Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
5527/04.2TBLRA.C1.S1
Nº Convencional: 7ª SECÇÃO
Relator: GRANJA DA FONSECA
Descritores: ESTABELECIMENTO COMERCIAL
UNIVERSALIDADE
LOCAÇÃO DE ESTABELECIMENTO
CESSÃO DA EXPLORAÇÃO
ARRENDAMENTO PARA COMÉRCIO OU INDÚSTRIA
QUALIFICAÇÃO JURÍDICA
LIQUIDAÇÃO EM EXECUÇÃO DE SENTENÇA
PERDA OU DETERIORAÇÃO DA COISA
CULPA
OBRIGAÇÃO DE INDEMNIZAR
PRESTAÇÃO
ACTUALIZAÇÃO
Data do Acordão: 04/19/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática: DIREITO CIVIL - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES - CONTRATOS
DIREITO COMERCIAL - ESTABELECIMENTO COMERCIAL
Doutrina: - Aragão Seia, Arrendamento Urbano, 6ª edição, pág. 624.
- Fernando Gravato Morais, Novo Regime de Arrendamento Comercial.
- Pedro Pais de Vasconcelos, Direito Comercial, Volume I, Almedina 2011, pág. 105.
- Pupo Correia, Direito Comercial, 10ª edição, págs. 72, 74.
Legislação Nacional: CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 12.º, N.º1, 165.º, 236º, N.ºS 1 E 2, 238º, N.º 1, 336.º, 497.º, 483.º, 488.º, 563.º, 570.º, 500.º, 1085.º, 1112.º, 1022.º, 1023.º
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 660.º, N.º 2, 661.º, N.º2, 668.º, N.º1, ALÍNEAS B), C) E D), 684.º, N.º 3 E 690.º, N.º 1, 862.º-A.
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA (CRP): - ARTIGOS 13.º, 20.º, 204.º, 205.º.
DL N.º 321-B/90, DE 15-10 - REGIME DE ARRENDAMENTO URBANO (RAU): - ARTIGOS 1.º, 110.º, 111.º, N.ºS 1 E 2, 115.º, N.º2.
Sumário :
I - O estabelecimento comercial, como um bem mercantil, engloba o complexo de bens e de direitos que o comerciante afecta à exploração da sua empresa, que tem uma utilidade, uma funcionalidade e um valor próprios, distintos de cada um dos seus componentes e que o direito trata unitariamente.

II - Configura um contrato de cessão de exploração de estabelecimento ou locação de estabelecimento, o contrato pelo qual uma das partes cede à outra por determinado prazo e mediante pagamento duma contrapartida mensal, o direito de exploração de estabelecimento comercial de snack-bar, transferindo para esta última o mobiliário e equipamento indispensáveis ao seu funcionamento, apesar de ainda não ter havido aí clientela nem até então ter sido aí exercida qualquer actividade.

III - A cessão de exploração pode recair sobre um estabelecimento de que nada ainda existe, como sobre um estabelecimento incompleto, que não está concluído, mas em via de formação bem como sobre um estabelecimento cuja exploração ainda se não tenha iniciado ou esteja interrompida.

IV - Confrontando o arrendamento comercial e a cessão de exploração ou locação de estabelecimento, constituem pontos de contacto e de comunhão a existência de uma transferência com carácter oneroso e de feição temporária, mas ocorre uma distinção essencial e definidora que se radica no seguinte facto: enquanto no arrendamento comercial o locador transfere para o locatário o direito de gozo de um prédio, na locação de estabelecimento o detentor do estabelecimento transfere para o cessionário o gozo e fruição de uma unidade comercial, com todas as marcas e feições distintivas que acompanham esta figura de direito comercial.

V - Assim, haverá arrendamento comercial se o titular do local se limitar a pôr à disposição do locatário o gozo e fruição da instalação, ou seja, uma configuração física apta ao exercício da actividade mercantil visada; e já haverá cessão de exploração se o prédio já se encontrar provido dos meios materiais indispensáveis à sua utilização como empresa, designadamente móveis, máquinas, utensílios que tornem viável, mediante a simples colocação de mercadoria, o arranque da exploração comercial mas não será indispensável que o estabelecimento já antes estivesse em exploração.

VI - Não se tendo provado uma recusa do autor de receber os bens móveis e utensílios, não existe fundamento para transferir para este o risco da perda dos bens, ou seja, para o considerar culpado (o que excluiria a culpa dos réus e daí a sua responsabilidade) ou em parte culpado (aplicando-se então o artigo 570 do CC) pela perda desses bens ou pelos danos, pelo que, continuando a caber aos réus a responsabilidade pelos danos, devem estes indemnizar o autor pelo valor dos mesmos, a liquidar posteriormente, por não ter sido possível determinar o valor exacto dos mesmos.

VII - Uma vez que o autor e os réus não outorgaram um contrato de arrendamento comercial mas um contrato de cessão de exploração, a prestação respeitante à exploração do estabelecimento pode ser actualizada nos termos convencionados contratualmente.
Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

1.

AA demandou BB, L.da e CC e DD, pedindo (i) a declaração de nulidade do contrato de concessão de exploração e (ii) a sua conversão em contrato de arrendamento, (iii) a condenação dos réus a cessar a actividade lesiva do direito de arrendamento do autor, entregando-lhe o imóvel e os móveis e objectos nele instalados, (v) sob cominação de uma indemnização, (vi) bem como a declaração de ilegalidade de aumentos de renda, (vi) a condenação dos réus em todas as despesas do presente pleito, (vii) a declaração de compensação com rendas vincendas a contar da entrega do local e (viii) a condenação dos réus a pagar-lhe a quantia que se vier a apurar referente ao valor de 44.609 euros, que corresponde aos móveis, objectos e produtos retirados ao autor que não lhe sejam entregues; caso assim se não entenda, (ix) a entrega ao autor das rendas depositadas na CGD.

Fundamentando a sua pretensão, alegou, em síntese, haver celebrado um contrato de arrendamento com os réus relativo a um snack-bar, com início em 1/11/1999 e ter iniciado a actividade nessa data, sendo o primeiro ocupante, dado que os réus nunca aí exerceram qualquer actividade. O autor comprou e pagou móveis e produtos que colocou no estabelecimento, e suportou todas as despesas, tendo pago as rendas aos réus, as quais foram sendo aumentadas contra a sua vontade. Em 22/03/2000, os 2° e 3° réus, em representação da 1ª ré, outorgaram com o autor um contrato denominado de concessão de exploração, sendo certo que o réu pensava estar a assinar um contrato de arrendamento definitivo, tendo sido enganado. Na verdade não houve qualquer transferência de exploração nem fornecimento de móveis ou utensílios, pelo que tem de se considerar tal contrato como arrendamento, sendo nula a concessão. No dia 3/10/2002, o 2° réu e outras pessoas entraram no estabelecimento e começaram a retirar mesas e cadeiras para fora do mesmo, ao que o autor se opôs, não o conseguindo impedir, tendo o mesmo réu afixado um letreiro na porta e encostado um veículo à mesma, de forma a impedir a abertura por parte do autor, o qual, desde essa data, não conseguiu abrir o estabelecimento, dentro do qual ficaram produtos de consumo que foram destruídos pelos réus e nunca entregues ao autor, ficando impedido de auferir o rendimento da actividade. Em consequência da atitude dos réus, o autor, para além da perda dos produtos e móveis, sofreu muito no aspecto físico, moral e psíquico.

Os réus contestaram, impugnando os factos alegados pelo autor, salientando não ter sido efectuada qualquer promessa de arrendamento, mas sim o contrato de cessão de exploração, que foi pelos réus denunciado por carta registada com aviso de recepção. Até à data da outorga do contrato de cessão, os réus apenas permitiram que o autor permanecesse no estabelecimento, e, ao contrário do que afirma o autor, o estabelecimento já existia antes da sua entrada, encontrando-se devidamente equipado com móveis, máquinas e utensílios. O autor sempre soube que estava em causa uma cessão de exploração. Em face da denúncia referida, o autor deveria ter entregue o estabelecimento desocupado no dia 3/10/2002, entre as 15h e as 18h, o que não fez, vendo-se os réus forçados a retirar os móveis do interior. O autor não providenciou, no sentido de remover os bens, tendo-os abandonado, o que levou à deterioração dos consumíveis, e recusou receber os restantes em sua casa.

Os réus deduziram reconvenção, pedindo a condenação do autor numa indemnização a favor da ré pelas despesas havidas, na importância de € 2.234,23, acrescida de juros, até integral pagamento.

O autor replicou, mantendo o alegado na petição, e impugnando os factos da reconvenção, requerendo ainda a intervenção principal da nova ocupante do estabelecimento, que foi admitido.

Saneado e instruído o processo, foi oportunamente proferida sentença, julgando a acção e a reconvenção parcialmente procedentes e condenando os réus a pagar ao autor 2.622,47 €, (este valor é o resultado da compensação operada na sentença recorrida entre a indemnização pelos réus ao autor de 3.000 euros e pelo autor aos réus de 377,53 euros).

Autor e réus foram absolvidos do demais peticionado, tendo sido concedido ao autor o direito de proceder ao levantamento dos 1.512,02 € depositados na CGD.

Foi ainda absolvida a interveniente de todos os pedidos formulados.

Inconformado, apelou o autor para a Relação de Coimbra, que, por acórdão de 10/05/2011, julgou o recurso parcialmente procedente, “aditando-se à condenação dos réus, ainda, a sua condenação solidária a pagarem ao autor aquilo que se vier a liquidar como valor dos bens móveis e utensílios (não consumíveis) referidos nos pontos 11º, 13º, 19º, 20º, 21º, 22º e 23º da matéria de facto, abaixo elencada, correspondendo aos quesitos 9, 11 e 17 a 21, dentre os limites de 7.000 euros e 44.609 euros.

Inconformados, recorreram o autor e os réus para o Supremo Tribunal de Justiça e, alegando, formularam as seguintes conclusões:

AUTOR:

1ª - A cessão de estabelecimento comercial é um contrato atípico;

2ª - Ceder um estabelecimento comercial é um acto complexo, que consiste na entrega e transferência da exploração, como um todo, de uma unidade económica de modo oneroso e por tempo indeterminado, com a obrigação de no estabelecimento continuar a ser praticado o mesmo ramo de negócio, com a faculdade de utilizar todos os móveis e utensílios, bem como do prédio onde a unidade do estabelecimento se encontra implantada, quer tenha estado ou não em funcionamento (Ac. da RL de 8/04/97 in CJ, Ano XXII, 2º, 91);

3ª - O artigo 1085° do Código Civil considerava que não era tido como arrendamento de prédio urbano ou rústico o contrato “pelo qual alguém transfere temporária e onerosamente, juntamente com o gozo do prédio, a exploração de um estabelecimento comercial ou industrial nele instalado”;

4ª - O artigo 111º do RAU reproduz tal disposição, sendo que o traço essencial que distingue o contrato de cessão de exploração de estabelecimento comercial do contrato de arrendamento comercial reside no diferente objecto visado por cada um dos contratos, “naquele transmite-se globalmente a exploração de um estabelecimento comercial; neste apenas se proporciona o gozo de uma coisa imóvel”- Santos Júnior, in Sobre o Trespasse e a Cessão de Exploração de Estabelecimento Comercial, As Operações Comerciais, pág. 440 (ver ainda Januário Gomes, in Arrendamentos Comerciais, 2.ª edição, 62; Antunes Varela, RLJ 123º-247 e Ac. do STJ de 13/04/94 in CJSTJ, Ano II, 2º, 32);

5ª - É de arrendamento comercial e não de cessão de exploração de estabelecimento o contrato pelo qual uma das partes cede à outra por determinado prazo e mediante pagamento duma contrapartida mensal, o direito de exploração de estabelecimento comercial, transferindo para esta última o mobiliário e equipamento constante da lista anexa à escritura mas não tendo o referido estabelecimento clientela nem empregados e inexistindo mercadoria no local e onde até então não fora exercida qualquer actividade comercial;

6ª - Dispunha o n.º 1 do artigo 1085° do Código Civil vigente à data da celebração do aludido contrato e que corresponde à data dos factos o artigo 111º do RAU, não ser havido como arrendamento de prédio urbano ou rústico o contrato pelo qual alguém transferisse temporária e onerosamente para outrem, juntamente com a fruição do prédio, a exploração de um estabelecimento comercial ou industrial nele instalado;

7ª - Esclarece o n.º 2 desse artigo que, caso ocorresse, porém, alguma das circunstâncias previstas no n.º 2 do artigo 1118° o contrato passaria a ser havido como arrendamento do prédio;

