valia que traga ao principal/concedente, pelo benefício considerável pela clientela angariada por ele que o principal vai obter após a cessação do contrato;

2) Nenhuma matéria existe nos autos que permita discernir quais os efeitos benéficos na A. da actividade da R., mormente que clientes da A. da área onde actuava se transferiram após a cessação do contrato, para a área da R., directa ou indirectamente, pelo que não deve ser reconhecido o crédito da A.;

3) Tendo em conta que os clientes têm de ser habituais ou fixos e novos, sendo ainda necessário que o benefício quantitativo ou qualificativo resulte da actividade do agente, sendo o benefício considerável após a extinção e não resultando demonstrado nenhum destes critérios, deve improceder a indemnização de clientela;

4) O livre exercício da liberdade de contratar terá, necessariamente, como limite, os ditames da boa-fé na fase de negociações e deverá ceder quando seja atentatória de tal boa-fé, o que se verificou nos autos, recaindo, por isso, na A. a obrigação de indemnizar a R. pelos prejuízos causados, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 562° do CC;

5) Tendo resultado provado que a R., por força do Regulamento Comunitário 1400/02, denunciou o contrato de concessão celebrado com a A., o que nunca foi posto em causa por esta e que a informou e participou em todas as reuniões promovidas pela R. com vista à efectivação do novo contrato de concessão, chegando-se ao ponto de a R. lhe entregar os respectivos textos do contrato prontos a colher apenas a assinatura da recorrida, quando, pelo menos, relativamente ao serviço de pós-venda, estava a negociar com a B... CAR SERVICE, é forçoso concluir, à luz dos mais elementares princípios da boa fé e atento o estado das conversações entre as partes, que tudo apontava claramente para o interesse da A. na conclusão dos contratos, tendo sido omitido da R., enquanto decorriam tais conversações, quanto ao serviço pós-venda, o contrato celebrado com a B... CAR SERVICE, facto que, por si só, é altamente revelador da má fé com que A. negociou para agora pretender beneficiar de uma indemnização de clientela;

6) Ao actuar da forma como o fez em sede de conclusão do novo contrato, a A. colocou-se propositadamente numa situação para que depois pudesse vir exigir uma indemnização de clientela, porquanto a sua estratégia foi ganhar tempo, mantendo conversações com a R., em que aparentava um falso interesse em celebrar os novos contratos de concessão (venda de veículos novos) e de serviço autorizado (assistência pós-venda), quando, na verdade, a A. nunca esteve verdadeiramente interessada em continuar a ser concessionária S..., por sempre ter pretendido, sem, no entanto, o evidenciar expressa ou tacitamente, reclamar uma indemnização de clientela, tudo para que a R. não resolvesse o contrato celebrado por incumprimento da A. antes da data em que se produziriam os efeitos da mencionada denúncia;

7) Com tal actuação, a A. causou prejuízos à R. dos quais deve ser indemnizada, a título de pedido reconvencional, porquanto o que subjaz a esse pedido foi a forma súbita como a A. decidiu não mais continuar a ser concessionária e serviço autorizado da R., o que impediu, desde logo, a R. de, com a necessária antecedência, a substituir por outra empresa;

8) O cômputo dessa indemnização tem por base as vendas de veículos, peças e acessórios que a A. realizou em 2003 e, relativamente aos anos de 2004, que a R. estimaria que a A. vendesse;

9) O acórdão recorrido julgou mal a verificação do requisito plasmado na al. b) do n° 1 do art. 33° do Dec. Lei nº 178/86, porquanto as vendas na área da concessão pura e simplesmente não existiram após a cessação do contrato, até à nomeação de novo concessionário, sendo ainda de relevar que a clientela não se transferiu para outros concessionários mais próximos da área anteriormente concessionada à A.., tanto mais que, como resultou provado, nos dois concessionários da R. mais próximos das zonas onde a A. desenvolveu a sua actividade, a saber, em Lisboa, através do concessionário Cimpomotor Lisboa, entre 2003 e 2004 houve um decréscimo das vendas em 16%, ou seja, foram vendidos menos 20 veículos novos e em Cascais, através do concessionários Cimpomotor Atlântico, entre 2003 e 2004, o decréscimo de vendas foi ainda maior, cifrando-se em 20,3%, ou seja, vendeu menos 13 veículos novos, sendo ainda de relevar que, tal como resultou provado, a A. continuou a encomendar peças da marca S... aos concessionários da R., o que significa, sem mais considerações, que a A. continuou a retirar benefícios dessa clientela:

10) A admitir-se o reconhecimento do direito da A. à indemnização da clientela, o que apenas por mera cautela de patrocínio se admite, tenha-se em conta que a R., em virtude das encomendas a si efectuadas pela A., apenas conhece as identidades e moradas dos clientes que tenham adquirido veículos novos e a A. continuou a prestar assistência técnica ao veículos da marca S..., termos em que se impõe concluir que a A. continuou a beneficiar da mais valia da clientela angariada, pelo que se encontra satisfeita a génese da atribuição da indemnização de clientela, nada mais lhe sendo devido;

11) Assim, deve excluir-se a indemnização de clientela, ou, caso se mantenha o seu propósito, deve ser reconhecido que se encontra satisfeita a génese da atribuição da indemnização de clientela, nada mais lhe sendo devido e, concomitantemente, ser reconhecido o direito da R. a ser ressarcida dos prejuízos que lhe foram causados pela forma súbita como a A. comunicou à R. a sua decisão de não mais continuar a ser concessionária, operando-se a devida compensação.

Houve contra-alegações.

