Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 7ª SECÇÃO | ||
Relator: | LOPES DO REGO | ||
Descritores: | ÁREAS URBANAS ILEGAIS PRÉDIO RÚSTICO FRACCIONAMENTO DO PRÉDIO LOTEAMENTO URBANO EQUIPAMENTOS COLECTIVOS CEDÊNCIA DE LOTE JUSTA INDEMNIZAÇÃO INDEMNIZAÇÃO CONTEMPORÂNEA | ||
Data do Acordão: | 02/13/2014 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
Meio Processual: | REVISTA | ||
Decisão: | CONCEDIDA EM PARTE A REVISTA | ||
Área Temática: | DIREITO ADMINISTRATIVO - PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO - LICENCIAMENTO OU AUTORIZAÇÃO DAS OPERAÇÕES DE LOTEAMENTO URBANO, OBRAS DE URBANIZAÇÃO E OBRAS PARTICULARES. DIREITO CIVIL - DIREITOS REAIS / DIREITO DE PROPRIEDADE. | ||
Legislação Nacional: | CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGO 1377.º, AL. C). CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): -ARTIGOS 358.º, E SS., 378.º E SS.,609.º, N.º2, 662.º, N.º2. D.L. N.º 400/84, DE 31-12: - ARTIGO 2.º. D.L. N.º 448/91, DE 29-11: - ARTIGO 16.º. D.L. N.º 46673, DE 29/11/1965. LEI N.º 91/95, DE 2-9: - ARTIGO 6.º. REGULAMENTO GERAL DAS EDIFICAÇÕES URBANAS (DL 38382, DE 7/8/1951): - ARTIGO 33.º. | ||
Jurisprudência Nacional: | ACÓRDÃO DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL: -Nº 108/92. | ||
Sumário : |
1. Não pode considerar-se legal e regular – mesmo perante os parâmetros normativos que, em 1970, regiam o ordenamento do território e a urbanização – o destacamento e venda, mediante escritura pública, de parcela de prédio rústico com vista a constituir um lote, alegadamente destinado à construção urbana, à revelia de qualquer autorização ou comunicação à competente entidade pública, operando-se por esta forma o fraccionamento de prédio rústico – e sem que o interessado tivesse impugnado a ulterior decisão que, considerando tal prédio de génese ilegal, o incluiu em área de reconversão urbana, aceitando tacitamente tal inclusão ao participar, durante anos, nos órgãos da administração conjunta da A... instituída, suportando a sua parcela nos custos da reconversão. 2. A imposição unilateral pela administração conjunta da A... de cedência de certo lote para instalação de equipamentos colectivos, imprescindível à aprovação do loteamento, envolve uma verdadeira expropriação por utilidade particular, em função da qual se impõe a certo proprietário a ablação da sua parcela ou lote, afectando-o à estrita realização do interesse colectivo na reconversão urbanística da zona - pelo que essa cedência – gratuita relativamente à autarquia que aprova o plano de reconversão – tem de envolver o pagamento pela administração conjunta da A... de justa indemnização ao proprietário que vê o seu direito de propriedade sobre o lote resultar drasticamente cerceado ou afectado. 3. Por força do princípio fundamental da contemporaneidade da justa indemnização relativamente ao acto ablativo da propriedade do expropriado, deve aquela ser estabelecida no âmbito da mesma acção em que se reconhece a afectação do direito de propriedade – pelo que, inexistindo nos autos elementos bastantes para quantificar a indemnização devida, impõe-se relegar tal matéria para a fase de liquidação. | ||
Decisão Texto Integral: |
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:
1.AA e mulher, BB, instauraram contra a Administração Conjunta do CC acção declarativa, sob a forma de processo ordinário, pedindo, a título principal, que fosse declarada a validade da constituição do prédio para construção, com a área de 1054 m2, situado na Quinta ..., lugar de ..., na freguesia de ..., e descrito, sob o n.° ..., fls. 54 do Livro …, na 2.a Conservatória do Registo Predial de Sintra; e condenada a R. a promover a redelimitação da área, excluindo da A... o prédio descrito, e a restituir-lhes a quantia de € 3 067,62; subsidiariamente, pediram que fosse declarada a nulidade do art. 33.° do Regulamento e a Ré condenada a alterar o projecto de loteamento apresentado na Câmara Municipal de Sintra e declarada ainda a nulidade de todas as deliberações tomadas na assembleia de 15 de Julho de 2007, ou, ainda também, que a Ré fosse condenada a pagar-lhes a indemnização justa do valor actual do prédio. Para tanto, alegaram, em síntese, que são proprietários do referido prédio, que adquiriram em Janeiro de 1979 e se encontra registado a seu favor; em 17 de Setembro de 2000, teve lugar a assembleia de proprietários que aprovou o projecto de loteamento, o qual mereceu o voto contra dos AA., vindo posteriormente a ser alterado; apesar da "ilegalidade subjacente" ao projecto de loteamento, este foi aprovado em Junho de 2003; nos termos do Regulamento deve ser-lhes atribuída compensação, uma vez que o projecto de loteamento apresentado não lhes atribui um lote de idêntica configuração, características e aptidão construtiva. 2. Inconformados com tal decisão, apelaram os AA. , tendo a Relação começado por fixar a seguinte matéria de facto: 1. Os AA. são donos do terreno para construção, com a área de 1054 m2, situado na Quinta ..., lugar de ..., freguesia de ..., o qual confronta do norte com caminho, do sul com DD, bem como do nascente e do poente com EE. 2. Atualmente, o prédio confronta, do sul com FF, nascente com GG e do poente com EE e HH.