8ª - Por seu turno, estabelecia o n.º 2 do artigo 1118° do citado código (correspondente ao artigo 115° do RAU) não haver trespasse:

a) - Quando, transmitida a fruição do prédio, passasse a exercer-se nele outro ramo de comércio ou indústria ou quando, de um modo geral, lhe fosse dado outro destino;

b) - Quando a transmissão não fosse acompanhada de transferência, em conjunto, das instalações, utensílios, mercadorias ou outros elementos que integram o estabelecimento;

9ª - Entende Antunes Varela, e reportando-se a tais preceitos, que, característico nos contratos de locação de estabelecimento, não é a cedência da fruição, nem a do uso do mobiliário ou do recheio que nele se encontre, mas a cedência temporária do estabelecimento como um todo, como uma universalidade, como uma unidade económica mais ou menos complexa;

10ª - O contrato de cessão exploração do estabelecimento distingue-se do trespasse dele, quer pela sua natureza temporária, quer porque o trespasse envolve a transmissão da titularidade do estabelecimento, ao passo que o cedente da simples exploração conserva a titularidade que tinha;

11ª - O contrato de cessão de exploração do estabelecimento comercial ou industrial é assim um negócio misto sui generis, não lhe devendo ser aplicadas as normas limitativas da liberdade contratual próprias do arrendamento, nomeadamente a regra da renovação obrigatória do contrato;

12ª - Todavia a hipótese prevista no n.º 2 do artigo 1085° na sua remissão para a alínea b) do n.º 2 do artigo 1118º, não é de locação do estabelecimento, porque, se a transmissão da posição do arrendatário não for acompanhada de transferência, em conjunto, das instalações, utensílios, mercadorias ou outros elementos que integram o estabelecimento, não há locação deste, a qual supõe a locação do estabelecimento como universalidade. (Vaz Serra, RLJ, 100° pág. 263);

13ª - Nessa conformidade, se decidiu no acórdão STJ, de 26/04/84 (BMJ 336º/406), que a cedência, para comércio, “de um local urbano nu, desprovido de instalações, utensílios e mercadorias, sem actividade mercantil e clientela, isto é desprovido de quaisquer elementos integradores duma existente unidade económica complexa e caracterizadora da universalidade designada juridicamente por estabelecimento comercial, integra a figura de contrato de arrendamento para comércio - artigo 1112º do Código Civil, e não a cessão de exploração do estabelecimento” (artigo 1085º);

14ª - Com efeito, não existiria, nesse caso, “um estabelecimento comercial já instalado e com efectiva exploração que pudesse ser transferida, temporária e onerosamente para outrem, tal como o artigo 1085° do CC prevê, para que pudesse não ser havido como de arrendamento o contrato”;

15ª - De acordo do que acima se disse, bem como da prova produzida em audiência de discussão e julgamento, dúvidas não existem de que estamos perante um contrato de arrendamento e não um contrato de cessão de exploração;

16ª - Isto é, não houve de facto nenhuma transferência temporária e onerosa da exploração do estabelecimento de snack - bar, por parte dos réus ao autor, pois estes não iniciaram a exploração desse estabelecimento comercial nem adquiriram os bens essenciais à iniciação do mesmo, conforme resulta dos factos provados;

17ª - E só se pode transferir uma exploração de estabelecimento de snack - bar, caso este exista e como tal esteja em funcionamento, o que não era o caso;

18ª - Os réus nunca exerceram qualquer actividade naquele estabelecimento comercial, pelo que não poderiam fazer a transferência temporária e onerosa, do que não existia;

19ª - Quem criou e inaugurou o estabelecimento comercial de snack - bar foi o autor e não os réus, que nunca exerceram naquele local, antes do autor, qualquer actividade comercial de snack - bar;

20ª - Desde que o autor celebrou o contrato com os réus, tomou posse efectiva do imóvel arrendado, e não do estabelecimento comercial, porque não existia tal estabelecimento comercial, como tal;

21ª - O estabelecimento comercial, quando foi entregue ao autor, não se encontrava em condições de perfeito e normal funcionamento, apto a realizar o fim pretendido;

22ª - Tanto que, quando as chaves do imóvel foram entregues ao autor no âmbito do contrato de arrendamento e referido na petição inicial, não havia estabelecimento comercial, o que havia era um imóvel, apto a poder ser utilizado para estabelecimento comercial de snack-bar;

23ª - Como se pode verificar da licença de utilização para serviços e restauração ou bebidas, junta aos autos a fls. 204, a mesma só foi emitida em 12/01/2000;

24ª - Fácil é de verificar que, antes de ser entregue ao autor o estabelecimento, o mesmo não se encontrava totalmente apto e em funcionamento, a fim de ser explorado como snack-bar;

25ª – O que foi entregue não foi o estabelecimento, mas sim o imóvel, com alguns móveis dentro, o que é muito diferente;

26ª - Desde que o autor celebrou o contrato com os réus, tomou posse efectiva do imóvel arrendado, não do estabelecimento comercial, porque não existia tal estabelecimento comercial, como tal;

27ª - Para que se possa fazer uma cedência de exploração de um estabelecimento comercial de snack-bar, é necessário que este esteja em funcionamento como tal, por quem faz essa cedência - que não foi o caso neste processo, conforme já acima se referiu, os réus nunca puseram em funcionamento o estabelecimento comercial de snack-bar;

28ª - Quem colocou em funcionamento, pela primeira vez, e única, no dia 1/11/1999, o estabelecimento comercial de snack-bar em funcionamento, foi o autor e não os réus;

29ª - O estabelecimento comercial de snack-bar, apenas iniciou o seu funcionamento com o autor/recorrente a adquirir os produtos e materiais necessários ao seu funcionamento, conforme resulta da sentença recorrida, e o abriu ao público, sendo o autor o arrendatário do imóvel, e tendo sido o autor que contratou as pessoas para servirem no snack-bar, sob as suas ordens direcção e instruções;

30ª - Os réus nunca podiam celebrar um contrato de cessão de exploração de estabelecimento comercial de snack-bar com o autor, pois não eram donos e senhores dum estabelecimento comercial, mas apenas dum imóvel destinado a exploração de snack-bar;

31ª - O estabelecimento comercial de snack-bar era propriedade do autor, pois foi ele quem o criou e colocou em funcionamento e não os réus;

32ª - Uma coisa é um estabelecimento comercial com tudo o que lhe pertence como tal (clientes, móveis, objectos, mercadorias, produtos, marcas, pessoal, telefone, fax, horário de funcionamento, etc.), outra coisa era o estado do imóvel quando foi arrendado ao autor pelos réus (sem clientes, sem móveis, sem objectos, sem mercadorias, sem produtos, sem marcas, sem pessoal, sem telefone, sem fax, sem horário de funcionamento, etc.;

33ª - Dúvidas não existem de que deve o acórdão recorrido, na parte de que se recorre, ser revogado, com todas as consequências legais daí resultantes, visto que estamos perante um contrato de arrendamento e não um contrato de cessão de exploração;

34ª - Por outro lado, resulta ainda do acórdão recorrido que o estabelecimento comercial de snack-bar foi iniciado pelo autor, no imóvel pertencente aos réus;

35ª - Sendo os réus apenas donos do imóvel, daí serem senhorios, e receberem a renda respectiva;

36ª - O autor sempre pagou a renda estipulada no prazo devido e ainda aquela que foi sendo exigida ilegalmente pelos réus;

37ª - Pela análise de tais documentos, verifica-se que entre o autor e os réus foi acordado uma renda mensal, pelo contrato de arrendamento celebrado;

38ª – Consta do documento de fls. 365: “Renda: 150.000$00” “Retenção de IRS 15%: 22.500$00 = RETÉM PARA ENTREGAR AO ESTADO- 127.500$00";

39ª - Perante isto, facilmente se verifica, que houve entre autor e réus negociações, conversações, até se chegar a um valor acordado pelo arrendamento do imóvel e não pela cedência do mesmo, dado que cedência de estabelecimento nunca poderia ser, pois não havia ainda estabelecimento comercial - não existiam produtos, materiais, empregados, clientes, fornecedores;

40ª - Sendo que, e conforme resulta de fls. 365, o valor inicialmente acordado foi de 150.000$00, valor esse que o autor pagou aos réus, conforme resulta de fls. 366 e restantes documentos juntos ao processo;

41ª - Aceitando os réus, sempre, o valor das rendas, pagas pelo autor na forma acordada;

42ª - Assim, e mais uma vez dúvidas não existem que estamos perante um contrato de arrendamento e não uma cessão de exploração;

43ª - Também, no caso dos autos e da matéria dada como provada, resulta claramente que os réus e autor acordaram pelo prazo de 6 meses, mediante pagamento de contrapartida mensal, o direito de arrendamento de estabelecimento comercial;

44ª - Resulta ainda provado que foi o autor quem iniciou a actividade comercial naquele estabelecimento comercial, no dia 1/11/1999, data da inauguração do estabelecimento comercial propriedade do 2º e 3º réu.

45ª – Sendo certo que, pese embora se achar o seu espaço físico concebido para futura instalação de um estabelecimento comercial, o mesmo não tinha clientela nem empregados, inexistindo no local mercadoria e não sendo aí, até então, exercida qualquer actividade comercial;

46ª - Pelo que resultou provado que a 1ª ré, bem como qualquer dos réus, nunca exerceram qualquer actividade comercial no dito estabelecimento, antes ou depois do autor;

47ª - Tendo sido o autor quem comprou e pagou a várias empresas comerciais móveis, mercadorias e produtos dos mais variados, com destino ao uso do comércio e à venda, tendo colocado no interior do mesmo alguns dos móveis, produtos e utensílios para o funcionamento daquele estabelecimento, ainda antes da sua abertura e alguns posteriormente;

48ª - O autor, além dos bens móveis, produtos, mercadorias e utensílios necessários para o funcionamento do estabelecimento comercial, suportava ainda todas as despesas correntes, nomeadamente com energia eléctrica, gás, revisão dos extintores de incêndio, reparações nas máquinas de lavar louça, reparações nas máquinas de café, limpeza, etc.;

49ª - Perante esta factualidade, entende-se que, não obstante a designação dada pelas partes, o contrato celebrado deve, verdadeiramente, qualificar-se como arrendamento comercial;

50ª - Será efectivamente difícil de conceber que, na ausência, à data da celebração do contrato, dos respectivos elementos constitutivos (clientela, mercadorias, empregados), e dos documentos juntos e acima aludidos e da confissão do réu, se possa aquele configurar como cessão de exploração do estabelecimento comercial instalado no espaço em causa;

51ª - Mesmo que assim se não entenda, ainda que a permitir-se concluir pela existência de um estabelecimento, sempre conduziria, por força do n.º 2 do citado artigo 1085°, em conjugação com a alínea b) do artigo 1118°, n.º 2 do Código Civil (artigos 111º, n.º 2 e 115°, n.º 2 do RAU), à descaracterização do contrato como de cessão de exploração ou locação de estabelecimento comercial;

52ª - Concluindo-se, assim, revestir o contrato ora em causa a natureza de arrendamento comercial, achava-se o mesmo submetido ao regime do artigo 1095° do CC - actual artigo 68° do RAU, não assistindo assim aos locadores, de acordo com a lei vigente, à data da celebração respectiva, o direito da sua denúncia, no termo do prazo convencionado;

53ª - Acrescentando-se ainda que a licença de utilização do imóvel apenas foi emitida em 19/01/2000, pelo que, quando se iniciou o negócio, nem sequer existia licença de utilização para o imóvel;

54ª - Portanto, não se poderia celebrar um contrato de cessão de exploração comercial naquelas condições;

55ª - E, quando foi feito o contrato de cessão de exploração em Março de 2000, já o autor exercia a actividade desde 1/11/1999;

56ª - A partir da data da emissão da licença de utilização até à celebração do contrato de cessão de exploração, o autor explorou o imóvel com todas as condições legais de arrendamento, tendo pago a renda à 1ª ré, e recebido e atendido a clientela, fornecedores, etc.;

57ª – Devendo, assim, o acórdão recorrido ser revogado, na parte de que se recorre, com todas as consequências legais daí resultantes;

58ª - Tendo em conta o que acima se disse, dúvidas não existem de que se encontram preenchidos todos os pressupostos para que seja declarado nulo o contrato de cessão de exploração, e ser o mesmo considerado contrato de arrendamento, devendo assim os réus entregarem o imóvel bem como os móveis e objectos nele instalados;

59ª - Na verdade não houve qualquer transferência de exploração nem fornecimento de móveis ou utensílios, pelo que tem de se considerar tal contrato como arrendamento, sendo nula a concessão;

