Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
138/08.6TALRA.C1.S1
Nº Convencional: 3ª SECÇÃO
Relator: ARMINDO MONTEIRO
Descritores: REFORMATIO IN PEJUS
RECURSO PENAL
ARGUIDO
DIREITOS DE DEFESA
ANULAÇÃO DE SENTENÇA
REENVIO DO PROCESSO
Data do Acordão: 09/14/2011
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIDO
Sumário :

I - O princípio da proibição da reformatio in pejus prescreve que, interposto recurso de decisão final somente pelo arguido, pelo MP, no interesse exclusivo do primeiro, o tribunal superior não pode modificar, na sua espécie ou medida, as sanções constantes da decisão recorrida, em prejuízo de qualquer dos arguidos, ainda que não recorrentes.
II - Enquanto circunscrito ao direito ao recurso interposto pelo arguido no seu exclusivo interesse ou pelo MP no mesmo sentido, o princípio referido, na sua modalidade directa, é fortemente limitativo do poder decisório do tribunal; porém, concebido, embora com controvérsia, como um princípio geral de direito de processo penal, enquanto direito de defesa, consagrado no art. 32.º, n.º 1, da CRP, o princípio, em nome do direito a um processo justo, actua com maior latitude, e, assim, no caso de anulação ou reenvio do processo para novo julgamento, em 1.ª instância, o princípio não se esvai – é aplicada a reformatio in pejus indirecta –, limitando, igualmente, o poder decisório do tribunal inferior, que não pode em tal caso agravar a situação do arguido.
III - O tribunal inferior, diz-se, não há-de ter poderes mais amplos do que o tribunal superior; a proibição de reformatio se limita o tribunal superior, por maioria de razão há-de limitar o inferior, atenta a cadeia hierárquica que se estabelece entre ambos e a íntima conexão entre o decidido nas instâncias, dada a decorrência lógica entre a solução a alcançar.
IV -Aliás, sempre que o titular da acção penal não manifesta discordância, não se concebe que o Estado, através dos seus órgãos de administração da justiça, sobrepondo-se ao arguido, lhe possa impor uma reacção penal mais severa do que a cominada do antecedente.



Decisão Texto Integral:

Acordam em conferência na Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça :

Por acórdão proferido pelo Tribunal Colectivo nos autos de Processo Comum Singular nº 138/08.6TALRA , do 2º Juízo Criminal da Comarca de Leiria, foi o arguido: AA, actualmente preso em cumprimento de pena no Estabelecimento Prisional de Alcoentre, condenado , em cúmulo jurídico , na pena única de 5 anos e 8 meses de prisão , resultante das parcelares aplicadas :

a) No P.º comum singular n.º 138/08 .6 TALRA , do 2.º Juízo Criminal de Leiria , ou seja nos presentes autos , de 18 meses de prisão , pela prática de um crime de denúncia caluniosa , p . e p. pelo art.º 356.º n.º 1 , do CP , condenação imposta por sentença de 6 de Março de 2009 , transitada em julgado em 29.3.2009 , por factos cometidos em 5 de Abril de 2006 e ;
b) No P.º comum colectivo n.º 374/05.7GBTNV, do 1.º Juízo do Tribunal Judicial de Torres Novas , na pena de 4 anos e 6 meses de prisão e 2 anos de prisão , por decisão de 11.3.2008 , transitada em julgado em 23.4.2008, por factos praticados na noite de 7 para 8 de Dezembro de 2005 e antes de 6 de Fevereiro de 2006 , integrantes dos crimes de furto qualificado , p. e p . pelos art.ºs 203.º e 204 .º n.º 2 e ) do CP e de um crime de falsificação de documentos , p .e p . pelo art.º 256.º n.º s 1 e 3 b) , do CP , respectivamente .

O arguido , inconformado com o teor da decisão proferida , interpôs recurso apresentando na motivação as seguintes CONCLUSÕES:

1-Por acórdão proferido neste autos em 09 de Novembro de 2009, foi o arguido condenado:

2-Na pena única de 3 (três anos de prisão (cúmulo das penas aplicadas ao arguido nos processos supra indicados, comuns singulares números:

-341/03.5TATNV do 1º Juízo do Tribunal Judicial de Torres Novas

-336/04.1 TATNV, do 1º Juízo do tribunal Judicial de Torres Novas

3-E na pena única de 06 (seis) anos e 9 (nove) meses de prisão (cúmulo das penas aplicadas ao arguido nos processos supra indicados:

- 138/08.6TALRA do 2º Juízo Criminal de Leiria;

-374/05.7GBTNV, do 1º Juízo do Tribunal Judicial de Torres Novas;

-606/05.1 GAVNO do 1º Juízo do Tribunal Judicial de Vila Nova de Ourém.

4-Penas únicas essas que, nos termos do referido acórdão, deveriam ser cumpridas sucessivamente pelo arguido.

5-É desse acórdão que inconformado, o arguido AA, interpõe recurso para o Supremo Tribunal de Justiça pugnando pela nulidade do acórdão recorrido.

6-É proferido acórdão pelo Supremo Tribunal de Justiça que declara nulo o acórdão recorrido(que não manteve inalterado - como devia - o cumulo efectuado pelo Tribunal de Ourém) quer por não ter englobado num dos cúmulos( o primeiro), penas que o deveriam ter sido(o tribunal não conheceu de questões de que devia tomar conhecimento(artigo 379º-1-c, do CPP e 11° e 78B-1 e 2, do CPO), quer também por ter englobado noutros cúmulos { o segundo), penas que o não deveriam ter sido, quer ainda por omissão de fundamentação e de pronuncia nos termos do artigo 379-1-a)-1ª parte- e c) do CPP,

7-sobre a ponderação conjunta dos factos e personalidade do arguido, relevantes para a determinação da medida da pena única, devendo por isso, ser reformulado , tendo em conta o que se deixou exposto e preceituado nos artigos 77-1 e 2 e 78-1 e 2- ambos do Código Penal.

8-Posteriormente o Tribunal de Leiria por acórdão de 20 de Janeiro de 2011, mantém o primeiro cúmulo do processo de Ourém no qual o arguido foi condenado na pena de 6 anos e 9 meses, relativamente às penas dos processos nºs:

-606/05.1GAVNO do 1º Juízo do tribunal de Ourém.

-336/04.1TATNV do 1º Juízo do Tribunal judicial de Torres Novas

-341/03.5TATNV do 1º Juízo do tribunal Judicial de Torres Novas.

9-E condena o arguido relativamente ao segundo cumulo na pena única de 5 anos e 8 meses.