3. O lote de terreno foi constituído por escritura de compra e venda, outorgada no Cartório Notarial de Loures, datada de 3 de dezembro de 1970, na qual foram outorgantes II, na qualidade de procurador de DD e, como comprador, EE. 4. Na referida escritura, o vendedor declarou: "Que este lote de terreno, que fica a constituir um prédio distinto, é parte que desanexa de um prédio rústico, no sítio e freguesia referidos (...)"• 9. Desde essa altura que dispõem e usam o lote, à vista de toda a gente, sem oposição de quem quer que seja, e sem interrupção desde então e até esta data na convicção de que exercem um direito que lhes assiste. 12. A votação foi efetuada pelo método de braço no ar e a ata não identifica as pessoas que votaram contra, apenas contabilizando o número de votos. 13. A R. respondeu aos AA. afirmando a sua submissão às normas da A…, por carta datada de 23 de outubro de 2000. 17. Em data indeterminada, anterior ou situada no ano de 1996, foi requerida a delimitação da A…. 18. Através do edital n.° 146/96, a Câmara Municipal de Sintra fixou a delimitação da A.... 19. Em 8 de março de 2000, os AA. tomaram conhecimento da existência da A... e em 17 de setembro de 2000, teve lugar a assembleia de proprietários que aprovou o projeto de loteamento, o qual mereceu o voto contra dos AA. 22. Em 2 de novembro de 2001 foi apresentado novo projeto de loteamento. 23. A R. convocou para o dia 2 de dezembro de 2001, nova assembleia da Administração Conjunta, cujo terceiro ponto da ordem de trabalhos visava a "apresentação, discussão e aprovação da retificação imposta pela Câmara Municipal de Sintra, ao projeto de reconversão (loteamento e infra-estruturas), na modalidade de pedido de loteamento, que entretanto, já havia sido aprovado por esta assembleia e apresentado à respetiva Autarquia, cuja documentação se encontra disponível para consulta na sede da Junta de Freguesia de ...". 25. Na ata da reunião de 8 de maio de 2002, consta a autorização dos AA., na pessoa do seu mandatário, a estabelecer contactos com os projetistas e com a CMS, para procurar solução alternativa, agendando nova reunião para 27 de junho de 2002. 28. O projeto de loteamento foi aprovado em junho de 2003. 29. Os AA. foram convocados para a assembleia da Administração Conjunta do CC ..., em ..., a qual decorreu em 15 de julho de 2007. 32. Os AA. prosseguiram na sua oposição ao projeto de reconversão, tentando esgotar todas as vias consensuais, no sentido de evitar prejuízos maiores à integralidade dos proprietários. 35. A R. elaborou e submeteu à CMS os projetos de execução e de especialidades. 37. De tal aprovação resultou a eliminação do lote dos AA., tendo como destino a afetação de 784 m2 a equipamentos coletivos e 270 m2 para jardins e arruamentos. 39. O lote dos AA. está localizado em área urbanizável, de elevada qualidade ambiental. 40. Pela a viabilidade de construção do lote o potencial valorativo era enorme. 41. Acede diretamente à via pública já existente. 42. Os AA. constituíram mandatária para se fazerem representar e exercer o seu direito de voto. 43. O lote dos AA. no projeto de loteamento foi, por razões técnicas, suprimido tendo em conta as necessidades da reconversão. 44. Foi por imposição da CMS que o projeto inicial teve de ser alterado, caso contrário não teria a aprovação. 45. A R. já adquiriu um lote para dar em compensação aos AA. 46. A procuração em causa foi recusada, não só por não ter sido elaborada em cartório notarial, mas porque não tinha a assinatura reconhecida. 3. Passando a apreciar o objecto do recurso, considerou a Relação no acórdão recorrido: O direito de propriedade dos Apelantes, quanto ao prédio identificado nos autos, nunca foi posto em causa, assistindo-lhes tal direito, nomeadamente em consequência da transmissão decorrente do contrato de compra e venda, celebrado em 11 de janeiro de 1979, sendo certo ainda que o direito de propriedade resulta, também, da presunção derivada do registo, nos termos do disposto no art. 7.° do Código do Registo Predial, porquanto o prédio está inscrito no registo a seu favor. No entanto, se o direito de propriedade do prédio não é, nem foi, questionável, já a inserção do prédio no âmbito de processo de reconversão das áreas urbanas de génese ilegal é controversa, divergindo os Apelantes da sentença recorrida, a qual considerou que o prédio se integra numa área urbana de génese ilegal (A...), cujo regime excecional, para a sua reconversão urbanística, está estabelecido na Lei n.° 91/95, de 2 de setembro, com as alterações introduzidas, sucessivamente, pelas Leis n.° s 165/99, de 14 de setembro, 64/2003, de 23 de agosto, e 10/2008, de 20 de fevereiro. Defendem os Apelantes que a escritura outorgada em 3 de dezembro de 1970, que constituiu o "lote" de terreno para construção, com a área de 1054 m2, por desanexação de um prédio rústico, se enquadra na alínea c) do art. 1377.