60ª - Existe assim, e tendo em conta o que acima se disse, uma manifesta contradição entre a matéria dada como provada e os fundamentos da sentença e acórdão recorridos, nomeadamente dos depoimentos das testemunhas e documentos juntos, visto que quer os depoimentos das testemunhas quer os documentos juntos mostram claramente que se trata de contrato de arrendamento e não de cessão de exploração;

61ª - Impõe-se a revogação da decisão, devendo ser o contrato de cessão de exploração convertido em contrato de arrendamento e, em consequência, devem os réus entregar o imóvel bem como os móveis e objectos, instalados no estabelecimento;

62ª – Entenderam a sentença e o acórdão recorridos que, uma vez que não se pode considerar existir contrato de arrendamento, mas sim de cessão de exploração, o autor sempre teria de entregar o estabelecimento aos réus, pelo que os danos não são atendíveis;

63ª – Porém, em face dos factos provados, manifesto é que os réus praticaram um facto ilícito, com culpa, sendo certo que desse facto resultaram danos na esfera jurídica patrimonial do autor, e também na esfera não patrimonial;

64ª - A esse respeito resultou provado que os bens tinham, na sua totalidade, um valor não inferior a 10.000 euros, sendo que os réus numa primeira fase taparam as portas da entrada do estabelecimento com um camião, e depois retiraram as mesas e cadeiras e posteriormente substituíram as fechaduras das portas, e por fim retiraram do estabelecimento e colocaram alguns produtos, certamente já estragados, debaixo de um toldo, tendo sido depois acondicionados na galera de um camião, sem que tivessem avisado o autor para o efeito ou se tivessem certificado que o estado dos produtos estava em boas condições de higiene e segurança;

65ª - Sabiam os réus que, ao agir daquela maneira, tinham o dever de guarda dos bens, e que não podiam ter actuado daquele modo e que por sua vez, ao procederem daquele modo, constituíram-se depositários, com todas as responsabilidades inerentes ao caso dessa função;

66ª - Todavia foram perdidos os móveis e utensílios do autor, bem como os produtos consumíveis, o que de facto representou e representa para o autor danos efectivos;

67ª - Sabendo os réus que, ao agirem daquela maneira, todos os produtos alimentares que foram removidos se começavam a deteriorar, e a curto prazo entravam em putrefacção, o que veio acontecer, tendo de considerar-se essa perda indemnizável;

68ª - Pelo que dúvidas não existem que o autor deve ser indemnizado conforme acima se disse e na petição inicial se requereu;

69ª - Resulta da sentença recorrida que o risco do perecimento dos bens retirados pelos réus se transferiu para o autor a partir do momento em que este recusou a sua entrega, que lhe foi oferecida pelos réus;

70ª - Como também nunca foi dado conhecimento ao autor da denúncia de contrato por parte dos réus ao autor, nem tal facto foi provado em sede de audiência de julgamento;

71ª - O autor nunca recebeu qualquer comunicação por parte dos réus;

72ª - Como também não é verdade que o estabelecimento deveria ter sido entregue entre desocupado no dia 3/01/2002, entre as 15.00h e as 18.00h;

73ª - O autor não se manteve abusivamente no imóvel, tanto que pagou a renda mensal respeitante ao arrendamento do imóvel, e os réus receberam-na, e aquela que não receberam, por não terem levantado a carta onde era enviado o cheque, foi depositada na Caixa Geral de Depósitos de Leiria, tudo conforme se alegou na petição inicial e resultou provado;

74ª - E assim sendo, é aplicável o artigo 570° do Código Civil, que estabelece que, “quando um facto culposo do lesado tiver concorrido para a produção ou agravamento dos danos, cabe ao Tribunal determinar, com base na gravidade das culpas de ambas as partes e nas consequências que delas resultaram, se a indemnização deve ser totalmente concedida, reduzida ou mesmo excluída”;

75ª - Devendo o acórdão ser também revogado nesta parte, com todas as consequências legais daí resultantes;

76ª - Contudo, resulta do acórdão que a indemnização deva ser excluída, com o fundamento de que o autor se recusou a receber os bens e que por esse facto foi a causa directa do seu desaparecimento, visto que os réus desenvolveram as diligências necessárias para evitar tal desaparecimento;

77ª - Facto com o qual o recorrente/autor não pode concordar, tendo em conta a prova produzida, nomeadamente os documentos juntos e os depoimentos das testemunhas, isto é, em momento algum lograram os réus provar a alegada recusa do recebimento dos bens por parte do autor, conforme já acima se disse;

78ª - Nunca se poderia excluir a indemnização a se paga por parte dos réus ao autor;

79ª - A decisão recorrida teria obrigatoriamente de ser outra;

80ª - Não pode, assim, o autor aceitar a condenação dos réus apenas no montante de 2.622,47 euros, tendo em conta os prejuízos sofridos pelo autor e que resultaram dos factos provados, e por tudo o que acima se alegou;

81ª - Tem de ser revogado o acórdão recorrido na parte de que se recorre e os réus condenados a entregarem o imóvel ao autor, e a pagarem todas as indemnizações pedidas na petição inicial;

82ª - Por outro lado, refere ainda o acórdão recorrido, e no que respeita às rendas, que o autor pagava, que, “todavia, não se provou que houvesse qualquer excesso, pelo que esta pretensão não pode ser atendida”;

83ª - Dúvidas não existem que resultou provado, no que respeita às rendas, que o autor pagava as mesmas e foram pagas em excesso;

84ª - Primeiro, tal facto resulta do próprio contrato de cessão de exploração, cuja nulidade acima foi requerida, efectuado entre os réus e o autor, conforme resulta de fls.;

85ª - Segundo, também de todos documentos juntos aos autos, nomeadamente todos os cheques entregues pelo autor aos réus, e por último da própria sentença de fls., nomeadamente do ponto 25) e 26) dos factos provados, em que dá como provado o aumento das rendas e que o autor sempre pagou aos réus;

86ª - Pelo que não se percebe como pode, no acórdão recorrido, entender-se que a pretensão do autor não pode ser atendida, com o fundamento de que não se provou qualquer excesso, quando na própria sentença de fls., nomeadamente dos factos provados resulta o contrário;

87ª - Assim e sem quaisquer dúvidas, deverá o acórdão ser também nesta parte revogado com todas as consequências legais daí resultantes.

88ª - Verifica-se assim que, no acórdão recorrido, não se procedeu a uma correcta interpretação dos elementos constantes dos autos, da prova produzida em sede de audiência de julgamento, bem como se efectuou uma incorrecta interpretação e aplicação das normas jurídicas aplicáveis ao caso em concreto;

89ª - Sofrendo o acórdão recorrida, na parte que se recorre, de nulidade por violação do disposto nas alíneas c) e d) do n.º 1 do artigo 668° do CPC;

90ª - Lendo, atentamente, a decisão recorrida, na parte de que se recorre, verifica-se que não se indica nela um único facto concreto susceptível de revelar, informar, e fundamentar a real e efectiva situação do verdadeiro motivo da não procedência da pretensão do recorrente;

91ª – Neste caso concreto, a decisão não se encontra fundamentada de facto e de direito;

92ª – O acórdão recorrido, na parte de que se recorre, viola o disposto nas alíneas b), c) e d) do artigo 668° do Código do Processo Civil, uma vez que não apreciou a totalidade das questões, como o deveria ter feito, sendo por esse facto nulo;

93ª - O acórdão recorrido viola o disposto (i) no artigo 158°, e nas alíneas b), c) e d) do artigo 668° do C.P.C; (ii) nos artigos 13°, 202°, 204°, 205° da C.R.P; (iii) nos artigos 483°, e seguintes do Código Civil.

RÉUS:

1ª- Esquece-se o acórdão recorrido de, na determinação e aplicação das normas jurídicas, analisar a questão da mera detenção de bens e da aquisição e perda da posse (e abandono de bens).

2ª- A posse é definida, no artigo 1251° do C.C. (CC), como “o poder que se manifesta quando alguém actua por forma correspondente ao exercício do direito de propriedade ou de outro direito real”.

3ª - Já a simples detenção é abordada no artigo 1253º do mesmo diploma, estatuindo-se que “são havidos como detentores ou possuidores precários:

a) - Os que exercem o poder de facto sem intenção de agir como beneficiários do direito;

b) - Os que simplesmente se aproveitam da tolerância do titular do direito;

c) - Os representantes ou mandatários do possuidor e, de um modo geral, todos os que possuem em nome de outrem”.

4ª - Ao retirarem do interior do estabelecimento os bens do autor, colocando-os na esplanada do estabelecimento, perante a passividade do autor que se encontrava presente - como se conclui através da combinação dos factos provados 32, 73 e 74, nunca os réus foram mais do que simples detentores dos bens.

5ª - Nunca os réus actuaram por forma correspondente ao exercício do direito de propriedade ou de outro direito real (de gozo) sobre esses bens.

6ª - Limitaram-se a retirá-los do interior do estabelecimento, para o exterior do mesmo, estando o autor presente.

7ª- No máximo, exerceram os réus sobre esses bens um poder de facto, mas apenas durante os breves instantes em que agarraram nesses bens e os largaram na esplanada exterior, nunca se arrogando seus proprietários ou agindo como beneficiários de qualquer direito sobre eles.

8ª - Nem se pode considerar que ocorreu esbulho ou perturbação do direito do autor, uma vez que os bens nunca saíram da sua posse (artigo 1283º C.C.).

9ª - Aliás, “a posse mantém-se enquanto durar a actuação correspondente ao exercício do direito, ou a possibilidade de a continuar”, nos termos do artigo 1257º, nº l, do C.C.

10ª - Portanto, ou se considera que os bens estiveram sempre na posse do autor, sendo ele o único responsável pela sua perda e/ou deterioração, ou

11ª- Estando presente, observando a retirada dos bens para o exterior e não tomando qualquer providência para a sua remoção do local (ou qualquer providência para o seu armazenamento e protecção) se considera que o autor abandonou esses bens.

12ª - E foram os réus quem, ainda que não fosse sua obrigação ou sem que nisso tivessem qualquer interesse próprio, os tapou com uma lona e, depois, os acondicionou, na galera de um camião (facto provado 75).

13ª - E persistiu o autor, durante as duas semanas seguintes (facto provado 76) em nunca reclamar qualquer dos bens removidos.

14ª - O abandono é uma das formas de perda da posse, conforme estatui o artigo 1267º, n.º l, a) do CC.

15ª - No caso de coisa móvel não sujeita a registo, basta para o seu abandono que o proprietário dela não cuide, deixando-a desprotegida na via pública, a estragar-se e ao alcance de qualquer pessoa e/ou animal e sujeita aos elementos, deixando-a susceptível de ocupação.

16ª - Não estando a coisa na posse de alguém (ou mesmo na simples detenção de alguém), encontra-se abandonada. É o que acontece com um jornal ou livro deixado sobre um banco de jardim, com um sofá ou outra peça de mobiliário colocado na rua, com um par de chinelos deixados na praia ou com um cão largado na estrada.

17ª - Para que ocorra o abandono de coisa móvel não é necessária uma declaração expressa de rejeição da coisa ou direito, bastando a actuação, por inacção típica de quem não tem interesse em dela cuidar e proteger.

18ª - Tanto assim é que “a posse pode ser adquirida por todos os que têm uso da razão, e ainda pelos que o não têm, relativamente às coisas susceptíveis de ocupação” (artigo 1266° CC), o que permite concluir que a aquisição (e, por maioria de razão, a perda da posse) pode resultar de simples acto jurídico e não necessariamente de negócio jurídico.

19ª - Não é justa, nem está de acordo com a lei, a decisão que condena os réus na obrigação de indemnizar o autor pela perda dos bens que, pese embora tenham sido por eles retirados do estabelecimento que aquele ocupava abusivamente, ficaram na imediata disposição do autor, que deles não cuidou, tendo os réus ainda tentado proteger esses bens e impedir que se deteriorassem ou que terceiros deles se apoderassem.

E, que os réus se tenham preocupado em acondicioná-los, passado algum tempo, dentro de uma galera de camião e que tenham contratado uma empresa de mudanças para os entregar em casa do autor, não lhes pode ser desfavorável. Caso não o tivessem feito maior ainda seria o perigo de deterioração ou perda desses bens.

20ª - A fundamentação do acórdão recorrido assenta na teoria da causalidade adequada, consagrada no artigo 563° C.C., considerando que a remoção dos bens do interior para o exterior do estabelecimento constitui os réus na obrigação de indemnizar o autor.

21ª - No entanto, não existe entre a acção de retirar os bens para o exterior do estabelecimento e o seu desaparecimento (roubados de dentro da galera, volvidas duas semanas) o nexo de causalidade exigível.