A A. interpôs recurso subordinado de revista e concluiu que:
a) Para angariação de clientela poderá ser possível invocar como contributo atribuível à R. concedente, quanto muito, eventual influência de impacto da marca automóvel S... e algum reflexo, necessariamente colateral e esporádico, verificável, na zona de concessão, a emergir da publicidade que a R. concedente haja produzido para tal marca, abrangente de todas as concessões congéneres, em todo o país.
b) Enquanto que, por parte da A. concessionária, temos um trabalho constante, eficiente eficaz e profícuo, ao longo de 13 anos, prestado em regime de exclusividade para a marca automóvel S... e para a R. concedente, com empenho e envolvimento na promoção e divulgação dessa marca, proporcionando-lhe publicidade, persistente e variada, formando pessoal à medida e em consonância com directrizes específicas da concedente, aprimorando as suas próprias instalações, melhorando-as e adquirindo outras, imprimindo a todas características condizentes com a marca, no cumprimento das exigências postas pela concedente, angariando novos clientes para a marca e fidelizando toda a clientela abrangida, posicionando-se nessa tarefa especial em lugares cimeiros das vendas, no "ranking" a nível nacional, ao ponto de, finda que foi a respectiva concessão, ter a R. concedente continuado a remeter informação promocional a clientes conquistados pela A. concessionária e, assim, tendo aquela logrado, em termos gerais, um aumento do volume de negócios.
c) Sendo, embora, uma probabilidade haver-se verificado, na angariação de clientes, alguma influência da marca ou da publicidade a esta editada pela R. concedente - o que, aliás, não se mostra especificamente provado nos autos - certo é e insofismável que a publicidade à marca da autoria e acção da A. concessionária ter-se-á reflectido favoravelmente em áreas de incidência de outros concessionários, ganhando, assim, a marca e a própria R. concedente.
d) Poderá, eventualmente, legitimar-se a invocação de que, na angariação de clientela, haverão porventura desempenhado algum papel, reflexamente - apenas ténue e esvaído - um provável impacto a marca e a publicidade abrangente ordenada pela R. concedente, mas foram reais o grande esforço e o constante empenho, bem como a efectiva obtenção de bons resultados por banda da A. concessionária, ao longo de 13 anos.
e) Verdade é, pois, que o concreto na boa obtenção de resultados pela concessão, na angariação, consecução e fidelização de clientes pertenceu a mérito e actuação da A. concessionária, ficando a acção da R. concedente, neste campo, em presumíveis impactos colaterais e, em todo o caso, sem prova, nos autos.
f) Ora, perante esta diferença abissal de conteúdos - se for de aceitar que a R. concedente contribuiu - para a angariação de clientela, o acórdão recorrido decretou que o montante da compensação devida à A. concessionária por tal angariação haveria de cifrar-se em € 75.000,00, reduzindo, assim, por forma drástica o valor como tal considerado pela sentença, o qual fora de € 150.000,00;
g) Pela referida decisão, aquele Acórdão, tendo embora considerado que o aporte para a obtenção de clientela se poderia ter como produzido a meias - aliás, sem base, como julgamos - por cada uma das partes interessadas, acabou por declarar: - “de nível ligeiramente inferior ao intermédio, atendendo ao patamar superior, legalmente fixado”, para a A. concessionária, e isto, quando já antes o havia afirmado que, contas feitas, “atingimos a média anual próxima à quantia de € 237.200,00”.
h) A norma jurídica aplicável ao caso (que o é por analogia) consta do Dec. Lei n° 178/76, na formulação que lhe deu o Dec. Lei n° 118/93; exactamente, do seu art. 34° que manda fixar a compensação por clientela em termos equitativos, embora sem poder exceder um valor equivalente a uma indemnização anual calculada a partir da média anual das remunerações recebidas (leia-se, em termos de contrato de concessão: o rendimento líquido auferido pelo concessionário em razão do exercício da sua actividade comercial).
i) O que nos autos está em causa é a compensação por clientela, significando isso que a equidade exigida pela disposição legal aplicável deverá reportar-se e ter como indicativo o efectivo contributo alinhado por cada uma das partes (R. concedente e A. concessionária) na produção dos resultados objectivos conseguidos, em angariação de clientela, sua real obtenção e fidelização consequente.
j) Portanto, no caso dos autos, não poderá encontrar-se equidade na partilha em partes iguais (tanto para a R. concedente, quanto para a A. concessionária) do efectivo contributo para a angariação de clientela, visto que à acção da primeira (a R. concedente) não poderá atribuir-se igual valor, nos resultados, como aquele que possa ser deferido à segunda (a A. concessionária), já que toda a produção, na finalidade em causa, da A. concessionária teve uma dimensão tal que jamais os presumíveis méritos da R. concedente (incluindo o impacto da marca) poderiam, em concreto, lograr sequer alguma aproximação.
k) Ao decidir como decidiu, neste ponto específico o Acórdão claudicou por não fazer a correcta interpretação de uma lei substantiva que, dessa forma, foi violada, ou seja, violou o o preceituado pelo art. 34° do Dec. Lei nº 178/76, com as alterações que lhe introduziu o Dec. Lei n° 118/93.
l) Deve ser dado integral provimento ao presente recurso, revogando-se a decisão recorrida que, por ter baixado para metade (€ 75.00,00) a indemnização por clientela antes fixada em € 150.000,00, não julgou em termos equitativos, conforme impõe a lei substantiva aplicável (por analogia - contrato de agência) e substituindo tal decisão por outra que saia do pleno acatamento da equidade que, para o caso, se tenha por acertada.

Houve contra-alegações.

Colhidos os vistos, cumpre decidir.