° do Código Civil (CC). Na verdade, esta disposição legal admite o fracionamento de prédios rústicos, quando tiver por fim a desintegração de terrenos para construção ou retificação de estremas. Tendo em atenção o fim, estabeleceu-se, na norma aludida, uma permissão de fracionamento dos prédios rústicos, sempre que a parcela fracionada se destine a outro fim, designadamente para a construção (PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado, III, 2.a edição, 1984, pág. 262). Deste modo, quer quando o prédio foi desanexado, quer quando se operou a sua transmissão a favor dos Apelantes, por efeito da celebração, em 11 de janeiro de 1979, do contrato de compra e venda, o loteamento de prédio para construção estava dependente de licença camarária ou alvará, de forma, conforme intenção expressa do legislador, a impedir o aproveitamento indiscriminado de terrenos para a construção urbana e a evitar a criação de núcleos habitacionais contrários a um desenvolvimento urbano racional. Para se afirmar, com acerto, que o prédio não podia ter sido de génese ilegal, era indispensável que tivesse sido alegado e demonstrado que o seu loteamento tinha sido autorizado por licença camarária ou alvará, como se prescrevia para os efeitos de loteamento urbano. Para efeitos de loteamento urbano, a desanexação do prédio dos Apelantes é nula, por contrariar norma legal imperativa, nomeadamente o n.° 1 do art. 10.° do DL n.° 46 673, de 29 de novembro de 1965. Ao mesmo resultado se chega, também, nos termos do n.° 1 do art. 27.° do DL n.° 289/73, de 6 de junho (J. OSVALDO GOMES, Manual dos Loteamentos Urbanos, 2.a edição, 1983, pág. 482) No caso presente, interessa ainda esclarecer, não estar em causa qualquer violação ao disposto nos artigos 1376.° e 1377.°, alínea c), ambos do CC, não podendo chamar-se à colação o efeito da anulabilidade prescrito no art. 1379.° do CC, que substituiu o efeito da nulidade, anteriormente previsto na Lei n.° 2116, de 14 de agosto de 1962. Fica, assim, evidenciada a génese ilegal do prédio identificado nos autos, como aliás decorre do disposto no n.° 2 do art. 1.° da Lei n.° 91/95, de 2 de setembro, quando se especifica que se consideram áreas urbanas de génese ilegal (A...) os prédios ou conjuntos de prédios contíguos que, sem a competente licença de loteamento, quando legalmente exigida, tenham sido objeto de operações físicas de parcelamento destinadas à construção até à data da entrada em vigor do DL n.° 400/84, de 31 de dezembro. De resto, os Apelantes integraram a A..., participando nas assembleias de proprietários e assumiram também as comparticipações nas despesas de reconversão urbana, que, nos termos da lei, constitui um dever de reconversão, e onde também se encontra especificado o dever de conformar os prédios que integram a A... com o alvará de loteamento ou com o plano de pormenor de reconversão (art. 3.°, n.° s 2, 3 e 4, da Lei n.° 91/95). Esclarecido que o prédio integra a A..., convém agora partir para a análise da questão da compensação pela cedência. Por via disso, os Apelantes têm direito a ser compensados, nomeadamente por espécie, já que esta modalidade se apresenta possível, tanto mais que a Apelada adquiriu, para o efeito, um lote de terreno, como ficou provado, podendo assim dar-se satisfação à compensação prevista no n.° 4 do art. 6.° da Lei n.° 91/95. Esta indemnização, decorrente de ato lícito, não está, no entanto, dependente de prévia fixação, confrontados os termos normativos que a prevêem, mas também não deve ser realizada em termos cuja dilação temporal possa agravar o prejuízo sofrido pela cedência ao domínio público. Sendo possível, no caso vertente, realizar a compensação pela cedência por espécie, não se justifica a fixação de uma indemnização pecuniária, como pretendem os Apelantes Por sua vez, quanto à impugnação das deliberações da assembleia de proprietários, que aprovaram o projeto de reconversão urbana, incluindo a sua retificação, é manifesto que o direito de impugnação caducou há muito tempo. Com efeito, tendo a assembleia de proprietários deliberado, naquele sentido, em 17 de setembro de 2000 e 2 de dezembro de 2001, há muito que transcorreu o prazo de 60 dias previsto no n.° 7 do art. 12.° da Lei n.° 91/95, para a impugnação das respetivas deliberações, sendo certo que a ação foi proposta em 4 de setembro de 2007. Por outro lado, no tocante à assembleia de proprietários de 15 de julho de 2007, verifica-se que a procuração passada pela Apelante, para aí se fazer representar (fls. 157), foi recusada, por não ter sido elaborada em cartório notarial e por não ter ainda a assinatura reconhecida. Deste modo, a outorga de procuração escrita, com a atribuição de poderes de representação na assembleia de proprietários da A..., não carece de ser formalizada em cartório notarial e a assinatura não precisa também de ser reconhecida notarialmente. Neste contexto, a recusa da procuração outorgada pela Apelante, com o impedimento de participar na assembleia de proprietários de 15 de julho de 2007, constitui um ato ilegal, que, consequentemente, acarreta a anulabilidade das respetivas deliberações, sendo certo que a impugnação, desta vez, foi tempestiva. Assim, procede o pedido subsidiário, formulado na ação, de anulação das deliberações da assembleia de proprietários de 15 de julho de 2007. Insistem ainda os Apelantes na declaração de ilegalidade do art. 33.