22ª - Por um lado, esse acto de retirada dos bens do interior do estabelecimento, na presença do autor, não é condição sine qua non do seu roubo. Assim como o seu acondicionamento dentro da galera de camião não o é. Ainda que tivessem os objectos permanecido no interior do estabelecimento, “amigos do alheio” poderiam nele entrar e apoderar-se deles.

23ª - Por outro lado, o factor decisivo (e posterior à retirada dos objectos para a esplanada) para o desaparecimento dos bens foi o seu abandono pelo autor, a sua falta de interesse e acção em deles cuidar.

24ª - Aliás, nunca poderia ao autor ser concedida indemnização pela perda dos bens que abandonou.

25ª - Nem podem os simples detentores ser responsabilizados pela perda das coisas.

26ª - A decisão recorrida viola as normas constantes dos artigos 563°, 570°, 1251°, 1253°, 1257°, 1267° e 1283°, todos do Código Civil.

Não houve contra – alegações.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir:

2.

As instâncias consideraram provados os seguintes factos:

1º - A 1ª ré, sociedade por quotas, com o capital social realizado de 4.987,98 euros, matriculada na Conservatória do Registo Comercial de Leiria sob o n.º00000000, tem sede e escritório em Ortigosa, Leiria e foi constituída por escritura pública de 01/07/1998 (alínea A).

2º - A 1ª ré é proprietária do posto de abastecimento de combustíveis Total, sito no prédio urbano inscrito na respectiva matriz da freguesia de Ortigosa, sob o artigo 4555 (alínea B).

3º - O 2º e 3º réu são os sócios - gerentes da 1ª ré (alínea C).

4º - Mediante escritura pública outorgada no dia 22/03/2000, no Cartório Notarial de Porto de Mós, o 2º e 3º réus, na qualidade de legais representantes da 1ª ré, declararam que esta era dona e legítima possuidora do estabelecimento comercial de Snack-Bar, denominado “Snack ......”, instalado no Posto de Combustíveis Total (...) e que, por tal escritura, declaravam conceder ao autor, que na mesma outorgou como 2º outorgante, a exploração do estabelecimento, nos termos das cláusulas aí expressas e conforme teor do documento junto a fls. 63 a 66 e do documento complementar àquele anexo e que dele faz parte integrante e que se dá por reproduzido para os devidos efeitos (alínea D).

5º - Na mesma escritura, o autor declarou que aceitava tal contrato nos termos exarados (alínea E).

6º - As chaves do referido estabelecimento comercial foram entregues pelo 2º e 3º réu ao autor, no dia 15/10/1999, para que este o pudesse preparar de modo a abrir o mesmo, no dia 1/11/ /1999 (resposta ao quesito 4º).

7º - O autor deteve o estabelecimento, desde que tomou conta das chaves até à colocação pelos réus de uma carrinha junto à porta a tapar a entrada (resposta ao quesito 5º).

8º - O autor iniciou a actividade comercial naquele estabelecimento comercial, nomeadamente: abertura ao público, venda de cafés, confecção e venda de refeições, pequenos - almoços, jantares, lanches, bebidas, aperitivos, etc., no dia 1/11/1999 - data da inauguração do estabelecimento comercial propriedade do 2º e 3º réu (resposta ao quesito 6º).

9º - A 1ª ré, bem como qualquer dos réus, nunca exerceram qualquer actividade comercial no dito estabelecimento, antes ou depois do autor (resposta ao quesito 7º).

10º - Foi o autor quem abriu pela primeira vez ao público o referido estabelecimento comercial (resposta ao quesito 8º).

11º - Para exercer a sua actividade comercial no dito snack-bar, o autor comprou e pagou a várias empresas comerciais, móveis, mercadorias e produtos dos mais variados, com destino ao uso do comércio e à venda, tendo colocado no interior do mesmo alguns dos móveis, produtos e utensílios para o funcionamento daquele estabelecimento, ainda antes da sua abertura e alguns posteriormente, nomeadamente:

Leite Ucal Achocolatado; Sacos Cubo Gelo; Esfregona; Cerveja; Sumol; Ice Tea, comprados à empresa R......., conforme factura de 21/10/1999;

Coca-Cola; Fanta Aprit; neste pêssego; taras Coca-Cola, comprado a empresa R..........., L.da, conforme factura de 28/10/1999;

Copo Galão; Doseador co-rect; WH. Logan 12 A Galão c/ Sup; WH. Canadian Clube comprados à empresa S........ - Comercio e Bebidas, SA, conforme factura de 19/10/1999;

Café; Descafeinada Italiano; Adoçante; Pastilhas; Açúcar; Chávena “spal” hotel, Chávena “Spal”; Chávena Leite; Relógios de Parede, luminosos, comprados à empresa C.........., conforme factura de 29/10/1999;

Martini; Chirros; JB Novo; SO Domingos; Macieira; Aliança; Ginja, etc., comprados à empresa........., em 27/10/1999;

Chicletes; Trident; Drageias, Halls; Bubaloo; comprados à empresa E.......... em 30/01/1999;

Calipo Morango; Calipo lima; Magnum, Double; Magnum Branco; Roll-N; Fesat Chocolate; Corneto Nata; Corneto Chocolate; Corneto Morango, etc., comprados em 27/10/1999 à empresa ......, L.da;

Cerveja Sagres; água, comprados à empresa ............., L.da, em 21/10/1999;

Caixas V.T. Especial; Caixa B.V. Especial; Tara Grade, comprados em 28/10/1999 à empresa ......L.da;

Tabaco de diversas marcas e modelos, comprados no dia 30/10/1999, à empresa O.........., L.da;

Saco de chicharricos, comprados em 22/11/1999, à empresa A...............;

Iogurte natural; fiambre seara; Queijo; Chouriço Caseiro, comprados em 12/11/1999 a C.....................;

Febras, compradas no dia 2/11/1999, à empresa Carnes da N/Quinta;

Nect Pêra Compal; Nect Pêssego Compal; Nect Alperce Compal; comprados no dia 8/11/1999 à empresa Produtos Alimentares do ........;

Cerveja Super Bock; Cerveja Sagres; etc., compradas no dia 4/11/1999, à empresa j............, L.da;

Caixa V.R. Especial, comprada no 11/11/1999, à empresa L.........., L.da; Amêijoas, compradas no dia 22/11/1999, a M.................a;

Croissants simples; Croissants com chocolate; Croissants Recheados; Saquetas médias; Papel Vegetal; Folheados; Queques; Pão; etc., comprados no dia 2.11.1999, à empresa S..........., Lda;

Bolos de pastelaria, comprados no dia 6/11/1999, a G....................;

Óleo Master Chef comprado no dia 24/11/1999, à empresa R.........., S.A;

Sagres Barril Branca; Sagres Barril Preta; compradas no dia 23/11/1999, à empresa S........, L.da;

Febras, bifes comprados no dia 29/11/1999, à empresa M............. L.da;

R. Pinta; Macieira; JB Novo; Aliança, etc., comprados no dia 1/12/1999 a .........;

Tabaco de diversas marcas e modelos, comprados no dia 3/12/1999, à empresa O............, L.da;

Tabaco de diversas marcas e modelos, comprados no dia 7/12/1999 a empresa O..............., L.da;

Sistema Rotativo 1.2M Duplo Foco com receptor Mirage e com TV-Cabo, comprado no dia 16/12/199, a J.....................;

Batata Pré-Frita Olympia; Panados; Moelas; Pastéis de Bacalhau, etc., comprados no dia 23/12/1999, à empresa C..............., L.da;

Arquivador, comprado no dia 30/12/1999, à empresa L..........., L.da;

Pão Caseiro, comprado no dia 31/12/1999 a B......................;

Rolos Autocopi. 57x60x11; Rolo Registadora; comprados no dia 17/01/2000, a V...................e;

Isqueiros sortidos, comprados no dia 17/01/2000, a A......................;

Azeite; Mostasdeiros; Leite Ucal; Óleo; Cerveja; Fanta; Coca - Cola; comprado no dia 14/02/2000, à empresa Recheio, SA;

Vassoura, comprada no dia 13/03/2000 à empresa R..........., SA;

Rolo Registador 44x70x11, comprado no dia 17/03/2000, a V.......................... (resposta ao quesito 9º).

12º - Todos os supra referidos produtos foram comprados e pagos pelo autor, transformados e vendidos aos clientes do autor no estabelecimento comercial de snack-bar (resposta ao quesito 10º).

13º - O autor comprou ainda prateleiras, divisórias, televisões, receptor de TV-cabo, antena parabólica, aparelhos e instalação de ar condicionado, aparelhagem e instalação de som, máquina registadora, vitrinas refrigeradoras, máquina de tabaco, arca de gelados, mesa de cozinha, congelador e frigorífico, talheres, pratos, chávenas, copos, taças, porcelanas, tachos, panelas, utensílios de cozinha, escadote, bancos, tapetes, batas, toucas, toalhas de mesa, guardanapos, detergentes, computadores, amplificadores, colunas, jogo de matraquilhos (resposta ao quesito 11º).

14º - Tendo colocado tais produtos no dito estabelecimento (resposta ao quesito 12º).

15º - O autor, além dos bens móveis, produtos, mercadorias e utensílios necessários para o funcionamento do referido estabelecimento comercial, suportava ainda todas as despesas correntes, nomeadamente com energia eléctrica, gás, revisão dos extintores de incêndio, reparações nas máquinas de lavar – loiça, reparações na máquina de café; limpeza, etc. (resposta ao quesito 13º).

16º - No dia 23/11/1999, o autor celebrou um contrato de seguro multirisco - comércio, com a Companhia de Seguros Europeia, com a apólice nº 00000000000000 multicomércio, na qualidade de proprietário dos móveis, objectos e mercadorias e descritas na apólice, que já se encontravam naquela data, dentro do estabelecimento (resposta ao quesito 14º).

17º - O autor, além das despesas já referidas, que suportou para abertura e funcionamento do estabelecimento comercial, e para prover o mesmo mais facilmente e assim chamar clientela para o mesmo, mandou fazer publicidade sobre o funcionamento do referido estabelecimento comercial, anunciando no Jornal Notícias de Leiria, tendo pago integralmente o seu custo (resposta ao quesito 15º).

18º - O autor, ainda para publicitar o estabelecimento comercial, mandou fazer t-shirts, camisolas e brindes, para oferecer aos clientes, como meio de cativar esses clientes, tendo pago integralmente os custos respectivos (resposta ao quesito 16º).

19º - O autor comprou, pagou e colocou em funcionamento um fiscalizador de chamadas, comprado à empresa I..................., L.da, no dia 26/11/1999 (resposta ao quesito 17º).

20º - O autor comprou à empresa I................, L.da, no dia 30/11/99, pagou e colocou no local arrendado aos 2° e 3° réus, um kit-áudio c/pré-amplificador, A-117M (resposta ao quesito 18º).

21º - O autor comprou à empresa I.............., L.da, no dia 29/10/99, pagou e colocou no local arrendado aos 2° e 3° réus, uma instalação de um sistema de vigilância CCTV, com câmara (resposta ao quesito 19º).

22º - E o autor comprou a J................. no dia 16/12/1999, pagou e colocou, no local arrendado aos 2° e 3° réus, um sistema Rotativo 1.2M Duplo. Foco com Receptor Mirage e com TV-Cabo (resposta ao quesito 20º).

23º - O autor comprou a F................., no dia 8/11/1999, pagou e colocou no local arrendado aos 2° e 3° réus um frigorífico, 1 Micro-ondas e um Desumidificador (resposta ao quesito 21º).

24º - Todos os móveis referidos encontravam-se em perfeito estado de funcionamento no dia 8/10/2002 (resposta ao quesito 22º).

25º - O autor entregou a quantia de 1.011.440$00 ao 3º réu em 12/04/2000 e, a partir daí, passou a pagar 150.000$00 mensais até Outubro de 2000, tendo a prestação sido actualizada, por determinação dos réus, em representação da 1ª ré, para 234.000$00 no mês de Outubro de 2000, para 263.500$00 em Abril de 2001, para 292.500$00 em Outubro de 2001, para 1.495,46 € em Abril de 2002 e para 1.512,02 € a partir de Julho de 2002, quantia esta que se manteve, tendo o autor depositado esta última quantia, no dia 07/10/2002 na Caixa Geral de Depósitos. (resposta aos quesitos 23º e 24º).

26º - A partir do contrato aludido em E) e F), o autor sempre pagou as prestações respeitantes a exploração do estabelecimento (resposta ao quesito 26º).

27º - Tal escritura [a dos factos D) e E)] foi marcada pelo 2º e 3º réu, tendo o autor, na data e hora marcada, aparecido no Cartório Notarial (resposta ao quesito 28º).