II - Factos provados:
1. A A. é uma sociedade comercial que se dedica ao comércio de automóveis, peças e acessórios - A);
2. A R. é uma sociedade comercial que se dedica ao comércio grossista de automóveis e veículos a motor, importadora de veículos automóveis da marca S... e respectivas peças sobressalentes para Portugal - B);
3. À R. cabe organizar e regular a sua relação comercial com o construtor dos veículos que importa, da qual emergem para a R. avultados encargos - LLL);
4. Em 1990 era feita publicidade à marca S... - 59º;
5. Em Março de 1990 a R. atribuiu à A. a concessão automóvel da marca S... para a zona geográfica do concelho da Amadora - C);
6. A A. foi constituída, em 6-4-90, tendo como um dos sócios G...C..., pessoa a quem, em Março desse ano, a R. comunicou confirmar a atribuição da concessão da marca S... para o concelho da Amadora, concessão que devia satisfazer as condições de representação que a R. estabeleceu - 1º a 3º;
7. No dia 29-7-96, a A. e a R. celebraram o contrato de concessão comercial por tempo indeterminado que veio a substituir o anterior (doc. fls. 62 a 90) - D);
8. Estipula o contrato de concessão:
1° - O presente contrato tem por objecto a regularização das relações relativas às vendas pelo concessionário, de veículos novos e peças sobressalentes da marca S... importados em exclusivo pelo primeiro outorgante, a CVL, e fornecidos segundo as condições constantes no ANEXO I apenso ao presente contrato e do qual faz parte integrante.
2º - O concessionário obriga-se a promover a venda do material referido no número anterior, bem como a prestação de serviços necessários à sua manutenção e utilização e, ainda, à salvaguarda, em todas as circunstâncias, do bom nome e prestígio da marca S... em conformidade com o estabelecido no Anexo II apenso ao presente contrato e do qual faz parte integrante.
3° - A CVL confere ao concessionário o direito de exercer as actividades constantes do presente contrato com base no território geográfico indicado no seu ANEXO II.
4º - O concessionário obriga-se a desenvolver todos os seus esforços com vista à venda, durante a vigência do presente contrato, dos veículos novos de marca S... e peças sobressalentes respectivas, nas quantidades, e montantes estabelecidos nos ANEXOS III e IV apensos ao presente contrato e do qual fazem parte integrante, os quais foram fixados de mútuo acordo e com base nos elementos estatísticos disponíveis no respeitante à zona geográfica onde o concessionário vai prosseguir a sua actividade, princípios estes que serão respeitados nas revisões anuais desses objectivos.
(...)
8º - O concessionário aceita que a CVL fiscalize a sua actividade abrangida pelo presente contrato, obrigando-se, pois, a facilitar o acesso aos locais da sua actividade e documentação e a prestar todos os esclarecimentos que, para os fins referidos, lhe forem solicitados pelos mandatários da CLV.
(...)
9° - O presente contrato é estabelecido para vigorar por tempo indeterminado com início no dia 29-7-96, sendo facultado a qualquer das partes proceder à sua rescisão, a todo o tempo e mediante denúncia comunicada à outra parte, por carta registada com aviso de recepção e em conformidade com os prazos para o efeito previstos no art. 5° do Regulamento Comunitário n° 1475/95 de 28-6. No entanto e atendendo à sua duração indeterminada deste contrato, as condições fixadas nos seus Anexos II, III e IV serão revistas, por iniciativa da CVL, com uma periodicidade anual por forma a adaptá-las à conjuntura prevista para o ano civil seguinte. (...)” - E);
9. Dispõe o Anexo I do contrato:
(...) 1.2. Todas as circunstâncias e compromissos, mesmo de carácter excepcional que sejam susceptíveis de afectar desfavoravelmente a actividade comercial, tais como a gestão ou a situação financeira e patrimonial do concessionário, a constituição de hipotecas, penhoras e em geral todas as garantias de crédito reais ou obrigacionais, deverão ser comunicadas por escrito à CVL.
1.3. Os direitos e obrigações decorrentes do presente contrato não poderão ser objecto de qualquer transmissão, incluindo trespasse sem acordo prévio e escrito da CVL (...)
Fica dependente de autorização prévia e escrita da CVL a comercialização de outras marcas por parte do concessionário, na mesma instalação comercial e na mesma entidade jurídica, bem como a admissão de sócio, gerente, administrador, ou a qualquer outro titulo, de pessoas interessadas na venda de veículos de outras marcas, sem prejuízo das autorizações concedidas anteriormente à data da assinatura do presente contrato.
(...)
O concessionário consagrará toda a actividade à execução das obrigações inerentes à concessão, que explorará sempre directamente e, a título complementar, através dos seus agentes, com exclusão de qualquer outra forma de distribuição ou comercialização.
O concessionário é considerado para os efeitos, um comerciante, agindo e explorando o seu negócio por sua conta e risco. É em nome próprio que contacta com a clientela, pelo que em caso algum poderá ser considerado como mandatário da CVL” - F);
10. O Anexo II refere-se às condições gerais de comercialização e estipula:
2.1. ZONA DE ACTIVIDADE
Para os efeitos deste contrato, o concessionário deverá exercer a sua actividade com predominância na seguinte área geográfica: Concelho de: Amadora Freguesias: Cacém e Queluz (...)
VENDAS DIRECTAS E VENDA A FROTAS
(...)
A CVL reserva-se o direito de também vender veículos novos directamente na zona de actividade do concessionário nos seguintes casos:
- Vendas ao seu pessoal, bem como ao das empresas do mesmo grupo;
- Vendas a título de publicidade (...);
- Vendas a órgãos de comunicação social e jornalistas;
- Vendas a altas personalidades (...);
- Vendas aos seus fornecedores (...);
- Vendas a representantes e funcionários do Corpo Diplomático e Consular e de Organismos Internacionais;
- Vendas às Forças Armadas e Militarizadas e Forças de Segurança.
(...)
VENDAS ESPECIAIS
A CVL reserva-se o direito de venda de veículos novos marca S...:
- Aos serviços centrais de compras do Estado (...);
- Às Empresas Publicas CTT/TLP e EDP, e às empresas ou Organismos Públicos ou privados com parque total de viaturas ligeiras superior a 500 unidades.
(...)
INSTALAÇÃO E ORGANIZAÇÃO DE VENDA E APÓS VENDA
O concessionário beneficiará de assistência técnica, comercial e administrativa por parte da CVL
a)(...)
No caso de desejar criar novas instalações de comercialização e ou de assistência pós-venda, o concessionário deverá obter previamente o acordo da CVL.
(...)
O concessionário deverá dispor de uma organização comercial que integre, nomeadamente um ficheiro de clientes, e de um número de vendedores correspondente ao objectivo de vendas da sua concessão.
Deverá ainda dispor de um número de veículos de demonstração adequado e conforme as directivas CVL.
c) (...)
Aplicará os programas de manutenção, tempos codificados de reparação preconizados pela CVL e utilizará as ferramentas especializadas por esta recomendadas.
O concessionário assegurará a formação do seu pessoal de venda e pós-venda segundo as directivas da CVL, fazendo participar o mesmo nos estágios de aperfeiçoamento por esta organizados.
(...)
2.11. PUBLICIDADE E PROMOÇÃO
O concessionário compromete-se a incentivar a venda dos produtos distribuídos pela CVL por todos os meios adequados e, em especial, pela sua actividade e promoção, sob a forma adequada, com a restrição de que todos os materiais a utilizar para o efeito devem ser fornecidos pela CVL ou previamente autorizados por esta.
(...)
O concessionário deverá sinalizar as suas instalações com painéis normalizados S... a encomendar ao fornecedor indicado pela CVL (...).
O arranjo dos pontos de venda e exposição do concessionário deverá obedecer às directivas da CVL e às normas da S.... (...)” - G;
11. No ponto 2.9. do Anexo II do contrato:
(…) dada a natureza de representada de marca que os agentes assumem, os contratos de agente deverão ser estabelecidos com o conhecimento da CVL;
O concessionário deverá fazer com que os agentes possuam as instalações adequadas à importância do mercado ou na zona onde se situam e velará pela sua devida conservação apresentação e imagem de marca. Facultará ainda aos seus agentes, através de contactos frequentes os documentos e informações necessárias a uma assistência eficaz aos veículos da marca S...” - 7º e 8º;
12. O preço de venda ao público de veículos novos e as respectivas margens de comercialização são recomendadas pela R. em circulares a serem distribuídas na rede, conforme ponto 3.5. do Anexo III ao contrato referido em 10. - 6º;
13. Outro dos objectos e objectivos do contrato de concessão era, além da venda de veículos novos, a venda de peças sobressalentes da marca S..., importados em exclusivo pela R. - HH);
14. À A. também estava incumbida a tarefa de prestar os serviços necessários à manutenção e utilização dos produtos distribuídos em exclusivo pela R., mesmo quanto a viaturas não vendidas pela A. - LL);
15. Como obrigações a R. tinha de prestar informações técnicas e comerciais sobre a exploração da concessão, nomeadamente quanto às características dos produtos, entrega dos mesmos com toda a documentação necessária, como fosse a listagem dos preços - H);
16. A R. tinha ainda que participar em certas despesas ou mesmo financiá-las, nomeadamente as destinadas à publicidade, promoções, formação de pessoal técnico e dos agentes comerciais - I);
17. À R. cabia também a obrigação de facultar à A. parte do seu material destinado à publicidade - J);
18. A A. tinha obrigações de exclusividade como concessionária da R. - L);
19. A R. tinha a obrigação de vender com exclusividade à A. os produtos que constituem o objecto do contrato na zona geográfica fixada no contrato - M);
20. À R. cabia a obrigação de proteger a zona geográfica de exclusividade da A., impondo aos outros seus concessionários a proibição de venda - N);
21. O contrato de concessão fixava também que a A. tinha que cumprir a entrega dos produtos à clientela pela ordem de inscrição, de acordo com o registo das encomendas feitas pelos clientes, conf. Anexo III ponto 3.8. do contrato - O);
22. O mesmo contrato definia as várias regras respeitantes às condições gerais de comercialização - zona de actividade, zonas balizadas, transferência de propriedade e residência de clientes, circulação de veículos, vendas directas e indirectas e frotas, vendas especiais, venda de veículos usados, instalação e organização de venda e após venda, agentes, lista de agentes, publicidade e promoção, objectivos de compras anuais, análise de vendas, stocks comerciais, tabela de venda ao público e margens de comercialização, transporte de veículos novos, preparação de veículos, entrega a clientes, manutenções e garantias, modificações nos veículos e condições de pagamento - P);
23. A A. tinha obrigatória e frequentemente que dispor de stocks de mercadorias e de peças de substituição, para poder, deste modo, colocá-las rapidamente à disposição da clientela, conforme Anexo III e IV do contrato - Q);