10- Ora o arguido, não se pode conformar que da interposição do recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, ou na sequencia da decisão deste, após a reformulação da pena em primeira instancia resulte um significativo agravamento das penas que lhe haviam sido aplicadas,

11-Senão vejamos o arguido antes da interposição do Recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, havia sido condenado nas penas únicas de:

12- 3 (três anos de prisão) (cumulo das penas aplicadas ao arguido nos processos supra indicados, comuns singulares números 341/03.5TATNV e 336/04.1TATNV, ambos do 1a Juízo do tribunal Judicial de Torres Novas;e na Pena única de 13-06 (seis) anos e 9 (nove) meses de prisão (cumulo das penas aplicadas ao arguido nos processos supra indicados, comum singular nº 138/08.6TALRA do 2º Juízo Criminal de Leiria, comum colectivo 374/05.7GBTNV, do 1º Juízo do Tribunal Judicial de Torres Novas e comum colectivo 606/05.1 GAVNO do 1º Juízo do Tribunal Judicial de Vila Nova de Ourém.

14-Ora após o recurso para o Supremo Tribunal de Justiça e na sequência do determinado por este Tribunal veio o mesmo a ser a ser condenado na pena de 6 anos e 6 meses relativamente ao primeiro cumulo,

15-Bem como na pena única de 5 anos e 8 meses de prisão atento o cumulo que integrou as seguintes penas parcelares:

-18 meses de prisão- Processo Comum Singular n.º 138/08.6TALRA do 2º Juizo Criminal de Leiria ( os presentes autos);

-4 anos e 6 meses de prisão e 02 anos de prisão-Processo comum colectivo n.º 374/05.7GBTNV, do 1º Juizo do Tribunal de Torres Novas,

16-Ou seja no total e após a revogação da decisão do Tribunal "A Quo" ficou o arguido obrigado ao cumprimento de uma pena de 06 anos e 06 meses, seguida de uma outra de 05 anos e 08 meses de prisão, tudo num total de 12 anos a quatro meses,

17-Razão pela qual o arguido viu o somatório das suas penas passar de 9 anos e 9 meses para 12 anos e 04 meses,

18-Em consequência do recurso interposto e da decisão seguinte ao mesmo ficou o arguido obrigado ao cumprimento de mais 2 anos e 5 meses de prisão efectiva.

19-0ra a questão que o arguido vem agora suscitar é a questão da violação da proibição da reformatio in pejus,

20-Na verdade e tendo em conta que podem acontecer situações como a presente entende o ora recorrente que tem que existir um limite até ao qual o Tribunal "A Quo" pode aumentar as penas, sob pena de não ser respeitado o principio em causa.

21-0 que se pretende com tal princípio é justamente não agravar a decisão de uma anterior apreciação mal efectuada.

22-Ao acontecer, como nos presentes autos, estamos a contrariar uma expectativa que o nosso ordenamento jurídico visa garantir qual seja a de proibição da reformatio in pejus,

23-Tendo somente o arguido recorrido da decisão que o condenou e se na sequência desse recurso a audiência de prova vier a ser anulada,

24-Na nova audiência a que se proceda o arguido não poderá ser condenado em pena mais grave do que aquela que anteriormente lhe havia sido aplicada, sob pena de violação dos direitos e garantias fundamentais do arguido, consagrados no artigo 32.º, n.º 1, da Constituição da República e artigo 61º, n.º 1, alínea h), do Código de Processo Penal, e ofensa do princípio da reformatio in pejus.

25- O princípio da reformatio in pejus constitui uma excepção ao regime dos efeitos das nulidades; isto é, em caso algum a sua declaração poderá conduzir a um agravamento da pena que haja sido aplicada ao arguido em julgamento anterior anulado.

26- O douto acórdão recorrido violou o disposto nos artigos 32.º, n.º 1, da Constituição da República, 61.º, n.º 1, alínea h), e 409.º, n.º 1, do CPP.

27- "(...) O tribunal recorrido interpretou ainda o disposto nos artigos 32.9, n.91, da Constituição da República e 61.º, n.º1, alínea h), e 409.º, n.º 1, do CPP no sentido de que tais disposições não serão violadas quando em novo julgamento na sequência de anterior anulado, o arguido é punido em pena mais grave do que no primeiro, quando, na verdade, a proceder-se deste modo estar-se-á a violar o disposto nos artigos 32.º, n.º 1, da Constituição da República e 61.º, n.º 1, alínea h), do CPP."

28- "E tendo-se na devida atenção que somente o arguido interpôs recurso do 1.º acórdão, como aliás ocorreu também em relação a este último, que agora se aprecia, não deixa de apresentar-se como de todo em todo significativamente relevante interrogarmo-nos sobre se, face ao disposto no artigo 409.º, n° 1, do CPP, poderá ele ver a sua situação penalizada e agravada face à 1.a decisão, não obstante a anulação do primeiro julgamento e a realização de um novo julgamento.

29- "Na compreensão que faço sobre este princípio e sobre o seu âmbito de intervenção, natureza e alcance, tal como acolhido no actual sistema de processo penal, encontro uma conformação do instituto com um conteúdo material de garantia, no sentido de maior intensidade e autonomia, assim se integrando na lógica estruturante do processo penal moderno e sob a inspiração dos princípios fundamentais do processo penal hoje geralmente aceites (cf., sobre a evolução do instituto da proibição da reformatio in pejus no século passado, sempre no sentido de maior intensidade de garantia, o Parecer da Câmara Corporativa, no Boletim do Ministério da Justiça, n.º 180, pág. 103 e seguintes, e FIGUEIREDO DIAS, Direito Processual Penal, I volume, 1974, págs. 259 e seguintes.)"

30- "O princípio da proibição da reformatio in pejus é actualmente considerado como relevante constituto do processo justo (due process; fair triaf), do processo equitativo, em que se integram também os recursos, e marcadamente conformado, na compreensão e dimensão, pela estrutura acusatória do processo (estrutura acusatória que é mesmo constitucionalmente imposta como garantia fundamental do processo criminal inscrita no artigo 32.º, n.º 5, da Constituição)."

31- "E inteiramente ligado ao direito ao recurso, também com matriz constitucional como uma das garantias de defesa («O processo criminal assegura todas as garantias de defesa, incluindo o recurso» - artigo 32.º, n.º 1, da Constituição, na redacção da revisão de 1997)."

32- "Na verdade, o princípio da acusação (subjacente à estrutura acusatória do processo), que comanda todo o processo, impõe que nos casos em que a acusação se conforma com uma decisão e o recurso é interposto apenas pelo arguido (ou no interesse exclusivo deste), fiquem necessariamente limitados os parâmetros da decisão, estabelecendo-se com o recurso, em tais casos, uma vinculação intraprocessual, no sentido em que o poder de decisão está doravante intraprocessualmente condicionado à não alteração em desfavor do arguido."

33- A decisão, quando impugnada (unicamente) pelo arguido, constitui o limite do conhecimento ou da jurisdição do tribunal ad quem, e também por isso mesmo, para obviar à reformatio indirecta, limite à acusação, conformação, rectius, à jurisdição do tribunal de reenvio, nos casos de anulação ou de reenvio.

34- «0 recurso estabelece, assim, um limite à actividade jurisdicional, constituído pelos termos e pela medida da condenação do arguido (único) recorrente (cf., v. g., JOSÉ MANUEL DAMIÃO DA CUNHA, O Caso Julgado Parcial, Questão da Culpabilidade e Questão da Sanção num Processo de Estrutura Acusatória, 2002, págs. 240 e seguintes, 436 e 658 e seguintes)."