28º - No dia 03/10/2002, pelas 18h, o 2º réu, juntamente com o Sr. Dr. M............... e mais empregados da 1ª ré, entraram no estabelecimento comercial de snack-bar e começaram a retirar mesas e cadeiras para fora do estabelecimento comercial, estando vários clientes do autor a assistir, que se manifestaram contra o comportamento daqueles outros (resposta ao quesito 31º).

29º - O autor estava presente, discordou do comportamento referido e não conseguiu demover aqueles de retirarem os móveis, porque eram várias pessoas e não teve força para impedir, tendo telefonado à GNR de Leiria, que chegou quando já haviam retirado os móveis referidos (resposta ao quesito 32º).

30º - O 2º réu, juntamente com as outras pessoas referidas, depois de retirarem as cadeiras e as mesas do interior do estabelecimento comercial, para o exterior deste, afixaram na porta de entrada, nos vidros das janelas, e na parede exterior do imóvel, vários anúncios que diziam: encerrado para obras (resposta ao quesito 33º).

31º - No dia 04/10/2002, pela 1h, o 2º réu, sem autorização do autor, em representação da 1ª ré e em conivência com o 3º réu, encostou um veículo automóvel de mercadorias, marca Ford Trânsit, de caixa aberta, à porta do estabelecimento de snack-bar, de forma a impedir a sua abertura por parte do autor, e de os clientes deste poderem entrar (resposta ao quesito 34º).

32º - No dia 05/10/2002, da parte da manhã, os 2° e 3° réus, afixaram na porta e vidros das janelas do estabelecimento comercial, um papel que dizia: “reabre brevemente” (resposta ao quesito 35º).

33º - O autor, desde essa data, que não consegue abrir o estabelecimento nem atender os seus clientes, tomar conta dos seus bens móveis e produtos que se encontravam dentro do estabelecimento comercial devido ao procedimento levado a cabo por parte dos réus (resposta ao quesito 36º).

34º - O autor está impedido de abrir o seu estabelecimento, dado que o veículo dos réus foi encostado a porta de entrada, impedindo a passagem para o interior do mesmo, de pessoas, bens ou utensílios, e os réus retiraram de dentro desse estabelecimento comercial todos os móveis e produtos pertencentes ao autor (resposta ao quesito 37º).

35º - Dentro do estabelecimento comercial do autor ficaram bolos, pão, queijo, fiambre, carne, couves, alfaces, peixe, gelados, chocolates, batatas fritas, croissants, broa; refrigerantes, fruta, etc. (resposta ao quesito 38º).

36º - O valor dos produtos e móveis de sua pertença é não inferior a 10.000 € (resposta ao quesito 40º).

37º - Era com o rendimento que auferia, diariamente, no referido estabelecimento comercial, que o autor sustentava o seu agregado familiar, trabalhando inclusivamente com o autor no snack-bar a sua mulher e uma filha (resposta ao quesito 41º).

38º - O autor não tinha então qualquer outro meio de subsistência para o seu sustento e do seu agregado familiar, composto por ele, esposa e duas filhas (resposta ao quesito 42º).

39º - O autor chamou um reboque da empresa Reb......... da Gândara dos Olivais que, chegado ao local, foi impedido de rebocar a viatura que o 2° réu ali havia colocado, pelo próprio, que dizia que quem mandava era ele (resposta ao quesito 43º).

40º - Em consequência dos factos 31 a 38, o autor tem meses que não dorme, a pensar nos prejuízos causados e na perda de clientela (resposta aos quesitos 45º e 46º).

41º - Em data que os réus não sabem precisar, mas que admitem ter sido 30/09/1999, o 2° e 3° réus, em representação da 1ª ré, na iminência de inaugurar o posto de abastecimento de combustíveis, no qual se integra o snack-bar, reuniram com o autor no sentido de lhe propor a transferência temporária e onerosa da exploração do estabelecimento de snack-bar (resposta ao quesito 47º).

42º - Na altura, o autor mostrou-se muito interessado, mas disse que não tinha disponibilidade imediata para concluir o negócio (resposta ao quesito 48º).

43º - Os réus previam concluir o negócio a breve prazo, de forma a abrir o snack-bar ao público na data da inauguração do posto de abastecimento de combustíveis (resposta ao quesito 49º).

44º - Mas não conseguiram celebrar o contrato de cessão de exploração tão rapidamente quanto queriam, ficando assim obrigados a encontrar uma solução que, embora não lhes oferecesse qualquer vantagem patrimonial directa, era o mal menor (resposta ao quesito 50º).

45º - Em Outubro de 1999, em dia que não sabem precisar, a 1ª ré, representada pelos 2° e 3° réus, propôs ao autor entregar-lhe o snack-bar, para que este o explorasse, a partir da inauguração do posto de abastecimento de combustíveis (01/11/1999) (resposta ao quesito 51º).

46º - E enquanto não fosse celebrado o contrato de cessão de exploração que, imperativamente, devia ser reduzido a escritura pública (resposta ao quesito 52º).

47º - A inauguração e funcionamento, em simultâneo, do posto de abastecimento de combustíveis e do snack-bar eram fundamentais ao nível dos contratos rubricados com a fornecedora Total, além de bastante aconselhável do ponto de vista comercial (resposta ao quesito 53º).

48º - O autor aceitou essa proposta (resposta ao quesito 54º).

49º - No dia 22/03/2000, o 2º e 3° réus, em representação da 1ª ré, exigiram ao autor a restituição do estabelecimento (resposta ao quesito 55º).

50º - Para que o autor se instalasse, no dia 15/10/1999, os 2° e 3° réus entregaram-lhe as chaves do snack-bar (resposta ao quesito 56º).

51º - Quando o snack-bar abriu ao público, no dia 1/11/1999, foram os 2° e 3° réus que abriram, com a chave, a porta do estabe-lecimento, tendo sido os primeiros a entrar (resposta ao quesito 57º).

52º - Antes de ser entregue ao autor o referido estabelecimento, este já se encontrava, totalmente, apto a ser explorado como snack-bar (resposta ao quesito 60º).

53º - Os réus equiparam tal estabelecimento com uma balança electrónica, um moinho de café, uma fritadeira monofásica, uma torradeira simples, um electrocutor de insectos eléctrico, um fogão Junex snack; um grelhador de pedra vulcânica, dez mesas, sendo 4 rectangulares e seis quadradas, quarenta cadeiras; uma máquina de lavar loiça, refª 00000, de 1000 peças/hora, uma máquina de lavar loiça, refª 00000000, de 300 pratos/hora, um Hotte inox, com três filtros, dois escaparates, refª.1000000000, um lavadouro, refª. 0000000000, uma bancada inox com tulha café, uma bancada em redondo, um grelhador prensa simples, refª 0000000000, uma cortadora RGV, modelo 220 CE, uma máquina de café, um balcão neutro, um balcão frigorífico, uma vitrina frigorifico, refª 0000, uma vitrina frigorifico, refª 00000, um balcão de ângulo externo, refª 00 um retro - balcão de 4,56 metros, um roupeiro cacife triplo, um quadro pintado a óleo com moldura e uma televisão com suporte de vídeo (resposta ao quesito 61º).

54º - Todos esses bens são bens descritos no documento complementar da escritura pública a que se alude em D) e E) (resposta ao quesito 62º).

55º - Os quais foram colocados no estabelecimento antes da sua abertura ao público (resposta ao quesito 63º).

56º - Foi o autor quem insistiu para ser ele a escolher alguns dos bens consumíveis que iria vender no snack-bar, não se tendo os réus oposto a tal (resposta ao quesito 64º).

57º - Não existia no referido estabelecimento qualquer sinal ou placa informativa de que estavam a ser recolhidas imagens nem eram aí visíveis quaisquer câmaras (resposta ao quesito 65º).

58º - Na ocasião da outorga da escritura a que se alude em D) e E), o autor estava bem consciente do conteúdo, âmbito e efeitos do contrato que se aprestava a celebrar com os 2° e 3° réus, em representação da 1ª ré, tendo o conteúdo da escritura sido lido e explicado, em voz alta e na sua presença simultânea, pelo notário aos outorgantes (resposta ao quesito 66º).

59º - Todas as conversações havidas entre autor e réus se referiam, expressamente, à cessão de exploração, e também expressamente se dizia que não se tratava de um arrendamento (resposta ao quesito 67º).

60º - Os 2° e 3° réus, em representação da 1ª ré, estavam bem conscientes do conteúdo, âmbito e efeitos do contrato que se aprestavam a celebrar, e não tiveram nunca a intenção de celebrar um arrendamento (resposta ao quesito 68º).

61º - A concedente, ora 1ª ré, representada pelos 2° e 3° réus, denunciou o contrato de cessão de exploração de tal estabelecimento, no 30/09/2002 (resposta ao quesito 69º).

62º - O estabelecimento deveria ter sido entregue e desocupado no dia 3/10/2002, entre as l5h e as 18h (resposta ao quesito 70º).

63º - O autor manteve-se ali, não tendo providenciado, de forma alguma, pela desocupação do estabelecimento, optando por ignorar os réus (resposta ao quesito 71º).

64º - Face a tal comportamento do autor, os réus retiraram do interior do estabelecimento os bens móveis não incluídos no documento complementar da escritura pública que ali se encontravam (resposta ao quesito 72º).

65º - Numa primeira fase, esses bens foram retirados do interior do estabelecimento para debaixo de um grande toldo que dá cobertura à esplanada do mesmo (resposta ao quesito 73º).

66º - Depois disto, o autor insistiu em não tomar qualquer providência para a sua remoção do local (resposta ao quesito 74º).

67º - No final do dia 03/10/2002, ou já na madrugada de 04/10/2002, porque esses bens ali continuavam, os réus decidiram acondicioná-los no interior de uma galera de camião, alugada para o efeito, que ficou estacionada junto ao snack-bar (resposta ao quesito 75º).

68º - Durante as duas semanas seguintes o autor nunca reclamou dos bens removidos (resposta ao quesito 76º).

69º - No dia 13/10/2002, porque os produtos alimentares, que haviam sido removidos, se começavam a deteriorar, como se podia aperceber pelo mau cheiro que emanava do interior da galera, os réus solicitaram a comparência do funcionário da Câmara Municipal de Leiria, Dr. EE - Médico Veterinário, o qual constatou que os produtos alimentares apresentavam-se alterados, correndo-se o risco de, a curto prazo, entrarem em putrefacção, tendo ordenado a destruição dos mesmos, que ocorreu na sua presença (resposta ao quesito 77º).

70º - No dia 18/10/2002, os réus contrataram os serviços de uma empresa de mudanças para entregar os restantes bens ao autor, na sua residência, sem que, no entanto, o tenham chegado a fazer (resposta ao quesito 78º).

71º - Alguns dias depois, o toldo da galera onde os bens estavam colocados foi cortado durante a noite, tendo desaparecido esses bens quase na totalidade (resposta ao quesito 79º).

72º - Face a isso, os réus decidiram depositar os restantes bens num local de mais difícil acesso, tendo para tal contactado FF, de Várzeas, Souto da Carpalhosa, que autorizou que os colocassem na cave da sua habitação (resposta ao quesito 80º).

73º - Tais bens eram alguns produtos alimentares empacotados, tipo batatas fritas, que, com o passar do tempo, se foram deteriorando e atraindo ratos e ratazanas que os destruíram parcialmente, obrigando o proprietário de tal cave a deitá-los para o lixo (resposta ao quesito 81º).

74º - A 1ª ré despendeu ainda 813,96 €, referente à contratação da firma 3D - Mudanças, L.da, com a tentativa frustrada de entrega de bens ao autor (resposta ao quesito 84º).

75º - Não foi liquidada atempadamente a quantia de 377,53 €, relativa ao fornecimento de energia eléctrica pela EDP – Distribuição de Energia, S.A., em Setembro de 2002, (resposta ao quesito 87º).

76º - Desde o dia em que os réus lhe entregaram as chaves do imóvel, era este quem abria a sua porta quando queria, entrava e saía quando queria, e os réus só lá entravam depois do autor abrir as portas e dar autorização para isso, mesmo assim, frequentavam apenas os espaços reservados ao público e clientes, nunca entravam nos lugares do imóvel destinados a outros fins, como, cozinha, dispensa, etc., sem a autorização do autor (resposta ao quesito 88º).

77º - A existência do vídeo gravador, que filmava tudo o que se passava dentro do estabelecimento comercial ou poderia passar, era do conhecimento dos réus (resposta ao quesito 89º).

78º - Uma das razões do comportamento dos réus foi celebrarem um novo contrato com outras pessoas (resposta ao quesito 90º).

79º - Actualmente, quem explora o snack-bar em apreço nos autos, é a interveniente GG (resposta ao quesito 91º).