° do regulamento do loteamento aprovado, que se refere especialmente às cedências. Nessa disposição regulamentar, consta que "os proprietários são obrigados a ceder gratuitamente as áreas previstas para domínio público, quer se destinem a arruamentos e jardins, quer se destinem a equipamento coletivo" e "no caso dos proprietários e comproprietários a quem não é atribuído nenhum lote nem edificabilidade, será pago pela administração conjunta o valor da propriedade através de acordo ou decisão judicial, tendo em conta as características da propriedade antes da emissão do alvará de loteamento e da existência de infraestruturas urbanísticas ". Em face do descrito, procede em termos parciais o recurso, nomeadamente quanto à anulação das deliberações da assembleia de proprietários de 15 de julho de 2007, o que implica, nessa parte, a alteração da sentença recorrida e a confirmação na parte restante. 4. Inconformados com esta decisão, na parte que lhes foi desfavorável, interpuseram os AA. a presente revista, que encerram com as seguintes conclusões:
A) O prédio dos Recorrentes, cuja propriedade é incontestada, não tem génese ilegal, ao contrário do sustentado na decisão sob recurso; B) O juízo constante do Acórdão recorrido pressupõe a aplicação do regime previsto no Decreto-Lei n.° 46 673, de 29 de Novembro de 1965, afirmando a ausência de matéria de facto que comprove o cumprimento das obrigações administrativas que entende aplicáveis; C) Tal pressuposto está incorrecto, e os próprios autos (documento 2 ajuizado com a petição de fls.) refletem, apenas, que o ato pode ou não subsumir-se no âmbito de aplicação do diploma administrativo; Pelo contrário, D) Formalizando apenas um ato de desanexação de uma parcela destinada à construção, a escritura outorgada em 03.12.1970 mostra-se conforme o regime jurídico imposto pelo Código Civil, na sua versão originária, aprovado pelo Decreto-Lei n.° 47 344, de 25 de Novembro de 1966, enquadrando-se na previsão da alínea c) do artigo 1.377.° do C.C., na ressalva que possibilitava o fracionamento com vista à construção; Logo, E) A escritura outorgada em 03.12.1970 não constitui operação de loteamento, submetida à disciplina do Decreto-Lei n.° 46 673, de 29 de Novembro de 1965; F) Por outro lado, mais entende o Venerando Tribunal da Relação que a não obediência ao diploma que entende, erradamente, aplicável, determina a nulidade do ato constitutivo do prédio dos Recorrentes, por violação de disposição legal imperativa; G) Mesmo admitindo, sem conceder que estaríamos perante ato inválido, o mesmo não seria nulo, por um lado, porque a lei refere expressamente a existência de penalidades, ou seja, sanções de natureza pecuniária para o incumprimento das obrigações administrativas; H) Por outro lado, a sanção prevista para a violação da previsão do artigo 1.376.°, na versão aplicável in casu, não era a nulidade, mas sim a anulabilidade do acto notarial, nos termos do artigo 1.379°, também na versão originária do C.C., cujo direito de invocação há muito se mostra caducado, pelo que o acto constitutivo, mesmo sobre esta perspectiva, é válido e plenamente eficaz; Acresce que, I) A ilegalidade da constituição do prédio propriedade dos Recorrentes, seja por via da violação do regime substantivo (que não ocorre), seja por via da inobservância da autorização administrativa (que também não se verificam) constitui, simultaneamente, facto constitutivo do direito que a Recorrida se arroga e impeditivo daquele que os Recorrentes pretendem ver reconhecido; Assim, J) Não pode o douto Tribunal pressupor a bondade do argumento de ilegalidade, que em boa verdade nem mesmo a parte invocou mas o decisor entendeu aplicar (alegando omissão da matéria de facto), para decidir contra os Recorrentes, sem violar as regras de repartição do ónus da prova, nomeadamente, os n°s 1 e 2 do artigo 342° e o n° 1 do artigo 344°, ambos do C.C.; K) Tal enquadramento não admite, sequer, a hipotética discussão de um alegado abuso de direito, pois a substância haverá ser que prevalecer sobre a forma, e estamos perante o exercício de um direito legítimo, na defesa da propriedade, direito com assento constitucional; Em suma, L) Face ao supra exposto, haverá que revogar o juízo de ilegalidade genética do prédio dos Recorrentes e, em consequência, julgar procedente a alínea a) do petitório, porquanto, o referido prédio não enquadra o âmbito de aplicação do artigo 1° da Lei 91/95, de 2 de Setembro, nem na sua versão originária, nem na versão actualmente vigente; M) Tanto mais que, sendo a norma em causa de caráter excecional, a natureza imperativa do seu dispositivo, em consequência, apenas poderá dar lugar à nulidade do ato de inclusão prédio que não preencha a génese ilegal, aqui sim, aplicando-se a previsão do artigo 294° do C.C.: N) Julgando-se a legalidade do prédio, haverá que promover, necessariamente, a redelimitação da A..., tanto mais que estamos no