35- O princípio do processo equitativo (enunciado no artigo 6.º, n.º 1, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, e no artigo 14.º do Pacto Internacional sobre os Direito Civis e Políticos, e particularmente densificado pela jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem) também impõe que a proibição da reformatio in pejus seja avaliada e confrontada neste âmbito de compreensão:

36-a lisura, o equilíbrio, a lealdade tanto da acusação como da defesa, que constituem, ao lado do contraditório, da igualdade de armas e da imparcialidade do tribunal, momentos de referência da noção de processo equitativo, impõem que o arguido, no caso de único recorrente e que usa o recurso como uma das garantias de defesa constitucionalmente reconhecidas, não possa ser, em nenhuma circunstância, surpreendido no processo com a decorrência de uma situação desequilibrante;

37--0 recurso, inscrito como meio de defesa, não pode, quando a acusação o não requerer, produzir, sem desconformidade constitucional, um resultado de gravame (neste sentido interpreto a doutrina subjacente à decisão do Tribunal Constitucional nos acórdãos n.ºs 499/97 e 498/98).

38- 0 princípio valerá, pois nenhuma razão material há para distinguir, tanto para a reformatio directa como para a indirecta, sendo, por isso, indiferente que o arguido tenha (ou também tenha) pedido no recurso a anulação do julgamento ou o reenvio para outro tribunal.

39- A inclusão sistemática na norma do artigo 409.º do CPP no regime dos recursos significa apenas que é aí o seu lugar de adequada inserção, porque a questão apenas se suscita no caso de interposição de recurso. Mas não significa que o princípio apenas constitua um princípio do recurso e não um princípio do processo (cf.r DAMIÃO DA CUNHA, citado, págs. 654-658).

40- A interpretação que fez vencimento levou restritivamente ao pé da letra o artigo 409.º, n.º 1, do CPP, não atendendo aos princípios que conformam o instituto e necessariamente a interpretação sobre o âmbito da proibição, acabando por permitir, contra a equidade do processo e a estrutura acusatória (com o tribunal a substituir-se, porventura, à omissão ou à plena conformação da acusação), uma reformatio in pejus indirecta que a modelação substancial do instituto não permite.

41- E leva também a uma incoerência sistémica: permitir ao tribunal do reenvio (ou do novo julgamento) o que não é permitido ao tribunal de recurso.

42- O estatuído no artigo 32.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa de que «O processo penai assegura todas as garantias de defesa, incluindo o recurso», significa que é o próprio processo que é garantia de defesa do arguido, pelo que até ao trânsito em julgado tudo é processo.

43- E sendo assim, quando uma decisão do tribunal superior anula uma audiência de julgamento, tal decisão não anula todo o processo mas apenas um seu acto, mantendo-se, assim, a dimensão fundamentalmente unitária dos direitos de defesa do arguido.

44- Consubstanciando o princípio da proibição da reformatio in pejus um direito e uma garantia de defesa do arguido, consagrado constitucionalmente, então ao arguido cabe exercitar todos esses direitos por forma livre e isenta de coacções ou temores, em ordem a fazer valer a sua liberdade posta em jogo por uma acusação do Ministério Público.

45- Por outro lado, sendo um direito de defesa válido para todo o processo, o princípio da proibição da reformatio in pejus jamais poderá ser prejudicado pela anulação de um primeiro julgamento.

46- E isto porque a pena anteriormente aplicada ao arguido (num primeiro julgamento) vincula o tribunal e constitui caso julgado parcial quanto à pena.

47-Sendo assim, em segundo julgamento a que se proceda por anulação do primeiro na sequência de recurso somente interposto pelo arguido, o tribunal não poderá condenar em pena mais grave que aquela que inicialmente lhe foi aplicada.

48-Ao proceder desta forma, como aconteceu nos presentes autos, o tribunal ofendeu de forma flagrante os direitos de defesa do arguido, violando o disposto no artigo 32.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa.

49-Tendo o Ministério Público se conformado com a pena que foi aplicada ao arguido no primeiro julgamento (que viria a ser anulado), o tribunal, ao aplicar ao arguido, em segundo julgamento, uma pena mais grave, está, também, a violar o princípio da acusação e a estrutura acusatória do processo penal, consagrada no mesmo artigo 32.º, n.º 5, da CRP.

50- Decorre do princípio da proibição da reformatio in pejus que, se em recurso só trazido pelo arguido, for ordenada a devolução do processo, não poderá a instância vir a condenar o recorrente em pena mais grave do que a infligida anteriormente.

51- Tal compreensão daquele princípio integra o processo justo, o processo equitativo, tributário da estrutura acusatória do processo, consagrada constitucionalmente e do princípio da acusação, que impõe que nos casos em que a acusação se conforma com uma decisão e o recurso é interposto apenas pelo arguido, ou no seu interesse exclusivo, fiquem limitados os parâmetros da decisão e condicionado no processo o poder de decisão à não alteração em desfavor do arguido.

52- O recurso estabelece, assim, um limite à actividade jurisdicional, constituído pelos termos e pela medida da condenação do arguido (único) recorrente, mesmo se o arguido tenha pedido no recurso a anulação do julgamento ou o reenvio para outro tribunal, por se postularem as mesmas razões, sendo que a solução contrária se traduziria em atribuir ao tribunal do reenvio (ou do novo julgamento ou da devolução) poderes que não estavam cometidos ao tribunal de recurso."

53- Deste modo considera-se o entendimento da proibição da reformatio in pejus não apenas como dirigida ao tribunal de recurso, mas antes como um princípio geral do processo criminal, encontra a sua base constitucional na conjugação da plenitude das garantias de defesa, do princípio do acusatório e das exigências do processo equitativo.

Deve o acórdão proferido ser revogado .

O Colectivo teve como provados e atinentes às infracções em concurso, os seguintes factos , relativamente ao P.º comum singular n.º 138/08.6TAL RA , do 2.º Juízo de Leiria :

«No dia 5 de Abril de 2006, nos Serviços do Ministério Público na comarca de Leiria, ao ser interrogado, como arguido, no âmbito da carta precatória extraída do processo nº 374/05.7GBTNV, do Tribunal da Comarca de Torres Novas, declarou que:

a) Os Inspectores da Polícia Judiciária de Leiria, em dia que não soube precisar, estiveram na garagem da sua residência, onde um dos inspectores o agrediu com um soco na barriga;

b) que no percurso entre Torres Movas e Leiria, foi agredido por dois agentes da Polícia Judiciária “com chapadas e cotoveladas no peito”;

c) que, posteriormente, no mesmo dia, voltou a ser agredido por “7 ou 8 agentes da PJ”;

d) que as agressões ocorreram para “o forçar a falar sobre armas e em relação ao veículo”;

e) por tais factos desejou pretender procedimento criminal contra os agentes da Polícia Judiciária; e

f) acrescentou que “já estava detido no EPR de Leiria e cerca de um mês depois da PJ ter estado em sua casa, 2 ou 3 agentes da PJ de Leiria foram-no buscar à cadeia o ouvir novamente. Nas instalações da PJ o director deu-lhe dois “calduços”, com força, dizendo que se fosse homenzinho colaborava com eles. Um dos agentes também disse que iam prender a sua namorada e que quando quisesse a sua ajuda (para tirar a sua namorada da cadeia) para lhe telefonar. A questão falada foi mais uma vez as armas”.