3.

Nos termos do preceituado nos artigos 660º, n.º 2, 684º, n.º 3 e 690º, n.º 1 do Código de Processo Civil, e sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha, as conclusões da alegação de recurso de recurso delimitam os poderes de cognição deste tribunal. Nesta conformidade e considerando também a natureza jurídica da matéria versada, cumpre focar as seguintes questões:

1ª - Se o contrato em causa é um contrato de cessão de exploração ou um contrato de arrendamento comercial;

2ª – Se o autor tem direito à indemnização pela perda dos móveis e utensílios;

3ª - Se porventura houve um aumento anormal das prestações convencionadas e, nesse caso, se os réus devem ser condenados a devolver o excesso;

4ª - Se o acórdão recorrido padece de nulidades e está ferido de inconstitucionalidades.

4.

CARACTERIZAÇÃO DO CONTRATO CELEBRADO PELAS PARTES:

CONTRATO DE CESSÃO DE EXPLORAÇÃO/LOCAÇÃO DE ESTABELECIMENTO OU CONTRATO DE ARRENDAMENTO COMERCIAL

Ao longo das suas alegações, cita o autor alguma jurisprudência e doutrina, pretendendo demonstrar que é de arrendamento comercial e não de cessão de exploração de estabelecimento ou locação de estabelecimento o contrato pelo qual uma das partes cede à outra por determinado prazo e mediante pagamento duma contrapartida mensal, o direito de exploração de estabelecimento comercial, transferindo para esta última o mobiliário e equipamento constante da lista anexa à escritura mas não tendo o referido estabelecimento clientela nem empregados e inexistindo mercadoria no local e onde até então não fora exercida qualquer actividade comercial.

Deste modo, citando um acórdão do S.T.J., continua, “a cedência, para comércio, de um local urbano nu, desprovido de instalações, utensílios e mercadorias, sem actividade mercantil e clientela, isto é desprovido de quaisquer elementos integradores duma existente unidade económica complexa e caracterizadora da universalidade designada juridicamente por estabelecimento comercial, integra a figura de contrato de arrendamento para comércio (artigo 1112º do CC) e não a de cessão de exploração do estabelecimento (artigo 1085º CC)[1].

Assim sendo, conclui o autor que, tendo em conta os princípios expostos e a prova produzida, se está perante um contrato de arrendamento comercial e não um contrato de cessão de exploração. “Isto é, não houve de facto nenhuma transferência temporária e onerosa da exploração do estabelecimento de snack-bar, por parte dos réus ao autor, pois estes não iniciaram a exploração desse estabelecimento comercial nem adquiriram os bens essenciais à iniciação do mesmo […] só se pode transferir uma exploração de estabelecimento de snack-bar, caso este exista e como tal esteja em funcionamento, o que não era o caso”.

Entendimento diferente foi o perfilhado nas instâncias, tomando, desde logo, em consideração o n.º 1 do artigo 111º do RAU, aprovado pelo DL 321-B/90, aplicável ao caso dos autos, segundo o qual, “não é havido como arrendamento de prédio urbano ou rústico o contrato pelo qual alguém transfere temporária e onerosamente para outrem, juntamente com o gozo do prédio, a exploração de um estabelecimento comercial nele instalado”.

Daí que, perante os factos provados já apontados, concluem que o que foi transmitido foi um estabelecimento instalado em prédio da 1ª ré, sendo irrelevante que o mesmo ainda não tivesse sido antes aberto ao público, pois o que releva é o facto de o estabelecimento já ter existência e no caso dos autos provou-se que o mesmo já se encontrava apto a ser explorado como snack-bar.

A questão que importa decidir é, pois, a de saber se as partes celebraram um contrato de cessão de exploração/locação de estabelecimento (tese do acórdão) ou um contrato de arrendamento comercial (tese do recorrente), ou seja, pretende-se saber, se, tendo os réus cedido onerosamente ao autor a exploração de um estabelecimento comercial de snack-bar, que está pronto a entrar em funcionamento, embora só com os indispensáveis bens móveis, mas cuja actividade ainda não se iniciou, e por isso nem sequer tem clientela, nem bens de consumo, poderá considerar-se um contrato de cessão de exploração ou deve antes ser considerado um contrato de arrendamento comercial.

O contrato foi celebrado no dia 22/03/2000, sendo denominado pelas partes de concessão de exploração e encontra-se consubstanciado no documento de fls. 63 a 69.

Considerando esta data, a lei substantiva aplicável à determinação da sua natureza e conteúdo são o Código Civil de 1966 e o Regime de Arrendamento Urbano aprovado pelo DL n.º 321-B/90, de 15 de Outubro – RAU (artigo 12º, n.º 1 Código Civil).

A locação é o contrato pelo qual uma das partes se obriga a proporcionar a outra o gozo temporário de uma coisa, mediante retribuição, designando-se por arrendamento se versar sobre coisa imóvel (artigos 1022º e 1023º do Código Civil).

O arrendamento urbano é o contrato pelo qual uma das partes concede a outra o gozo temporário de um prédio, no todo ou em parte, mediante retribuição (artigo 1º do RAU).

É, por seu turno, arrendamento para comércio ou indústria o que tem por objecto mediato prédios urbanos ou partes destes com vista à prossecução de fins directamente relacionados com alguma actividade comercial ou industrial (artigo 110º do RAU).

Neste tipo de relação locatícia, o locador transfere para o locatário o gozo de um prédio urbano ou rústico ao qual está afectado um fim determinado e específico, qual seja o de nele vir a ser explorada ou desenvolvida uma actividade de índole comercial[2].

A propósito do contrato de cessão de exploração de estabelecimento, expressa a lei que não é havido como arrendamento de prédio urbano ou rústico o contrato pelo qual alguém transfere temporária e onerosamente para outrem, juntamente com o gozo do prédio, a exploração de um estabelecimento comercial ou industrial nele instalado (artigo 111º, n.º 1 do RAU).

Donde, a usualmente denominada cessão de exploração ou concessão de exploração de estabelecimento comercial não é senão um contrato de locação do estabelecimento como unidade jurídica, isto é, um negócio jurídico pelo qual o titular do estabelecimento proporciona a outrem, temporariamente e mediante retribuição, o gozo e fruição do estabelecimento, ou seja, a sua exploração mercantil. O cedente ou locador demite-se temporariamente do exercício da actividade comercial e quem o assume é o cessionário ou locatário[3].

Embora o citado dispositivo legal se ocupe deste contrato, tendo em vista a situação em que o estabelecimento esteja instalado em local arrendado, obviamente não obsta a que a cessão de exploração possa ter por objecto um estabelecimento em que tal situação não ocorra.

É que o objecto da cessão de exploração não é o imóvel em si, mas sim o estabelecimento como um bem unitário, compreendendo a globalidade dos elementos que o integram e a sua destinação ao prosseguimento de uma dada actividade mercantil.

A cessão de exploração do estabelecimento comercial pressupõe, nos termos do n.º 2 remissivo ao n.º 2 do artigo 115º do RAU, que se verifiquem, cumulativamente, os seguintes requisitos:

a) – Acordo entre o detentor de um estabelecimento comercial e um outro sujeito, tendo por objecto a transferência para este da exploração de um estabelecimento comercial ou industrial, englobando a transmissão de instalações, utensílios, mercadorias ou outros elementos que integram o estabelecimento;

b) – Feita juntamente com o gozo do prédio, continuando a exercer-se nele o mesmo ramo de comércio ou indústria, não podendo ser-lhe dado destino diferente;

c) – Tendo essa transferência um carácter ou uma duração temporariamente delimitada ou fixada;

d) – E feita a título oneroso, ou seja, mediante o pagamento de uma contraprestação.

Confrontando estas duas figuras (arrendamento comercial e locação de estabelecimento), constituem pontos de contacto e de comunhão a existência de uma transferência com carácter oneroso e de feição temporária, mas ocorre uma distinção essencial e definidora que se radica no seguinte facto: enquanto no arrendamento comercial o locador transfere para o locatário o direito de gozo de um prédio, na locação de estabelecimento o detentor do estabelecimento transfere para o cessionário o gozo e fruição de uma unidade comercial, com todas as marcas e feições distintivas que acompanham esta figura de direito comercial.

Importante, por isso, precisar o conceito de estabelecimento comercial.

A lei refere-se em várias normas ao estabelecimento mas não o caracteriza expressamente. É indubitável, porém, que lei trata o estabelecimento comercial unitariamente, quando permite que seja objecto de trespasse e de locação, de penhora e de penhor e até de hipoteca. A reivindicação do estabelecimento, então muito discutida, acabou por ser admitida e é hoje pacífica.

Dir-se-á, então, que o estabelecimento comercial ou industrial é a estrutura material e jurídica integrando, em regra, uma pluralidade de coisas corpóreas e incorpóreas, coisas móveis e/ou imóveis, incluindo as próprias instalações, direitos de crédito, direitos reais e a própria clientela ou aviamento, organizados com vista à realização do respectivo fim[4]. O estabelecimento é, assim, um bem mercantil. Na sua globalidade funcional, é um bem “a se”, que se distingue de cada um dos seus componentes.

Neste sentido, considera a doutrina “o estabelecimento comercial como um conjunto organizado de bens e direitos afectados a um fim específico, que é o de suportar o exercício da empresa e que o direito trata unitariamente para certos efeitos, sem prejuízo da individualidade e autonomia dos seus componentes[5]”.

Por isso, na locação do estabelecimento, há uma transmissão global unitária, para o mesmo ramo do comércio, sem prejuízo de alguns dos bens que compõem o estabelecimento poderem ser excluídos da transmissão por estipulação das partes. Aliás a penhora do estabelecimento comercial (artigo 862º-A do Código de Processo Civil) abrange, em princípio, todos os bens que o integram, sem afectar a penhora dos que já o tiverem sido anteriormente.

Poder-se-á, pois, definir “o estabelecimento comercial como um bem mercantil, que engloba o complexo de bens e de direitos que o comerciante afecta à exploração da sua empresa, que tem uma utilidade, uma funcionalidade e um valor próprios, distintos de cada um dos seus componentes e que o direito trata unitariamente[6]”.

Assim sendo, afigura-se-nos adequado o critério proposto por Ferrer Correia[7], no sentido de que haverá arrendamento se o titular do local se limitar a pôr à disposição do locatário o gozo e fruição da instalação, por esta não ter mais do que «a marca do seu destino», ou seja, uma configuração física apta ao exercício da actividade mercantil visada; e já haverá cessão de exploração se o prédio já se encontrar provido dos meios materiais indispensáveis á sua utilização como empresa, designadamente móveis, máquinas, utensílios que tornem viável, mediante a simples colocação de mercadoria, o arranque da exploração comercial. Não será, pois, indispensável que o estabelecimento já antes estivesse em exploração.

Expostos estes princípios, a determinação da natureza do contrato em causa, celebrado entre o autor e os réus, deve decorrer das suas declarações, nos termos dos artigos 236º, n.º 1 e 238º, n.º 1, do Código Civil.

Este Tribunal, não obstante a limitação legal de sindicância da matéria de facto fixada pela Relação, pode operá-la, por estar em causa a determinação do sentido juridicamente relevante de declarações negociais, segundo o critério estabelecido naqueles normativos.

A regra nos negócios jurídicos em geral é a de que a declaração negocial vale com um sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante.

A excepção ocorre nos casos em que não seja razoável imputar ao declarante aquele sentido declarativo ou em que o declaratário conheça a vontade real do declarante (artigo 236º, n.os 1, in fine, e 2 Código Civil).

O sentido decisivo da declaração negocial é, pois, o que seria apreendido por um declaratário normal, ou seja, por alguém medianamente instruído e diligente e capaz de se esclarecer acerca das circunstâncias em que as declarações foram produzidas.

No que se refere aos negócios jurídicos formais, como ora acontece, há o limite de a declaração não poder valer com um sentido que não tenha um mínimo de correspondência no texto do respectivo documento, ainda que imperfeitamente expresso (artigo 238º, n.º 1 Código Civil).

In casu, começou o autor por sustentar que, desde o início das negociações, sempre as partes pretenderam o arrendamento do espaço, e não uma cessão de exploração, como veio posteriormente a ser declarado em escritura de 22/03/2000, sendo certo que, ao assinar tal escritura, não tinha consciência do alcance e conteúdo da mesma.

Mas não foi assim.

A este respeito comprovam os factos que, em data não determinada, mas que os réus admitem ter sido 30/09/1999, o 2° e 3° réus, em representação da 1ª ré, na iminência de inaugurar o posto de abastecimento de combustíveis, no qual se integra o snack-bar, reuniram com o autor no sentido de lhe propor a transferência temporária e onerosa da exploração do estabelecimento de snack-bar (quesito 47º).