24. O contrato fixava as áreas de venda e determinava as quantidades mínimas de venda através da cláusula de quotas, impunha os preços e outras condições de venda dos produtos, especificava os métodos de venda, conforme cláus. 4ª e Anexos II e VI do contrato - R);
25. O contrato de concessão estipulava as condições de garantia devida pela autora à clientela, bem como as obrigações decorrentes daquelas condições em relação aos clientes, conf. Anexo III ponto 3.9., e Anexo IV ponto 4.5. - S);
26. Dispõe o Anexo VI referente “DA DURAÇÃO E RESOLUÇÃO DO CONTRATO”:
“(…)
6.2. O presente contrato poderá igualmente cessar por efeito de resolução praticada por motivo de incumprimento de qualquer das obrigações nele assumidas pelas partes, por incumprimento de objectivos e por insuficiente penetração na zona de influência. (...)” - T);
27. A A. estava obrigada a informar a R. sobre a forma como decorria a sua actividade, apresentando-lhe periodicamente relatórios sobre os resultados da actividade, as necessidades e os interesses demonstrados pela clientela, a estatística das operações realizadas, conforme Anexo VII do contrato - U);
28. A R. impunha à A. obrigações relativas à política de qualidade do produto, de serviços a prestar aos consumidores, de publicidade e de apresentação dos produtos, e à política de abastecimento - V);
29. A A. estava obrigada à criação, manutenção e desenvolvimento de um ficheiro de clientes, ou seja, uma base de dados informatizada e organizada com sucessivas e permanentes actualizações, pronta a ser utilizada para as diversas campanhas que a R. realizava e que realizou ao longo da vigência do contrato - NN);
30. A A. tinha um ficheiro de clientes que haviam comprado carro novo com a descrição da matrícula do veículo - 11º;
31. Até à cessação do contrato, os clientes angariados que compraram veículos novos constavam de listagem/ficheiro fornecida à R. ou a que esta tinha acesso - 49°, 50°, 63° e 64°;
32. A R. sempre pôde acompanhar a distribuição dos seus produtos sem suportar os encargos inerentes à distribuição directa e com garantia de que conseguia pôr em prática a sua política comercial - X);
33. Regularmente dirigiam-se delegados da R. às instalações da A. para verificação do decurso da actividade - 118º;
34. A A. assumia os riscos da falta de venda dos produtos, suportando os custos de gestão dos stocks, os prejuízos resultantes da falta de pagamento e os riscos de deterioração dos produtos - Z);
35. A A. retomava veículos usados com custos e riscos a seu cargo - 39°;
36. Os objectivos de vendas eram de carácter indicativo e não vinculativo e existiam apenas para impulsionar as vendas, atribuindo prémios aquando do respectivo alcance - 115º e 116º;
37. A A. iniciou as suas funções com 3 trabalhadores para desempenharem as funções necessárias ao arranque conforme as instruções da R., e no último ano de relação contratual entre ambas as partes a A. tinha ao seu serviço 12 funcionários, além das relações contratuais de serviço que tinha com terceiros - FF) e GG);
38. Nos últimos 5 anos do contrato, o valor dos vencimentos e encargos com o pessoal, suportado pela A., foi de € 1.139.657,90 - 20º;
39. A A. sempre assegurou a formação do seu pessoal de venda e pós-venda, segundo as directivas da R., tendo participado o mesmo em estágios de aperfeiçoamento organizados pela R. - AA);
40. A A. usa e dispõe das instalações sitas na R. ..., no Cacém, mediante o pagamento de uma quantia mensal, sendo esta, em Fevereiro de 2004, de € 1.472,60 - 15° a 17°;
41. A A. manteve sempre as instalações em bom estado de manutenção e conservação, procedendo a melhoramentos de modo a corresponderem à imagem da marca - 10°;
42. Nas instalações da A. houve sempre necessidade de efectuar obras específicas de adaptação para cumprimento das várias exigências específicas da R., ao abrigo do contrato de concessão - nomeadamente na aplicação de soalhos, tectos falsos e pinturas com formas e cores específicas, além de todas as outras adaptações e obras que a A. teve de mandar executar, sempre de acordo com os níveis de exigência, que eram dispendiosos, e aproximação aos produtos S..., importados e distribuídos pela R. e distribuídos em exclusivo na área do concelho da Amadora e freguesias de Queluz e Cacém pela A. - DD);
43. Em termos de equipamento, foram adquiridas pela A. secretárias, cadeiras, computadores, sistemas informáticos, ferramentas e maquinaria com as especificidades próprias e exigidas pela R., tendo a A. suportado investimentos - 18º e 19°;
44. Desde o início do contrato que a A., por si, e através de reforços financeiros dos seus sócios, investiram de forma ininterrupta - CC);
45. A A. sempre aplicou os programas de manutenção preconizados pela R. e utilizou as ferramentas especializadas impostas pela R. -  12º;
46. Sempre existiu uma compatibilização nos sistemas de informática de gestão com os da R. e demais concessionários - BB);
47. Os sócios da A. dispunham e exibiam constantemente várias viaturas e os demais produtos da marca S... - EE);
48. A A. foi a primeira e a única concessão a implantar-se e a actuar na zona geográfica de actividade de exclusivo tal como demarcada no contrato de concessão - OO);
49. Os produtos da R. passaram a ter uma representatividade de mais de 16% do nível nacional - PP);
50. A A. contribuiu para a representatividade dos produtos da R. a nível nacional - 47°;
51. A A. incentivou a venda dos produtos distribuídos pela R. através de publicidade e promoção dos mesmos, o que foi feito nomeadamente através dos seguintes meios: jornais e revistas, painéis publicitários em carros de condução; exposições em centros comerciais (no Continente da Amadora e Makro de Alfragide), cerimónias de lançamento de viaturas novas, brindes publicitários - porta-chaves, convites de lançamento de modelos novos, cartões de boas festas - 21º a 31°;
52. A A. suportou, nos últimos 5 anos, custos com publicidade - 32°;
53. A A. angariou clientela para os produtos distribuídos em exclusivo pela R. - MM);
54. Ao longo da vigência do contrato de concessão a A. angariou clientes novos da marca S... - 48°;
55. Para a angariação de clientes durante a vigência do contrato de concessão, contribuiu também o investimento da R. em publicidade e promoção dos seus produtos, através de anúncios na televisão, na imprensa, na imprensa especializada e com acções de divulgação e patrocínios - 90°;
56. O investimento da R. em publicidade, entre 1999 e 2003, ascende a € 8.389.113,04 - 60°;
57. A A. aceitou e apoiou algumas iniciativas propostas pela R. no que respeita à venda, promoção e dignificação dos produtos S... - 4º e 5º;
58. Em 2000, a A. vendeu 261 veículos novos, quando o objectivo era 212 - 67°;
59. Em 2001, vendeu 85, sendo que o objectivo era 128 - 68°;
60. Em 2002, vendeu 74, sendo que o objectivo era 93 - 69°;
61. Em 2003, até Agosto, vendeu 25, quando o objectivo era de 59 para o conjunto dos 1º, 2º e 3º trimestres - 70° e 107°;
62. Quanto à venda de peças e acessórios, nos anos de 1999 e 2001 a A. ultrapassou o seu objectivo em 28,74% e 9,84%, respectivamente - 71º;
63. Já nos anos de 2000, 2002 e 2003 a A. ficou aquém de cumprir os respectivos objectivos - 72°;
64. A A. não enviou à R. o relatório e contas do final do ano - 73º;
65. Todos os meses a R. divulgava, na forma de tabela, os resultados das vendas de viaturas novas, bem como de peças e acessórios, a nível nacional e a nível de cada concessão, referindo o ranking dos mesmos e frequentemente a A. ocupava os primeiros lugares no ranking de aproximadamente 36 concessões em todo o país - II) e JJ);
66. Nos últimos 5 anos de vigência do contrato, ou seja, entre 1999 a 2003, a A. vendeu, pelo menos, 716 viaturas S... novas cuja venda representou um valor aproximado de € 11.440.000,00 de volume de vendas - 34º e 36°;
67. Para a venda das mesmas 716 viaturas a A. suportou o custo aproximado de € 10.200.000,00 - 37°;
68. Com essas vendas, a A. obteve um valor de margem igual a 10,37%, numa quantia aproximada de € 1.186.000,00 - 38°;
69. Nos últimos 5 anos de vigência do contrato vendeu 246 viaturas usadas - 40°;
70. Em termos de peças e acessórios, nos últimos 5 anos de vigência do contrato, a A. obteve um volume de € 1.170.244,99 - 41º;
71. Para aquisição das mesmas peças e acessórios a A. suportou um custo de € 854.122,74, obtendo, assim, uma margem bruta de € 316.122,25, calculada pela diferença entre os valores das vendas e dos custos suportados - 42º e 43º;
72. Nos anos de 1999 a 2001, a A. abriu e executou 5.783 obras de serviço pós venda e nos anos seguintes abriu e executou tais obras em número não apurado - 44°;
73. Durante os últimos 5 anos de vigência do contrato, a A. obteve um volume de € 933.091,63 em mão-de-obra - 45°;
74. Com data de 23-9-02 a R. enviou à A. uma carta cujo assunto é a “cessação do contrato de concessão”, onde consta o seguinte:
A S... Motor Corporation pretende reorganização a rede de concessionários autorizados, dos seus distribuidores europeus, incluindo Portugal, tendo em conta o crescimento constante da competitividade no mercado da distribuição automóvel, e por forma a assegurar e melhorar a sua actual posição no mercado automóvel. (...)
Devido ao novo Regulamento 1400/02 de 31-7-02, a C...-Veículos Ligeiros S.A., irá reorganizar a rede de concessionários em Portugal, de forma a ter em conta as futuras alterações na procura dos serviços de assistência técnica e na compra de novos veículos motorizados.
Estas alterações impõem a redefinição dos padrões que deverão ser respeitados pelos concessionários.
Pelas razões acima mencionadas, vimos por este meio comunicar a V. Exªs. a rescisão do contrato de concessão, assinado entre nós em 29-7-96, bem como os aditamentos relacionados com este contrato, de acordo com a cláus. 6 do mesmo, com efeitos a partir de 1-10-03 (inclusive).
Faz parte da política quer da S... quer da C... - Veículos Ligeiros, S.A., associar-se a distribuidores leais e competentes de forma a assegurar o sucesso da marca S... e optimizar a confiança e apreço dos clientes para o futuro.
Vossas Exas. são considerados pela C... - Veículos Ligeiros, S.A., um parceiro valioso e com quem gostaríamos de continuar a trabalhar. Por esse motivo, ser-vos-á proposto um novo contrato de concessão de venda de veículos motorizados e um novo contrato de concessão de serviços técnicos, de acordo com os padrões que serão definidos para a representação da marca S....
Um dos princípios básicos desta regulamentação é que cada organização terá de optar entre um sistema de distribuição exclusiva ou selectiva.
Ambos os sistemas têm as suas vantagens e desvantagens. A S... Motor Corporation optou pelo sistema de distribuição exclusiva para as suas transacções na Europa, o que significa que cada futuro distribuidor receberá contratualmente a garantia de um território específico. (...)” - RR;