Com base nestas declarações, foi instaurado procedimento criminal contra os Inspectores BB e CC pela prática de crime tortura e coacção grave, tendo os mesmos sido constituídos e interrogados como arguidos.

Posteriormente, no dia 2 de Julho de 2007, ao ser inquirido, na qualidade de ofendido/denunciante, acrescentou que “apenas quer queixa contra os agentes da PJ pelo facto de o acusarem de terem encontrado um carro dentro da sua garagem quando isso não corresponde à verdade”».

Relativamente ao Processo Comum Colectivo n.º 374/05.7GBTNV, do 1º Juízo do Tribunal Judicial de Torres Novas, importa reter os seguintes factos provados :

«Na noite do dia 7 para o dia 8 de Dezembro de 2005, o arguido deslocou-se à oficina denominada “Auto Camião ...”, pertença de DD, sita em localidade de Videla, área desta comarca, com o propósito de fazer seu o que nela encontrasse e que fosse do seu interesse.

Ali chegado, o arguido partiu o vidro de uma janela localizada nas traseiras da oficina e, através dela, entrou dentro do estabelecimento.

Uma vez no interior da oficina, o arguido apoderou-se de um veículo automóvel, ligeiro de mercadorias, com a matrícula ...-TT, de cor branca, marca e modelo Renault Clio, no valor de 5 000,00 €, que possuía as respectivas chaves na ignição, um amplificador, um arranca pregos, uma alavanca, duas marretas pequenas e uma rebarbadora pequena.

Em seguida, o arguido partiu o cadeado do portão da oficina e saiu do local, fazendo seus o veículo e os objectos supra referidos.

O veículo possuía o número de quadro VF1SB07CF26966448 e pertencia a EE, enquanto que as ferramentas pertenciam a DD.

Como pretendia circular com o veículo na via pública sem que este fosse identificado pelas entidades policiais, o arguido apôs no dito veículo, em data não concretamente apurada mas anterior a 6 de Fevereiro de 2006, por cima da chapa de matrícula originária do veículo, a chapa de matrícula com o número ...-XH, que sabia não pertencer àquele veículo.

Na ocasião foi o veículo apreendido, por se ter constatado que tinha apostas chapas de matrículas com um número que não lhe pertencia.

No interior do veículo, encontravam-se um gorro em lã, cor preta, tipo passa-montanhas, um par de luvas, em lã, de cor preta, um par de luvas em látex, um par de luvas de trabalho, em borracha e tecido, uma lanterna/compressor de cor preta, capacete integral de cor cinzenta, com listas pretas e vermelhas, um jarrican de cor azul, tubos de borracha, uma lanterna própria para ligar à bateria de carros, dois pés-de-cabra, uma barra em ferro, um martelo, uma chave de tubos, uma chave inglesa, dois alicates de pressão, três alicates universais, cinco chaves de fendas, uma chave de velas, uma lanterna de pequenas dimensões, quatro canivetes e três isqueiros, todos sem qualquer valor comercial.

À excepção das ferramentas que foram retiradas da oficina, o arguido havia utilizado os supra mencionados objectos na prática dos factos ora descritos e destinava-os à prática de actos semelhantes».

Outros factos provados com interesse:

a) Os demais factos considerados provados nas decisões supra referidas, e que constam a fls. 373-381 e 217-239, que aqui se dão por integralmente reproduzidos.

b) O arguido foi ainda condenado no Processo Comum Colectivo n.º 49/97 Tribunal de Círculo de Abrantes, por decisão proferida em 19.01.1998, e por factos praticados em 08.10.1996, em, além do mais, pena de 20.000$00 de multa, pela prática de um crime p. e p. pelo art. 203º, nº 1, do CP

c) O arguido foi ainda condenado no Processo Comum Singular nº 198/97, do Tribunal Judicial do Entroncamento, por decisão proferida em 07.05.1998, e por factos praticados em 03.10.1996, em, além do mais, 9 meses de prisão, pela prática de um crime de furto e outro de introdução em local vedado ao público, p. e p. pelos arts. 204º, nº 1, al. a), e 191º, do CP Reproduzem-se as considerações da antecedente nota, desta sorte relativamente ao boletim nº 2, também junto a fls. 459.

d) O arguido foi ainda condenado no Processo Comum Colectivo n.º 35/98, do 2º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Santarém, por decisão proferida em 09.06.1998, e por factos praticados em 28.09.1997, na pena única de 3 anos e 9 meses de prisão, pela prática de um crime de receptação, outro de furto qualificado e outro de falsificação de documento, p. e p. pelos arts. 231º, nº 1, 204º, nº 2, al. a), e 256º, nº 1 e nº 3, do CP.

e) No seio do processo referido em d), foi declarado perdoado um ano de prisão nos termos do artº 1º, nº 1, da Lei nº 29/99, de 12.05, sob a condição resolutiva prevista nos artsº 4º e 5º, nº 2, da mencionada Lei.

f) O arguido foi ainda condenado no Processo Comum Singular n.º 8/98, do 2º Juízo do Tribunal Judicial de Torres Novas, por decisão proferida em 29.03.2000 e transitada em julgado em 02.05.2000, e por factos praticados em 01.11.1996, na pena 6 meses de prisão, substituída por igual pena de multa à taxa diária de 500$00, pela prática de um crime de furto de uso de veículo, p. e p. pelos arts. 208º, nº 1, do CP.

g) O arguido, no Processo Comum Colectivo n.º 606/05.1GAVNO, do 1º Juízo do Tribunal Judicial de Ourém, por decisão proferida em 5 de Julho de 2006 e transitada em julgado em 2 de Agosto de 2006, e por factos praticados em 24 de Agosto de 2005, foi condenado na pena de 4 anos de prisão, pela prática de um crime de roubo, p. e p. pelos arts. 210º, nº 1, e nº 2, al. b), e 204º, nº 2, al. f), e nº 4, do CP.

h) O arguido foi ainda condenado, no Processo Comum Singular n.º 336/04.1TATNV, do 1º Juízo do Tribunal Judicial de Torres Novas, por decisão proferida em 31 de Outubro de 2005 e transitada em julgado em 2 de Dezembro de 2005, e por factos praticados em 24 de Março de 2003, foi condenado na pena de 2 anos e 2 meses de prisão, pela prática de um crime de falsidade de testemunho agravado, p. e p. pelo art. 360º, nº 3, do CP.

i) O arguido foi ainda condenado, no Processo Comum Colectivo n.º 341/03.5TATNV, do 1º Juízo do Tribunal Judicial de Torres Novas, por decisão proferida em 3 de Agosto de 2005 e transitada em julgado em 10 de Janeiro de 2006, e por factos praticados desde 2003 até Maio de 2004, foi condenado, como reincidente, na pena de 2 anos e 4 meses de prisão, pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo art. 25º, nº 1, al. a), do DL nº 15/93, de 22 de Janeiro, e pelos arts. 75º e 76º do CP.

j) No já identificado Processo Comum Colectivo n.º 606/05.1GAVNO, do 1º Juízo do Tribunal Judicial de Ourém, foi efectuado o cúmulo jurídico da pena aplicada nesses autos, referida em g) supra, com as penas aplicadas no Processo Comum Singular n.º 336/04.1TATNV, do 1º Juízo do Tribunal Judicial de Torres Novas, aludida em h) supra, e no Processo Comum Colectivo n.º 341/03.5TATNV, do 1º Juízo do Tribunal Judicial de Torres Novas, mencionada em i) supra.