Na altura, o autor mostrou-se muito interessado, mas disse que não tinha disponibilidade imediata para concluir o negócio (quesito 48º).

Em Outubro de 1999, a 1ª ré, representada pelos 2° e 3° réus, propôs ao autor entregar-lhe o snack-bar, para que este o explorasse, a partir da inauguração do posto de abastecimento de combustíveis (01/11/1999) e enquanto não fosse celebrado o contrato de cessão de exploração que imperativamente devia ser reduzido a escritura pública (quesitos 51º e 52º).

O autor aceitou essa proposta (resposta ao quesito 54º).

Então, os réus, legais representantes da ré, entregaram ao autor, no dia 15/10/1999, as chaves do referido estabelecimento comercial, para que este se instalasse e pudesse preparar o estabelecimento, de modo a abrir o mesmo, no dia 1/11/1999 (quesito 4º e 56º).

Antes de ser entregue ao autor, o referido estabelecimento já se encontrava, totalmente, apto a ser explorado como snack-bar, estando equipado com os bens descritos no documento complementar da escritura pública e referidos no quesito 61º, que aí foram colocados antes da sua abertura ao público (vide quesitos 60º, 62º e 63º).

Na ocasião da outorga da escritura, o autor estava bem consciente do conteúdo, âmbito e efeitos do contrato que se aprestava a celebrar com os 2° e 3° réus, estes em representação da 1ª ré, tendo o conteúdo da escritura sido lido e explicado, em voz alta e na sua presença simultânea, pelo notário aos outorgantes (quesito 66º).

Estes factos permitem, pois, concluir que, já antes da escritura, as partes pretenderam celebrar um contrato de locação de estabelecimento, e não um arrendamento comercial, e no acto da escritura confirmaram essa pretensão perante o notário.

Com efeito, atendendo às cláusulas da escritura e aos demais factos provados, verifica-se, sem qualquer dúvida, que houve um acordo entre a 1ª ré, enquanto dona e possuidora de um estabelecimento comercial, e o autor, tendo por objecto a transferência para este da exploração daquele estabelecimento comercial, englobando a transmissão de instalações, utensílios e outros elementos que o integravam, feita juntamente com o gozo do prédio, passando a funcionar como um snack-bar, sendo que essa transferência tinha uma duração temporariamente delimitada e era feita mediante título oneroso.

Não se colocam, pois, dúvidas de que o que foi transmitido foi um estabelecimento instalado em prédio da 1ª ré, sendo irrelevante que o mesmo não tivesse sido antes aberto ao público, porquanto o que essencialmente importa para chegar á conclusão que determinada organização constitui um estabelecimento comercial é a prova da sua aptidão para entrar em funcionamento, como tal, ou seja, dentro do fim para que foi criado e não a de que a sua exploração se tenha iniciado já. Ou seja, o que releva é o facto de o estabelecimento já ter existência, e no caso dos autos provou-se que o mesmo já se encontrava apto a ser explorado como snack-bar.

Neste sentido, considera a doutrina e a jurisprudência[8] que pode haver cessão de exploração de estabelecimento comercial cuja exploração ainda se não tenha iniciado, ou esteja interrompida, pois o que tem de existir é um estabelecimento, ou seja, um conjunto de bens organizados com estabilidade e autonomia, com vista a realização de uma actividade produtiva, de natureza comercial ou industrial.

Deste modo, o contrato em causa consubstancia uma cessão de exploração.

5.

INDEMNIZAÇÃO DEVIDA AO AUTOR:

O autor discorda da indemnização fixada pela Relação, pois, em seu entender, o acórdão teria excluído a indemnização pela perda dos bens móveis.

Por sua vez, os réus consideram que não é justa nem está de acordo com a lei a decisão que condena os réus na obrigação de indemnizar o autor pela perda dos bens que, pese embora tenham sido por eles retirados do estabelecimento, que aquele ocupava abusivamente, ficaram na imediata disposição do autor, que deles não cuidou, tendo os réus ainda tentado proteger esses bens e impedir que se deteriorassem ou que terceiros deles se apoderassem, tendo-se, ainda, preocupado em acondicioná-los, passado algum tempo, dentro de uma galera e contratado uma empresa de mudanças para os entregar em casa do autor.

Nesta parte, relativamente às alegações do autor, apenas importa referir que, tal como já havia acontecido nas alegações da apelação, as mesmas deixam transparecer que o autor não entendeu nada do que foi decidido pela Relação, ou então, o que é pior ainda, os fundamentos do recurso por si apresentados são inócuos, uma vez que a Relação decidiu exactamente ao contrário daquilo que ele diz ter decidido.

Relativamente aos fundamentos dos réus, dir-se-á que lhes não assiste razão.

Está em causa saber se deve ser concedida ao autor indemnização pela perda dos bens que os réus retiraram do interior do estabelecimento.

Nos termos da cláusula 1ª do contrato, que as partes outorgaram, a concessão é feita pelo período de seis meses, com início em 1/04/2000, renovável por iguais e sucessivos períodos, salvo se for denunciada por qualquer das partes com a antecedência mínima de noventa dias, por carta registada com aviso de recepção (fls. 64).

A 1ª ré, representada pelos 2° e 3° réus, denunciou o contrato de cessão de exploração do estabelecimento, no 30/09/2002, pelo que deveria ter sido entregue e desocupado no dia 3/10/2002, entre as l5h e as 18h (quesitos 69º e 70º).

Porém, o autor, optando por ignorar os réus, manteve-se ali, não tendo providenciado, de forma alguma, pela desocupação do estabelecimento (quesito 71º).

Perante isso, no dia 03/10/2002, pelas 18h, o 2º réu, juntamente com o Dr.HH e mais empregados da 1ª ré, entraram no estabelecimento comercial de snack-bar, donde começaram a retirar mesas e cadeiras para o exterior, indiferentes às reacções dos vários clientes do autor, ali presentes, que se manifestaram contra aquele comportamento dos réus (quesito 31º).

Também o autor discordou do comportamento referido mas não os conseguiu demover de retirarem os móveis, porque eram várias pessoas e não teve força para impedir, tendo telefonado à GNR de Leiria, que chegou, quando já haviam retirado os móveis do estabelecimento (quesito 32º).

O 2º réu, juntamente com as pessoas que o acompanhavam, depois de retirarem as cadeiras e as mesas do interior do estabelecimento comercial para o exterior deste, afixaram na porta de entrada, nos vidros das janelas, e na parede exterior do imóvel, vários anúncios que diziam: encerrado para obras (quesito 33º).

No dia 04/10/2002, durante a noite, cerca da 1 hora, o 2º réu, em representação da 1ª ré e em conivência com o 3º réu, encostou, sem autorização do autor, um veículo automóvel de mercadorias, marca FORD TRANSIT, de caixa aberta, à porta do estabelecimento de snack-bar, de forma a impedir a sua abertura por parte do autor e a impossibilitar a entrada dos clientes deste (quesito 34º).

No dia 05/10/2002, da parte da manhã, os 2° e 3° réus afixaram, na porta e vidros das janelas do estabelecimento comercial, um papel que dizia: “reabre brevemente” (quesito 35º).

O autor, desde essa data, não conseguiu abrir o estabelecimento nem atender os seus clientes, tomar conta dos seus bens móveis e produtos que se encontravam dentro do estabelecimento comercial devido ao procedimento levado a cabo por parte dos réus (quesito 36º).

O autor está impedido de abrir o seu estabelecimento, dado que o veículo dos réus foi encostado a porta de entrada, impedindo a passagem para o interior do mesmo, de pessoas, bens ou utensílios, e também porque os réus retiraram de dentro desse estabelecimento comercial todos os móveis e produtos pertencentes ao autor (quesito 37º), excepto bolos, pão, queijo, fiambre, carne, couves, alfaces, peixe, gelados, chocolates, batatas fritas, croissants, broa; refrigerantes, fruta, etc., que continuaram no seu interior (quesito 38º).

O valor dos produtos e móveis do autor não é inferior a 10.000 € (quesito 40º).

Perante estes factos, considerou a sentença que esta atitude dos réus configurava um acto “de mão própria”, constituindo ilegítima acção directa, por contraposição à que é considerada lícita nos termos do artigo 336° do CC. “Para que estivéssemos perante uma forma lícita de agir, necessário era que a mesma fosse indispensável para assegurar o direito e que essa indispensabilidade resultasse da impossibilidade de recorrer em tempo útil aos meios coercivos normais, e se destinasse a evitar uma eventual inutilização prática do direito. Mas mesmo nesse caso, ainda, o agente não devia exceder o necessário para evitar prejuízos”.

Ora, no caso em apreço nada disso se verificou, pois os réus poderiam ter recorrido aos meios coercivos normais, não havia o risco de inutilização prática do direito, e houve prejuízos que poderiam ser evitados, por ter havido excesso do necessário.

O acto dos réus, que foi praticado em representação da ré sociedade foi pois ilícito, fazendo os réus incorrer em responsabilidade civil, nos termos do disposto no artigo 483° do CC.

E depois de analisar estes pressupostos, à luz dos artigos 483, 488, 563, todos do Código Civil, concluiu que os réus praticaram um facto ilícito, com culpa, sendo ainda certo que desse facto resultaram danos na esfera jurídica patrimonial do autor, e também na esfera não patrimonial.

Todavia, porque o autor não peticionou qualquer indemnização relativamente a estes danos, a sentença não fixou qualquer indemnização por danos morais.

Todavia foram perdidos os móveis e utensílios do autor, bem como os produtos consumíveis, o que representa danos efectivos.

Nesta parte, considerou a sentença que, “se estes, pela sua natureza, se deterioraram e ficaram impróprios para consumo, tem de considerar-se indemnizável essa perda, dado que a deterioração opera rapidamente, sendo irrelevante o facto de os réus os terem querido devolver”, já quanto aos móveis e utensílios considerou que essa perda não era ressarcível, porquanto, “se é certo que os réus tinham o dever de guarda dos bens, deles se tendo constituído depositários, o risco do seu perecimento transferiu-se para o autor a partir do momento em que recusou a sua entrega, que lhe foi oferecida pelos réus. E esta recusa não deixa de responsabilizar o autor quanto ao desaparecimento dos bens, sendo por culpa sua que tal sucedeu”.

E sendo assim, continua, “é aplicável o disposto no artigo 570° do Código Civil, que estabelece que, quando um facto culposo do lesado tiver concorrido para a produção ou agravamento dos danos, cabe ao tribunal determinar, com base na gravidade das culpas de ambas as partes e nas consequências que delas resultaram, se a indemnização deve ser totalmente concedida, reduzida ou mesmo excluída”.

Deste modo, entendendo a sentença que a recusa do recebimento dos bens por parte do autor foi a causa directa do seu desaparecimento, dado que os réus desenvolveram as diligências necessárias para evitar esse desaparecimento, e este só ocorreu devido aquela recusa, concluiu que, nesta parte, devia a indemnização ser excluída.

Com base na equidade, fixou em 3.000 euros a quantia a pagar pelos réus ao autor, pelo perecimento dos bens consumíveis que não foi possível retirar do estabelecimento.

Assim, quanto a danos morais, não foram os réus condenados porque não foram pedidos.

Quanto aos danos, por perda de móveis e utensílios, a sentença não concedeu essa indemnização por entender que o risco do perecimento dos bens transferiu-se para o autor, a partir do momento em que recusou a entrega que lhe foi oferecida pelos réus.

Quanto aos danos, por perda de bens consumíveis, concedeu a indemnização de 3.000 € que diz ser o seu valor – fixado com equidade.

Quanto à reconvenção, na qual os réus peticionam o pagamento pelo autor de despesas que tiveram de suportar, no valor total de € 2.234,23, provou-se que os réus despenderam a quantia de € 813,96 referentes à contratação da empresa de mudanças com vista a entregar os bens ao autor bem como pagaram à EDP uma factura no valor de € 377,53, correspondente a energia eléctrica consumida pelo autor.

Considerou a sentença que apenas esta quantia era devida, pois a respeitante à empresa de mudanças resultava de um dever que os réus tinham de entregar os bens.

E, operando a compensação (3.000-377,53 euros), condenou os réus a pagar ao autor a quantia de 2.622,47 euros.

Com esta decisão, conformaram-se os réus, nomeadamente quanto à reconvenção. Ou seja, aceitaram a condenação quanto ao perecimento dos bens consumíveis e a absolvição do autor quanto às alegadas despesas feitas com uma empresa de transportes.

Por sua vez, o autor, na apelação, apenas, pôs em causa a não concessão da indemnização pela perda dos móveis e utensílios, conformando-se, consequentemente, com os demais segmentos da sentença.