75. Foi enviada a todos os concessionários uma comunicação de idêntico teor a denunciar os contratos - SS);
76. A necessidade de reestruturação da rede de concessionários verificou-se com outros importadores de automóveis em Portugal e no resto da Europa - TT);
77. Antes de 30-9-03, a R. promoveu junto dos concessionários várias iniciativas a fim de os esclarecer sobre os novos moldes em que se processaria a distribuição dos automóveis da marca S..., de acordo com o regulamento comunitário - 77°;
78. Designadamente, em 1-2-02, a R. reuniu em Torres Vedras todos os concessionários, inclusive a A. - 78º e 79°;
79. Em 23-9-02, a R. promoveu outra reunião, que teve lugar em Lisboa, para explicar a todos os concessionários as implicações que o novo Regulamento Comunitário iria determinar no sector automóvel, bem como informar das medidas que, face a esse Regulamento, a R. iria tomar em relação à rede de concessionários S... - 80°;
80. Também nesta reunião, em que estiveram presentes representantes da A., foi distribuído a todos os concessionários da R. documentação explicativa do novo Regulamento Comunitário - 81°;
81. Em 20-7-03, na sequência das reuniões anteriores, a R. enviou para todos os concessionários, incluindo a A., o primeiro projecto do novo contrato de concessão e do novo contrato de serviço autorizado, a celebrar com estes - 82°;
82. A R. enviou à A. o texto final de tais novos contratos - 83°;
83. O novo contrato proposto aos concessionários, era, na prática, uma tradução para português do contrato “pan-europeu” elaborado pelo construtor e igual para todos os países europeus - 84°;
84. A R. promoveu nova reunião, em 29-9-03, com os concessionários, com o intuito de esclarecer dúvidas a respeito dos novos contratos, mas com a A. reuniu apenas dias depois - 85°;
85. Na altura em que a A. reuniu com a R., expressou a sua decisão de não celebrar os contratos que esta lhe propôs - 86°;
86. Todos os concessionários da rede S... a quem foram propostos os novos contratos, à excepção da A., aceitaram o novo contrato - 87º;
87. Os novos contratos conferem margens de venda superiores às que eram praticadas no âmbito do contrato anterior - 88º;
88. Entre A. e a R. não foi celebrado outro contrato, como também não foi pela R. mantido ou renovado o que então vigorava - UU);
89. Após a cessação do contrato com a A. o volume de negócios da R. não decresceu, tendo aumentado - QQ);
90. Após a produção dos efeitos da rescisão unilateral ditada pela R., a A. deixou de receber qualquer remuneração, compensação ou benefícios do mesmo contrato - VV);
91. Após a cessação do contrato, a A. não mais pôde representar os produtos da R. - XX);
92. A R., após a cessação do contrato, dispunha dos dados dos clientes referidos em 31., o que lhe permitia manter tais clientes - 51° e 52°;
93. Após a rescisão contratual a R. continuou a enviar correspondência escrita informativa e publicitária aos clientes S... conquistados pela A. durante a execução do contrato de concessão - JJJ);
94. Por carta datada de 29-9-03, a R., dirigida aos clientes S..., aquele informou o seguinte:
Estimado cliente,
Pela presente gostaríamos de informar que a Empresa S..., Ldª, nossa concessionária, cessará a sua actividade no próximo dia 30 de Setembro.
Temporariamente a zona de Cacém ficará sem representação oficial, estando já em curso a selecção de um novo Serviço Autorizado S....
Pelo exposto, gostaríamos de indicar a morada e contacto dos Serviços Autorizados S... mais próximos, onde poderá continuar a usufruir do Serviço S...: (...)” - AA;
95. As informações contidas na comunicação de 29-9-03 foram transmitidas apenas aos clientes que tinham adquirido veículos novos da marca S..., por serem os únicos de que a R. conhece as identidades e moradas, em virtude das encomendas efectuadas pela A. à R. - 96º e 97°;
96. A comunicação da R. de 29-9-03 afastou alguma clientela da actividade da A., o que determinou redução da actividade exercida pela A. - 53º e 54°;
97. Na carta datada de 6-10-03, que a A. dirigiu à R. consta o seguinte:
(…)
Esse texto (texto da proposta de novo contrato de concessão), porém, somente nos foi dado a conhecer na reunião que tivemos no passado dia 29-9, no exacto momento em que nos foi solicitado que o subscrevêssemos, sendo que os anexos não nos foram entregues.
Ora, como então tivemos ocasião de referir, a rigidez da C... quanto ao conjunto de novas obrigações previstas no novo texto - que só de relance pudemos então ler - face ao anteriormente vigente, levou-nos a logo informar que não seria do nosso interesse assumir mais e novas obrigações, várias delas susceptíveis de comprometer o equilíbrio e mesmo a subsistência económico-financeira da nossa Sociedade.
Nestas circunstâncias, (...) agradecemos que seja dada sequência ao regime consignado no supra referido Anexo VI ao antes vigente contrato de concessão.
Por outro lado, e no que concerne ao contrato de Oficina de Reparação Autorizada S..., afigura-se-nos que é fundamental que do contrato conste, conforme, aliás, conversado com Vs. Exªs, que o mesmo caducará se e quando, no quadro e/ou por efeito da implementação do Programa Polis, as instalações Oficinais se tornarem inadequadas ao cumprimento dos requisitos qualitativos próprios da marca S.... Pelo mesmo motivo, de resto, deverá ficar salvaguardado no contrato de Oficina de Reparação Autorizada S... que, atenta aquela mesma razão e o facto de se antever que a curto prazo — médio prazo a nossa empresa deixe de poder manter aquela qualidade, não teremos que constituir stocks ou realizar investimento não susceptíveis de serem comercializados ou rentabilizados, respectivamente, no prazo em apreço. (...)” - BBB);
98. A R. remeteu à A. a carta datada de 5-11-03, na qual referiu expressamente que:
(…)
Através da referida comunicação limitámo-nos a dar conhecimento a clientes, e somente a estes, da marca S..., que V. Exªs. deixariam de ser concessionários desta marca e que deixariam de ser serviço autorizado, factos que V. Exas. certamente não contestarão.
Só de uma leitura apressada ou de má-fé da referida comunicação permitiria retirar da mesma as conclusões que V. Exªs. dela extraem, sem qualquer correspondência com a realidade.
A única preocupação que presidiu ao envio da referida carta foi a de preservar o bom-nome da marca S... junto dos seus clientes e informá-los quanto à continuidade da prestação de serviços. Interesses estes perfeitamente legítimos e que justificaram aquele envio, recorrendo aos dados disponíveis. (...)” - CCC);
99. A R. remeteu à A. a carta, datada de 14-11-03 na qual é referido que na reunião tida entre as partes, em 13-10-03, ficou claro que o encerramento das relações contratuais entre aquelas se devia exclusivamente à decisão da A. não celebrar os novos contratos de concessão e de serviço autorizado propostos pela R. - DDD);
100. Em resposta a essa missiva da R. a A., por carta datada de 21-11-03, afirmou peremptoriamente que:
(...)
Atento o teor do contrato [de concessão] que nos foi apresentado para assinatura, que o mesmo não era conforme aos nossos interesses, motivo pelo qual decidimos não restabelecer aquele relacionamento” - EEE);
101. Por carta datada de 21-9-04 a A. comunicou à R. que, na sequência da comunicação da A. de 23-9-02, pretendia o pagamento da "indemnização legal por clientela" que estimava em € 520.000,00 e também uma indemnização pelos danos causados devido à comunicação da R. de 29-9-03, dirigida aos seus clientes - GGG);
102. Por carta de 30-9-04 a R. respondeu à A. dizendo que não lhe reconhecia o direito à indemnização de clientela e que, quanto ao segundo pedido de indemnização, remetia para posição anteriormente transmitida - HHH);
103. A R. nunca pagou à A. qualquer valor a título de indemnização de clientela, apesar de instada para tal - ZZ);
104. O BIC, SA e o BES, SA solicitaram à A., em 1-7-04 e 3-8-04, a amortização dos empréstimos concedidos e a A. liquidou empréstimos - FFF) e 55°;
105. Após a cessação do contrato celebrado em 1996, a A. continuou a adquirir diversas peças da marca S... através de concessionários da R. para aplicar nas reparações que continua a efectuar a veículos da mesma marca - III);
106. A A. continua a prestar assistência técnica a veículos marca S... e continuou a encomendar peças da marca S... aos actuais concessionários da R. - MMM) e NNN);
107. A A. actuou até 2006 ao abrigo do contrato denominado “acordo de integração na rede Bosh Car Service” (doc. fls. 744 a 764) - 121º;
108. Desde que a A. deixou de ser concessionária, não foi nomeada concessionária da R. nenhuma entidade para o concelho da Amadora até 2008 e para a freguesia de Queluz até 2005 - 89°;
109. O processo de selecção de um concessionário demora, em média, um ano - 91°;
110. Após a cessação do contrato, na sequência da decisão da A. de não continuar a ser concessionária e serviço autorizado da R., não houve vendas na área da concessão até nomeação de novos concessionários como referido em 110. - 92°;
111. Em Lisboa, através do concessionário Cimpomotor Lisboa, entre 2003 e 2004, houve um decréscimo das vendas em 16%, ou seja, foram vendidos menos 20 veículos novos, e em Cascais, através do concessionário Cimpomotor Atlântico, entre 2003 e 2004, o decréscimo de vendas foi ainda maior, cifrando-se em 20,3%, ou seja, vendeu menos 13 veículos novos - 93º e 94°;
112. No mesmo período de 2004, houve aumento em outros concessionários da R. a nível nacional - 95°;
113. Era estimado que a A. vendesse no ano de 2004, 49 novos veículos novos, tratando-se, este número, de uma previsão, de um número expectável com base nos valores históricos - 100°;
114. Era estimado, para o ano de 2004, que o valor médio facturado para cada veículo fosse € 10.762,00, sem impostos e a margem média expectável pela R. na venda de veículos novos era de 7,37% - 101º e 102°;
115. Era estimado que o valor médio de acessórios vendidos por cada veículo fosse de 640,55 € e a em 2004, a margem média expectável pela R. na venda de acessórios era de 33,46% - 103º e 104°;
116. Era estimado que o valor médio de peças aplicadas por cada veículo novo, no ano de 2004, fosse de 196,66 € e a margem média expectável para a R., em 2004, era de 33,46% da facturação - 105º e 106°;
117. No período de Outubro a Dezembro de 2003, era estimado que vendesse mais 10 veículos novos, sendo este número uma projecção baseada em dados anteriores - 108°;
118. O valor médio facturado em 2003 para cada veículo novo era de 9.693,00 € e a margem média expectável pela R. na venda de veículos novos nesse ano era de 3,78% - 109º e 110º;
119. O valor médio de acessórios vendidos por cada veículo no ano de 2003 era de 640,55 € e a margem média expectável pela R. na venda de acessórios era de 33,46% - 111º e 112º;
120. Quanto a peças não aplicadas, a margem média expectável da R., em 2003, era de 33.46% e a média de facturação expectável era de 1.755,90 € - 113º e 114°.