Assim, por decisão proferida em 22 de Novembro de 2006 e transitada em julgado em 5 de Março de 2007, o arguido foi condenado na pena única de 6 anos e 6 meses de prisão.

l) Do relatório social do arguido, datado de 16.01.2011, consta, além do mais, o seguinte:

«(…) Oriundo de um agregado familiar de precária condição sócio-económica, AA vivenciou precocemente a separação dos pais. Esta situação terá agravado a já difícil conjuntura económica da família e provocado afastamento da figura parental do quotidiano do arguido, com repercussões negativas ao nível afectivo e educativo. Todavia, descreve um contexto familiar equilibrado ao nível afectivo proporcionado pela mãe e avó materna.

Estas condicionantes familiares e algumas características pessoais terão contribuído para um percurso escolar problemático, traduzido na baixa motivação, indisciplina, absentismo e integração em grupo de pares conotado com conduta desviante. As dificuldades sentidas pela mãe no exercício da autoridade parental, aliadas às características comportamentais do arguido, promoveram o seu abandono escolar aos 14 anos de idade sem ter concluído o 7.º ano de escolaridade.

Fortemente influenciado pelo grupo, o seu quotidiano passou a caracterizar-se pela baixa responsabilidade, mantendo um estilo de vida direccionado para a ociosidade e o consumo de produtos estupefacientes. Demonstrou dificuldades na manutenção de uma actividade laboral regular, não tendo efectuado aprendizagens profissionais nem interiorizado hábitos de trabalho.

Os primeiros contactos com o Sistema da Justiça ocorreram ainda na adolescência, não se tendo verificado alteração do estilo de vida.

(…) À data da presente reclusão, AA residia com a ex-companheira, que apresentava hábitos aditivos, e amigos na zona algarvia. Estava inactivo, subsistia da ajuda de terceiros e apresentava reduzida motivação para alterar o seu estilo de vida. Assumia-se como consumidor esporádico de produtos tóxicos, embora negando qualquer influência negativa desse comportamento no seu quotidiano.

AA apresenta como factor de risco elevado, a precocidade e persistência do comportamento criminal. Surge-nos como um indivíduo que denota características de imaturidade, impetuosidade, baixa responsabilização, dificuldades em definir objectivos e prosseguir na concretização dos mesmos, dificuldades em antecipar as consequências dos seus actos, tendendo a sobrepor os seus interesses pessoais no momento da tomada de decisões.

Em anteriores entrevistas expressou o desejo de alteração da sua conduta comportamental e de aquisição de competências pessoais pró-activas. Todavia, tal intenção apresenta-se incongruente, tendo em conta que até ao momento não evidenciou a motivação necessária para a mudança, sendo notório o desinvestimento pessoal.

Denota resistência à intervenção técnica, quer da parte dos Serviços de Educação da Direcção Geral do Serviços Prisionais quer da parte dos Serviços de Reinserção Social. Contudo, mantém-se integrado desde Novembro de 2009 no programa de substituição opiácea pela metadona, apesar de em anteriores entrevistas apenas se assumir como consumidor esporádico de produtos tóxicos, negando dependência destes. Não beneficiou ainda de medidas de flexibilização da pena de prisão.

Familiarmente, AA beneficia de apoio logístico e afectivo por parte da mãe e família alargada. A relação afectiva que mantinha à data da prisão e da qual resultou um filho, terá terminado, situação que o tem também mantido afastado do convívio com o descendente. A mãe do arguido manifesta sentimentos de confiança naquele e acredita na sua capacidade de mudança, apesar de lhe reconhecer determinadas características como o orgulho exacerbado que tem dificultado uma maior consciencialização das suas fragilidades.

Laboralmente verifica-se a possibilidade de integração em empresa familiar.

Assim, constatam-se condições externas favoráveis a uma ajustada reinserção social do arguido aos níveis habitacional, económico, afectivo e laboral, parecendo os factores de risco subsistirem a nível pessoal.

Assim, o prognóstico quanto à sua futura reinserção social avalia-se como reservado, atendendo a que o esforço de mudança ainda não é perceptível em meio prisional.

(…) A ausência do arguido na entrevista para a qual foi convocado indicia possíveis posturas de desinteresse e distanciamento para abordar aspectos relativos a responsabilidades e reflexão face ao seu percurso criminal. Todavia, quando interpelado em Outubro de 2009, no âmbito do presente processo, o arguido reconhecia fragilidades relacionadas com as suas características individuais que considerava que tinham potenciado um estilo de vida mais egocêntrico, no qual prevalecia a necessidade de experimentação de situações limite, inserindo o seu comportamento criminal na dinâmica do grupo a que pertencia e a cuja influência negativa foi vulnerável.

Verbalizava ainda arrependimento quanto às condutas criminais protagonizadas e denotava intimidação com as reacções penais já aplicadas, inferindo-se na altura que detinha capacidade para pensar nos prováveis danos causados.

Manifestava também grande ansiedade quanto à resolução da sua situação jurídica, no sentido de poder projectar a sua vivência em liberdade. Todavia, estes aspectos mais positivos, anteriormente avaliados, carecem actualmente de ancoragem dada a ausência de responsabilidade do arguido para participar na preparação da sua liberdade e discutir aspectos relacionados com a sua situação jurídico-penitenciária.

Tem usufruído de visitas dos familiares, inferindo-se, pela postura destes, que revelam censura quanto aos comportamentos ilícitos do arguido, apesar de incorrerem numa posição de alguma desculpabilização em virtude de, com facilidade, imputarem para terceiros a maior parte das responsabilidades da conduta daquele (…)».

Resposta do M.º P.º em 1.ª instância :

I)- O presente recurso porque se reporta ao reexame da matéria de direito que condenou o arguido na pena de cinco anos e oito meses de prisão, em cúmulo jurídico, deve ser apreciado directamente pelo Supremo Tribunal de Justiça, face ao disposto no art.432o n° 1 ai. c) do CP.Penal;

II)- O tribunal a quo não incorreu em reformatio in pejus, não só porque não agravou, antes baixou a pena do cúmulo jurídico que lhe competia efectuar, sendo certo que o anterior acórdão foi anulado, mas também porque a violação daquele princípio só é passível de ocorrer nos tribunais superiores, conforme resulta do art.409° n°l , do C.P.Penal;

III) A pena única aplicada pelo tribunal recorrido mostra-se adequada e justa face aos respectivos limites mínimo e máximo a considerar e ao passado criminal do arguido, pelo que, deverá o presente acórdão ser confirmado.

