Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
2529/21.8T8MTS.P1.S1
Nº Convencional: 4.ª SECÇÃO
Relator: MÁRIO BELO MORGADO
Descritores: NULIDADE DA DECISÃO
FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO
OPOSIÇÃO ENTRE OS FUNDAMENTOS E A DECISÃO
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
EXCESSO DE PRONÚNCIA
Data do Acordão: 01/24/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: INDEFERIDA A RECLAMAÇÃO.
Sumário :

I- As nulidades de sentença apenas sancionam vícios formais, de procedimento, e não patologias que eventualmente possam ocorrer no plano do mérito da causa, como este Supremo Tribunal tem reiteradamente declarado.


II- A nulidade prevista no art. 615.º, n.º l, b), do CPC, só se verifica quando falte em absoluto a indicação dos fundamentos de facto e/ou de direito das decisões, não abrangendo as eventuais deficiências dessa fundamentação.


III- A oposição entre os fundamentos e a decisão consiste numa contradição intrínseca da decisão, qual seja a de os fundamentos invocados pelo tribunal, em si mesmo considerados, conduzirem, em termos logicamente inequívocos, a uma conclusão oposta ou diferente da adotada.


IV- Em matéria de pronúncia decisória, o tribunal deve conhecer de todas (e apenas) as questões suscitadas nas conclusões das alegações apresentadas pelo recorrente, excetuadas as que venham a ficar prejudicadas pela solução, entretanto dada a outra(s) [cfr. arts. 608.º, 663.º, n.º 2, e 679º, do CPC], questões (a resolver) que não se confundem nem compreendem o dever de responder a todos os invocados argumentos, motivos ou razões jurídicas, até porque, como é sabido, “o juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito” (art. 5.º, n.º 3, do mesmo diploma).


V- Assim, a nulidade por omissão de pronúncia [art. 615.º, n.º l, d)], sancionando a violação do estatuído no nº 2 do artigo 608.º, apenas se verifica quando o tribunal deixe de conhecer questões temáticas centrais, ou seja, atinentes ao thema decidendum, que é constituído pelo pedido ou pedidos, causa ou causas de pedir e exceções; e, reciprocamente, o excesso de pronúncia só se verifica quando o tribunal conheça de matéria diversa desta.

Decisão Texto Integral:

Revista n.º 2529/21.8T8MTS.P1.S1


MBM/DM/RP


Acordam, em conferência, na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça


I.


1. A ré Tecnomate, Reparações Industriais, Lda., veio arguir a nulidade do acórdão proferido no âmbito do recurso de revista (excecional) interposto nos autos, invocando que:


– Não especifica os fundamentos de facto e de direito que poderão justificar a decisão;


– O seu teor (alegados fundamentos) encontram-se em oposição com a decisão;


– Não se pronuncia sobre questões de que deveria tomar conhecimento;


– Conheceu questões que não deveria conhecer.


2. O autor não respondeu.


Cumpre decidir.


II.


3. Entre as causas de nulidades da sentença, enumeradas taxativamente no artigo 615.º, n.º 1, do CPC1, não se incluem o “chamado erro de julgamento, a injustiça da decisão, a não conformidade dela com o direito substantivo aplicável, o erro na construção do silogismo judiciário” (Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, in Manual de Processo Civil, 2ª Edição Revista e Atualizada, Coimbra Editora, 1985, pág. 686).


Na verdade, como se sabe, as nulidades de sentença apenas sancionam vícios formais, de procedimento, e não patologias que eventualmente possam ocorrer no plano do mérito da causa, como este Supremo Tribunal tem reiteradamente declarado (v.g. Ac. do STJ de 10.12.2020, proc. n.º 12131/18.6T8LSB.L1.S1, 7.ª Secção).


4. Posto isto, refira-se, em primeiro lugar, que o acórdão reclamado se encontra largamente fundamentado em termos de facto e de direito, sendo que nesta última parte a fundamentação se estende pelos seus pontos 10 a 16, que abarcam o enquadramento legal, jurisprudencial e doutrinário da matéria em discussão.


Não se verifica, pois, a nulidade prevista no art. 615.º, n.º l, b), do CPC, a qual, como se sabe, só ocorre quando falte em absoluto a indicação dos fundamentos de facto e/ou de direito das decisões, não abrangendo as eventuais deficiências dessa fundamentação.


5. Quanto à invocada contradição, relembra-se que a nulidade prevista no art. 615.º, n.º 1, c), consiste numa contradição intrínseca da decisão, qual seja a de os fundamentos (de facto e/ou de direito) invocados pelo tribunal (em si mesmo considerados) conduzirem, em termos logicamente inequívocos, a uma conclusão oposta ou diferente da adotada.