Já se viu que a sentença não concedeu a indemnização por entender que o risco do perecimento dos bens se havia transferido para o autor, a partir do momento em que recusou a entrega dos bens que lhe foi oferecida pelos réus.

A este propósito, considerou a Relação que não se havia provado tal recusa. Depois, “os réus não alegavam que a recusa tinha sido do autor e o facto provado que foi eliminado também não dizia que a recusa tinha sido do autor. E se os réus não diziam que a recusa tinha sido do autor, a sentença nunca poderia invocar, como facto, que o autor tinha recusado a entrega”.

Assim, acrescenta, “não se tendo provado uma recusa do autor – ou seja de quem for - de receber os bens móveis e utensílios, não existe base para transferir o risco da perda dos bens para o autor, ou seja, para o considerar culpado (o que excluiria a culpa dos réus e daí a sua responsabilidade: artigo 483 do CC) ou em parte culpado (aplicando-se então o artigo 570 do CC) pela perda e pelos danos”.

Pelo que concluiu, merecendo o nosso acolhimento, que a responsabilidade pelos danos, fruto da gravíssima conduta de “justiça por mãos próprias” por parte dos réus, continua a caber a estes, que devem indemnizar os autores do valor dos mesmos, a liquidar posteriormente, por não ter sido possível determinar o valor exacto dos mesmos (artigo 661º, n.º 2 do CPC).

O valor dos bens móveis e utensílios a liquidar respeita só àqueles que estão referidos nos pontos 11º (com excepção dos consumíveis), 13º, 19º, 20º, 21º, 22º e 23º da matéria de facto, todos eles já perdidos (como resulta dos pontos 34º, 64º, 65º, 67º, 69º a 71º) e que, por isso, não podem ser entregues ao autor, como ele pedia, situação que, entretanto, acautelou, formulando o pedido subsidiário de liquidação do respectivo valor.

Assim, a liquidação não poderá ultrapassar o valor do pedido (44.609 €), nem poderá ficar abaixo dos 7.000 €, uma vez que o valor dos produtos e móveis pertencentes ao autor é não inferior a 10.000 euros (ponto 36º) e os réus foram já condenados a pagar 3.000 euros, pela deterioração dos bens consumíveis.

A responsabilidade é de todos os réus, pois que a actuação que causou os danos é dos dois réus pessoas físicas e estes agiram na qualidade de sócios-gerentes da ré e no interesse desta (artigos 165º e 500º, ambos do Código Civil). E é solidária (artigos 497 do CC).

Nenhuma censura merece, pois, o acórdão recorrido, nesta parte.

6.

EXCESSO DE RENDAS:

O autor peticionou a restituição de quantias que, em seu entender, teria pago em excesso, no tocante às prestações (“rendas”) que pagava à ré.

Esta sua pretensão não foi acolhida pela sentença, com o fundamento de que se não fez prova que houvesse qualquer excesso.

O autor apelou deste segmento da sentença mas a sua pretensão não foi acolhida pela Relação.

Continua a discordar desta decisão, repetindo, no recurso para este Supremo Tribunal, os mesmos argumentos que invocara na apelação.

Diz, então, o autor que “dúvidas não existem que resultou provado que, no que respeita às rendas que o autor pagava, as mesmas foram pagas em excesso. Primeiro, tal facto resulta do próprio contrato de cessão de exploração, cuja nulidade acima foi requerida, efectuado entre os réus e o autor, conforme resulta de fls. Segundo, também de todos documentos juntos aos autos, nomeadamente todos os cheques entregues pelo autor aos réus, e por último da própria sentença de fls., nomeadamente dos pontos 25 e 26 dos factos provados, em que dá como provado o aumento das rendas e que o autor sempre pagou aos réus. Pelo que, não se percebe como pode no acórdão recorrido, entender-se que a pretensão do autor não pode ser atendida, com o fundamento de que não se provou qualquer excesso, quando no próprio acórdão de fls., nomeadamente dos factos provados resulta o contrário”.

Não assiste razão ao recorrente.

Como ficou demonstrado, o autor e os réus não outorgaram um contrato de arrendamento comercial mas um contrato de cessão de exploração, pelo que a prestação respeitante à exploração do estabelecimento apenas num sentido não rigoroso se pode apelidar de renda.

Ora, conforme acordado, por esta concessão ficou clausulado que pagaria o concessionário à concedente a importância de novecentos mil escudos, acrescida de IVA, à taxa legal, em prestações mensais, iguais e sucessivas de cento e cinquenta mil escudos, acrescidas de IVA, à taxa legal, no dia 1 do mês seguinte a que disser respeito, na sede da concedente, contra recibo (cláusula 2ª).

Convencionaram, ainda, as partes que, “se houver renovação, no primeiro período de renovação, o concessionário pagará à representada dos primeiros a importância de um milhão e duzentos mil escudos; no segundo, a importância de um milhão e quinhentos mil escudos; e nos seguintes a importância correspondente ao aumento de dois vírgula cinco por cento sobre a importância paga no período imediatamente anterior, importâncias sempre acrescidas de IVA (cláusula 2ª – parágrafo único).

O contrato foi outorgado no dia 22/03/2000 e a concessão de exploração foi feita pelo período de seis meses com início em 1/04/2000, renovável por iguais e sucessivos períodos.

Ficou provado que o autor entregou a quantia de 1.011.440$00 ao 3º réu em 12/04/2000 e, a partir daí, passou a pagar 150.000$00 mensais até Outubro de 2000.

A prestação foi actualizada, por determinação dos réus, em representação da 1ª ré, para 234.000$00, no mês de Outubro de 2000. Para 263.500$00, em Abril de 2001. Para 292.500$00, em Outubro de 2001. Para 1.495,46 €, em Abril de 2002 e para 1.512,02 €, a partir de Julho de 2002.

Esta quantia manteve-se, tendo o autor depositado esta última importância, no dia 07/10/2002 na Caixa Geral de Depósitos (ponto 25º).

Ficou ainda provado que, a partir do aludido de cessão de exploração, o autor sempre pagou as contraprestações respeitantes à exploração do estabelecimento (ponto 26º).

Como se verifica, as “rendas”, que tinham o valor inicial de 150.000$00 mensais, foram aumentadas por cinco vezes, num espaço de tempo de cerca de três anos, tendo o autor pago os valores pedidos.

O autor considera que há um excesso porque teria pago as “rendas” com aumentos anormais, impostos pela ré. E tê-las-ia satisfeito, para evitar problemas de acção de despejo, mas esses aumentos são ilegais.

Estes argumentos carecem de qualquer sustentabilidade porquanto, como vimos, as partes não celebraram um contrato de arrendamento comercial mas antes um contrato de cessão de exploração de estabelecimento e esse aumento estava previsto no contrato, nada impedindo que, dentro do princípio da liberdade contratual, as partes o pudessem ter estipulado.

Ora, tendo em regra o que ficou acordado e reproduzido na cláusula segunda, no primeiro período de renovação, ou seja a partir de 1/10/2000 a prestação correspondia a 1.200.000$00 + 17% de IVA, o que perfazia a importância mensal de 234.000$00.

No segundo período de renovação, ou seja a partir de 1/04/2001, a prestação correspondia a 1.500.000$00 + 17% de IVA, o que perfazia a importância mensal de 292.500$00.

No terceiro período de renovação, ou seja a partir de 1/10/2001, a prestação correspondia a 1.500.000$00 + 2,5% + 17% de IVA, ou seja a importância mensal de 299.812$50, correspondente a 1.495,46 €.

No quarto período de renovação, ou seja a partir de 1/04/2002, a prestação mensal correspondia a 1.495,46 € + 2,5% + 17% de IVA, ou seja 1.793,43 €.

Como as contraprestações que o autor pagou até foram menores do que estes valores, é evidente que não há qualquer excesso. E, estando este aumento previsto no contrato, não houve imposição unilateral.

Improcede este segmento do recurso.

7.

Tal como havia feito no recurso de apelação, o autor volta a invocar neste recurso as mesmas nulidades, antes apontadas à sentença, previstas nas alíneas b), c) e d) do n.º 1 do artigo 668 do CPC e defende que a ausência de fundamentação viola as normas dos artigos 204º, 205º, 13º e 20º da Constituição da República Portuguesa.

Não as concretiza minimamente e por tudo o que já foi sendo exposto, transcrito e decidido vê-se que não há uma única decisão relativamente à qual falte a especificação da respectiva fundamentação de facto e de direito, nem há nenhuma decisão que esteja em oposição com os respectivos fundamentos, nem houve qualquer pronúncia sobre questões de que não se pudesse tomar conhecimento, nem o acórdão se deixou de pronunciar sobre todas as questões que devesse apreciar.

Pelo que não há qualquer nulidade da sentença ou violação das normas apontadas da CRP.

Sumário:

1 - O estabelecimento comercial, como um bem mercantil, engloba o complexo de bens e de direitos que o comerciante afecta à exploração da sua empresa, que tem uma utilidade, uma funcionalidade e um valor próprios, distintos de cada um dos seus componentes e que o direito trata unitariamente.

2 - Configura um contrato de cessão de exploração de estabelecimento ou locação de estabelecimento, o contrato pelo qual uma das partes cede à outra por determinado prazo e mediante pagamento duma contrapartida mensal, o direito de exploração de estabelecimento comercial de snack-bar, transferindo para esta última o mobiliário e equipamento indispensáveis ao seu funcionamento, apesar de ainda não ter havido aí clientela nem até então ter sido aí exercida qualquer actividade.

3 - A cessão de exploração pode recair sobre um estabelecimento de que nada ainda existe, como sobre um estabelecimento incompleto, que não está concluído, mas em via de formação bem como sobre um estabelecimento cuja exploração ainda se não tenha iniciado ou esteja interrompida.

4 - Confrontando o arrendamento comercial e a cessão de exploração ou locação de estabelecimento, constituem pontos de contacto e de comunhão a existência de uma transferência com carácter oneroso e de feição temporária, mas ocorre uma distinção essencial e definidora que se radica no seguinte facto: enquanto no arrendamento comercial o locador transfere para o locatário o direito de gozo de um prédio, na locação de estabelecimento o detentor do estabelecimento transfere para o cessionário o gozo e fruição de uma unidade comercial, com todas as marcas e feições distintivas que acompanham esta figura de direito comercial.

5 – Assim, haverá arrendamento comercial se o titular do local se limitar a pôr à disposição do locatário o gozo e fruição da instalação, ou seja, uma configuração física apta ao exercício da actividade mercantil visada; e já haverá cessão de exploração se o prédio já se encontrar provido dos meios materiais indispensáveis à sua utilização como empresa, designadamente móveis, máquinas, utensílios que tornem viável, mediante a simples colocação de mercadoria, o arranque da exploração comercial mas não será indispensável que o estabelecimento já antes estivesse em exploração.

6 - Não se tendo provado uma recusa do autor de receber os bens móveis e utensílios, não existe fundamento para transferir para este o risco da perda dos bens, ou seja, para o considerar culpado (o que excluiria a culpa dos réus e daí a sua responsabilidade) ou em parte culpado (aplicando-se então o artigo 570 do CC) pela perda desses bens ou pelos danos, pelo que, continuando a caber aos réus a responsabilidade pelos danos, devem estes indemnizar o autor pelo valor dos mesmos, a liquidar posteriormente, por não ter sido possível determinar o valor exacto dos mesmos.

7 – Uma vez que o autor e os réus não outorgaram um contrato de arrendamento comercial mas um contrato de cessão de exploração, a prestação respeitante à exploração do estabelecimento pode ser actualizada nos termos convencionados contratualmente.

DECISÃO:

Pelo exposto, negando a revista, confirma-se o acórdão recorrido.

Custas pelos recorrentes, na proporção de 2/3 para o autor e de 1/3 para os réus.

Lisboa, 19 de Abril de 2012

Granja da Fonseca (Relator)

Silva Gonçalves

Ana Paula Boularot

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[1] Ac. STJ de 26/04/84, BMJ, n.º 336/406.
[2] Fernando Gravato Morais, Novo Regime de Arrendamento Comercial,
[3] Pupo Correia, Direito Comercial, 10ª edição, página 72.
[4] Ac. STJ de 8/05/2008, citado.
[5] Pedro Pais de Vasconcelos, Direito Comercial, Volume I, Almedina 2011, página 105.
[6] Pedro Pais de Vasconcelos, Direito Comercial, Volume I, Almedina 2011, página 105.
[7] Citado por Miguel Pupo, in Direito Comercial, 10ª edição, página74.
[8] Vide Aragão Seia, Arrendamento Urbano, 6ª edição, página 624, jurisprudência e doutrina citada.