III - Decidindo:

1. Não se questiona a natureza jurídica do contrato celebrado entre a A. e a R. Trata-se de um contrato de concessão comercial que perdurou durante cerca de 13 anos e cuja extinção se deu por denúncia declarada pela R. concedente.

Embora seja um contrato comercial atípico, a definição do respectivo regime jurídico também se encontra facilitada, tendo em conta a uniformidade jurisprudencial e doutrinal a este respeito: atende-se prioritariamente ao clausulado contratual e, naquilo que for omisso, sucessivamente, ao regime do contrato de agência constante do Dec. Lei nº 178/86, de 3-7, e ao regime geral dos contratos.[1]

Aliás, a decisão recorrida não foi questionada quanto a estes aspectos de ordem geral, discutindo a R. simplesmente, no recurso principal de revista, as consequências da referida denúncia.

Assim:
a) Como questão principal, impugna o reconhecimento do direito da A. a qualquer indemnização de clientela;
b) Em termos subsidiários, considera que uma eventual indemnização de clientela se encontra prejudicada pelo facto de a A. ter continuado a prestar assistência técnica a veículos da marca S...; e se outro for o entendimento, considera que tal indemnização deve ser substancialmente reduzida;
c) Relativamente ao pedido reconvencional, pretende que lhe seja reconhecido o direito de indemnização com fundamento na violação, por parte da A., das regras da boa fé negociais.

Por seu lado, a A., no recurso subordinado de revista, pretende que seja mantido o valor da indemnização por clientela que havia sido fixada pelo Tribunal de 1ª instância em € 150.000,00, em lugar do quantitativo de € 75.000,00 arbitrado pela Relação.

2. Quanto ao recurso de revista da R.:

2.1. A A. veio reclamar uma indemnização por clientela com fundamento no facto de o contrato de a concessão comercial ter cessado por denúncia da concedente.

O direito de indemnização por clientela corresponde a uma compensação da concessionária pelas vantagens de que a concedente pode continuar a beneficiar mesmo depois da extinção do contrato, aplicando-se-lhe o preceituado no art. 33º, nº 1, do Dec. Lei nº 178/86, quanto aos pressupostos desse direito.

Prevendo-se essa indemnização, em termos explícitos, para o agente, no regime jurídico do contrato de agência, é entendimento unânime que a função desempenhada pelo concessionário, no contrato de concessão, reclama, em abstracto, tutela semelhante, atento o leque e a amplitude das tarefas assumidas e o nexo funcional que une os sujeitos.[2] Afinal, prosseguindo o concessionário objectivos relacionados com a distribuição ou venda dos produtos ou com a prestação de serviços, a sua actividade é susceptível de se projectar também positivamente na esfera do concedente.

Assim, nos termos do aludido art. 33º, devidamente adaptado ao contrato de concessão, o reconhecimento do direito de indemnização de clientela depende da integração dos seguintes elementos:[3]
a) Ter o concessionário angariado novos clientes para a concedente ou ter aumentado substancialmente o volume de negócios com a clientela já existente;
b) Verificar-se que, após a cessação do contrato, o concedente beneficiará consideravelmente da actividade desenvolvida pelo concessionário.

2.2. A R. não questiona a verificação do primeiro requisito, mas apenas a integração do segundo. Em seu entender, a matéria de facto não consente que se conclua que, após a cessação do contrato, pudesse vir a beneficiar consideravelmente da actividade anteriormente desenvolvida pela A. concessionária.

Não se duvida que a A. cumpriu as obrigações contratualmente assumidas, diligência que se traduziu no respeito pela marca, no acatamento das directrizes da R. concedente, na actuação concertada com esta com vista à penetração no mercado ou na angariação de novos clientes e manutenção dos já existentes, com resultados que se revelaram através do número de veículos novos e de peças comercializadas.