âmbito de um prédio na respetiva extrema, retomando os legítimos proprietários a integralidade do seu direito e, em consequência, sendo reembolsados dos valores por si indevidamente pagos; Quando assim se não entenda, Ou por se julgar o prédio "de génese" ilegal, Ou submetido a um regime excepcional "justificante", O) Então, sempre haverá que obedecer à garantia constitucional, plasmada no artigo 62° da Constituição da República Portuguesa, o qual garante que a afetação do direito de propriedade não poderá ser concretizada sem a liquidação da justa indemnização; Assim, P) Resultou provado que nenhum lote foi afeto aos Recorrentes (resposta ao artigo 16° da base instrutória), situação que se mantém até à presente data; Logo, Q) Para cumprir a mencionada garantia constitucional, não basta um processo de intenções, antes sendo imposta a prévia fixação, pelo menos, dos critérios de aferição da justa indemnização; Nesta conformidade, R) Apenas vertendo a matéria de facto alguns dos critérios que imporiam uma valorização muito significativa do prédio em causa (excelente localização, com elevado potencial construtivo, dimensão considerável, acessibilidade e qualidade ambiental), sendo a mesma omissa em termos de valores, mas mais e ainda omissa relativamente aos critérios que regem a selecção de um lote para atribuir aos Recorrentes, falta qualificar e quantificar a indemnização no caso concreto, o que tem vindo a ser sucessivamente negado pelas instâncias; S) É que o direito à compensação existe por imposição legal, o que todos os intervenientes aceitam, incluindo o decisor; T) O que o douto Tribunal tem negado, salvo o devido respeito, indevidamente, é a verificação no caso concreto, tem recusado sindicar a justiça do proposto, por entender estar o direito de propriedade dos Recorrentes potencialmente assegurado; Contudo, U) Em virtude da escassez da matéria de facto para um tal juízo, relegue-se o mesmo para execução de sentença, ou melhor, relegue-se para execução de sentença a quantificação da compensação devida aos Recorrentes e, em consequência, o juízo de justiça sobre a pretensa indemnização em espécie; V) No Acórdão em crise mostram-se violadas, quer por via de errónea interpretação, quer aplicação, o artigo 62° da Constituição da República Portuguesa, o n°s 1 e 2 do artigo 342°, o n° 1 do 344°, os artigos 1.310.°, 1.376.° e 1.377.°, todos do C.C., o n° 2 do artigo 1° da Lei das A... e os artigos 1° e 10° do Decreto-Lei n.° 46 673, de 29 de Novembro de 1965. A terminar, requer-se a revogação da decisão de improcedência dos pedidos principais formulados sobre as alíneas a) a c), antes decidindo-se pela respetiva procedência.
Quando assim se não entenda, E sem conceder, Julgando-se inevitável o sacrifício da propriedade dos Recorrentes, seja qual for o fundamento, assuma o douto Tribunal a função de suprir as apontadas ilegalidades, relegando para execução de sentença a sindicância do justiça da indemnização confessamente devida aos Recorrentes, tudo nos moldes supra expostos, assim se logrando, finalmente, fazer JUSTIÇA! 5. A pretensão fundamental dos AA/recorrentes funda-se na convicção de que teria sido inteiramente legal e regular a originária constituição, em 1970, do prédio constituído por um lote de terreno para construção de que são proprietários, feita mediante desanexação a que, por escritura de compra e venda celebrada com os seus antecessores, então se procedeu, destacando-o de prédio rústico mais amplo pertencente ao vendedor – de onde decorreria a inadmissibilidade de inclusão do mesmo na área da A..., determinada por deliberação camarária de 1996, e a consequente sujeição aos constrangimentos decorrentes da aprovação, em 2003, do projecto de loteamento através do qual se pretende operar a reconversão urbanística da referida zona.
Ora, dos elementos constantes dos autos – e que poderiam revelar essa pretendida legitimidade na formação originária do lote pertencente aos AA, por eles invocada como facto constitutivo do direito a ver o mesmo subtraído aos limites e constrangimentos inerentes à inclusão, por deliberação autárquica, na zona abrangida pela A... – apenas resulta que tal lote provem de desanexação de prédio rústico mais amplo, operada pela escritura notarial junta a fls. 67 e segs., através da qual os proprietários do prédio venderam aos antecessores dos AA. lote de terreno para construção urbana, com a área de 1054 m2, - constituindo por essa forma um lote de terreno para construção urbana, desanexado do prédio rústico mais amplo. E, da parte final de tal escritura resulta que o notário advertiu o primeiro outorgante do conteúdo e penalidades do DL 46673, a quem exigiu o documento comprovativo da autorização camarária para a venda do referido lote ou a declaração da respectiva câmara sobre a não sujeição ao condicionalismo do referido DL, o qual declarou que embora com eventual sujeição a qualquer multa para o vendedor tem a maior conveniência e urgência em efectuar desde já este contrato, solicitando oportunamente os respectivos licenciamentos ou autorizações.