O Exm.º Procurador Geral –Adjunto junto do STJ emitiu parecer no sentido da revogação do acórdão recorrido e o arguido , notificado , ao abrigo do art.º 417.º n.º 2 , do CPP , repetiu a argumentação figurando no recurso .

Colhidos os legais vistos , cumpre decidir :

A descrição da tramitação do processo releva à compreensão do caso a decidir . Assim :

1 . Este STJ , mediante recurso antes interposto pelo arguido , declarou nulo o acórdão proferido em cúmulo jurídico , em 9.11.2009 , por excesso , omissão de pronúncia e falta de fundamentação , e , mais ainda , que se procedesse a cúmulo jurídico -e só -das penas importas nos P.ºs comuns , singular n.º 138/08.6TALRA ( os presentes autos) , do Tribunal de Leiria e colectivo n.º 374/05.7GBTN V , do Tribunal de Torres Novas , decidindo-se , ainda , que ficasse inalterado o cúmulo a que se procedeu n a 1.ª instância no P.º comum colectivo n.º 606/05.1GAVN O , do 1.º Juízo , do Tribunal Judicial de Ourém .

2 . A 1.ª instância , e esclarecendo , nesse acórdão de 9.11.2009 , aludido em 1. , efectivou um cúmulo jurídico englobando as penas impostas nos P.ºs n.ºs 341 /03 .5TATNVe 336 /04 1. TATNV e cominou a pena unitária de 3 anos de prisão ; um outro envolvendo os processos n.ºs 138/08.6TALRA , 374 /05 .7GBTNV e 606 /05.1GAVNO , cominando a pena de 6 anos e 9 meses de prisão .

3 . Em obediência ao decidido por este STJ , a 1 .ª instância procedeu , agora , no acórdão recorrido , o segundo sobre a matéria , ao cúmulo jurídico das penas aplicadas nos P:ºs n.ºs 138/08 e 374 /05 e cominou uma pena de 5 anos e 8 meses de prisão , sendo certo que, em cúmulo , com as penas impostas naqueles processos , nos P.ºs n.ºs 341/03 e 336 /04 , cominara , no primeiro acórdão recorrido, 3 anos de prisão .

A 1.ª instância deixou , assim , intacto o cúmulo jurídico efectuado no Tribunal de Ourém .

2 . E é essa diferença de pena , para mais ( de 3 para 5 anos e 8 meses de prisão ) em reformulação do cúmulo, englobando outras penas , após o reenvio do processo para novo julgamento em cúmulo , para a 1.ª instância , que determina o arguido a recorrer , mais uma vez , agora com fundamento desenvolvido por apelo à violação do princípio da proibição da “ reformatio in pejus “ , com tradução no art.º 409.º n.º 1 , do CPP , que é o “ punctus saliens “ do objecto do recurso .

3. O preceito prescreve que , interposto recurso de decisão final somente pelo arguido , como é o caso, pelo M.º P.º , no interesse exclusivo do primeiro , o tribunal superior não pode modificar , na sua espécie ou medida , as sanções constantes da decisão recorrida , em prejuízo de qualquer dos arguidos , ainda que não recorrentes .

O princípio da proibição remonta ao séc. XVIII , repousando na teoria dos direitos adquiridos no sentido de que o arguido adquire após a primeira sentença condenatória o direito a não ser sujeito a uma sentença mais grave do que a proferida em antecedente julgamento , relacionando , alguns autores , a proibição com origem num “ Avis “ do Conselho de Estado francês , reportado a 1806, funcionando a proibição como um verdadeiro limite ao conteúdo da decisão do tribunal de recurso e aos seus poderes de cognição

Entre nós o Assento deste STJ de 5.5.50 afirmou a possibilidade de agravação, mais conforme com a natureza pública do processo penal e condizente sendo com o alcance de uma pena justa , mas só a lei n.º 2139 , de 5.3.69 , dando nova redacção ao art.º 667 .º , do CPP de 29 , enquanto mais consentânea com o princípio do acusatório e a estrutura acusatória do processo (art.º 32.º n.º 5 , da CRP) assegurando mais eficazmente , favorecendo –o , o fim do processo na medida em que põe o condenado a salvo do receio de recorrer , “ permitindo a reapreciação do facto relativamente a um maior número de sentenças reputadas injustas pelos condenados “ , nas palavras do Prof. Figueiredo Dias , in Direito Processual Penal , I , 259 , impôs disciplina diversa .

A “ ratio “ do instituto radica nas mais díspares razões , mas uma mais antiga pondera uma ideia de equidade , não fazendo sentido reformar para pior uma sentença se só o arguido recorre , não o fazendo o M.º P.º , transitando em julgado quanto a ele o decidido; uma outra na ideia de “ favor reo “ , de benefício , de concessão de uma garantia última dos seus direitos de defesa , como contrapeso da sua debilidade posicional no processo , mas já em Pisani a razão é de índole reguladora do processo , de instrumento que regulariza o andamento justo do processo na medida em que , pelo menos , não desencoraja o arguido de recorrer com receio de sentença mais gravosa ( Cfr. Mara Lopes , in a O Princípio da Proibição da Reformatio in Pejus , como Limite aos Poderes Cognitivos e Decisórios do Tribunal , Estudos em Homenagem ao Professor Jorge de Figueiredo Dias , Vol.III , Coimbra Ed., 949 a 996 )

Para Damião Cunha , in Caso Julgado Parcial , pág . 227 , o princípio assume uma função garantística do exercício do direito ao recurso , questionando-se, no entanto , se a proibição se deve limitar ao estrito âmbito impugnatório ou , deve consagrar-se como afloramento de um princípio geral de processo penal , ligado ao exercício do direito de defesa .

4. Enquanto circunscrito ao direito ao recurso interposto pelo arguido no seu exclusivo interesse ou pelo M.º P.º no mesmo sentido , o princípio , ou seja a proibição de “ reformatio “ denominada nesta modalidade de directa , é fortemente limitativa do poder decisório do tribunal ; porém concebido , embora com controvérsia , como um princípio geral de direito de processo penal , enquanto direito de defesa , consagrado no art.º 32.º n.º 1 , da CRP , o princípio , em nome do direito a um processo justo , “ due process of law “ , actua com maior latitude , e , assim , no caso de anulação ou reenvio do processo para novo julgamento , em 1.ª instância , o princípio não se esvai – é a apelidada “ reformatio “ indirecta -, limitando , igualmente , o poder decisório do tribunal inferior , que não pode em tal caso agravar a situação do arguido .

O tribunal inferior , diz –se , não há-de ter poderes mais amplos do que o tribunal superior ; a proibição de “ reformatio “ se limita o tribunal superior por maioria de razão há-de limitar o inferior , atenta a cadeia hierárquica que se estabelece entre ambos e a íntima conexão entre o decidido nas instâncias , dada a decorrência lógica entre a solução a alcançar .