Assim, por exemplo, “quando, embora indevidamente, o juiz entende que dos factos apurados resulta determinada consequência jurídica e este seu entendimento é expresso na fundamentação, ou dela decorre, está-se perante o erro de julgamento e não perante oposição geradora de nulidade; mas, já se o raciocínio expresso na fundamentação apontar para determinada consequência jurídica e na conclusão for tirada outra consequência, ainda que esta seja juridicamente correta, verifica-se a apontada nulidade (Ac. do STJ de 30.11.2021, Proc. 760/19.5T8PVZ.P1.S1, 2.ª Secção).


In casu, não se vislumbra qualquer contradição desta natureza, nunca sendo de mais reafirmar que a matéria das nulidades da sentença se situa em plano diverso do da problemática do erro na aplicação do direito, realidades que não se confundem.


6. Em matéria de pronúncia decisória, o tribunal deve conhecer de todas (e apenas) as questões suscitadas nas conclusões das alegações apresentadas pelo recorrente, excetuadas as que venham a ficar prejudicadas pela solução, entretanto dada a outra(s) [cfr. arts. 608.º, 663.º, n.º 2, e 679º], questões (a resolver) que não se confundem nem compreendem o dever de responder a todos os invocados argumentos, motivos ou razões jurídicas, até porque, como é sabido, “o juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito” (art. 5.º, n.º 3).


Vale dizer que o tribunal não tem o dever de responder a todos os argumentos, tal como não se encontra inibido de usar argumentação diversa da utilizada pelas partes.


Assim, a nulidade por omissão de pronúncia [art. 615.º, n.º l, d)], sancionando a violação do estatuído no nº 2 do artigo 608.º, apenas se verifica quando o tribunal deixe de conhecer questões temáticas centrais2, ou seja, atinentes ao thema decidendum, que é constituído pelo pedido ou pedidos, causa ou causas de pedir e exceções; e, reciprocamente, o excesso de pronúncia só se verifica quando o tribunal conheça de matéria diversa desta.


Especificamente em sede de recurso, o tribunal deve conhecer de todas e apenas as questões suscitadas nas conclusões das alegações apresentadas pelo(s) recorrente(s) – arts. 663.º, n.º 2, e 679º.


7. In casu, as únicas questões a decidir consistiam em aferir se a nomeação de um trabalhador subordinado como gerente da sociedade implica a suspensão do contrato de trabalho ou a sua extinção (por confusão ou por caducidade); e, no primeiro caso, se a renúncia à gerência, em 13.11.2019, determinou o termo da suspensão do contrato de trabalho, configurando a comunicação ao A., levada a cabo pela R. em 08.02.2021, de que “já não era [seu] trabalhador”, um despedimento ilícito.


O acórdão reclamado circunscreveu-se, estritamente, ao objeto do processo: não conheceu de matéria não alegada pelas partes; e, reciprocamente, conheceu de todas as questões suscitadas nos autos, sendo irrelevante, para efeitos de omissão de pronúncia, que não tenha sido analisado algum argumento que o reclamante, no seu juízo valorativo, tenha por pertinente.


Erradamente, alega a reclamante que o acórdão “não se pronuncia quanto à eventual extinção por confusão ou caducidade”. Com efeito, uma vez que nos autos estava em discussão a dicotomia suspensão ou extinção do contrato (realidades/conceitos que em termos lógico-jurídicos reciprocamente se excluem), concluindo-se no sentido de “não oferecer dúvidas que o contrato de trabalho se suspendeu”, é apodítico que implicitamente se afastou o segundo termo daquela alternativa…


8. Não se configurando qualquer das invocadas nulidades, improcede, manifestamente, o requerido, sendo certo que, “proferida a sentença, fica imediatamente esgotado o poder jurisdicional do juiz quanto à matéria da causa” (art. 613º, nº 1), pelo que a arguição de nulidades não pode ser usada como instrumento apenas dirigido à alteração do julgado.


III.


9. Em face do exposto, acorda-se em julgar improcedentes as arguidas nulidades.


Custas pela requerente, fixando-se a taxa de justiça em 3 UC’s.


Lisboa, 24 de janeiro de 2024


Mário Belo Morgado (Relator)


Domingos Morais


Ramalho Pinto


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1. Como todas as demais disposições legais citadas sem menção em contrário↩︎

2. Nas palavras de Francisco Manuel Lucas Ferreira de Almeida, Direito Processual Civil, II, 2015, p. 371.↩︎