Nos termos contratuais, a A. estava obrigada à criação, manutenção e desenvolvimento de um ficheiro de clientes, ou seja, de uma base de dados informatizada e organizada com sucessivas e permanentes actualizações, pronta a ser utilizada para as diversas campanhas que foram realizadas ao longo da vigência do contrato, e dispunha de um ficheiro de clientes que haviam comprado carro novo, ao qual a R. passou a ter acesso mesmo depois de findo o contrato.

A A. foi a primeira e única concessionária a implantar-se e a actuar na zona geográfica exclusiva demarcada no contrato de concessão, e os produtos da R., também por via da intervenção da A., passaram a ter uma representatividade a nível nacional de mais de 16%.

No decurso do contrato a A. angariou novos clientes, para o que também contribuiu o investimento que realizou em publicidade. Para tais clientes a R. continuou a enviar correspondência escrita informativa e publicitária.

A R. pretendeu que a A. continuasse como sua concessionária, ainda que com base noutro contrato, já que aquela era, de entre as diversas concessionárias, uma das que normalmente se situava nos lugares cimeiros do ranking de distribuição comercial dos veículos e peças.

2.3. Não havendo margem para dúvidas quanto ao modo como a A. desempenhou a actividade de concessionária da R. durante 13 anos, o requisito que por esta última foi contestado está fundamentalmente dependente da actividade exercida pela própria R. ou por entidades dependentes desta no período subsequente ao fim do contrato, factor que não pode deixar de ser ponderado quando se avalia o preenchimento do ónus da prova acerca de tal requisito.

Relativamente a esta problemática, refere PINTO MONTEIRO, em Contratos de Distribuição Comercial, págs. 165 e segs., que só faz sentido compensar o concessionário pelo que fez no passado na medida em que se preveja que isso virá a repercutir-se directamente, no futuro, em benefício do concedente, o que importa a formulação de um juízo de probabilidade,[4] bastando, pois, que, no termo do contrato, o concedente tenha efectivo acesso à clientela angariada pelo distribuidor e que lhe sejam proporcionadas condições objectivas para a continuidade de clientela.

Juízo semelhante foi expresso, entre outros, no Ac. do STJ, de 20-10-09 (www.dgsi.pt, SEBASTIÃO PÓVOAS), segundo o qual basta que, num juízo de prognose, seja proporcionada à concedente a possibilidade de obter os ganhos, sem necessidade da prova de que os obteve efectivamente (no mesmo sentido cfr. o Ac. do STJ, de 13-4-10, www.dgsi.pt, FONSECA RAMOS).

CAROLINA CUNHA desenvolve a matéria em A Indemnização de Clientela do Agente Comercial, incidindo não apenas sobre o conceito de “benefício”, como ainda sobre a respectiva adjectivação (“considerável”) que a lei exige como condição de atribuição e posterior quantificação da indemnização.

Posto que a abordagem da questão seja feita em torno do contrato de agência, conclui que a integração do primeiro requisito se basta com a ponderação de toda e qualquer vantagem com relevo económico, isto é, de todo e qualquer ganho que o aumento da procura suscitado pela actuação do agente seja apto a proporcionar ao principal (pág. 148), exemplificando com futuras transacções, clientes angariados, aumento do grau de exposição dos bens, constatação de benefícios economicamente relevantes ou com o alargamento da quota de mercado (págs. 159 a 155).

E quanto ao segundo conceito, depois de assinalar as dificuldades de elaboração de um juízo de prognose, considera que a apreciação dos efeitos causalmente imputados à actuação do agente (ou do concessionário) deve ser feita sob o padrão do empresário médio colocado nas concretas circunstâncias do caso, assinalando que a angariação de novos clientes ou o aumento de negócios na zona de actuação natural e presumivelmente traduzirão “benefício considerável” para o agente (ou para o concedente), sem embargo da contraprova de circunstâncias que indiciem um resultado inverso (págs. 185 a 190).

Neste contexto, ponderando as naturais dificuldades enfrentadas pela A. no que concerne à alegação e prova de factos sobre os quais deixou de ter o domínio, a matéria de facto apurada legitima uma resposta positiva ao preenchimento do referido requisito, permitindo concluir que à R. foi proporcionada a possibilidade de manter a clientela angariada pela A. durante o período da concessão, beneficiando, por isso, da possibilidade de extrair proveitos dessa actividade. A demonstrá-lo está o facto de, depois da extinção do contrato, a R. ter aumentado o volume de negócios, o que naturalmente não pode desligar-se do trabalho desenvolvido pela rede de concessionários que a A. integrou durante cerca de 13 anos.

2.4. Parece evidente que o facto de a A., ainda que sem qualquer vinculação formal à R., ter continuado a exercer as sua actividade, designadamente de reparação de veículos da marca S... e de venda de peças adquiridas a outros concessionários da R. não colide com o reconhecimento daquele direito de indemnização de clientela, na medida em que nenhuma ligação existe entre essa actividade e os contratos que foram celebrados enquanto foi concessionária da marca.

Ademais, a indemnização de clientela não visa compensar a ocorrência de danos que podem nem sequer existir. O seu objectivo é o de atribuir ao concessionário uma comparticipação nos prováveis ganhos futuros que a concedente venha a auferir.

Afinal, a A. exerce a sua actividade no sector automóvel, de venda de veículos novos e usados, venda de peças ou realização de reparações e fá-lo com total liberdade, não havendo qualquer impedimento a que pela mesma sejam vendidos veículos usados da marca S... ou sejam realizadas reparações, atento o know how adquirido durante o período de duração do contrato de concessão.

2.5. Pretende a R., num último argumento contra o pedido de indemnização por clientela, que se reduza a indemnização.

Porém, para o efeito, além de não indicar um valor alternativo, não concretiza as operações que determinariam a fixação de um valor ainda mais reduzido do que aquele que foi fixado pela Relação, depois de efectuar a redução para metade do valor que fora arbitrado na sentença do tribunal de 1ª instância.

Não existem, por isso, motivos para reduzir o montante da indemnização, como adiante se explicará com mais pormenor.

2.6. Também improcede o recurso de revista na parte referente ao pedido reconvencional.

Sustentado na violação das regras da boa fé por parte da A., nenhum elemento permite confirmar o que a R. alegou para fundar a sua pretensão reconvencional.

Em concreto, não pode estranhar-se que a A., depois de lhe ter sido comunicada a denúncia do contrato de concessão, tivesse mantido em aberto outras alternativas à celebração do novo contrato que a R. pretendia negociar. Afinal, a A. é uma empresa que desenvolve uma actividade comercial e industrial e que, para além de procurar o lucro no interesse dos respectivos sócios, tem outros compromissos e encargos com trabalhadores, instalações ou clientes, mantendo e devendo manter por isso total liberdade para avaliar as vantagens e os inconvenientes que o novo contrato lhe poderia acarretar, em comparação com as condições que anteriormente haviam vigorado.

Tendo a A. optado por recusar a outorga de novo contrato que a R., na ponderação natural do seu interesse, denunciara, nenhum facto provado indicia que da sua parte tenha existido violação das regras da boa fé. Designadamente não pode afirmar-se que tenha prosseguido as negociações com a R., sabendo de antemão que não iria celebrar o novo contrato, interrompendo-as numa ocasião em que a R. pudesse legitimamente confiar na outorga do contrato.

2.7. Por conseguinte, improcede o recurso principal de revista interposto pela R.

3. Quanto ao recurso subordinado da A.:

3.1. Questiona a A. a redução para metade da indemnização que foi arbitrada pelo Tribunal de 1ª instância, defendendo que deve ser mantido o valor de € 150.000,00.

A quantificação da indemnização de clientela constitui uma das tarefas mais difíceis, quer na perspectiva da matéria de facto, quer na da sua integração jurídica, tendo em conta que o legislador praticamente se limitou a fixar um tecto máximo, apelando, quanto ao mais, ao recurso à equidade como critério decisório, no sentido de se encontrar um valor que, atentas as circunstâncias do caso, se mostre razoável e equilibrado.