Aliás sempre que o titular da acção penal não manifesta discordância , não se concebe que o Estado , através dos seus órgãos de administração da justiça , sobrepondo-se ao arguido , lhe possa impor uma reacção penal mais severa do que a cominada do antecedente .

5 . E quando se alude à controvérsia gerada na matéria defendem uns que o princípio tende a negar qualquer eficácia retroactiva para além da impugnação

Assim aquando da anulação já nada subsiste do anulado ; a decisão de 1.ª instância desaparece ; o arguido tem , forçosamente , de aceitar as consequências da anulação , devendo admitir como possível nova decisão sobre a prova e emissão de um juízo decisório novo, não estando este condicionado ou prédeterminado pela decisão do anterior julgamento , esta a argumentação desenvolvida maioritariamente no Ac . deste STJ , de 9.4.2003 / P.º n.º 4628/02 -3:ª Sec., com voto de vencido em defesa da tese contrária e de 17.3.2004 , P.º 4415/04 -3.ª Sec.

6 . A argumentação em sentido oposto defende que o princípio da proibição da “ reformatio “ deve ser conformado como uma importante componente do direito ao processo justo e equitativo , marcado pela estrutura acusatória do processo e pelo direito ao recurso .

Sempre que a acusação pública se conforma com a decisão ou o M.º P.º recorre no interesse da defesa ocorre uma vinculação processual ; os parâmetros decisórios pelo tribunal de recurso ficam intraprocessualmente condicionados por este instrumento de defesa .

A extensão desse parâmetro decisório atinge , em nome da coerência , em novo julgamento , por anulação ou reenvio , o poder cognitivo deste último tribunal , ou seja todas as instância incluídas no “ iter” decisório nenhuma razão havendo para distinguir entre “ reformatio “ directa ou indirecta , como se escreveu naquele voto de vencido , e se sentenciou nos Acs . deste STJ , de 8.7.2003 , P.º n.º 2616/03-5.ª Sec. , de 17 .2.2005 , P.º 04P4324 , de 17.2.2005 , P.º n.º 565 /05 -5 .º Sec. , 2.3.2006 , P.º 550/06 -5.ª Sec., 29.4.2003 , P.º 768 /03-5.ª e 5.7.2007 , in CJ , STJ , Ano XV, II , 2007 , pág. 239 .

Na doutrina , cfr. , ainda , Jorge Dias Duarte , in Proibição de Reformatio in Pejus , Consequências Processuais , Revista Maiajuridica , Ano I , n.º 2 , Julho –Dezembro de 2003 , pág . 205 , em comentário favorável ao Ac .citado de 9.4.2003 .

7 . Dos art.ºs 6 .º , da CEDH , 14.º do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos e a da jurisprudência do TEDH , também resulta que , em respeito por um processo equitativo estruturado em princípios como os da lealdade processual , contraditório e igualdade de armas , se adoptem posições de equilíbrio , e assim que quando o recurso só é usado pela defesa , em nome do princípio da proibição da “ reformatio “ , se imporá que o arguido não seja surpreendido em recurso e nas suas consequências com uma situação de gravame .

O TC no seu Ac. n.º 236 /2007 , de 30.3.2007 , P.º n.º 201/4 , veio a julgar inconstitucional a norma do art.º 409.º n.º 1 , do CPP , por violação do art.º 32.º n.º 1 , da CRP , quando interpretada no sentido de não proibir o agravamento da condenação em novo julgamento a que se procedeu por o primeiro ter sido anulado em consequência de recurso apenas interposto pelo arguido .

8 . Isto posto reexaminemos uma vez mais o caso dos autos :

O STJ sentenciou :

a) dever proceder –se somente ao cúmulo das penas impostas nos P.ºs n.ºs 374 /05 e 138 /08 .

b) deve manter-se intocado , inalterado , sobre este aspecto se tendo formado caso julgado , o cúmulo jurídico efectuando no P.º comum colectivo n.º 606 /05 .1 GAVNO , 1.º Juízo de Ourém , que englobara as penas impostas nesse mesmo processo , de 4 anos de prisão , 2 anos e 2 meses , imposta no P.º n.º 336/04.1TATVN e 2 anos e 4 meses de prisão , no P.º n.º 341 /03 .5TATVN , , ou seja a pena de 6 anos e 6 meses de prisão .

9 .O Ac. STJ incidiu sobre acórdão de 1.ª instância , em que o Tribunal recorrido :

-procedeu ao cúmulo jurídico das penas impostas nos processos n.ºs 341/ 03 e 336/04 , aplicando a pena de concurso de 3 anos de prisão ;

-Igualmente procedeu ao cúmulo das penas aplicadas nos P.ºs n.ºs 606 /05 , 138/ 08 ( os presentes autos ) e 374/05 , aplicando a pena unitária de 6 anos e 9 meses de prisão.

O STJ , como se disse acima , corrigiu essa actuação , anulando-a , limitou o concurso , a efectuar após baixa , às penas dos dois processos , mencionados em 8.a) e ; ordenou a recomposição , incontornável , do cúmulo no P.º n.º 606 /05 , deixando o intocado e determinou a fundamentação do cúmulo agora com as duas penas ( P.ºs n.ºs 138/08 e 374/05 )

10 . Porém, dessa segunda operação de cúmulo , em obediência ao superiormente decidido , das pena s parcelares , de 18 meses imposta no presente P.º Comum Singular n.º 138 /08 , do 2.º Juízo de Leiria , de 4 anos e 6 meses e 2 anos de prisão , impostas no P.º Comum Colectivo do Tribunal de Torres Novas n.º 374 /05 , resultou emergente a pena de cúmulo de 5 anos e 8 meses de prisão , sem dúvida superior à que lhe tinha sido cominada no cúmulo indevido com as penas antes impostas nos P.ºs comum singular e colectivo n.ºs 341 / 03 e 336/04 , de Torres Novas , e que foi de 3 anos de prisão .

Essa pena única, supervenientemente fixada em cúmulo , resultante das aplicadas em processos agora diferentes , é o resultado da reposição da lei , da correcção de um erro de direito, antes cometido pelo Tribunal recorrido , na óptica deste STJ , obedecendo o cúmulo a uma nova densificação , com o englobamento de penas a que do antecedente a sua moldura se não conformara .

Dir-se-à , ainda , que dessa segunda operação de cúmulo , em obediência ao superiormente decidido , das penas parcelares , de 18 meses imposta no presente P.º Comum Singular n.º 138 /08 , do 2.º Juízo de Leiria , de 4 anos e 6 meses e 2 anos de prisão , impostas no P.º Comum Colectivo do Tribunal de Torres Novas n.º 374 /05 , resultou emergente a pena de cúmulo de 5 anos e 8 meses de prisão , sem dúvida superior à que lhe tinha sido cominada no cúmulo indevido com as penas antes impostas nos P.ºs comum singular e colectivo n.ºs 341 / 03 e 336/04 , de Torres Novas , e que foi de 3 anos de prisão .