Ou seja: a celebração do negócio foi efectuada sob o pretexto da urgência, nela se fundando a dispensa de apresentação de qualquer licença ou autorização camarária, protestando-se sanar ulteriormente a situação através da respectiva obtenção – o que não consta dos autos que tenha ocorrido. Daqui decorre que, através daquela escritura, as partes procederam – sem qualquer comunicação ou autorização camarária – à desanexação de um lote de terreno para construção de um prédio rústico mais amplo, por este meio fraccionado, procedendo de imediato à respectiva venda. Poder-se-á considerar legal e regular esta operação – que envolveu fraccionamento de um prédio rústico, mediante desanexação de um lote para construção urbana, com a área que as partes entenderam atribuir-lhe – apesar de tal operação ter sido realizada totalmente à revelia das entidades públicas a que estava à época cometida a fiscalização e licenciamento das operações urbanísticas da natureza da realizada pelas partes?
Saliente-se que – apesar de alguma incipiência nos mecanismos de controlo e tutela do urbanismo e ordenamento do território na data ( 3/12/1970) em que foi celebrada a referida escritura e consumada a constituição de lote alegadamente destinado a construção urbana, envolvendo o consequente fraccionamento de prédio rústico – não pode afirmar-se que, perante os padrões normativos então em vigor, fosse inteiramente lícito aos proprietários proceder clandestinamente ( isto é, totalmente à revelia das entidades públicas competentes) e de forma totalmente discricionária e incontrolada a uma operação que envolvia a constituição de um lote para construção, com a área que lhes aprouvesse, determinando tal operação urbanística o concomitante fraccionamento de prédio rústico até então unitário. É que, mesmo em 1970, já vigoravam há muito diplomas que introduziram o mínimo de disciplina urbanística, condicionando, quer a construção de edifícios ( Regulamento Geral das Edificações Urbanas, aprovado pelo DL 38382, de 7/8/1951), quer o loteamento urbano( DL 46673, de 29/11/1965), ao necessário controlo administrativo. Ora, a operação realizada através da referida escritura constitui substancialmente uma operação de loteamento urbano, já que a mesma teve por objecto ou efeito a divisão em lotes de um prédio fundiário, para venda e posterior construção urbana – e, nessa medida, enquadrável na disciplina do DL 46673 – e, portanto, sujeita a um controlo de regularidade pelo município ( a que, aliás, as partes se subtraíram através do expediente mencionado na dita escritura, invocando uma pretensa urgência para a não apresentação de qualquer declaração ou autorização camarária, protestando obtê-las ulteriormente, o que nunca terão feito…). É certo que uma operação com a configuração da realizada no caso dos autos poderia, porventura, encontrar respaldo no regime especial previsto, nomeadamente, no art. 2º do DL 400/84 ( e mantido, no essencial, nos ulteriores diplomas atinentes ao loteamento) que permite, em certas condições , com dispensa da aplicabilidade da disciplina dos loteamentos, o destaque de uma única parcela de prédio rústico mais amplo para fins de construção, dentro do estrito condicionalismo ali instituído ( e que envolve, nomeadamente, a prévia aprovação do projecto de edificação que está na base da desanexação e a certificação dos demais pressupostos de admissibilidade da operação de destaque). Porém, no caso dos autos, é manifesto que a operação urbanística a que as partes procederam não assentou– nem foi ulteriormente legitimada – na invocação dessa especial disciplina legal, cujos apertados pressupostos – e necessário controlo administrativo –se não verificaram. E, ao contrário do que sustentam os recorrentes, o regime constante do art. 1377º, al. c) do CC, ao admitir o fraccionamento do prédio rústico enquanto destinado a desintegrar terrenos para construção não tem, nem nunca teve, o sentido de possibilitar, em termos absolutamente discricionários e incontrolados, por livre alvedrio dos interessados, proceder à desanexação de prédio rústico unitário das parcelas com a área que aqueles entendessem, com o simples argumento de que as destinariam á construção urbana: é que, como é óbvio, a possibilidade ressalvada por aquela alínea c) não dispensa a aplicação das normas que regem sobre a disciplina urbanística e o licenciamento de construções urbanas, sujeitas ao controlo das entidades administrativas competentes.
Note-se, aliás, que a situação dos autos é indiciadora de fraude à lei, no que se refere à disciplina do fraccionamento do prédio rústico originariamente existente: é que, apesar da proclamada intenção de, com a desanexação do lote em litígio, se ir proceder á implantação no lote de uma edificação urbana, o que é facto é que, decorridas mais de quatro décadas, tal não se verificou – implicando esta situação que, desde 1970 e pela forma ínvia atrás referida, se procedeu realmente ao fraccionamento do prédio originário em dois prédios rústicos, que subsistem sem realização efectiva do fim que legitimaria a desanexação e o fraccionamento…
Por outro lado, não tem qualquer utilidade discutir nos presentes autos quais seriam as consequências da irregularidade da operação realizada em 1970 – já que ninguém invoca a nulidade ou invalidade jurídica de tal operação de desanexação, de modo a pretender retroactivamente repor a unidade do prédio rústico originariamente existente.