Para o efeito, importa referir que a Directiva Europeia nº 85/653, especificamente sobre a regulamentação do contrato de agência que deveria ser feita em sua transposição, prescrevia no seu art. 17º que o pagamento da indemnização deve mostrar-se “equitativo, tendo em conta todas as circunstâncias, nomeadamente as comissões que o agente comercial perca e que resultem de operações com esses clientes”, objectivo que deve ser adaptado à indemnização gerada no âmbito de um contrato de contrato de concessão comercial.
De acordo com o texto legal, a indemnização tem como limite o lucro correspondente a uma anuidade, ponderando a médias dos últimos cinco anos, sendo que, conforme jurisprudência e doutrina corrente, o que interessa para o efeito é o lucro líquido, o qual não se confunde com a margem de comercialização (cfr. os Acs. do STJ, de 15-11-07, de 13-9-07 e de 23-11-06, www.dgsi.pt).

A tarefa de quantificação da indemnização implica a ponderação da globalidade das circunstâncias e dos factores de ordem quantitativa (número de clientes, número de anos de duração do contrato, volume de negócios, etc.) e qualitativa cuja apreciação global conduza a uma solução que se mostre concretamente ajustada.
As dificuldades que isso transporta devem ser superadas mediante considerações como aquelas que faz MENEZES CORDEIRO, quando afirma que o julgamento da equidade “será, em última análise, sempre produto de uma decisão humana que visará ordenar determinados problemas perante um conjunto articulado de proposições objectivas” (“O julgamento de equidade”, em O Direito, ano 122º, págs. 272 e 273).

Segundo JOANA VASCONCELOS, Cessação do contrato de agência e indemnização de clientela – algumas questões suscitadas pela jurisprudência relativa ao Dec. Lei nº 178/86, em Direito e Justiça, vol. XVI, tomo I, págs. 243 e segs., com menção à orientações dominantes na Alemanha e em Espanha acerca da mesma questão, a equidade desempenha uma função essencialmente racionalizadora que conduz à redução do quantum indemnizatória que resultaria da aplicação dos demais requisitos (pág. 256).

Para PINTO MONTEIRO, Contrato de Agência, 5ª ed., pág. 133, “o que conta são os benefícios proporcionados … à outra parte, benefícios esses que, na vigência do contrato, eram de proveito comum, e que, após o seu termo, irão aproveitar apenas, unilateralmente, ao principal”. Noutra obra afirma que na delimitação e quantificação do direito de indemnização de clientela devem ponderar-se os benefícios para o principal (no contrato de agência) ou para o concedente, a par dos prejuízos para o agente ou para o concessionário, de modo a que seja resposta o equilíbrio das prestações (Contratos de Distribuição Comercial, pág. 158).

3.2. Como já se referiu anteriormente quando se apreciou uma das questões suscitadas pela R. no recurso principal de revista, a A. cumpriu com zelo as suas obrigações durante os 13 anos de duração do contrato, no âmbito do qual angariou novos clientes e vendeu veículos e peças sobressalentes que a R. lhe fornecia.
Ainda que a R. também tivesse colaborado na publicitação da marca e dos produtos e posto que, além disso, não possa negar-se o relevo da marca S... como elemento de atracção de clientela (particularmente importante no que concerne a veículos automóveis), a A. realizou investimentos na captação de clientes e na publicitação dos produtos da marca de que a R. continuará a beneficiar, verificando-se, aliás, que aumentou o volume de negócios.

Se é verdade que a A. também pôde beneficiar dos investimentos da R., não se limitou a colher os frutos da actividade por esta desenvolvida, actuando autonomamente também no interesse da concedente. O reconhecimento do direito a uma indemnização de clientela, nos termos que já anteriormente foram afirmados, tem, assim, a virtualidade de compensar os investimentos realizados pela A. que continuarão a repercutir-se positivamente na esfera da R.

3.3. Quer na sentença de 1ª instância, quer no acórdão recorrido apenas se ponderou a actividade de angariação de clientela conexa com veículos novos, desconsiderando-se a actividade de reparação de veículos, que não estava abarcada pela concessão, e a venda de peças, pelo facto de a A. continuar a vender e aplicar nas reparações peças que adquire a outros concessionários.
No acórdão recorrido foi ponderado o diferencial de € 1.186.000,00 relativo a 5 anos de actividade, correspondendo a uma margem de comercialização de 10,37% referente a veículos. Achado o valor médio referente a tal período e efectuada uma redução referente a encargos, designadamente com impostos, foi fixada a indemnização no valor correspondente a metade, ponderando o grau de envolvimento da A. e da R. relativamente à actividade de publicitação e venda de veículos automóveis novos da marca S....
Semelhante operação foi feita pelo recente Ac. do STJ, de 24-1-12, www.dgsi.pt (FONSECA RAMOS), no qual se ponderaram diversos aspectos de que também comunga o caso concreto: o baixo nível de fidelização no mercado automóvel, o especial relevo da marca na escolha do veículo novo, o período de duração do contrato, o incremento da venda de automóveis ou os investimentos da concessionária e os da concedente.
A remessa do legislador para critérios de equidade relativamente à quantificação da indemnização, apenas limitada objectivamente por um valor máximo, deixa bem clara a intenção de afastar um critério puramente matemático.
Tudo ponderado, a apreciação global de todo o circunstancialismo envolvente determina a quantificação da indemnização em valor sensivelmente superior ao que foi fixado pela Relação (€ 75.000,00, depois de reduzida para metade a quantia de € 150.000,00 fixada pelo Tribunal de 1ª instância).
Atenta a matéria de facto apurada e tudo o mais que a partir da mesma pode ser inferido, parece-nos justo e equitativo o valor de € 100.000,00, quantia que, em nossa entender, reflecte, com razoabilidade e equilíbrio, as principais circunstâncias que resumidamente se explicitaram.

IV - Face ao exposto, acorda-se em:
a) Julgar improcedente a revista principal interposta pela R.;
b) Julgar parcialmente procedente a revista subordinada interposta pela A., alterando-se o acórdão recorrido, na parte referente ao valor da indemnização de clientela que agora é fixada em € 100.000,00, a que acrescerão os juros de mora nos termos fixados pelas instâncias.
Custas do recurso principal a cargo da R.. Custas do recurso subordinado a cargo da A. e da Ré, na proporção de 1/3 e 2/3. As custas das instâncias ficarão a cargo de ambas as partes na proporção do decaimento.
Notifique.
Lisboa, 17-5-12


Abrantes Geraldes

Bettencourt de Faria

Pereira da Silva


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[1] Por todos, cfr. o estudo de PINTO DUARTE, intitulado precisamente Jurisprudência portuguesa sobre a aplicação da indemnização por clientela ao contrato de concessão comercial, na revista Themis, nº 3, págs. 315 e segs., com menção de diversa jurisprudência, e PINTO MONTEIRO, Contrato de Agência, 5ª ed., pág. 140, com menção de diversos arestos, a que podem aditar-se os Acs. do STJ, de 13-9-07 e de 15-11-07, em www.dgsi.pt, ou o de 21-4-05, CJSTJ, tomo II, pág. 57.
[2] Cfr. a título exemplificativo, os Acs. do STJ, de 13-9-07 e de 15-11-07, www.dgsi.pt, e de 21-4-05, CJSTJ, tomo II, pág. 57, e JOSÉ ALBERTO VIEIRA, O Contrato de Concessão Comercial, pág. 127, PINTO MONTEIRO, Contrato de Agência, anot. ao art. 33º, MENEZES LEITÃO, Indemnização de Clientela no Contrato de Agência, pág. 80, e PINTO DUARTE, Jurisprudência portuguesa sobre a aplicação da indemnização por clientela ao contrato de concessão comercial, na Revista Themis, nº 3, págs. 315 e segs.
[3] Como se decidiu no acórdão recorrido, exclui-se o requisito previsto na al. c) do nº 1, uma vez que apenas se justifica para o agente que, na pendência do contrato, é remunerado pelos contratos negociados ou concluídos. Por isso se justifica que constitua impedimento à indemnização de clientela o facto de, após a cessação do contrato de agência, continuar a receber essa retribuição.
[4] Cfr. no mesmo sentido LACERDA BARATA, Anotações ao Novo Regime do Contrato de Agência, pág. 82.