Essa pena única, supervenientemente fixada em cúmulo inquestionavelmente que conduz a um agravamento da posição processual do arguido , em mais 2 anos e 4 meses de prisão, certamente porque só uma das penas parcelares excedia 3 anos .

11. Na tese dominante neste STJ , na esteira jurisprudencialmente citada quando , porém , uma decisão do tribunal superior anula uma audiência de julgamento, a nova decisão não pode prejudicar o direito de defesa mantendo-se nos limites condenatórios anteriores, só assim se concorrendo para o exercício livre , sem receio de prejuízo , de todos os seus direitos processuais, em ordem a fazer valer a sua liberdade posta em jogo por uma acusação do Ministério Público, cujos termos não desejou fazer prevalecer , antes se conformando .

A proibição da “ reformatio “ , enquanto princípio constitucional com tradução no art.º 32.º n.º 1 , da CRP , amplia-se a todos os seus termos , e no caso concreto quer se trate de cúmulo com as mesmas penas ou outras , implicando a dimensão constitucional daquele princípio , pelo menos ,que se não altere a medida da sanção antes aplicada .

E isto porque a medida penal anteriormente aplicada ao arguido (num primeiro julgamento) vincula o tribunal e constitui caso julgado parcial quanto à pena no segundo ; os termos do recurso limitam em toda a linha as decisões conexas , que não podem desfavorecer o arguido

Sendo assim, em segundo julgamento a que se proceda por anulação do primeiro na sequência de recurso somente interposto pelo arguido, o tribunal não poderá condenar em pena mais grave que aquela que inicialmente lhe foi aplicada, sob pena de lesão do art.º 32.º n.º 1 , da CRP e do princípio da acusação –art.º 32.º n.º 5 , da CRP, dispondo de mais poderes do que o tribunal superior .

Isto não obstante a elaboração do cúmulo , de acordo com as regras fixadas na lei , no art.º 77.º n.º 2 , a pena mínima não poder ser inferior a 4 anos e 6 meses de prisão ,

13 . De frisar, assim, que a pena unitária de 3 anos antes fixada em cúmulo , na interpretação que o Tribunal Constitucional fornece ao art.º 409.º , n.º 1 , do CPP , já citada , como sendo a conforme à CRP , não pode ser ultrapassada .

14 . No concurso superveniente de infracções tudo se passa como se , por pura ficção , o tribunal apreciasse , contemporâneamente com a sentença , todos os crimes praticados pelo arguido , formando um juízo censório único , projectando –o retroactivamente ( cfr. Ac. deste STJ , de 2.6.2004 , CJ , STJ , II , 221 ) .

A formação da pena conjunta é , assim , a reposição da situação que existiria se o agente tivesse sido atempadamente condenado e punido pelos crimes à medida em que os foi praticando ( cfr. Prof. Lobo Moutinho , in Da Unidade à Pluralidade dos Crimes no Direito Penal Português , ed. Da Faculdade de Direito da UC , 2005 , 1324 )

Propondo-se o legislador sancionar os factos e a personalidade do agente no seu conjunto , em caso de cúmulo jurídico de infracções , de concluir é que o agente é punido , de certo que pelos individualmente praticados , mas não como um mero somatório , em visão atomística , mas antes de forma mais elaborada , dando atenção àquele conjunto , numa dimensão penal nova fornecendo o conjunto dos factos a gravidade do ilícito global praticado , no dizer do Prof. Figueiredo Dias , in Direito Penal Português , As Consequências Jurídicas do Crime , págs . 290 -292 ; cfr. , ainda , os Acs . deste STJ , in P.ºs n.º s 776/06 , de 19.4.06 e 474/06 , este daquela data , levando –se em conta exigências gerais de culpa e de prevenção , tanto geral , como de análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente ( exigências de prevenção especial de socialização ) .

O cúmulo retrata , assim , o atraso da jurisdição penal em condenar o arguido , tendo em vista não o prejudicar por esse desconhecimento ao fixar limites sobre a duração das penas .

Imprescindível na valoração global dos factos , para fins de determinação da pena de concurso , é analisar se entre eles existe conexão e qual o seu tipo ; na avaliação da personalidade releva sobretudo se o conjunto global dos factos é reconduzível a uma tendência criminosa , dando-se sinais de extrema dificuldade em manter conduta lícita, caso que exaspera a pena dentro da moldura de punição em nome de necessidades acrescidas de ressocialização do agente e do sentimento comunitário de reforço da eficácia da norma violada ou indagar se o facto se deve à simples tradução de comportamentos desviantes , meramente acidentes de percurso ,que toleram intervenção punitiva de menor vigor , expressão de uma pluriocasionalidade , sem radicar na personalidade , tendo presente o efeito da pena sobre o seu comportamento futuro –Prof. Figueiredo Dias , op. cit . § 421 .

O arguido é , neste cúmulo , condenado por factos que retratam uma personalidade mal conformada , como só pode ser aquela do que procede a denúncia contra inspectores da PJ , acusando-os de tortura e coacção , levando a que fossem constituídos arguidos , vindo mais tarde a declarar , agora sem coacção , que só denunciara por o acusarem de deter um carro na sua garagem o que não era exacto , isto nos presentes autos , sem deixar de ter presente que furtou um veículo , ligeiro de mercadorias , com o valor de 5.000 € , após arrombamento da oficina onde se achava , de onde retirou ferramentas , apôs-lhe uma chapa de matrícula falsa , para não ser identificado , sendo –lhe encontrados objectos usados na prática de furto ( P.º n.º 374/05 ) .

Foi condenado em mais 7 processos , sendo –o por 4 furtos ( um qualificado e outro de uso de veículo ) um crime de receptação , um de introdução em lugar vedado ao público , um de roubo , um de falsificação de documento , um de falsidade de depoimento agravado e outro de tráfico de estupefacientes , de menor gravidade , ao longo de 1996 , 1997 , 1998 , 2003 , 2004 , 2005 e 2006 , tudo apontando para uma pluriocasionalidade severa, a reclamar forte necessidade de pena , pela via da culpa e prevenção , em nome de sentidas necessidades de prevenção especial e de conformação ao sentido normativo comunitário e de cidadania , condenando a falsidade de testemunho , avessa em fidelizar-se ao direito , como decorre do hiato temporal esparso em que os levou a cabo , além de que outros factos cometidos geram instabilidade social , sendo reprováveis comunitariamente , atenta a sua prática corrente .

Por todo o exposto condenando-se o recorrente na pena unitária de cúmulo em 3 anos de prisão , abrangendo as parcelares impostas no presente P.º Comum Singular n.º 138 /08 , do 2.º Juízo de Leiria e no P.º Comum Colectivo do Tribunal , revoga-se a decisão recorrida, na observância do princípio da proibição da “ reformatio “, obstando , e só por isso , a que aquela seja excedida

Provê-se ao recurso .

Sem tributação .

Armindo Monteiro (relator)
Santos Cabral