Acresce que – não só os recorrentes não impugnaram a inclusão do lote de que são proprietários na área da A..., realizada mediante acto administrativo praticado em 1996, apesar de terem conhecimento de tal facto desde 2000 – como aceitaram tacitamente a sua sujeição ao regime especial de reconversão urbanística, através da participação nos órgãos da entidade colectiva instituída para reconversão urbanística da zona em questão e no pagamento reiterado das comparticipações devidas, documentadas a fls. 80 e segs., relativas aos anos de 2000/2004: note-se, aliás, que a causa das divergências ocorridas com a referida entidade não radica na submissão do lote de que os AA. são proprietários ao regime especial de reconversão urbanística e na delimitação administrativa da área da A..., há muito consumada, mas antes no conteúdo do projecto de loteamento aprovado – e na cedência do terreno para equipamentos, espaços públicos e outras infra-estruturas que, em conformidade com o disposto no art. 6º da Lei 91/95, lhes foi imposta como condição de aprovação do loteamento.
Em suma: perante os factos processualmente adquiridos e ponderados os regimes legais aplicáveis, não há razões que justifiquem pôr em causa a legalidade do acto administrativo que ditou a inclusão do lote dos AA. na área da A... e a respectiva submissão ao regime de reconversão urbanística aplicável nas áreas de génese ilegal, ali estabelecido, improcedendo, em consequência, os dois pedidos formulados em primeiro lugar, reportados à pretendida redefinição da área da A... – e carecendo manifestamente de fundamento, face à aceitação tácita dessa inclusão, a pretensão de restituição das quantias voluntariamente pagas a título de comparticipação dos AA no custo das operações de reconversão urbanística em curso.
6. A operação de reconversão urbanística dos lotes de génese clandestina e ilegal, incluídos administrativamente na área da A..., está condicionada à cedência gratuita ao município de determinadas áreas para implantação de zonas verdes, arruamentos e outros equipamentos colectivos ou infra-estruturas públicas necessárias, as quais se integrarão no domínio público, nos termos do art. 6º da Lei das A... e do art. 33º do Regulamento aplicável à reconversão urbanística dos autos. Tais cedências são, aliás, corolário normal de qualquer loteamento, recaindo sobre o proprietário/loteador o encargo de ceder gratuitamente – como condição da aprovação e viabilidade do loteamento - as parcelas de terreno indispensáveis à implantação de tais infra-estruturas públicas, as quais se integram no domínio público ( cfr. art. 16º do DL 448/91, para que remete o art. 6º da Lei das A...).
A situação dos autos envolve, porém uma particularidade relevante, já que o interessado no loteamento a aprovar é uma entidade colectiva, integrada por todos os proprietários de lotes inseridos na área da A... – havendo, pois, uma cisão entre o titular individual da parcela afectada pela integração no domínio público e o interessado – entidade colectiva – na aprovação do loteamento; ou seja: ao contrário das normais situações de cedência gratuita, em que é o próprio proprietário dos terrenos a ceder voluntariamente uma parcela à autarquia, como condição para ver – no seu próprio interesse - o loteamento aprovado, nos casos de reconversão urbanística tal cedência é imposta a um ou a alguns dos proprietários de lotes, para permitir a realização do interesse colectivo na reconversão urbanística da área da A.... Ora, vistas as coisas nesta perspectiva, bem pode entender-se que essa imposição unilateral a um proprietário determinado de cedência do lote envolve uma verdadeira expropriação por utilidade particular, em função da qual a administração conjunta da A... impõe a certo proprietário a ablação da sua parcela ou lote, afectando-o à estrita realização do interesse colectivo na reconversão urbanística da zona; e daí decorre que essa cedência – gratuita relativamente à autarquia que aprova o plano de reconversão – tenha de envolver o pagamento pela administração conjunta da A... de justa indemnização ao proprietário que vê o seu direito de propriedade sobre o lote resultar drasticamente cerceado ou afectado, como conditio de realização do interesse colectivo dos demais titulares de lotes na zona em reconversão urbanística. É este, aliás, o sentido da segunda parte do art. 33º do Regulamento aplicável ao caso dos autos, ao estatuir que , relativamente aos proprietários a quem não seja atribuído nenhum lote nem edificabilidade, será pago pela administração conjunta o valor da propriedade através de acordo ou de decisão judicial, tendo em conta as características da propriedade antes da emissão do alvará de loteamento e da existência de infra-estruturas urbanísticas – e podendo extrair-se do art. 6º da Lei das A... que , em regra, tal indemnização ou compensação deverá ser realizada em espécie.
Sucede, porém, que o princípio fundamental da justa indemnização ao proprietário que vê afectado o seu direito, com a imposição da dita cedência, implica que devam ser contemporâneas a ablação da propriedade e o estabelecimento da justa indemnização devida – pelo que, decorrendo da presente acção que os AA. ficam efectivamente sujeitos a ver reverter para o domínio público o lote de que se consideravam proprietários, com vista a permitir a realização do interesse colectivo na aprovação do loteamento que opera a reconversão urbanística da zona, deverá ser – no âmbito de tal causa –concomitantemente estabelecido qual a indemnização que será devida como pressuposto da legitimidade dessa ablação da propriedade.
Como se afirma, por exemplo, no Ac. do TC nº 108/92: A expressão «mediante o pagamento» de justa indemnização do artigo 62º, nº 2, da Constituição significará «um compromisso com o carácter prévio ou ao menos simultâneo da atribuição da indemnização e do efeito privativo da propriedade» (cfr. J. Oliveira Ascensão, Nacionalizações e Inconstitucionalidade, Anotação ao Acórdão do Tribunal Constitucional nº 39/88, in «Estudos sobre Expropriações e Nacionalizações», Lisboa, Imprensa Nacional, 1989, p.238; A Caducidade da Expropriação no Âmbito da Reforma Agrária, ibidem, pp.73,74). A nossa Constituição impõe, assim, no domínio da indemnização por expropriação, não apenas uma paridade de valor, no sentido de que o montante da indemnização há-de corresponder exactamente ao valor do bem expropriado, de modo que o valor total do património do sujeito afectado pela expropriação não sofra qualquer quebra em consequência deste acto, mas igualmente uma paridade temporal entre a aquisição pelo expropriante do bem e o pagamento da indemnização ao expropriado, impedindo que entre estes dois momentos se intercale um lapso temporal de certa duração (cfr. E. Garcia de Enterria /T. Ramón Fernández, Curso de Derecho Administrativo II, 2ª ed., Madrid, Civitas, 1982, pp. 275 , 284). Um segundo argumento resulta da própria topologia da indemnização no instituto expropriatório . Hoje é claramente assumido pela doutrina e jurisprudência comparadas - e idêntico princípio emana do artigo 62º, nº 2, da Constituição - que a indemnização não é um mero efeito ou consequência do poder de expropriação, mas antes um pressuposto de legitimidade do seu exercício ou um elemento integrante do próprio conceito de expropriação (cfr. Fernando Alves Correia, As Garantias do Particular na Expropriação por Utilidade Pública, Coimbra, 1982, pp. 156 - 162). Ora, se não é correcto extrair desta concepção da indemnização uma qualquer exigência quanto ao seu carácter prévio, certo é que só é possível falar-se da indemnização como «um elemento integrante do próprio acto de expropriação» se ela for paga, na sua totalidade, pelo menos contemporaneamente ou imediatamente após a produção dos efeitos privativo e apropriativo que, em regra, andam associados àquele acto. Neste quadro, está bem de ver que não há lugar para um pagamento da indemnização em prestações faseadas no tempo.
No caso dos autos – estando apurado que os AA. têm direito a ser indemnizados pela administração conjunta da A... pela ablação da propriedade do lote de que eram titulares, cuja cedência à autarquia lhes foi imposta como forma de assegurar a realização do interesse colectivo na reconversão urbanística da zona, em termos de constituir uma verdadeira expropriação por utilidade particular – mas não resultando dos autos os elementos factuais necessários para o cômputo de tal indemnização, a atribuir em espécie ou , não sendo viável, em dinheiro, impõe-se optar pela prolação de condenação genérica, relegando a fixação da justa indemnização devida para o incidente de liquidação, nos termos previstos nos arts. 378º e segs. do CPC, como, aliás, vem sustentado subsidiariamente pelos AA./recorrentes na sua alegação.
Na verdade, ignorando-se totalmente as características do lote que a administração conjunta da A... pretende afectar como compensação aos AA. ( ponto 46 da matéria de facto); e sendo a matéria factual vertida nos pontos 39 a 41 da matéria de facto manifestamente insuficiente para calcular o valor do lote cedido imperativamente ao domínio público, resta, na presente acção – considerando verificados os pressupostos do direito à justa indemnização dos AA, mas indeterminado o seu objecto ou quantitativo pecuniário – em homenagem ao referido princípio da contemporaneidade da indemnização devida pela ablação da propriedade, relegar para a fase de liquidação a determinação da espécie e valor de tal indemnização.
7. Nestes termos e pelos fundamentos apontados concede-se, em parte, provimento à revista, julgando verificados os pressupostos do direito à justa indemnização, devida pela administração conjunta da A... como contrapartida da ablação da propriedade do lote dos AA, decorrente da sua cedência para implantação de equipamentos públicos, decorrente do projecto de loteamento aprovado; mas, por insuficiência dos elementos factuais para determinar a espécie ou o quantitativo de tal justa indemnização, relega-se esse apuramento para a fase de liquidação , nos termos do nº 2 do art. 662º do CPC, conjugado com os arts. 378º e segs ( arts. 609º , nº2, e 358º e segs. do CPC em vigor, aprovado pela Lei 41/13); e confirmando, quanto ao mais – nomeadamente no que toca à improcedência dos pedidos principais formulados pelos AA. – o decidido no acórdão recorrido. Custas por AA/recorrentes e R./recorrida na proporção de 60% para os primeiros e 40% para a segunda .
Lisboa, 13 de Fevereiro de 2014
Lopes do Rego (Relator) Orlando Afonso Távora Victor
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